PRODUÇÃO FAMILIAR DE LEITE NO BRASIL:



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Transcrição:

ARTIGO GESTÃO, INFORMAÇÃO E SOCIEDADE PRODUÇÃO FAMILIAR DE LEITE NO BRASIL: um estudo sobre os assentamentos de reforma agrária no município de Unaí (MG) Iara Altafin 1 Mauro Estenio Façanha Pinheiro 2 Gustavo de Vicenzo Valone 3 Adriana Calderan Gregolin 4 Resumo Este artigo reúne resultados de uma pesquisa realizada em assentamentos de reforma agrária no município de Unaí (MG), com dezesseis produtores de leite de assentamentos rurais. Para avaliar a eficiência produtiva, utilizou-se a Análise Envoltória de Dados. Como principais achados, foram identificados quatro produtores com máxima eficiência, sendo a eficiência média dos produtores ineficientes de 77%. Palavras-chave: Produção familiar de leite, reforma agrária, benchmarking. Abstract This article joins results from a research carried out in agrarian reform settlements in the municipality of Unai Minas Gerais State, with sixteen milk producers from rural settlements. To asses the productive efficiency, were used the Data Envelopment Analysis (DEA). As main founds, were identified four producers with maximum efficiency, whose average efficiency of the inefficient producers is 77%. Keywords: Familiar production of milk, agrarian reform, benchmarking. 31

OS AUTORES 1 Iara Altafin Professora da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília e doutora em Desenvolvimento Sustentável (CDS/UnB) (altafin@unb.br). 2 Mauro Estenio Façanha Pinheiro Professor do curso de Administração e diretor geral da Unisulma, mestre em Agronegócios pela Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília (maurofca@hotmail.com). 3 Gustavo de Vicenzo Valone Mestre em Agronegócios pela Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília (gustavovalone@globo.com). 4 Adriana Calderan Gregolin Mestre em Agronomia pela Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília (adriana.gregolin@mda.gov.br).

1. Introdução Nos últimos dez anos, verificou-se uma grande expansão de projetos de reforma agrária no Entorno do Distrito Federal região sob a influência geoeconômica da capital brasileira, formada, além de Brasília, por municípios localizados no noroeste do estado de Minas Gerais e nordeste do estado de Goiás. Esta região conta hoje com 120 projetos de assentamento, envolvendo cerca de 10 mil famílias assentadas. O avanço da reforma agrária no Brasil, e em especial na região, significa importante conquista dos agricultores familiares em termos de acesso à terra, historicamente concentrada nas mãos de grandes agricultores. No entanto, este avanço ainda não foi seguido pela necessária conquista de acesso à informação qualificada, a tecnologias apropriadas à sua realidade e, especialmente, acesso aos mercados. Vencida a etapa de conquista de um lote de terra, o desafio maior da totalidade das famílias de agricultores familiares assentados se refere à construção de um processo de desenvolvimento em bases sustentáveis, o que pressupõe realizar uma produção em níveis satisfatórios de produtividade, preservando os recursos naturais de forma a manter o equilíbrio ambiental, com custos que permitam a remuneração da atividade e com a necessária e adequada inserção nos mercados. Este desafio está presente de maneira marcante no município de Unaí, no noroeste do estado de Minas Gerais, que abriga cerca de 23 assentamentos, que juntos representam mais de 1.600 famílias assentadas, numa área total de 65 mil hectares. O município integra uma importante bacia leiteira e conta com uma cooperativa de médio porte (Cooperativa Agropecuária de Unaí Ltda. Capul), que recolhe cerca de 200 mil litros/dia, grande parte proveniente de pequenas unidades produtoras. A disponibilidade de estrutura para a atividade leiteira na região e a experiência dos agricultores na produção de leite fizeram com que uma parcela significativa dos assentados investisse suas economias e os créditos da reforma agrária na atividade, tornando o leite um produto de grande importância na geração de renda nos assentamentos. No entanto, mesmo com as opor- PRODUÇÃO FAMILIAR DE LEITE NO BRASIL: um estudo sobre os assentamentos... Revista UNI Imperatriz (MA) ano 1 n.1 p.31-49 janeiro/julho 2011 33

