FACULDADE DE PARÁ DE MINAS Curso de Direito. Maria Júlia Gomes



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Transcrição:

0 FACULDADE DE PARÁ DE MINAS Curso de Direito Maria Júlia Gomes A PROTEÇÃO JURÍDICA DO DIREITO DE FILIAÇÃO DO NASCITURO CONCEBIDO POR INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA POST MORTEM. Pará de Minas 2013

1 Maria Júlia Gomes A PROTEÇÃO JURÍDICA DO DIREITO DE FILIAÇÃO DO NASCITURO CONCEBIDO POR INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA POST MORTEM. Monografia apresentada a Coordenação de Direito da Faculdade de Pará de Minas, como requisito parcial para conclusão do curso de Direito. Orientador: Prof. Dr. Fabrício Costa Veiga Pará de Minas 2013

2 Maria Júlia Gomes A PROTEÇÃO JURÍDICA DO DIREITO DE FILIAÇÃO DO NASCITURO CONCEBIDO POR INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA POST MORTEM. Monografia apresentada à Coordenação de Direito da Faculdade de Pará de Minas como requisito parcial para a conclusão do Curso de Direito. Aprovada em: / / Prof. Dr. Fabrício Veiga Costa Prof. Esp. Evandro Alair Camargos Alves

3 Dedico este trabalho a Deus por renovar o meu ânimo todos os dias, para vencer obstáculos, superar os meus limites e alcançar os meus objetivos. Com saudades, ao meu amado pai Jésus que está assistindo a minha vitória em um lugar especial. A minha mãe Áurea que iluminou os meus passos com afeto e dedicação me ensinando a galgar os caminhos da vida com dignidade.

4 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus pelo dom da vida e por me proporcionar a capacidade de transformar as minhas dificuldades em motivação. A minha mãe pessoa que encerra todos os predicados contidos nessa palavra, pela educação sólida, pelo amor, pelo estímulo e por despertar em mim o gosto e a busca pelo conhecimento. Ao meu pai (em memória), que apesar de ter partido tão cedo, marcou fortemente a vida daqueles que amava. Ao Professor Dr. Fabrício Costa Veiga, que foi de fundamental importância na conclusão dessa etapa de minha graduação, conduzindo com sabedoria e dedicação a orientação deste trabalho. Aos funcionários da biblioteca Professor Melo Cançado, em especial a Neusinha e Uli pela cortesia e presteza no seu atendimento. Aos amigos e colegas pelo companheirismo e pela compreensão em todos os momentos e a todos que contribuíram para a conclusão deste projeto. Deixo a todos, meu muito obrigada!

5 A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade. A dor é inevitável. O sofrimento é opcional. Carlos Drummond de Andrade

6 RESUMO As técnicas de reprodução humanamente assistidas trouxeram um grande avanço biotecnológico a área das ciências médicas e inúmeras discussões jurídicas e éticas quanto as suas implicações na sociedade. Elas originam situações que desafiam o direito principalmente no que tange as relações de parentesco, fazendo com que o conceito de filiação fosse repensado. O Código Civil de 2002 introduziu a questão da reprodução humana no artigo 1.597 nos incisos III e IV de um modo superficial regulamentando apenas o direito de filiação do concebidos em decorrência da reprodução humana. Em matéria sucessória questiona-se a possibilidade da prole eventual e do nascituro concebido após a morte de seu genitor, participar da sucessão hereditária como herdeiro legítimo. O Código Civil de 2002 em matéria de Direito de Família possibilita a presunção de paternidade ás técnicas de inseminação artificial. No entanto em matéria de Direito Sucessório o legislador manteve-se silente surgindo um impasse, pois a legitimidade sucessória apoia se na máxima vênia de que a herança somente será atribuída, aos nascidos ou concebidos até a abertura da sucessão. Surgindo assim uma lacuna legislativa que momentaneamente pode ser suprida pelos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, igualdade entre os filhos e do planejamento familiar o que não exclui a responsabilidade do Estado em dar uma solução ao tema estudado. O projeto tem por objetivo propor uma análise crítica constitucional aos direitos de filiação e sucessório do nascituro provindo de inseminação artificial post mortem de um de seu genitor. Procura-se investigar os fundamentos históricos da infertilidade expondo os conceitos das técnicas de RPHA post mortem, buscando ampliar os esclarecimentos quanto à legislação vigente a respeito da proteção aos direitos do nascituro proveniente de inseminação artificial no país e suas implicações. Para conhecer os aspectos jurídicos em torno do tema bem como a posição dos doutrinadores em face ao assunto, é utilizada como metodologia à pesquisa, a revisão bibliográfica para análise e interpretação dos dados pesquisados, a legislação vigente, e a inclusão de interdiciplinas necessárias a solucionar a problemática. Palavras-chave: Reprodução assistida. Inseminação artificial homóloga post mortem. Direito sucessório do nascituro concebido post mortem.

7 LISTA DE SIGLAS CCB/1916 Código Civil Brasileiro de 1916 CCB/2002 Código Civil Brasileiro de 2002 CECOS - Centro de Estudos e Conservação do Esperma CFM Conselho Federal de Medicina CJF Conselho de Justiça Federal CRFB/1988 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 DNA Ácido desoxirribonucleico ECA/1990 Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 FIV Fertilização in Vitro LINDB - Lei de Introdução ao Direito brasileiro RPHA Reprodução Humanamente Assistida STF Superior Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça

