ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS DA INFECÇÃO PELO HCV EM USUÁRIOS DE DROGAS ILÍCITAS NO MUNICÍPIO DE CURRALINHO, PARÁ, NORTE DO BRASIL

Documentos relacionados
ABSTRACT Keywords: INTRODUÇÃO

INVESTIGAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA DA INFECÇÃO PELO VÍRUS DA HEPATITE C EM CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS EM GOIÂNIA, GOIÁS

Palavras-chaves: HCV, transmissão, crack, cachimbos.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO DIRETORIA DE PESQUISA

EPIDEMIOLOGIA DA INFECÇÃO PELO VÍRUS DA HEPATITE B EM USUÁRIOS DE DROGAS ILÍCITAS EM CAMPO GRANDE, MS

25 a 28 de novembro de 2014 Câmpus de Palmas

Hepatites e Infecção pelo HIV

DIAGNÓSTICO IMUNOLÓGICO DA HEPATITE C. PALAVRAS-CHAVE: Hepatite C, ELISA, Transmissão, Diagnóstico, Vírus.

Fatores de risco para infecção pelo HIV em pacientes com o vírus da hepatite C

PREVALÊNCIA E FATORES DE RISCO PARA O VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA E HEPATITE C NAS PENITENCIÁRIAS FEMININAS NO BRASIL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

MANEJO HEPATITES VIRAIS B/C

SEROPREVALENCE OF HEPATITIS C IN BLOOD DONORS IN CAMPO MOURÃO - PR AND COMCAM

ESTUDO SOROLÓGICO E MOLECULAR DA INFECÇÃO PELO VÍRUS DA HEPATITE C EM AFRO-DESCENDENTES DE COMUNIDADES ISOLADAS DE GOIÁS

Prevalência, fatores de risco e genótipos da hepatite C entre usuários de drogas

ALDAIR WEBER 1*, GABRIELA FLORES DALLA ROSA 1, TATIANE DE SOUZA 1, LARISSA HERMES THOMAS TOMBINI 2,

1º ENCONTRO DOS INTERLOCUTORES. Clínica, Epidemiologia e Transmissão Hepatite B e C. Celia Regina Cicolo da Silva 12 de maio de 2009

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS CASOS DE HEPATITE A NOTIFICADOS EM UM ESTADO NORDESTINO

SOROPREVALÊNCIA DE DOENÇAS INFECCIOSAS EM DOADORES DE SANGUE DO HOSPITAL SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PELOTAS, RS, BRASIL, ANO DE

Hepatites. Introdução

PREVALÊNCIA DE HEPATITE C NA POPULAÇÃO CARCERÁRIA DO CENTRO PRISIONAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, BRASIL 1

Vigilância e prevenção das Doenças de transmissão vertical

Programa Nacional para a Prevenção e o Controle das Hepatites Virais

ENFERMAGEM DEPENDÊNCIA. DROGAS ILÍCITAS Aula 2. Profª. Tatiane da Silva Campos

ABUSO DE DROGAS: RELAÇÃO ENTRE HEPATITE C E CO-INFECÇÃO COM HIV DRUG ABUSE: RELATIONSHIP BET WEEN HEPATITIS C AND CO-INFECTION BY HIV

RECONHECER A IMPORTÂNCIA DA VIDA E ZELAR POR ELA, É DEVER DE TODO CIDADÃO GRUPO B

RELATÓRIO TÉCNICO - CIENTÍFICO. Título do Projeto de Pesquisa (ao qual está vinculado o Plano de Trabalho):

Resultados. Grupo SK/aids

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS VETERINÁRIAS HEPATITES VIRAIS. Adriéli Wendlant

Resultados dos estudos: Conscritos-2007 e PCAP Assessoria de Monitoramento e Avaliação Unidade de Informação e Vigilância

Drogas, Redução de Danos, legislação e Intersetorialidade Brasília DF Outubro de 2009

Hepatites B e C em usuários de drogas injetáveis vivendo com HIV em São Paulo, Brasil

JADIR RODRIGUES FAGUNDES NETO Gerência DST-AIDS e Hepatites virais

PREVALÊNCIA DE HEPATITE C EM PACIENTES ATENDIDOS NO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO ALCIDES CARNEIRO EM CAMPINA GRANDE, PB

TENDÊNCIAS DA INCIDÊNCIA DA AIDS NO BRASIL E SUAS REGIÕES

Guia de Serviços Atualizado em 02/05/2019

5.1. Prevalência de anticorpos anti-hhv-8 em doadores de

ANÁLISE DAS PESQUISAS QUE ABORDAM AS QUESTÕES DO HIV/AIDS EM PRESÍDIOS

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS PACIENTES DIAGNOSTICADOS COM HIV NO BRASIL NA DÉCADA

Tabela 1: HIV positive por categoria de transmissão , 1995 e 1996.