Atividade leiteira está presente em 1,8 milhões de propriedades rurais em todo o Brasil e tunidades de inserção em uma bacia leiteira, da tradição familiar e do acesso à terra e ao crédito, os agricultores enfrentam muitas dificuldades resultantes das mudanças na regulamentação do setor, que impõem cada vez mais a necessidade de eficiência técnica e produtiva para a permanência na atividade. Iara Altafin, Mauro Estenio Façanha Pinheiro, Gustavo de Vicenzo Valone, Adriana Calderan Gregolin 80% são de unidades Como forma de contribuir para a superação de tais dificuldades, a Universidade de Brasília, em parceria com a familiares Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Unaí, realizou estudos sobre a produção leiteira familiar na região, em temas priorizados pelos agricultores. O presente artigo reúne informações geradas em uma dessas pesquisas, que teve por objetivo identificar os produtores benchmarks aqueles que possam ser referência para os demais, segundo indicadores de desempenho técnicos e econômicos. O artigo apresenta inicialmente o contexto atual da produção leiteira no Brasil. Reúne informações sobre o produto no município de Unaí, a relevância da reforma agrária e caracteriza o grupo estudado. Após descrever a metodologia utilizada, apresenta e discute os resultados obtidos. 2. Produção leiteira no Brasil e mudanças recentes na regulamentação do setor A atividade leiteira, praticada em todas as regiões do Brasil, está presente em aproximadamente 1,8 milhões de propriedades rurais, das quais 80% são unidades familiares de produção. O segmento é considerado de grande potencial para a ocupação de mão de obra, pois, para cada U$ 2.500,00 vendidos de leite e derivados, é gerado um posto de trabalho permanente (Martins, 2004). Estima-se que o setor envolva cerca de 3,6 milhões de pessoas, produzindo aproximadamente 25 bilhões de litros de leite por ano, provenientes de um dos maiores rebanhos do mundo. No período de 1995-2008, o produto lácteo nacional registrou um aumento 74,7% no volume de leite produzido (mil litros) e de 407,5% no valor da produção (Ibge/Sidra, 2010). Além da sua relevância como alimento consumido pela população e para a economia do país, o leite tem reconhecida impor- 34 Gestão, Informação e sociedade

tância para a agricultura familiar. A produção leiteira exerce papel histórico na estruturação das unidades familiares, não apenas pela capacidade de ocupação de mão de obra mas, principalmente, pela oportunidade de ingressos monetários de curto prazo e pela possibilidade de diversificação de renda com a venda de animais, tendo o gado o papel de poupança para os pequenos agricultores. Em síntese, a atividade funciona como âncora na formação de renda e sustentação da agricultura familiar, por atuar como uma atividade central no sistema produtivo, ajustada à disponibilidade de capital e de recursos naturais e à disponibilidade e às características de funcionamento do trabalho familiar, ou seja, uma atividade que proporciona garantia de continuidade ao sistema de produção e, por consequência, à família (Testa et al., 2003, p.15). Também para o conjunto de Assentamentos de Reforma Agrária, nas diferentes regiões do país, o leite aparece como um elemento de produção importante. Porém, são incertas as condições de permanência na atividade. Além do conjunto de dificuldades comuns à maioria dos assentamentos rurais, como a baixa qualificação dos agricultores para a produção leiteira, a pouca disponibilidade de tecnologias adequadas à realidade da agricultura familiar e as carências de assistência técnica, eles enfrentam ainda as mudanças no setor lácteo e a tendência de queda no preço do produto. No Brasil, o setor leiteiro vem passando por grandes transformações, determinadas pelo processo de reformas na economia do país, iniciado na década de 1990, com a liberalização comercial e as desregulamentações. Como ocorrido em outros setores da agricultura, o setor viu-se, repentinamente e sem o devido preparo, submetido a uma intensificação da concorrência. Esse novo cenário de maior exposição comercial exigiu agilidade de ajustes, especialmente no que se refere à melhoria nos padrões de produção, qualidade e produtividade. O sistema agroindustrial do leite passou a se configurar como um ambiente altamente competitivo, exigindo dos agricultores a busca permanente de melhor desempenho. Para tanto, tem sido necessária a melhoria das práticas gerenciais, dos índices de produtividade, a reestruturação da capacidade produtiva, o controle da qualidade do leite, bem como o desenho de novas formas de relação PRODUÇÃO FAMILIAR DE LEITE NO BRASIL: um estudo sobre os assentamentos... Revista UNI Imperatriz (MA) ano 1 n.1 p.31-49 janeiro/julho 2011 35