8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO... 09 2 A PROTEÇÃO JURÍDICA DO DIREITO DE FILIAÇÃO DO NASCITURO CONCEBIDO POR INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA POST MORTEM... 11 2.1 Historicidade e gênese da reprodução medicamente assistida... 11 2.2 Inseminação artificial: distinções teóricas entre homóloga e a heteróloga... 14 2.3 Fertilização in vitro... 16 2.3.1 A regulamentação das técnicas de reprodução medicamente assistida pelo Conselho Federal de Medicina... 18 2.4 A previsão no Código Civil brasileiro da presunção de paternidade decorrente da inseminação artificial... 20 2.5 A filiação como um Direito Fundamental constitucionalmente protegido desde a concepção... 23 2.6 Os avanços biotecnológicos na área da reprodução assistida e os seus reflexos no que tange ao Direito de Filiação... 26 3 OS DIREITOS SUCESSÓRIOS DECORRENTES DA REPRODUÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA... 29 3.1 A previsão dos direitos sucessórios da prole eventual no Código Civil brasileiro... 29 3.2 A possibilidade jurídica de inseminação artificial homóloga após a morte do genitor... 32 3.3 A possibilidade jurídica de inseminação artificial homóloga após a morte da genitora e a problemática atinente à maternidade substitutiva... 35 3.3.1 A regulamentação da maternidade substituta pelo Conselho Federal de Medicina... 39 3.4 A proteção jurídica dos direitos sucessórios do nascituro concebido post mortem em caso de inseminação artificial homóloga... 40 3.4.1 Argumentos doutrinários favoráveis e contrários... 44 3.4.2 Posicionamento e analise crítica da jurisprudência pátria... 46 4 CONCLUSÃO..... 49 REFERÊNCIAS... 53

9 1 INTRODUÇÃO Com as inúmeras inovações biomédicas, sobretudo, no setor da reprodução humanamente assistida, surgem diversas questões que necessitam de um parecer jurídico. Esta pesquisa propõe uma análise crítica constitucional aos direitos sucessórios do nascituro advindo de inseminação artificial após a morte de seu genitor. E tem por objetivo esclarecer a realidade jurídica da técnica de reprodução homóloga post mortem no país, focando os aspectos da filiação e sucessão sob um contexto jurídico e social. Procura-se conhecer os aspectos jurídicos em torno do tema bem como a posição doutrinária e jurisprudencial em face ao assunto. Utiliza-se como metodologia á pesquisa e a revisão bibliográfica para análise e interpretação dos dados pesquisados, a legislação vigente, e a inclusão de interdiciplinas necessárias a solucionar a problemática. No primeiro capítulo abordar-se-á a proteção jurídica do direito de filiação do nascituro proveniente de inseminação artificial post mortem sob uma análise crítica constitucional das presunções de paternidade inseridas no CCB/2002 pelo artigo 1.597 precisamente os incisos III e IV. O artigo 1.597 do CCB/2002 oferece uma solução à paternidade dos filhos concebidos por inseminação artificial trazendo consigo uma inovação às ficções jurídicas que determinam a paternidade por meio da inserção de novos mecanismos. O segundo capítulo deste trabalho irá abordar os direitos sucessórios da prole eventual do de cujus, sob uma análise crítica constitucional ao CCB/2002. O instituto infraconstitucional adotou uma conduta diferente e manteve-se silente quanto aos direitos sucessórios da prole concebida após a morte do de cujus. Sendo a situação adequada a regra geral estabelecida pelo artigo 1.798 do CCB/2002. O qual legitima a suceder os nascidos ou concebidos até o momento da abertura da sucessão. Desta máxima vênia surge o seguinte questionamento: O filho concebido

10 por inseminação artificial post mortem e a prole criopreservada do de cujus podem suceder como herdeiros legítimos? A medicina em suas constantes evoluções sempre trouxe repercussões à área jurídica embora a legislação nem sempre consiga acompanhar expressamente estas mudanças. O tema é relativamente novo e ainda existem várias lacunas a serem preenchidas pela doutrina e jurisprudência, não havendo legislação pátria que proíba ou regulamente a prática da técnica de inseminação artificial post mortem. A doutrina dedica poucas linhas ao tema, sendo que estas apresentam inúmeras divergências cujas argumentações são fundadas em princípios constitucionais. Embora não exista uma corrente doutrinária majoritária ou jurisprudencial acerca do tema por se tratar de situação atípica. Faz-se necessário uma análise crítica dos direitos do nascituro para resguardar o equilíbrio do sistema jurídico que necessita desenvolver-se para acompanhar a rápida evolução social.

11 2 A PROTEÇÃO JURÍDICA DO DIREITO DE FILIAÇÃO DO NASCITURO CONCEBIDO POR INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA POST MORTEM Os avanços biotecnológicos alcançados na área da reprodução humana assistida trazem inovações a antigos paradigmas antes estabelecidos pelo direito. A biotecnologia ultrapassa os limites da bioética chegando a tocar questões inerentes ao Direito. Estas técnicas suscitam controvérsias e modificam algumas certezas com relação à família, trata-se de um setor em expansão e que desperta grande interesse na indústria de medicamentos. É cada vez mais difundida a utilização das técnicas de reprodução humanamente assistida embora seja uma prática na maioria das vezes realizada por uma pequena parcela da população que tem um maior potencial aquisitivo. Faz se necessário a intervenção do Direito para controlar a atuação médica e evitar a desordem social com a criação de leis que tenham no ser humano o ponto central de referência. Considerando os valores e os princípios bioéticos adaptando-os a realidade social e científica. Neste capítulo estudar-se-á a proteção jurídica do direito de filiação do nascituro concebido por inseminação artificial homóloga após a morte do de cujus. 2.1 Historicidade e gênese da reprodução medicamente assistida Desde os primórdios a fertilidade é um assunto muito abordado. As antigas civilizações deixaram evidente sua importância em vários relatos presentes na história da humanidade. Esta importância era principalmente creditada à família considerada uma forte base de formação social. Para os precursores a família era vista em sociedade como uma unidade política, jurídica, econômica e religiosa. Estabelecida no modelo patriarcal tinha em seu centro a figura do pai que era o responsável pelo provimento familiar através da administração de seu patrimônio.