Área de Intervenção: Detecção Precoce e Prevenção do VIH e SIDA e Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST).

Comentários sobre os Indicadores de Morbidade e Fatores de Risco até 2006

12. CONEX Apresentação Oral Resumo Expandido 1

A INFLUÊNCIA DE ASPECTOS CONTEXTUAIS E INDIVIDUAIS NA DENTIÇÃO FUNCIONAL DE ADULTOS DO SUL DO BRASIL

COMPORTAMENTO DE RISCO PARA HIV EM POPULAÇÃO CARCERÁRIA DE MONTES CLAROS (MG)

Briefing. Boletim Epidemiológico 2011

AVALIAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA DOS CASOS DE HEPATITE C COM BASE NO SINAN

ARTIGO ORIGINAL RESUMO

Informe Mensal sobre Agravos à Saúde Pública ISSN

ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS DA HEPATITE C NO BRASIL

Políticas de Prevenção, Assistência e Tratamento das Hepatites Virais

SOROPREVALÊNCIA DE HEPATITE B EM DOADORES DE SANGUE NA CIDADE DE ANÁPOLIS-GO.

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DAS HEPATITES VIRAIS. Profa. Ms.: Themis Rocha

Artigo Original RAQUEL DE BONI 1 FLAVIO PECHANSKY 1 LISIA VON DIEMEN 1 FÉLIX KESSLER 1 HILARY SURRATT 2 JAMES INCIARDI 2. Resumo.

NOVA PERSPECTIVA DA EPIDEMIA DO HIV: INCIDÊNCIA DE HIV EM IDOSOS NO ESTADO DE ALAGOAS NA ÚLTIMA DÉCADA

ENFERMAGEM. Doenças Infecciosas e Parasitárias. Hepatites Aula 1. Profª. Tatiane da Silva Campos

Fatores Associados à Hepatite Viral no Estado do Pará

AIDS& Na folia. //// Saúde corporativa. Paraná. o importante é curtir cada momento com segurança, consciência e alegria.

Hepatites. Inflamação do fígado. Alteração em enzimas hepáticas (alaminotransferase aspartatoaminotransferase e gamaglutamiltransferase ALT AST e GGT

INQUÉRITO NACIONAL DE SEROPREVALÊNCIA DAS HEPATITES VIRAIS

DISTRIBUIÇÃO DA HEPATITE B NA PARAÍBA: ANÁLISE DOS CASOS NOTIFICADOS PELO SINAN

Aspectos epidemiológicos do uso de drogas ilícitas por estudantes adolescentes no município de Capanema, Pará

Epidemiologia. Tipos de Estudos Epidemiológicos. Curso de Verão 2012 Inquéritos de Saúde

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA HEPATITE C

Introdução aos modelos de transmissão de doenças infecciosas

Avaliação da efetividade do Programa de. do dengue. Brasil,

O QUE É HEPATITE? QUAIS OS TIPOS?

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE. ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO DAS DST/Aids/HEPATITES VIRAIS E TUBERCULOSE

Avaliação da soroprevalência do vírus da hepatite C em pacientes portadores de doenças sexualmente transmissíveis na cidade de São Paulo

The HIV & Hepatitis in the Americas congress 2017 International AIDS Society

IMPORTÂNCIA DO FÍGADO

A portaria 29, de 17 de dezembro de 2013 SVS/MS, regulamenta o diagnóstico da infecção pelo HIV, no Brasil.

Perfil epidemiológico do consumo de álcool entre os estudantes da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará

Programa de Hepatites Virais no estado de São Paulo, 2000 a 2015 Viral Hepatitis Program in the state of São Paulo, from 2000 to 2015

Centro universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas FMU, Avenida Santo Amaro, 1239, Itaim Bibi, São Paulo, SP

Universidade de São Paulo Instituto de Ciências Biomédicas Laboratório e Evolução Molecular e Bioinformática. Marielton dos Passos Cunha

RETROSPECTO DO COMPORTAMENTO DE RISCO À AIDS EM RONDÔNIA NO PERIODO DE

Persistência do vírus Zika em fluídos corporais de pacientes com infecção pelo vírus Zika no Brasil FMT-AM/FIOCRUZ/ DDAHV/SVS/CGLAB/WHO/WT/WR

AIDS e HPV Cuide-se e previna-se!