entre os diversos atores do segmento, buscando melhores alternativas de inserção nos mercados. Iara Altafin, Mauro Estenio Façanha Pinheiro, Gustavo de Vicenzo Valone, Adriana Calderan Gregolin Nesse período, cooperativas e laticínios nacionais gradativamente foram sendo incorporados às empresas estrangeiras, que processam mais de 60% do leite produzido no país. Essa mudança gerou aumento na competitividade entre as empresas, desregulamentação econômica do setor, concentração e centralização de capitais e um intenso ritmo de mudanças no padrão tecnológico, com seleção e especialização em todos os segmentos da cadeia produtiva, afetando tanto produtores rurais quanto o segmento de processamento. Frente a esse cenário, novos investimentos na cadeia produtiva do leite se tornaram necessários para a sobrevivência dos agricultores, principalmente no que se refere ao conhecimento. Para compreender as mudanças ocorridas nos sistemas de produção de leite nos assentamentos de Unaí, é importante a descrição das condições existentes no município, enquanto bacia leiteira, que formam o cenário no qual tais mudanças ocorrem. Produção leiteira em Unaí/MG A região noroeste de Minas Gerais, onde está localizado o município de Unaí, é caracterizada como uma importante bacia leiteira regional, que reúne condições favoráveis à realização da atividade. A região concentra a produção de agricultores familiares, que têm na atividade do leite uma das principais fontes de renda para as famílias. No período de 1990-1996, a produção regional de leite apresentou crescimento de 50%, enquanto em Unaí a produção de leite aumentou quase dez vezes. No ano de 1970, o município produziu aproximadamente 7,5 milhões de litros de leite, saltando para 24.928 milhões em 1980, 40 milhões em 1990, chegando a 132 milhões em 2008. Unaí possui uma população de aproximadamente 75.000 habitantes, com cerca de 30% vivendo na área rural. A região pertence ao domínio do clima tropical úmido, com precipitação média anual oscilando entre 1.200 e 1.400 mm. As chuvas concentramse no período de outubro a março, sendo o trimestre mais chu- 36 Gestão, Informação e sociedade

voso o de novembro a janeiro. A estação seca, com pecuária de leite duração de 5 a 6 meses, coincide com os meses frios. é a principal A umidade relativa média varia de 60 a 70%. A temperatura média anual é de 24,4 C, com máxima média de fonte de renda 29,8 C e mínima média de 14,6 C. para a maioria dos agricultores A topografia do município oscila entre relevo plano (60%), ondulado (25%) e montanhoso (15%). As altitudes mais elevadas são registradas na Serra do Bebedou- familiares de unaí ro (1.001 metros), localizada na parte oeste, enquanto as mais baixas, em torno de 521 metros, encontram-se na foz do rio Preto, que corta o município. Tendo em vista os tipos de solos e clima encontrados em Unaí, define-se que a região apresenta aptidões agrícolas diversas. Apesar da diversidade de alternativas de produção, a pecuária de leite constitui-se principal fonte de renda para a maioria dos agricultores familiares do município, conforme constatado em estudo feito por Heredia et al. (2001). As unidades agrícolas com até 200 hectares correspondem a cerca de 73% do total e ocupavam perto de 16% da área do município. Por sua vez, a concentração fundiária no estrato superior a 1.000 hectares diminuiu, principalmente em função da implantação de assentamentos no município, com parcelamento de algumas grandes propriedades improdutivas. Nas pequenas propriedades, de 10 a 200 hectares, é praticada uma agricultura diversificada, de baixo impacto ambiental, com destaque para a produção de leite como principal fonte de renda dos agricultores. O gado leiteiro predominante é misto, sendo parte oriunda de cruzamento de zebu com holandês, em geral 3/4, e o restante sendo classificado como de raça indefinida. PRODUÇÃO FAMILIAR DE LEITE NO BRASIL: um estudo sobre os assentamentos... Do outro lado, existe no município uma agricultura tecnificada, voltada à produção de soja, milho, algodão e feijão, que se destaca nacionalmente pela produtividade. Esta agricultura é praticada nas chapadas, onde os agricultores mais capitalizados utilizam tecnologia moderna nas áreas mecanizáveis, produzindo em grande escala, sendo competitivos também na pecuária de corte e leite. Revista UNI Imperatriz (MA) ano 1 n.1 p.31-49 janeiro/julho 2011 37