12 Diante a importância da entidade familiar o homem necessitava de descendentes e via nestes um meio de perpetuar a sua espécie e de transmitir o seu patrimônio. Portanto a infertilidade era um motivo de grande preocupação social, que causava risco a vida conjugal. Na tentativa de solucionar a infertilidade, o homem desenvolveu estudos que contribuirão para a criação de técnicas que intervém no processo natural reprodutivo, ou seja, aquele realizado por meio do ato sexual. Como veremos a reprodução assistida é o conjunto de técnicas que favorecem a fecundação humana, a partir da manipulação de gametas e embriões, objetivando principalmente combater a infertilidade e proporcionando o nascimento de uma nova vida humana. (RIBEIRO apud SÁ; NAVES, 2009, p. 110). Das civilizações antigas os gregos foram os primeiros povos que ofereceram uma grande contribuição à ciência da embriologia, tendo seus estudos registrados nos livros de Hipócrates 1. Em seguida os povos árabes e babilônicos foram os primeiros a realizarem experiências em palmeiras e posteriormente em peixes e mamíferos. Os povos árabes deram seguimento aos seus experimentos e conforme relatos datados em 1332 foram os primeiros a realizarem experiências em equinos. O cientista italiano Lázaro Spallanzani no ano de 1784 obteve êxito ao inseminar uma cadela, injetando líquido seminal de um cachorro. A técnica somente foi realizada com êxito em humanos em 1799 pelo cientista John Hunter. Entretanto somente em 1833, na França, é que o cientista Giraud realizou pela primeira vez uma inseminação artificial homóloga. No ano seguinte nos Estados Unidos a técnica foi aplicada pela primeira vez em uma inseminação artificial heteróloga. Em uma mulher cujo marido sofria de uma azoospermia 2. 1 2 [...] o famoso médico grego do século V a.c., considerado, por muitos o pai da medicina. Azoospermia é a ausência total de espermatozóides no ejaculado.

13 O grande responsável pela evolução da técnica foi o cientista Ivanov em 1910 que descobriu como se conservava o líquido seminal, técnica utilizada atualmente para conservar gametas e embriões humanos. No entanto o grande marco aconteceu em 1978 com o nascimento de Louise Joy Brown o primeiro bebê de proveta do mundo. Este grande acontecimento da ciência foi resultado de 15 anos dedicados à pesquisa pelos cientistas Robert Edwards e Patrick Steptoe. No Brasil a primeira fecundação in vitro foi realizada pelo o Doutor Milton Nakamura responsável pelo Setor de Esterilidade Conjugal da Faculdade de Ciências Médicas de Campinas-São Paulo. Ele adaptou para os seres humanos uma técnica japonesa utilizada antes em animais e em 1984, nasceu no estado do Paraná o primeiro bebê de proveta brasileiro Anna Paula Caldera. O século XX foi marcado por grandes descobertas e acelerados avanços biotecnológicos trazendo neste contexto as avançadas técnicas de reprodução assistida, proporcionando aos casais a realização do sonho de ter um filho. Desde a antiguidade a infertilidade era uma preocupação para o homem, pois a família, o casal e seus filhos eram considerados a base da sociedade. A esterilidade era considerada uma maldição que assolava a família, e na época pela falta de conhecimento sobre o assunto por muitas vezes era atribuído à mulher a culpa pela infertilidade do casal. Este legado se devia a sociedade patriarcal a qual valorizava o homem pelo número de filhos que ele tinha os quais seriam responsáveis pela continuação da família. A importância e o valor da mulher no quadro da família estão localizados principalmente na sua maternidade, naquela que, com seus sofrimentos, assegura a continuidade da família e do clã, tornando-se, assim, a medianeira das Bênçãos divinas. [...] 3. [...] Do mesmo modo, o pai é valorizado pelo número de filhos que tem, os quais deverão ser responsáveis por sua continuidade. O mistério da continuidade e a vitalidade da estirpe celebra-se num diálogo de gerações, cujos filhos fazem reviver o pai e o pai dá sentido aos filhos. (MOURA; SOUZA; SCHEFFER, p. 30, 2009). 3 Nos cultos, Israel celebra a felicidade do homem justo que tem uma mulher fecunda e numerosos filhos. Também Na sociedade patriarcal, que se caracteriza pelo primado da virilidade, a mulher fecunda adquire uma importância que a torna especial para o marido. Apesar de casos em que a mulher pode ser amada independentemente da sua capacidade de procriar, a ênfase é dada à importância da fertilidade na família e da localização da infertilidade na mulher.

14 Entretanto já se foi o tempo em que era creditada a culpa da esterilidade do casal apenas à mulher, hoje após anos de pesquisas foram diagnosticados vários fatores que causam a esterilidade ou infertilidade para procriar, tanto por parte da mulher como do homem. Ademais com a evolução social os filhos deixaram de serem vistos apenas como uma mera extensão da família. Alguns conceitos médicos estabelecem que o casal estéril, é aquele que não consegue engravidar em um período de um ano de tentativas, sem o uso de qualquer método contraceptivo. Mas este conceito não é regra uma vez que diversos fatores de ordem biológica, médica ou psíquica podem influenciar no acontecimento da fecundação. A ciência médica na tentativa de corrigir estes distúrbios, por meio de pesquisas e experimentos criou métodos artificiais para solucionar os problemas relativos à reprodução. Mesmo apresentando um quadro de resultados positivos estas técnicas suscitam polêmicas de ordem ética, moral, religiosa e jurídica. Certo é que ainda em tempos modernos a infertilidade ou a esterilidade podem trazer sofrimentos, desordens psíquicas e emocionais para o indivíduo. Sendo que o indivíduo por não conseguir cumprir com um dos planos inerentes a natureza humana poder sentir se pressionado socialmente ou ter ainda a sua autoestima abalada não efetivando assim a sua realização pessoal. 2.2 Inseminação artificial: distinções teóricas entre homóloga e a heteróloga Inseminação artificial consiste em técnicas nas quais os espermatozóides ou sêmem são tratados e introduzidos por meio de uma sonda no sistema genital feminino. São várias as técnicas de inseminação artificial dentre as mais conhecidas estão a inseminação artificial (homóloga, post mortem e heteróloga), fecundação in vitro e as chamadas mães de substituição. Dependendo da técnica a ser aplicada a fecundação poderá ser in vivo ou in vitro. Na fecundação in vivo, os gametas masculinos serão introduzidos intrauterinamente