ESTUDO DE COMPARAÇÃO DA TENDÊNCIA DA AIDS NO BRASIL, REGIÕES E ESTADOS, DE 1990 A 2012, POR SEXO E FAIXA ETÁRIA

Carvalho, A. C. et al.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA DA INFECÇÃO PELO VÍRUS DA DIARREIA VIRAL BOVINA EM REBANHOS DA AGRICULTURA FAMILIAR, NA MICRORREGIÃO DO BREJO PERNAMBUCANO

Consumo adicional de sal em Portugal:

Hepatites Virais PASSATEMPOS. Bom pra cabeça. l CAÇA-PALAVRAS l DOMINOX l CRIPTOGRAMA. l JOGO DOS ERROS E MUITO MAIS

Programa de identificação precoce e prevenção da infecção VIH/Sida direccionado a utilizadores de Drogas

Prevalência elevada de hepatite C no distrito de Botafogo, cidade de Bebedouro, interior do Estado de São Paulo, Brasil, 2007

HEPATITE B: Diagnóstico e Prevenção - Adesão dos acadêmicos à investigação da soroconversão Uma avaliação de 10 anos de atividade

Amostragem em Saúde Pública: uma perspectiva médica

VI Simpósio Estadual de Hepatites Virais B e C

Informação é a melhor proteção. AIDS

SÍFILIS CONGÊNITA EM MUNICÍPO DA AMAZÔNIA BRASILEIRA 1 CONGENITAL SYPHILIS IN BRAZILIAN AMAZON CITY RESUMO

Acidentes Ocupacionais com Material Biológico

HEPATITES EM IDOSOS NO RIO GRANDE DO NORTE: UM ESTUDO PELO SINAN

THAÍS HELENA ROSSATO SIQUEIRA

INDICADORES DEMANDA DE DROGAS

os usuários de drogas não-injetáveis de

Importância atual da IL28B: Carcinogênese, HCV, HBV

Análise espacial dos casos de Aids em homens no município de São Paulo entre 2001 e 2010.

HEPATITE B: DIAGNÓSTICO E PREVENÇÃO

Transcrição:

ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS DA INFECÇÃO PELO HCV EM USUÁRIOS DE DROGAS ILÍCITAS NO MUNICÍPIO DE CURRALINHO, PARÁ, NORTE DO BRASIL Otávio N. Santos 1, Suzy D. B. Pacheco 2, Fabrício Q. Silva 1, Jairo A. A. Castro 3, Carlos E. M. Amaral 3,4, Renata B. Hermes 3,4, João R. R. Pinho 5, José Alexandre R. Lemos 3,4, Aldemir B. Oliveira-Filho 1,3*. Instituto de Estudos Costeiros, UFPA, Bragança PA, Brasil 1. Faculdade de Ciências Naturais, Campus de Breves, UFPA, Breves PA, Brasil 2. Centro de Hematologia e Hemoterapia do Pará, Belém PA, Brasil 3. Instituto de Ciências Biológicas, UFPA, Belém PA, Brasil 4. Instituto de Medicina Tropical, USP, São Paulo SP, Brasil 5. *Correspondência: Aldemir B. Oliveira-Filho. Faculdade de Ciências Naturais, Instituto de Estudos Costeiros, Campus de Bragança, Universidade Federal do Pará. Alameda Leandro Ribeiro, s/n. CEP: 68.600-000. Aldeia. Bragança PA, Brasil. E-mail: olivfilho@ufpa.br. RESUMO Este estudo determinou a prevalência e os fatores associados à infecção pelo HCV em UD no município de Curralinho, Pará. Este estudo foi constituído por amostragem de conveniência. As amostras e informações dos UD foram obtidas pela técnica bola de neve. Os UD preencheram questionário estruturado sobre possíveis fatores de risco à infecção pelo HCV e assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. O diagnóstico da infecção pelo HCV foi feito ELISA e PCR em tempo real. A modelagem estatística foi realizada pelos testes de qui-quadrado e Odds ratio. No total, 85 UD foram abordados no período de janeiro a dezembro de 2013. A maioria dos UD pertencia sexo masculino e apresentava idade média em torno de 34 anos. A prevalência de infecções pelo HCV foi de 29,4%. Não houve discordância entre os resultados de ELISA e PCR. Os fatores de risco à infecção pelo HCV foram: reduzido nível de escolaridade, tatuagem, uso de droga injetável, uso compartilhado de drogas e parafernálias e uso diário de drogas ilícitas. Essas informações poderão ser utilizadas para o direcionamento de medidas de prevenção e controle da transmissão da infecção pelo HCV entre usuários de drogas ilícitas. Palavras-chave: HCV, Epidemiologia, Drogas Ilícitas, Norte do Brasil. 1