Estudo avaliou a eficiência das famílias produtoras de leite para identificar produtores de referência Para a captação e comercialização de leite, o município conta com uma cooperativa agropecuária (Capul), receptora de leite por meio de contrato com uma grande empresa do setor (Itambé). A Capul possui aproximadamente 2.500 produtores de leite cooperados, em sua maioria pequenos produtores; associações leiteiras, formadas por grupos de pequenos agricultores; e cerca de 20% de médios e grandes produtores individuais, responsáveis por 75% do leite entregue à cooperativa. Iara Altafin, Mauro Estenio Façanha Pinheiro, Gustavo de Vicenzo Valone, Adriana Calderan Gregolin 3. Metodologia Para os propósitos do estudo, buscou-se avaliar a eficiência das unidades familiares produtoras de leite, de forma a identificar os produtores que possam ser referência para os demais os produtores benchmarks. Para tanto, utilizou-se a Data Envelopment Analisys (DEA), que se fundamenta na programação linear para identificar os produtores que são mais eficientes na utilização dos insumos. Por meio da DEA, avalia-se a eficiência relativa de unidades produtivas que desenvolvem um mesmo tipo de atividade e que se diferenciam somente pela quantidade de inputs utilizados ou pela quantidade de outputs gerados. A medida de eficiência é obtida a partir da razão entre a soma ponderada de todos os produtos pela soma ponderada dos insumos utilizados. Trata-se de uma ferramenta útil para definir estratégias de produção. Ao identificar as unidades benchmarks e quais os hiatos existentes entre elas e as que não o são, pode-se identificar ações para tornar eficientes as unidades produtivas ineficientes. Por meio do benchmarking, os produtores podem identificar o que de melhor está sendo feito dentro do próprio grupo de assentados e, numa perspectiva de planejamento estratégico, poderão identificar seus próprios pontos fracos e oportunidade de melhoria. O benchmarking é uma ferramenta gerencial. As informações quantitativas e qualitativas levantadas são as bases para o planejamento de ações gerenciais que visam a melhorias de desempenho. De acordo com Tupy e Yamaguchi (2001, p. 83-84), 38 Gestão, Informação e sociedade

[...] pode ser um instrumento valioso para os produtores, facilitando também o trabalho da pesquisa e extensão rural, desde que sistemas de produção eficientes ou de fronteira (benchmarks) sejam demandantes de tecnologia e sistemas ineficientes sejam demandantes de assistência técnica e extensão rural. A amostra da pesquisa constitui-se de dezesseis produtores de leite dos projetos de assentamento de reforma agrária do município de Unaí (MG), assim distribuídos: Brejinho (3); Campo Verde (2); São Pedro Cipó (2); Boa União (3); Vazante (2); Paraíso (1); e Santa Clara (3). A amostra é do tipo intencional não probabilística, uma vez que o objetivo era identificar os produtores que apresentam os melhores resultados (benchmarks) e por se tratar de uma pesquisa que depende, necessariamente, da vontade do produtor em participar. Para o processo de coleta de dados, os produtores foram visitados mensalmente, durante onze meses, ocasião em que eram conferidas as informações anotadas, comparando-as com o check-list elaborado durante a fase de preparação. Para mensurar o custo de produção de leite dos produtores, utilizou-se a metodologia disseminada pela FAEMG (2006) e pela Embrapa Gado de Leite (2006). Os custos foram divididos em três blocos: custo operacional efetivo (COE), custo operacional total (COT) e o custo total (CT). 4. Resultados e discussão PRODUÇÃO FAMILIAR DE LEITE NO BRASIL: um estudo sobre os assentamentos... Caracterização dos produtores Quanto à idade, 2/3 dos produtores têm entre 30 e 50 anos, sendo 1/3 acima de 50 anos de idade. A faixa etária predominante das esposas é de 40 a 50 anos. No que diz respeito ao grau de escolaridade, a grande maioria (81,3%) tem o ensino fundamental incompleto e apenas 18,7% completaram o ensino fundamental. Não há nenhum caso de produtor com nível superior de ensino. Em termos de experiência na atividade leiteira, cerca de 60% têm mais de cinco anos de trabalho no se- Revista UNI Imperatriz (MA) ano 1 n.1 p.31-49 janeiro/julho 2011 39

tor, e os demais têm menos tempo de experiência. Metade dos produtores tem origem no próprio município de Unaí, 43,8% são de outro município mineiro e apenas 6,3% migraram de outros estados. Iara Altafin, Mauro Estenio Façanha Pinheiro, Gustavo de Vicenzo Valone, Adriana Calderan Gregolin A média de filhos por família é de 3,13, dos quais 1,88 são do sexo masculino e 1,25 do sexo feminino. Foi verificado que metade dos filhos trabalha na atividade leiteira, sendo que 46,67% têm menos de dezoito anos. Quanto às filhas, metade tem menos de dezoito anos e apenas 20% trabalham na atividade leiteira. Dos dezesseis produtores, apenas o produtor 06 contrata mão de obra permanente para a atividade leiteira, mesmo assim em quantidade inferior à de trabalho desenvolvido pelos membros da família, e a direção dos trabalhos, em todos eles, fica a cargo do produtor. A expectativa dos produtores quanto aos filhos continuarem na atividade leiteira é baixa. Apenas 31,3% acreditam que os filhos permanecerão como produtores de leite, enquanto 25% acham que os filhos deixarão o meio rural e 12,5% acreditam que, embora permaneçam no campo, desenvolverão outro tipo de atividade agropecuária. Sistema produtivo Quanto ao padrão racial do rebanho, 62,5% são de meio sangue Holandês/Zebu, 6,3% da raça Holandesa e 31,3% sem nenhum padrão definido. Para os padrões da região, a porcentagem de animais sem raça definida observada na pesquisa é considerada alta. Em compensação, os assentados apresentam melhor desempenho em relação à média do estado quando se considera o percentual de animais mestiços holandês-zebu, que é de 31,61% (Faemg, 2006). Com relação ao controle reprodutivo do rebanho, apenas 18,8% dos produtores fazem inseminação artificial em suas matrizes e 81,2% recorrem à monta natural, dos quais 25% mantêm o controle e 75% não têm nenhum controle sobre o momento da cobertura. Quanto ao critério adotado para definir o momento da primeira cobertura, apenas 31,3% adotam algum, sendo que 68,8% não têm nenhum critério definido. Entre aqueles que têm, 12,5% 40 Gestão, Informação e sociedade