15 no corpo da mulher. Esta técnica tem uma baixa complexidade e dispensa a utilização das clínicas de reprodução além de apresentar baixos custos para o casal. Enquanto que a fecundação in vitro é considerada uma técnica de alta complexidade, porque é feita em laboratório consistindo em um processo mais dispendioso sendo que o embrião depois de formado será transferido para a cavidade uterina. Esta fecundação suscita vários questionamentos os quais serão abordados posteriormente. [...] Na inseminação artificial, a fecundação ocorre em in vivo com procedimentos que são relativamente simples, consistentes na introdução dos gametas masculinos dentro da vagina, em volta do colo, dentro do colo, dentro do útero, ou dentro do abdômen. No caso de fecundação in vitro, o processo é mais elaborado e a fecundação ocorre em laboratório, de forma extrauterina. (ALDROVANDI; FRANÇA apud DELFIM, 2011, p. 9). Dependendo da origem dos gametas a inseminação ou fecundação poderá ser homóloga ou heteróloga. A inseminação artificial homóloga é aquela em que o sêmen utilizado na mulher será proveniente do marido ou de seu companheiro. Por apresentar os gametas provenientes do casal esta prática em primeiro momento não fere princípios jurídicos e nem éticos, haja vista que a criança se desenvolverá no ambiente familiar com seus pais biológicos. Esta técnica poderá suscitar questionamentos sócio-jurídicos, quando tratar-se da inseminação após a morte do marido ou companheiro. Possibilidade admitida no ordenamento jurídico brasileiro por meio do permissivo legal contido no artigo 1.597 do CCB/2002. (BRASIL, 2002). A legislação faculta à mulher a possibilidade de gerar um filho concebido por inseminação artificial após a morte do marido com a utilização de material criopreservado. Essa hipótese irá despertar implicações jurídicas quanto ao vínculo à paternidade, a sucessão e reflexões éticas quanto ao seu procedimento. A inseminação artificial será Heteróloga quando o espermatozóide ou o óvulo utilizado na fecundação ou ambos são provenientes de um terceiro doador. Deverá

16 existir uma autorização do marido ou da esposa, nos casos em que o casal deseja ter um filho e um ou outro não tem condições. A inseminação artificial heteróloga irá de encontro à clássica base familiar que encontrava no casamento um pressuposto para a concepção. Para os casais interessados nestes procedimentos faz-se necessário uma autorização expressa e prévia do marido ou companheiro para sua realização. Antes de optar por uma destas técnicas o casal deve ser bem investigado, até mesmo por tratar-se de um procedimento desgastante sujeito a inúmeros incômodos físicos para a mulher e psicológicos para ambos o qual demandará a união do casal para a realização do projeto parental. Algumas destas técnicas levantam aspectos éticos e merecem uma reflexão social quanto à necessidade de sua utilização. Embora a perpetuação da espécie esteja presente na essência do ser humano desde tempos remotos a inseminação artificial deve ser a última opção do casal. 2.3 Fertilização in vitro A fertilização in vitro é uma fecundação extracorpórea que visa à produção de gametas masculino e feminino que serão fertilizados e consequentemente implantados no útero materno. Neste sentido explica Semião (2000, p. 169): A fertilização in vitro é a fecundação de um óvulo em laboratório. A fusão dos gametas masculino e feminino, que dão origem ao óvulo fecundado, ocorre extracorporeamente. O óvulo é retirado da mulher e o sêmen do homem é coletado, colocando-os em um tubo de proveta. Após a fecundação, que é provocada artificialmente, o óvulo fecundado, já embrião, é transportado para a mulher, quando se espera que se dê a nidação, que é a fixação desse óvulo embrionário no endométrio (mucosa uterina), onde passará a se desenvolver a gestação, que nem sempre ocorre. Atualmente o êxito dessa técnica está em torno dos 26%, com algumas variações. Na fertilização in vitro a mulher será submetida a um tratamento de estimulação hormonal com a finalidade de conseguir uma superovulação durante o mesmo ciclo menstrual. Em seguida estes óvulos serão retirados e fertilizados na proveta e posteriormente serão criopreservados e aguardarão uma futura fecundação.

17 O processo busca a obtenção do ovo que será desenvolvido até a formação de um embrião viável a ser transferido para o útero materno. Esta técnica é muito debatida porque ocasiona uma superprodução de embriões além do necessário, sendo que apenas alguns destes serão implantados enquanto que os excedentes serão criopreservados para uma possível fecundação. [...] todas aquelas etapas da FIV comportam riscos como efeitos indesejáveis de doses elevadas de hormônios, o desconforto ligado ao monitoramento laboratorial de todo o processo as repetidas intervenções médico-cirúrgicas etc. A transferência de vários embriões é responsável pelos principais efeitos iatrogênicos para a saúde de mulheres e bebês, ligados às gestações múltiplas (baixo peso ao nascer, problemas respiratórios de recém-nascidos e outros danos associados às gestações de mais de um feto). (CORRÊA apud PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2010, p. 324). A superprodução de embriões era vista como uma má prática médica que fazia um uso errado da técnica. E mesmo assim era adotada como padrão na medicina reprodutiva, no entanto essa prática passou a ser muito criticada pela própria classe médica. Com o surgimento destas críticas até mesmo entre os próprios profissionais médicos, surgiram propostas para limitar o número de embriões gerados e transferidos na FIV, porém nem todas as equipes seguem efetivamente a resolução do Conselho Federal de Medicina. Esta limitação está presente na resolução 1.958/10 em seu item I-6 do Conselho Federal de Medicina o qual estabeleceu um número máximo de embriões a serem transferidos durante a fecundação. Em seu item I-6 aconselha que o número máximo de oócitos e embriões a serem transferidos para a receptora não pode ser superior a quatro. Em relação ao número de embriões a serem transferidos, são feitas as seguintes determinações: a) mulheres com até 35 anos: até dois embriões; b) mulheres entre 36 e 39 anos: até três embriões; c) mulheres com 40 anos ou mais: até quatro embriões. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2010). A fertilização in vitro tornou possíveis situações antes inimagináveis, como uma inseminação artificial pós-morte do marido ou companheiro, o útero de substituição