INTRODUÇÃO Atualmente, o uso compartilhado de drogas ilícitas, especialmente drogas injetáveis, é a principal forma de transmissão do vírus da hepatite C (HCV) no mundo. Estimativas sugerem que mais de 60% dos novos casos de infecção pelo HCV estão relacionados ao uso de drogas ilícitas 1,2. A prevalência da infecção pelo HCV em usuários de drogas ilícitas varia de 10% a 95% 3-5. Essa oscilação na prevalência de HCV reflete a presença ou ausência de fatores de risco à infecção, como: tempo de uso da droga, compartilhamento de equipamento para abuso, número de parceiros durante ato de abuso compartilhado, detenção e uso de drogas ilícitas em delegacia ou prisão e tipo de droga utilizada (inalante ou injetável) 1,4. Diversos estudos têm mostrado que o compartilhamento de equipamentos para abuso entre os usuários de drogas ilícitas também tem sido responsável pela difusão do HCV 7-11. No Brasil, estudos epidemiológicos da infecção pelo HCV em usuários de drogas ilícitas (UD) ainda são escassos. Nas regiões metropolitanas das cidades de Belém, Goiânia, Campo Grande, Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo foram detectadas prevalências de cdna-hcv entre 5,8% a 36,2% 12-19. Na região Norte do Brasil, a situação epidemiológica da infecção pelo HCV em UD ainda é pouca conhecida. Sabe-se que a distribuição genotípica do HCV nesse grupo de risco é estatisticamente diferente da encontrada em doadores de sangue. A frequência do genótipo 3 em UD é quase seis vezes maior que em doadores de sangue, indicando um ambiente epidemiológico bastante diferenciado 20,21. Além disso, a prevalência de RNA-HCV (28,0%) é elevada em usuários de drogas não-injetáveis com evidência de transmissão do genótipo 1 por compartilhamento de drogas e equipamentos e tatuagens 16,17. Recentemente, um estudo também mostrou que no município paraense de Breves há uma elevada prevalência de infecções pelo HCV 22. Em suma, o perfil epidemiológico da população de usuários de drogas ilícitas com infecção pelo HCV ainda é pouco conhecida em todo o Brasil, especialmente na região norte do Brasil. OBJETIVOS Este estudo determinou as características sócio-demográficas dos UD no município paraense de Curralinho, assim como estabeleceu a prevalência e os fatores associados à infecção pelo HCV. 2

METODOLOGIA Este estudo epidemiológico de corte transversal foi constituído por amostragem de conveniência não probabilística da população de UD no município de Curralinho, Pará, norte do Brasil (Figura 1). A B Figura 1: Município de Curralinho. Pará, norte do Brasil. A. Município à beira do Rio Pará, microrregião de furos do Arquipélago do Marajó. B. Localização geográfica (01º48'49" S, 49º47'43" O). As amostras e informações epidemiológicas dos UD foram obtidas pela técnica bola de neve 16. Resumidamente, um centro comunitário no município de Curralinho foi convidado e aceitou participar deste estudo. Lideranças comunitárias informaram e convidaram moradores que possuíam familiares e amigos com problemas de dependência química sobre este estudo epidemiológico. Em data pré-agendada, uma equipe foi ao centros comunitário ministrar palestra sobre Uso de drogas ilícitas e suas consequências e coletar amostras biológicas e informações epidemiológicas de UD. Os critérios de inclusão de usuários de drogas ilícitas no estudo foram: (1) uso de drogas ilícitas nos últimos três meses; (2) ter de 18 a 60 anos; e (3) doação de amostra biológica, preenchimento de questionário epidemiológico e consentimento formal de participação do estudo. 3