consideram o peso da novilha, 12,5% combinam idade e peso e 6,3% permitem a cobertura no primeiro cio. A média para o primeiro parto é de 33,3 meses. Do total dos produtores, apenas 25% adotam o aleitamento artificial de bezerros, os outros 75% não o fazem, deixando o bezerro mamar na vaca. As formas de alimentação do gado podem ser visualizadas nas tabelas a seguir. Tabela 1: Utilização de concentrado pelas propriedades (%) Grupo Período Seco Período das Águas Todo o rebanho 12,5 Vacas em lactação Vacas em lactação e bezerras Nenhum 75,0 12,5 62,5 6,3 31,3 É generalizado o uso de concentrados na alimentação dos animais, principalmente para as vacas em lactação. No período seco, 75% dos produtores fornecem concentrados a esse grupo de animais, enquanto no período das águas este percentual cai para 62,0%, aproveitando-se da melhor qualidade das pastagens, com impacto direto no custo de produção. Tabela 2: Utilização de volumosos pelas propriedades (%) PRODUÇÃO FAMILIAR DE LEITE NO BRASIL: um estudo sobre os assentamentos... Grupo Período seco Período das àguas Cana-de-açúcar Cana-de-açúcar e silagem de milho Cana-de-açúcar e capim de corte Cana-de-açúcar, capim de corte e silagem de sorgo 37,5 18,8 31,3 12,5 Pasto 100,0 100,0 Revista UNI Imperatriz (MA) ano 1 n.1 p.31-49 janeiro/julho 2011 41

5 Segundo informações técnicas obtidas no site da Delaval. Disponível em: http:// www.delaval.com.br/ Products/default.htm. Acesso: 26 Dez 06. Quanto à alimentação volumosa, tanto no período seco como no período das águas, todo o rebanho vai ao pasto. Na seca, de forma suplementar, 37,5% dos produtores fornecem cana-de-açúcar, 18,8% fornecem cana-de-açúcar e silagem de milho, 31,3% adotam cana-de-açúcar e capim de corte e 12,5% oferecem aos seus animais uma mistura de cana-de-açúcar, capim de corte e silagem de sorgo. Nas águas, nenhum dos produtores fornece alimentação suplementar ao rebanho, ficando somente por conta do pasto. Iara Altafin, Mauro Estenio Façanha Pinheiro, Gustavo de Vicenzo Valone, Adriana Calderan Gregolin No que diz respeito à adoção de medidas preventivas da saúde animal, 100% dos produtores vacinam o rebanho, regularmente, contra aftosa e brucelose, 81,25% aplicam a vacina contra a raiva e apenas 75% vacinam contra manqueira. Prática útil para reduzir a incidência de mamite, o uso de caneta telada é realizado por apenas 25% dos produtores, embora permitam que os bezerros mamem logo após a ordenha (87,5%) e soltem as vacas em seguida (100%). Embora 87,5% dos produtores refrigerem seu leite em tanques de resfriamento, individuais ou coletivos, outras práticas visando à qualidade do leite, como lavar as tetas antes da ordenha e enxugálas com papel toalha, são feitas por apenas 18,8% dos pesquisados. O tempo médio entre a ordenha e a entrega do leite no tanque de resfriamento é de até duas horas, em 81,3% dos casos. Segundo regulamentação do Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil, o leite tem que ser resfriado a uma temperatura igual ou inferior a 4 C no tempo máximo de três horas após o término da ordenha, em se tratando de tanque de refrigeração por expansão direta, ou igual ou inferior a 7 C, no mesmo intervalo de tempo, para tanques de refrigeração por imersão. Considerando que o tanque de resfriamento leva em torno de duas horas para baixar a temperatura de 35 C para 4 C 5, verifica-se a necessidade de reduzir o tempo para entrega do leite nos tanques para não comprometer a qualidade do produto. Práticas gerenciais e capacitação tecnológica Com relação ao acompanhamento do custo de produção, apenas 6,25% dos pesquisados tinham o costume de anotar as despesas e receitas antes de participarem dessa pesquisa. Geral- 42 Gestão, Informação e sociedade