18 nos casos em que a mulher não consegue manter uma gravidez normal e a pesquisa com embriões excedentários. A FIV é considerada uma técnica que possibilita a escolha do embrião mais viável para a fecundação, entretanto esta seleção deve ser feita com precaução para não despertar questões eugênicas, sexistas e rascitas. Outro ponto crítico relevante a esta técnica se deve ao seu acesso, por se tratar de um procedimento laboratorial com elevados custos poucos são os casais que tem a disponibilidade financeira para efetivar esta inseminação, ficando esta técnica restrita a poucas pessoas. É importante ressaltar que o casal que procura o uso das técnicas reprodutivas deseja realizar o sonho de constituir uma família devendo evitar a seleção da raça ou do sexo da criança, o que consistiria na coisificação do ser humano. Com a crescente utilização destas técnicas reprodutivas surgem novas problemáticas que merecem uma preocupação maior por parte do legislador. Faz-se necessário uma regulamentação especial que evite a criação e estimule uma indústria voltada à concepção, ao tráfico, a comercialização de embriões, óvulos, ou sêmen. 2.3.1 A regulamentação das técnicas de reprodução medicamente assistida pelo Conselho Federal de Medicina É importante inicialmente destacar a ausência normativa no ordenamento jurídico brasileiro que regulamente a utilização das técnicas de reprodução assistida. A única regulamentação que existe até o presente momento são as normas deontológicas do Conselho Federal de Medicina. As quais não tem força de norma e são utilizadas pela classe médica para solucionar apenas as questões éticas quanto à aplicação das técnicas reprodutivas. O Conselho Federal de Medicina após 18 anos revogou a resolução 1.358/1992 criando novas normas éticas presentes agora no regulamento 1.957/2010 para utilização da inseminação artificial.

19 Entenderam a necessidade de avançar adaptando-se a evolução da sociedade no tocante a algumas situações como a responsabilidade médica e os perigos que envolvem a gravidez de gêmeos, antes não tratados em seu antigo regulamento e também em nenhuma outra legislação. Neste sentido o médico Joji Ueno expõe as principais alterações promovidas pela nova resolução do CFM. Dentre as principais mudanças promovidas pela nova norma, a CFM Nº 1.957/2010, está à diminuição dos números de embriões fertilizados implantados nas pacientes, a autorização do uso de material genético deixado por pessoas falecidas, o reforço sobre a proibição da escolha do sexo da criança, a necessidade de a clínica manter um cadastro completo dos pacientes, e de esclarecê-los sobre as chances de sucesso da fertilização. E ainda a inclusão das pessoas do mesmo sexo ou solteiras. (UENO, 2011). O novo regulamento levanta questões ainda sem pareceres na área jurídica como a realização da reprodução assistida post-mortem, desde que comprovada a sua prévia autorização. E com a sua atualização passa a aprovar a utilização das técnicas de reprodução a todas as pessoas, independentemente de seu estado civil ou orientação sexual. Estabelece-se também um limite ético quanto ao número máximo de embriões a serem transferidos, o qual dependerá da idade da paciente. Em pacientes mais velhas deve ser implantado um número maior de embriões, uma vez que as chances de uma gravidez diminuem conforme a idade aumenta 4. Este limite tem o intuito de prevenir casos de gravidez múltipla e se esta vier a ocorrer, a resolução proibiu o uso de procedimentos que viabilizem a redução embrionária. Permanecem as diretrizes éticas que proíbem a aplicação das técnicas de reprodução com a intenção de selecionar sexo ou características biológicas da criança. O direito ao uso destas técnicas não é absoluto e deve em primeiro momento submeter-se a uma análise prévia das restrições elencadas na resolução 1.957/2010 do CFM antes de sua aplicabilidade. 4 O texto determina que em mulheres de até 35 anos seja feita implantação de até dois embriões; de 36 a 39 anos, até três; acima de 40, quatro.

20 A utilização das técnicas reprodutivas é recomendada somente a pacientes que tenham um diagnóstico médico positivo com probabilidades de sucesso e desde que também não causem riscos à saúde da parturiente e do nascituro. Ressalta-se a necessidade da criação de uma legislação pertinente às técnicas de reprodução humana, regulamentando o seu uso e evitando possíveis abusos protegendo o paciente que se submeterá a estas técnicas. 2.4 A previsão no Código Civil brasileiro da presunção de paternidade decorrente da inseminação artificial A presunção de paternidade está presente no artigo 226, 7º 5 da CRFB/1988 representado pelos princípios da dignidade da pessoa humana, da paternidade responsável e do planejamento familiar. (BRASIL, 1998). A família é considerada a base da sociedade e por isso recebe uma proteção especial por parte do Estado, que tenta levar estabilidade social através de leis integrando os filhos a estruturas familiares e utilizando-se de métodos fundamentados em presunções para efetuar o reconhecimento da filiação. A filiação antigamente era estabelecida na ideia de uma presunção, pois não existiam métodos que comprovassem a paternidade. A lei presumia a filiação baseada nos pressupostos do matrimônio entre os cônjuges e da fidelidade da esposa para com o seu marido. Durante anos a presunção de paternidade era amparada pela máxima vênia de que a maternidade é sempre uma certeza enquanto que a paternidade era aquela que as núpcias demonstravam. 5 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