As amostras de plasma pertencentes aos UD foram testadas quanto à presença de anticorpos anti-hcv utilizando kit comercial Abbott Murex anti-hcv version 4.0 (Kyalami, Gauteng, South Africa). Amostras sororreagentes para anticorpos anti-hcv tiveram o RNA extraído utilizando o kit comercial de extração QIAmp Viral RNA Mini Kit (Qiagen), seguindo suas referidas instruções. Por meio de PCR em tempo real, a infecção pelo HCV foi confirmada a partir da detecção de fragmento de nucleotídeos com 67 pares de base da região 5 não-codificante (UTR) do genoma viral. Esse procedimento foi feito utilizando o kit comercial TaqMan EZ RT-PCR Core Reagents (Applied Biosystems), seguindo o protocolo do fabricante, e adicionando iniciadores (DET 1 e DET 2 ) e sonda (HCV5utr) (Tabela 1). As condições de amplificação foram: 1 ciclo de 50 o C/2min, 60 o C/30min e 95 o C/5min; 50 ciclos: 94 o C/20s e 60 o C/1min. Em todas as reações de diagnóstico molecular, amostras de RNA positivo e negativo para HCV foram utilizadas como controles internos. A partir do diagnóstico molecular de infecção pelo HCV, os UD foram divididos em dois grupos: infectados e não-infectados pelo HCV. Os dados epidemiológicos dos dois grupos foram ordenados e comparados através dos testes qui-quadrado (χ 2 ) e Odds Ratio (OR), utilizando o programa BioEstat versão 5.0 (Ayres et al., 2005) e tendo como valor de significância p < 0,05. Tabela 1: Sonda e iniciadores utilizados no diagnóstico molecular do HCV. Iniciadores e Sonda Sequências de nucleotídeos Posição de Nucleotídeos* DET 1 CGCTCAATGCCTGGAGATTT 209 228 DET 2 TTTCGCGACCCAACACTACTC 256 276 HCV5utr TGCCCCCGCAAGACTGCTAGC 234 255 *Posições de nucleotídeos em relação ao genoma publicado do HCV 23. Para detecção de fatores epidemiológicos associados à infecção pelo HCV em UD foi aplicado um questionário contendo as seguintes variáveis: sexo, idade, estado civil, renda familiar, tempo de estudo, convívio com familiar ou amigo com hepatite C, recebimento de transfusão sanguínea, realização de cirurgia, realização de tratamento dentário invasivo, confecção de tatuagem, uso compartilhado de lâminas em ambiente domiciliar, uso compartilhado de lâminas em barbearia, salão de beleza ou similares, uso de agulha e/ou seringa de vidro esterilizada em casa, uso de material próprio de manicure e pedicure, droga ilícita de identificação, tipo de drogas lícitas ou ilícitas utilizadas durante a vida, frequência de uso de drogas ilícitas, uso compartilhado de drogas e maquinaria de abuso, tempo total de uso 4

de drogas ilícitas, já ter sido preso em delegacias ou presídios, uso de drogas ilícitas durante detenção em delegacias ou presídios, prática de prostituição, preferência sexual, uso de preservativo durante relação sexual, realização de relação sexual com alguém do mesmo sexo, realização de relação sexual com profissional do sexo, realização de relação sexual com outro usuário de droga ilícita e número de parceiros sexuais nos últimos 12 meses. Por fim, este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa do Núcleo de Medicina Tropical, Universidade Federal do Pará. RESULTADOS E DISCUSSÃO No total, 85 UD foram abordados no período de janeiro a dezembro de 2013. A maioria dos UD pertencia sexo masculino (77,6%) e apresentava idade média em torno de 34 anos. Além disso, a maioria dos UD possuía ensino fundamental incompleto até oito anos de estudo (43,5%), estava solteiro (71,7%) e disponibilizava de renda mensal inferior ou igual a um salário mínimo (R$ 678,00). O uso de mais uma droga ilícita durante a vida (74,1%) foi uma característica comum entre os UD. Baseando-se nas drogas ilícitas utilizadas com maior frequência (drogas de identificação), os UD foram classificados em seis grupos de consumidores: crack (29,4%), maconha (23,5%), pasta de cocaína + maconha (18,8%), pasta de cocaína (11,8%), maconha + crack (10,6%) e cocaína em pó (5,9%). O uso de tabaco (74,1%) e álcool (87,1%) também foi relatado pelos participantes. As características sociais e demográficas dos UD são relativamente semelhantes as registradas no município de Breves, Arquipélago do Marajó 22. Em 85 UD, 25 (29,4%; IC 95%: 24,1% a 34,2%) apresentaram anticorpos anti-hcv e RNA-HCV. Não houve discordância entre os resultados sorológicos e moleculares. Todos os resultados indicados por ELISA foram confirmados por PCR em tempo real. Dentre os diversos possíveis fatores associados à infecção pelo HCV, cinco foram indicados como fatores de risco à infecção pelo HCV entre UD em Curralinho: reduzido nível de escolaridade, tatuagem, uso de droga injetável, uso compartilhado de drogas e parafernálias para uso de drogas e uso diário de drogas ilícitas (Tabela 2). 5