mente era feito o registro da data de nascimento dos bezerros, prática realizada por 93,75% dos produtores. A data da cobertura ou da inseminação artificial é registrada pela maioria (75%) e o controle leiteiro por apenas 37,5% dos produtores. Em termos de qualificação técnica, a pesquisa aponta limitações entre o grupo pesquisado. Perguntados sobre quem na família havia feito algum curso nos últimos doze meses, obtiveram-se os seguintes números: 37,5% dos produtores, 31,25% dos cônjuges e 25% dos filhos participaram de algum tipo de treinamento. Do total dos pesquisados, 37,5% responderam que ninguém da família participara. Uma informação que reforça a importância de se identificar produtores benchmarks para uma estratégia de disseminação de conhecimentos diz respeito às fontes de informações sobre as atividades leiteiras. Juntamente com o técnico da cooperativa, os vizinhos foram citados por 31,25% dos produtores como as principais fontes de informações sobre suas atividades. Essa relação de troca de experiências pode ser otimizada pelos técnicos, sobretudo quando se utilizam produtores benchmarks. Os agricultores estarão obtendo informações daqueles que têm melhor desempenho dentre seus pares. Quanto ao uso dos meios de comunicação de massa, o rádio é o principal deles, sendo ouvido por 62,5% dos pesquisados, seguido pelo Programa Globo Rural (43,75%), outros programas de TV (25%) e jornais agropecuários (18,75%). Identificação dos benchmarks PRODUÇÃO FAMILIAR DE LEITE NO BRASIL: um estudo sobre os assentamentos... As medidas de eficiência são definidas a partir da comparação do produtor com seus referenciais, ou seja, os produtores que têm melhores resultados e cujos sistemas produtivos são mais homogêneos. Na tabela 3 é possível observar os produtores ineficientes e seus referidos benchmarks. O produtor 12 foi referência principal para cinco outros produtores, ou seja, para 50% dos produtores ineficientes, seguido pelos produtores 14 (25%), 03 (16,67%) e 09, referência principal para apenas um produtor. É importante observar que estes percentuais se referem ao número de vezes que figuram como referência principal. Se considerarmos as vezes que apa- Revista UNI Imperatriz (MA) ano 1 n.1 p.31-49 janeiro/julho 2011 43

Tabela 3: Produtores benchmarks Produtor Benchmarks Produtor Benchmarks 01 02 03 04 05 06 07 08 9 12 9 12 3 9 12 9 12 9 14 3 9 14 3 9 12 09 10 11 12 13 14 15 16-3 12 14 12-9 12-3 12 14 9 12 Iara Altafin, Mauro Estenio Façanha Pinheiro, Gustavo de Vicenzo Valone, Adriana Calderan Gregolin recem como referência geral, suas participações passam a ser de 83,33%, 75%, 41,67% e 33,33%, para os produtores 12, 09, 03 e 14, respectivamente. Comparações entre eficientes e ineficientes Foram escolhidos para comparação os seguintes indicadores: preço médio de venda do litro de leite (PV), custo operacional efetivo por litro de leite (COEf/L), custo operacional total por litro de leite (COT/L), custo total por litro de leite (CT/L), produção diária de leite (PD), produtividade da terra (PT), gasto com concentrado por litro de leite produzido (CCL), produtividade da mão de obra familiar (PMDOf), margem bruta (MBm) e as relações PV / COEf, PV / COT e PV / CT. Analisando a tabela 4, constata-se que, com exceção do indicador de produtividade da mão de obra familiar, mais favorável ao grupo dos produtores ineficientes, todos os outros indicadores são favoráveis ao grupo dos benchmarks. Os produtores ineficientes têm melhor situação neste indicador em função de ter uma taxa de EH (Equivalência-Homem) menor do que os eficientes, a despeito de apresentarem volume de produção diá ria menor, o que significa dizer que, entre os eficientes, há uma maior utilização da mão de obra familiar nas atividades de produção de leite. O grupo dos eficientes tem vendido seu leite a um preço médio 7,5% superior ao preço obtido pelos ineficientes. Todos os produtores têm conseguido margem bruta positiva, apesar de haver diferença significativa entre eles. Os quatro produtores benchmarks obtiveram margem bruta unitária de R$ 0,22, con- 44 Gestão, Informação e sociedade