21 Assim sendo a criança concebida na constância do casamento era considerado filho do marido de sua mãe. Essa presunção tinha o objetivo de assegurar a paz e a segurança familiar. As presunções baseavam-se em uma verdade biológica, a evolução das técnicas de RPHA tornaram os tradicionais métodos de presunção de paternidade ultrapassados, novidades surgiram e foram inseridas no CCB/2002. Embora já existissem as garantias fundamentais inseridas na CRFB/1988 e em lei própria ao tempo da elaboração do CCB/2002, o legislador pátrio não inseriu no projeto original as inovações das técnicas reprodutivas. Conforme preceitua Venosa (2006) somente após insistentes críticas e em fase de tramitação legislativa é que foram inseridos os incisos III, IV e V no artigo 1.597 do CCB/2002 6, que tratam da presunção de paternidade inerente às técnicas reprodutivas. (BRASIL, 2002). O Código Civil não autoriza e nem regulamenta a reprodução assistida, mas apenas constata a existência da problemática e procura dar solução exclusivamente ao aspecto da paternidade. Toda essa matéria, que é cada vez mais ampla e complexa, deve ser regulada por lei específica, por opção do legislador. (VENOSA apud DELFIM, 2011, p. 8). Os incisos do artigo 1.597 do CCB/2002 tentaram dar uma solução a questão da paternidade dos filhos concebidos por inseminação artificial. (BRASIL, 2002). Contudo as técnicas de RPHA ainda aguardam a disposição do legislador para regulamentar a matéria em lei específica. Ademais a presença destes três dispositivos levantam mais dúvidas do que soluções quanto à utilização das técnicas de inseminação artificial. E devem ser analisadas com cuidado uma vez que a presunção de paternidade advinda do artigo 1.597, 6 Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

22 incisos III e IV do CCB/2002 têm por consequência reflexos no direito sucessório do filho proveniente de inseminação artificial post mortem. (BRASIL, 2002). A técnica de RPHA homóloga presente no inciso III do artigo 1.597 do CCB/2002, realizada com o material genético do casal não irá gerar dúvidas quanto ao direito de filiação. (BRASIL, 2002). Neste caso será considerado o vínculo biológico já consagrado na ordem jurídica configurando uma presunção de paternidade ficta advinda do matrimônio. Entretanto o mesmo dispositivo permite a inseminação artificial após o óbito do marido o qual merece uma maior reflexão, uma vez que esta paternidade poderá ser presumida se o falecido deixar a sua manifestação de vontade neste sentido. Feito esta, não existirá problemas quanto ao Direito de Família dificuldades serão encontradas no Direito Sucessório. Importante ressaltar que o inciso III não traz expresso nenhuma ressalva quanto à manifestação de vontade do de cujus gerando dúvidas quanto a sua aplicabilidade. O mesmo dispositivo legal foi analisado posteriormente na I Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários STJ/CJF na qual foram aprovados enunciados com o intuito de nortear a interpretação deste artigo. Portanto a paternidade do de cujus no inciso III poderá ser presumida se a mulher ao tempo da utilização das técnicas de reprodução se encontrar viúva sendo importante a autorização expressa do marido 7. A lei com base em uma probabilidade genética sempre presumiu a paternidade sob a justificativa de ser uma verdade real, atualmente o exame de DNA 8 não deixa mais dúvidas quanto à paternidade identificando de pronto os laços biológicos entre as pessoas. 7 Enunciado 106 I Jornada de Direito Civil - CJF/STJ Art. 1597, inciso III: Para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com material genético do marido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatória, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após a sua morte. 8 DNA Ácido desoxirribonucleico.

23 O inciso IV irá trazer a presunção de paternidade dos embriões excedentários que são aqueles provenientes de FIV e criopreservados em clínicas de reprodução. Para que se presuma a paternidade destes embriões será necessário uma autorização prévia dos cônjuges ou se separados de ambos para a sua implantação 9. Na hipótese do preenchimento de todos os requisitos para a implantação do embrião ficará caracterizado a filiação com todos os direitos resultantes dela, inclusive o direito a herança que é uma garantia fundamental prevista no artigo 5º da CRFB, inciso XXX 10. (BRASIL, 1998). O qual irá gerar inúmeras controvérsias jurídicas e será abordado no capítulo posterior. 2.5 A filiação como um Direito Fundamental constitucionalmente protegido desde a concepção A filiação abrange todas as relações desde a sua constituição, modificação e extinção, encontrando nos pais e nos filhos os sujeitos do núcleo familiar. Segundo Rodrigues (2010 apud FARIAS; ROSENVALD, 2013) a filiação é estabelecida por uma relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau, em linha reta, que irá ligar uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam como se a tivessem gerado. Antes do advento do CCB/1916 as Ordenações Portuguesas conferiam tratamento jurídico somente aos filhos legítimos ou naturais deixando à margem da precariedade os direitos dos filhos das pessoas não casadas. 9 Enunciado 107 I Jornada de Direito Civil CJF/STJ - Art. 1.597, inciso IV: Finda a sociedade conjugal, na forma do artigo 1.571, a regra do inciso IV somente poderá ser aplicada se houver autorização prévia, por escrito dos ex-cônjuges para a utilização dos embriões excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação desses embriões. 10 Constituição Federal de 1988 - Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: Inciso XXX: é garantido o direito de herança;

24 A matéria continuou sem justa regulamentação no CCB/1916 que trouxe ainda disposições discriminatórias, como o termo filho ilegítimo conceito utilizado para os filhos concebidos fora do casamento. O homem casado nesta época não podia reconhecer o filho advindo de uma relação extraconjugal, está discriminação também era estendida aos filhos adotados que tinham os seus direitos sucessórios excluídos em relação aos filhos legítimos. Através da Convenção Interamericana de Direitos Humanos 11 os direitos dos filhos nascidos fora do casamento passam a ser reconhecidos. O Brasil como signatário deste tratado adota em sua Constituição Federal de 1988 a normatização da garantia que acolhe a isonomia no tratamento jurídico entre os filhos. Neste contexto diante as várias transformações sofridas pelo núcleo familiar, o modelo patriarcal e a importância que se dava ao patrimônio aos poucos foram sendo abandonados, instituindo como prioridade nas suas relações o princípio da dignidade da pessoa humana colocando a pessoa no centro protetor do direito. O princípio da dignidade humana não representa apenas um limite à autuação do Estado, mas constitui também um norte para a sua ação positiva. O Estado não tem apenas o dever de abster-se de praticar atos que atentem contra a dignidade humana, mas também deve promover essa dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano em seu território. (SARMENTO apud DIAS, 2010, p. 63). Com a constitucionalização da família o conceito de entidade familiar ganhou uma maior amplitude, sendo assegurada proteção às famílias independente de sua formação seja esta pelo casamento, pela união estável ou monoparental. Esta proteção é uma garantia constitucional com reflexo do princípio da dignidade da pessoa humana evidente no artigo 227 12 CRFB/88, 6º que proibi qualquer tipo de discriminação quanto à filiação. (BRASIL, 1998). Este artigo consagra o princípio da igualdade entre os filhos livrando os de qualquer discriminação, excluindo o tratamento diferenciado que antes era oferecido aos 11 Pacto San Jose da Costa Rica 12 Artigo 227 [...] 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