Tabela 2: Características demográficas e epidemiológicas dos usuários de drogas ilícitas do Município de Curralinho, Pará. Variáveis Usuários de drogas ilícitas Análise estatística HCV + (n = 25) HCV - (n = 60) 2 (valor-p) OR (IC 95%) Sexo Masculino 17 49 Feminino 8 11 1,89 (p = 0,17) 0,48 (0,17-1,39) Idade 35 anos 7 12 < 35 anos 18 48 0, 65 (p = 0,42) 1,55 (0,53-4,57) Estado civil Solteiro + separado 17 45 Casado + junto 7 16 0,07 (p = 0,78) 0,86 (0,31-2,47) Nível de escolaridade Até 7 anos de estudo 10 12 Mais 7 anos de estudo 12 59 7,58 (p < 0,01) 4,09 (1,44-11,64) Renda familiar Até 1 salário 21 47 Maior que 1 salário 4 13 0,35 (p = 0,55) 1,45 (0,42-4,98) 6

Tabela 2 (Continuação) Variáveis Possui familiar com hepatite C Usuários de drogas ilícitas Análise estatística HCV + (n = 25) HCV - (n = 60) 2 (valor-p) OR (IC 95%) Sim 4 6 0,61 (p = 0,43) 1,71 (0,44-6,69) Não 21 54 Fez cirurgia Sim 9 26 0,39 (p = 0,53) 0,74 (0,28-1,93) Não 16 34 Fez tatuagem Sim 25 22 23,63 (p < 0,01) 42,04 (5,32-130,07) Não 0 38 Uso compartilhado de lâminas em casa Sim 9 11 3,06 (p = 0,08) 1,97 (0,71-5,40) Não 16 44 Uso compartilhado de lâminas em salão/barbearia Sim 8 23 0,31 (p = 0,52) 0,76 (0,28-2,03) Não 24 59 Uso de agulha e seringa de vidro esterilizada em casa Sim 1 1 0,42 (p = 0,52) 2,46 (0,15-4,92) Não 24 59 7

Tabela 2 (Continuação) Variáveis Usuários de drogas ilícitas Análise estatística HCV + (n = 25) HCV - (n = 60) 2 (valor-p) OR (IC 95%) Realização de tratamento dentário invasivo Sim 18 48 0,65 (p = 0,42) 0,64 (0,22-1,89) Não 7 12 Não possui material próprio de manicure e pedicure Sim 6 16 0,07 (p = 0,79) 0,86 (0,29-2,56) Não 19 44 Uso de droga injetável Sim 6 1 11,64 (p < 0,01) 18,63 1(2,11-64,68) Não 19 59 Frequência de uso de drogas Diariamente 25 22 28,64 (p < 0,01) 43,18 (5,47-71,06) Poucas vezes/mês 0 38 Uso compartilhado de drogas e parafernálias Sim 24 38 9,54 (p < 0,01) 13,89 (1,76-59,91) Não 1 22 Tempo total de uso de drogas Mais de três anos 6 18 0,32 (p = 0,58) 1,35 (0,47-3,96) Até três anos 19 42 8

Tabela 2 (Continuação) Variáveis Usuários de drogas ilícitas Análise estatística HCV + (n = 25) HCV - (n = 60) 2 (valor-p) OR (IC 95%) Envolvimento com prostituição Sim 6 19 2,81 (p = 0,09) 0,41 (0,15-1,18) Não 19 34 Detenção em presídio ou delegacia Sim 10 21 0,19 (p = 0,66) 1,23 (0,47-3,23) Não 15 39 Preferência sexual Homossexual + 1 4 Bissexual 0,23 (p = 0,63) 1,71 (0,18-16,12) Heterossexual 24 56 Uso de preservativo durante relação sexual Nunca + Às vezes 18 3 1,29 (p = 0,11) 0,97 (0,43-11,43) Sempre 7 57 9