tra R$ 0,12 dos ineficientes, ou seja, uma diferença de 83,33% a favor dos primeiros. Os dois grupos têm algo em comum: não conseguem cobrir os seus custos operacionais totais, tão pouco os custos totais, quando os cálculos incluem a remuneração da mão de obra familiar. A relação PV/COT de 0,63 para os produtores eficientes e de 0,42 para os ineficientes significa que os grupos não conseguem gerar renda suficiente com a atividade leiteira para remunerar a mão de obra familiar e a depreciação. Do ponto de vista econômico, essa situação é insustentável no médio e longo prazo. Com o passar do tempo, os produtores não terão como repor os bens depreciados, podendo se sentir motivados a buscar outra atividade que remunere o seu trabalho ou a deixar o campo em direção às cidades. É importante enfatizar que essa é uma análise econômica restrita e que, quando se trata de produção familiar, há outras variáveis em questão. Olhando a diferença entre os COEf e COT de ambos os grupos, de R$ 0,47 para os produtores eficientes e de R$ 0,68 para os ineficientes, percebe-se que os custos da mão de obra familiar e das depreciações são maiores para o segundo grupo. Como a receita da atividade leiteira já não é suficiente para cobrir o COT, por consequência, não será para o custo total (CT). Para cada R$ 1,00 de custo total, a receita gerada é de apenas R$ 0,54 para os produtores eficientes e de R$ 0,35 para os ineficientes, sendo que, para estes cálculos, não foi considerado o valor da terra. A remuneração do capital que está sendo considerada é apenas com relação às instalações e benfeitorias, máquinas e equipamentos e animais. PRODUÇÃO FAMILIAR DE LEITE NO BRASIL: um estudo sobre os assentamentos... Considerando que, na produção familiar, não há a separação entre o proprietário e quem executa o trabalho, não é possível separar, do resultado da produção, a parcela correspondente a salários, lucros e renda da terra. Sob esta ótica, e para possibilitar a comparação com os resultados anteriores, realizaramse os mesmos cálculos, sem incluir o valor da remuneração da mão de obra familiar. Embora em menor grau, permaneceram desfavoráveis os resultados dos produtores ineficientes. O COT/L reduz-se em 53,13%, de R$ 0,96 para R$ 0,45, e o CT/L em 45,61%, de R$ 1,14 para R$ 0,62. Essas reduções demonstram o peso da remuneração da mão de obra familiar na composi- Revista UNI Imperatriz (MA) ano 1 n.1 p.31-49 janeiro/julho 2011 45

ção dos respectivos custos. No entanto, mesmo excluindo esse valor, esses produtores ainda não conseguiriam cobrir os custos operacionais totais. Para cada R$ 1,00 de COT, há apenas R$ 0,89 de receita, e para cada R$ 1,00 de CT, há apenas R$ 0,65. Tabela 4: Comparações entre os produtores eficientes e ineficientes Indicadores de desempenho Produtores eficientes Produtores ineficientes Iara Altafin, Mauro Estenio Façanha Pinheiro, Gustavo de Vicenzo Valone, Adriana Calderan Gregolin Taxa média de eficiência PV (R$) COEf/L (R$) COT/L (R$) CT/L (R$) COT/L (R$) * CT/L (R$) * PD (L) PT (L/ha/mês) CCL (R$) Ração (% COEf) Ração (R$/cab/mês) PMDOf (L/dia/EH ** ) MBm (R$/ha/mês) PV / COEf PV / COT PV / CT 1,00 0,43 0,21 0,68 0,79 0,33 0,44 73,53 81,10 0,09 50,68 23,83 28,64 24,83 2,05 0,63 0,54 * Sem considerar a remuneração da mão de obra familiar. ** Equivalente-Homem. 0,70 0,40 0,28 0,96 1,14 0,45 0,62 55,29 50,46 0,10 38,59 15,79 32,99 7,17 1,43 0,42 0,35 Para os produtores eficientes a situação apresenta-se mais favorável. Embora ainda não consigam remunerar o capital, dado que para cada R$ 1,00 de CT a receita é de apenas R$ 0,98, a diferença é muito pouca, apenas R$ 0,02. Quanto à capacidade de recompor os bens depreciados, isso pode ser feito com folga, haja vista que o preço médio de venda do litro de leite a R$ 0,43 é suficiente para cobrir o COT/L, de R$ 0,33. Quanto à produção, verifica-se que a média diária é de 73,53 litros para os eficientes e de 55,29 litros para os ineficientes, ou seja, uma diferença de desempenho de 32,99%. A produtividade da terra também é maior para o primeiro grupo, de 81,10 litros/ha/mês, contra 50,46 litros/ha/mês do segundo grupo. Os 46 Gestão, Informação e sociedade