25 filhos legítimos ou ilegítimos. Este princípio começa a garantir aos filhos direitos e qualificações, independente de como ingressaram na entidade familiar seja pela relação de casamento ou por adoção. Esta proteção está presente também em outros institutos como o CCB/2002, artigo 1.596 13 (BRASIL, 2002) e no ECA/1990, artigo 20 14 (BRASIL, 1990) os quais repetiram em seu texto normativo o artigo constitucional. A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 229 15 entende que a proteção dos filhos esta presente também na relação paterno-filial, no dever dos pais para com seus filhos de sustento, educação, assistência moral e material. (BRASIL, 1998). A nova ordem jurídica prioriza a convivência familiar e lhe auferi status de direito fundamental adotando uma proteção integral à família. Esta proteção torna-se evidente na principal alteração que sofreu o direito de filiação com a instituição do vínculo afetivo como princípio. Este veio a ampliar o conceito de paternidade, compreendendo uma filiação socioafetiva construída psicologicamente, que não dependerá somente da relação biológica entre pai e filho. O afeto é elemento intrínseco às relações familiares, de grande relevo para as decisões judiciais nesse campo, porém insuscetível de ser entendido como um valor jurídico exigível através do Poder Judiciário, sob pena de martirizar a sua própria essência espontânea. (FARIAS; ROSENVALD, 2013, p. 73). A nova filiação deve observar três princípios fundamentais: a plena igualdade entre os filhos, a doutrina da proteção integral e a desvinculação do estado de filho do estado civil dos pais. No entanto mesmo após a adoção desta garantia constitucional o legislador no CCB/2002 ofereceu um tratamento discriminatório quanto ao reconhecimento da filiação deixando de considerar a pluralidade das entidades familiares. 13 Art. 1.595 - Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. 14 Art. 20 Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. 15 Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

26 Esta descriminação torna-se evidente na disposição dos capítulos diferentes que dispõe sobre o tema, os quais aplicam um tratamento distinto aos filhos nascidos da relação do casamento e os nascidos fora desta relação. O artigo 1.597 do CCB/2002 configura a manutenção da presunção de nascimento dos filhos na constância do casamento, estas presunções encontram como base um suporte simplesmente biológico. Um importante avanço instituído pela CRBF/1988 foi à desvinculação do estado civil dos pais com o estado de filho, abandonando a discriminação dispensada aos filhos fora do casamento. Muito embora na maioria dos casos a filiação seja determinada pela origem biológica ela, todavia encontra na relação afetiva, na convivência diária e na responsabilidade os alicerces para um desenvolvimento saudável do indivíduo. A doutrina atualmente desmistificou a filiação guiada tão somente pelo vínculo biológico advindo do casamento e passou a considerar também o vínculo socioafetivo sendo relevante o compromisso dos pais em assumir as responsabilidades de cuidar e de querer bem os filhos para que se estabeleça o direito à filiação. 2.6 Os avanços biotecnológicos na área da reprodução assistida e os seus reflexos no que tange ao Direito de Filiação A ciência médica moderna apresenta uma natureza inovadora, pela qual a sociedade exige dos cientistas uma constante produtividade e originalidade. Até meados do século passado, o vínculo de filiação era estabelecido em uma base tríplice: seguida pela relação sexual, a fecundação e a gestação da mulher que iria resultar no nascimento de um novo ser com vida. A sua relação jurídica dependia destes pressupostos que eram necessários, mas que podiam por vezes não ser suficientes para o reconhecimento do vínculo de filiação. Neste contexto ocorreram grandes modificações ocasionadas pela

27 acelerada evolução científica e social que modificaram as bases do direito de filiação. Certo é que todo ser humano tem um pai e uma mãe e com a evolução biotecnológica foram modificadas algumas verdades dogmáticas como a certeza da maternidade e a incerteza quanto à paternidade. O avanço biotecnológico alterou estas verdades, com a descoberta do código de DNA hoje é possível diagnosticar com certeza a paternidade. Neste sentido assinala Venosa (2006) hoje é possível apontar o pai de um indivíduo sem restar qualquer dúvida ponderável. Torna-se possível programar nascimentos e características dos novos seres humanos. No campo jurídico nem sempre a verdade real irá coincidir com a filiação jurídica, como ocorre nos casos de adoção e em algumas técnicas de reprodução humana. Porém o legislador sempre procurou manter vinculadas a verdade biológica e a verdade jurídica, tentando manter uma segurança social. Hoje se considera também a relação socioafetiva derivada do status de proteção integral que o Estado atribui á família. Após a constitucionalização da família os conceitos de casamento, sexo e procriação deixaram de ser essenciais à base estrutural da família moderna. As técnicas de reprodução assistida estampam bem esta separação as quais tornaram possível a concepção sem a ocorrência do contato sexual, estas distinções são relevantes para que se possa estabelecer a filiação. No tocante as inseminações artificiais homólogas estas não encontram maiores obstáculos quanto ao estado de filiação pela presença do vínculo biológico já consagrado no ordenamento jurídico. Encontrando dificuldades somente quando a inseminação vier a efetivar-se após a morte do genitor. Esta situação reflete-se na técnica de inseminação artificial após a morte do marido ou companheiro porque esta torna possível à fecundação de um novo ser sem que haja o contato sexual entre o casal. Presente também na técnica de útero de substituição que irá levantar dúvidas quanto à atribuição da maternidade já que esta sempre foi estabelecida legalmente pelo parto.