Tabela 2 (Continuação) Variáveis Relação sexual com alguém do mesmo sexo Usuários de drogas ilícitas Análise estatística HCV + (n = 25) HCV - (n = 60) 2 (valor-p) OR (IC 95%) Sim 9 28 0,82 (p = 0,37) 0,64 (0,25-1,68) Não 16 32 Relação sexual com profissional do sexo Sim 18 46 0,21 (p = 0,65) 0,78 (0,27-2,26) Não 7 14 Relação sexual com outro usuário de drogas Sim 16 41 0,15 (p = 0,69) 0,82 (0,31-2,19) Não 9 19 Número de parceiros sexuais nos últimos 12 meses Mais de 5 parceiros 8 19 0,01 (p = 0,97) 1,01 (0,38-2,76) Até 5 parceiros 17 41 10

No município de Salvador 24, a soroprevalência da infecção pelo HCV detectado em diferentes usuários de drogas injetáveis é semelhante a observada neste estudo. Embora a maioria dos usuários de drogas ilícitas no município de Curralinho usarem preferencialmente drogas não injetáveis, a prevalência de anti-hcv e RNA-HCV foram relativamente elevadas. Em Breves, há também registro de elevada prevalência de anti- HCV e de RNA-HCV em UD, os quais também utilizam preferencialmente drogas nãoinjetáveis e alguns UD esporadicamente utilizaram drogas injetáveis 22. Provavelmente, o uso esporádico de drogas injetáveis, seguido por compartilhamento de equipamentos para uso de drogas não-injetáveis e diariamente, estão contribuindo significativamente para a transmissão do HCV entre os usuários de drogas ilícitas em Curralinho. Alguns estudos já relataram a presença de HCV-RNA nas secreções nasais de usuários de cocaína e crack, indicando uma possível rota alternativa para a transmissão de vírus 7,8. Exemplo disso pode ser a transmissão do HCV por meio de compartilhamento de equipamentos de uso de drogas injetáveis e não-injetáveis. Além disso, os fatores associados à infecção pelo HCV detectados em usuários de drogas ilícitas em Curralinho são semelhantes aos relatados em estudos epidemiológicos em diferentes municípios brasileiros neste grupo de risco 14,15,18,13,22. Particularmente, esses fatores de risco para a infecção pelo HCV são idênticos aos detectadas em usuários de cocaína no estado do Pará 16. Desse modo, os resultados deste estudo também confirmam o perfil epidemiológico local da transmissão do HCV em usuários de drogas ilícitas. Em resumo, este estudo determinou os aspectos epidemiológicos relevantes da infecção pelo HCV em usuários de drogas ilícitas no município de Curralinho, que podem ser usados para o desenvolvimento de medidas de controle e prevenção da transmissão viral neste grupo de risco e também para a população em geral. CONCLUSÕES Este estudo identificou uma elevada prevalência de infecções pelo HCV entre usuários de drogas ilícitas no município de Curralinho, Pará, norte do Brasil. Possivelmente, essa transmissão viral esteja associada à fatores sociais e parenterais. Essas informações poderão ser utilizadas para o direcionamento de medidas de prevenção e controle da transmissão da infecção pelo HCV entre usuários de drogas ilícitas. FINANCIAMENTO Este estudo foi financiado pelo MS/SVS, CNPQ, UFPA/PROPESP/PARD. 11