números também apontam utilização de concentrado em excesso, por parte dos produtores ineficientes. Enquanto os eficientes gastam apenas R$ 0,09 com concentrado para cada litro de leite produzido, os ineficientes gastam R$ 0,10, apesar de gastar R$ 8,04 animal/mês a menos. Esse dado é expressivo, principalmente quando se observa que o gasto com concentrados representa, em média, 38,59% do COEf desses produtores. Esse desempenho parece estar relacionado com o padrão genético dos rebanhos. Entre os produtores com eficiência abaixo de 0,7, apenas 6,25% têm, predominantemente, vacas de raça especializada para o leite. Enquanto isso, nos produtores com eficiência superior a 0,7, este percentual é de 56,25%. Por fim, tem-se o indicador margem bruta por hectare por mês (MBm), de R$ 24,83 para os eficientes e de R$ 7,17 para os ineficientes. Os números apontam uma diferença de 300% em favor do primeiro grupo, o que pode favorecer a discussão entre os produtores, de forma a permitir alternativas aos sistemas menos eficientes. É possível que, num primeiro momento, ao constatar que a atividade resulta em apenas R$ 7,17/hectare/ mês, o agricultor possa se sentir desmotivado a continuar no segmento leiteiro. No entanto, ao poder conhecer e avaliar as alternativas adotadas pelo grupo mais eficiente, tal produtor poderá refletir sobre as possíveis alterações em suas estratégias, de forma a obter uma melhor margem bruta. 5. Considerações finais Com base nas análises realizadas, verificou-se que, dos dezesseis produtores acompanhados, apenas quatro (produtores 03, 09, 12 e 14) foram considerados eficientes, sendo referência para os demais. Realizados os cálculos para determinar os ajustes necessários nos insumos para tornar os produtores ineficientes tão eficientes quanto seus benchmarks, o modelo indicou uma redução, em média, de 48,15% e 23,02% para gastos com energia/ combustíveis (GEC) e gastos com concentrados (GC), respectivamente. Indicou ainda que o grupo de produtores considerados ineficientes deveria perseguir uma elevação média de produtividade por animal para pelo menos 5,29 litros/dia (atual- Pesquisa verificou que de dezesseis produtores apenas quatro foram considerados eficientes, sendo referência para os demais PRODUÇÃO FAMILIAR DE LEITE NO BRASIL: um estudo sobre os assentamentos... Revista UNI Imperatriz (MA) ano 1 n.1 p.31-49 janeiro/julho 2011 47

mente a produtividade é de 4,08 litros/animal/dia). Na sequê n- cia, o grupo elevaria a produtividade da terra para 2,16 litros/ ha/dia (hoje em 1,67 litros/ha/dia), necessária para equiparação aos respectivos benchmarks. Iara Altafin, Mauro Estenio Façanha Pinheiro, Gustavo de Vicenzo Valone, Adriana Calderan Gregolin O preço médio de venda do leite é 7,50% superior para o grupo dos produtores eficientes. Esta vantagem pode estar associada ao volume de produção, já que esse grupo tem uma produção diária 32,99% maior do que a dos produtores ineficientes; os produtores eficientes utilizam mais intensivamente a mão de obra familiar na atividade leiteira; a produtividade da terra e a das vacas são maiores entre os eficientes, 60,72% e 27,10%, respectivamente. Entre os produtores eficientes, o uso de concentrados na alimentação das vacas é mais intensivo e racional. Gastam, em média, R$ 0,09 para cada litro de leite produzido, enquanto os produtores ineficientes gastam R$ 0,10. Esse resultado é expressivo quando se considera o peso desse insumo nos custos operacionais efetivos: 50,68% para os eficientes e 38,59% para os ineficientes. A margem bruta da atividade leiteira, medida em R$/ha/mês, é bem maior no primeiro grupo, de 24,83 contra 7,17 para o segundo. Portanto, uma diferença de 222,05%. Acredita-se que os resultados apresentados podem ser de utilidade prática para produtores, extensionistas e entidades que atuam junto ao grupo de assentados. Por se tratar de uma pesquisa que considera dados da realidade local, ou seja, de produtores que compartilham uma realidade muito parecida, no que diz respeito a recursos, dificuldades e potencialidades, os benchmarks indicados pelo modelo podem ser muito úteis. Pelo lado dos produtores, podem comparar seus resultados com os resultados dos produtores de referência, identificando quais aspectos podem ser mais bem trabalhados; aos técnicos, permite identificar gargalos nos sistemas produtivos ineficientes e disseminar práticas adequadas a esses produtores; e às agências de apoio, para formulação de políticas públicas e projetos de promoção da produção familiar. 48 Gestão, Informação e sociedade

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