28 Ademais toda pessoa tem o direito ao reconhecimento de sua filiação como estabelece o artigo 27 do ECA/1990, sendo este direito personalíssimo, indisponível e imprescritível que pode ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros. (BRASIL, 1990). A Ciência por ter a sua natureza transitória mais uma vez sobrepõe o Direito e o obriga a se reestruturar de maneira eficaz a proteger os anseios dos que desejam realizar o seu projeto parental, assegurando principalmente o melhor interesse da criança proveniente destas técnicas reprodutivas.

29 3 OS DIREITOS SUCESSÓRIOS DECORRENTES DA REPRODUÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA O Direito por diversas vezes não consegue acompanhar em sua totalidade as inovações biotecnológica e social, aponta-se aqui o caso da inseminação artificial homóloga post mortem e sua decorrência no âmbito do direito sucessório. O Direito Sucessório brasileiro se ampara no pressuposto fático da coexistência e de sobrevivência quanto ao de cujus. Esta ressalva em primeiro momento parece ser uma solução ao problema ora exposto. Deve-se considerar que o indivíduo que em vida manifestou o desejo de procriar e por condições alheias a sua vontade como uma doença, que pode comprometer este desejo. Tem o direito de resguardar o direito sucessório de seu filho de forma direta e imediata. Regressando a tese da coexistência e ponderando a sua utilização, no que tange a situação do caso em tela por se tratar de uma prática excepcionalissíma. Considerase também a ausência de legislação especial ou até mesmo no próprio código civil, sendo estas questões abordadas em diversas interpretações doutrinárias acerca do tema. Neste capítulo serão abordados os direitos sucessórios decorrentes da reprodução humana homóloga post mortem. 3.1 A previsão dos direitos sucessórios da prole eventual no Código Civil brasileiro A legislação brasileira já se pronunciou quanto à proteção do nascituro, ou seja, aquele que está introduzido no corpo feminino e em vida uterina. E que embora não possua personalidade jurídica tem os seus direitos garantidos desde a sua concepção.

30 A ordem jurídica entende que o nascituro surge no momento em que o ovo fixa-se na parede interna do útero materno, neste instante será garantida a sua viabilidade, ou seja, sua sobrevida. Enquanto que o embrião criopreservado não receberá a mesma proteção que o nascituro, pois ele ainda não está concebido constituindo juridicamente apenas uma simples expectativa de existência. O embrião fertilizado in vitro e criopreservado ainda não implantado no útero materno não recebe o status de nascituro porque a gravidez é juridicamente essencial para conferir viabilidade ao novo ser. Questão muito debatida entre especialistas de diversas áreas que gera inúmeras discussões quanto ao início da vida humana e cuja definição é essencial para que se determinem os direitos sucessórios da prole criopreservada. No Direito Sucessório a capacidade ativa para receber a herança constitui uma regra e está vinculada ao artigo 1.798 16 do CCB/2002, que legitima a suceder toda pessoa que já exista ao momento do óbito do testador, esta existência poderá se dar de forma autônoma ou por dependência. (BRASIL, 2002). Para Monteiro apud Cahali, Hironaka (2007, p. 286) esta regra constitui uma condição inarredável para que exista o direito sucessório, além do passamento do autor da herança, obviamente, é que o herdeiro exista e sobreviva àquele, ou esteja ao menos concebido. No entanto o legislador estabeleceu uma exceção a esta regra presente no artigo 1.799, inciso I 17 CCB/2002, que possibilita ao testador dispor de seu patrimônio em favor da prole eventual de terceiros na sucessão testamentária desde que, estes estejam vivos ao momento da abertura da sucessão. (BRASIL, 2002). 16 Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão. 17 Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;

31 Deve ser ressaltado que o disposto no artigo 1.799, inciso I do CCB/2002 trata se de um evento futuro e incerto a transmissão hereditária é condicionada a um fato superveniente, o nascimento daquele que se queria beneficiar e que não era sequer concebido ao tempo da morte do testador. (BRASIL, 2002). Poderia ser uma solução ao tema em comento, entretanto o testador não pode valerse por analogia do artigo 1.799 do CCB/2002, indicando a sua própria prole criopreservada, pois a lei exige que a prole eventual tenha seus pais vivos e indicados no testamento. (BRASIL, 2002). Ainda pairam dúvidas no CCB/2002 quanto à legitimidade sucessória da prole do de cujus concebida por inseminação artificial homóloga post mortem ou ainda criopreservada. O CCB/2002 ao regulamentar o direito à filiação dos advindos pelos métodos de inseminação artificial esqueceu-se de inserir em seu texto normativo como é que se procederia à sucessão destes. Esta prole criopreservada corre o risco de ser afastada da sucessão legítima mesmo possuindo a presunção de paternidade estabelecida biologicamente. Na tentativa de esclarecer esta contenda o Conselho de Justiça Federal na III Jornada de Direito Civil aprovou o enunciado 267 referente ao artigo 1.798 - CCB/2002. (BRASIL, 2002). A regra do art. 1.798 do Código Civil deve ser estendida aos embriões formados mediante o uso de técnica de reprodução assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer cujos efeitos patrimoniais se submetem às regras previstas para a petição de herança. (AGUIAR JÚNIOR, 2012). O qual será usado em analogia e irá estender-se aos embriões criopreservados os mesmos direitos do nascituro se submetendo às mesmas regras previstas para a petição de herança. Procurando evitar situações que afrontem o princípio da segurança jurídica e cause possíveis prejuízos patrimoniais aos demais herdeiros. Interessante seria antes da prática desta técnica investigar os reais motivos que levaram a pessoa a querer o nascimento deste filho por se tratar de uma situação atípica.