REFERÊNCIAS 1. Alter MJ. Epidemiology of hepatitis C virus infection. World Journal of Gastroenterology 2007; 13:2436-2441. 2. Paintsil E, Verevochkin SV, Dukhovlinova E, Niccolai L, Barbour R, White E, et al. Hepatitis C virus infection among drug injectors in St Petersburg, Russia: social and molecular epidemiology of an endemic infection. Addiction 2009; 104:1881-1890. 3. Aceijas C, Rhodes T. Global estimates of prevalence of HCV infection among injecting drug users. International Journal on Drug Policy 2007; 18:352-358. 4. Hagan H, McGough JP, Thiede H, Weiss NS, Hopkins S, Alexander ER (1999). Syringe exchange and risk of infection with hepatitis B and C viruses. American Journal of Epidemiology 1999; 149:203-213. 5. Oliveira ML, Hacker MA, Oliveira SA, Telles PR, O KM, Yoshida CF, et al. "The first shot": the context of first injection of illicit drugs, ongoing injecting practices, and hepatitis C infection in Rio de Janeiro, Brazil. Cadernos de Saúde Publica 2006; 22:861-870. 6. Harsch HH, Pankiewicz J, Bloom AS, Rainey C, Cho JK, Sperry L, Stein E. Hepatitis C Virus infection in cocaine users a silent epidemic. Community Mental Health Journal 2000; 36:225-233. 7. Aaron S, McMahon JM, Milano D, Torres L, Clatts M, Tortu S, et al. Intranasal Transmission of Hepatitis C Virus: Virological and Clinical Evidence. Clinical Infectious Diseases 2008; 47:931-934. 8. Fischer B, Powis J, Cruz MF, Rudzinskia K, Rehm J. Hepatitis C virus transmission among oral crack users: viral detection on crack paraphernalia. European Journal of Gastroenterology & Hepatology 2008; 20:29-31 9. Koblin BA, Murrill C, Xu G, Camacho M, Liu KL, Raj-Singh S, et al. Awareness of HIV prevention strategies under development: word on the street. Journal of Acquired Immune Deficiency Syndromes 2008; 48:232-234. 10. Macías J, Palacios RB, Claro E, Vargas J, Vergara S, Mira JA, et al. High prevalence of hepatitis C virus infection among noninjecting drug users: association with sharing the inhalation implements of crack. Liver International 2008; 28:781-786. 11. McMahon JM, Tortu S. A potential hidden source of hepatitis C infection among noninjecting drug users. Journal of Psychoactive Drugs 2003; 35:455-460. 12

12. Carvalho HB, Seibel SD, Burattini MN, Massad E, Reingold A. Vulnerabilidade às infecções pelo HIV, hepatites B e C e sífilis entre adolescentes infratores institucionalizados na cidade de São Paulo, Brasil. Jornal Brasileiro de Doenças Sexualmente Transmissíveis 2003; 15:41-45. 13. Galperim B, Cheinquer H, Stein A, Fonseca A, Lunge V, Ikuta N. Intranasal cocaine use does not appear to be an independent risk factor for HCV infection. Addiction 2004; 99:973-987. 14. Lopes CLR, Teles SA, Espírito-Santo MP, Lampe E, Rodrigues FP, Motta-Castro ARC, et al. Prevalence, risk factors and genotypes of hepatitis C virus infection among drug users, Central- Western Brazil. Revista de Saúde Pública 2009; 43:S1- S7. 15. Oliveira ML, Bastos FI, Telles PR, Hacker MA, Oliveira SA, Miguel JC, et al. Epidemiological and genetic analyses of Hepatitis C virus transmission among young/short-and long-term injecting drug users from Rio de Janeiro, Brazil. Journal of Clinical Virology 2009; 44:200-206. 16. Oliveira-Filho AB, Sawada L, Pinto LC, Locks D, Lobato SL, Brasil-Costa I et al. HCV infection among cocaine users in the state of Pará, Brazilian Amazon. Archives of Virology 2013; 158:1555-1560 17. Oliveira-Filho AB, Sawada L, Pinto LC, Locks D, Bahia SL, Castro JA, et al. Epidemiological aspects of HCV infection in non-injecting drug users in the Brazilian state of Pará, eastern Amazon. Virology Journal 2014; 11: 38. 18. Novais ACM, Lopes CLR, Reis NRS, Silva AMC, Martins RMB, Souto FJD. Prevalence of hepatitis C virus infection and associated factors among male illicit drug users in Cuiabá, Mato Grosso, Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 2009; 104: 892-896. 19. Segurado AC, Braga P, Etzel A, Cardoso MRA. Hepatitis C virus coinfection in a cohort of HIV-infected individuals from Santos, Brazil: Seroprevalence and associated factors. AIDS Patients Care STDS 2004; 18:135-143. 20. Oliveira-Filho AB, Pimenta ASC, Rojas MFM, Chagas MCM, Crespo DM, Crescente JAB, et al. Prevalence and genotyping of hepatitis c virus in blood donors in the state of Pará, Northern Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 2010; 105:103-106. 21. Sawada L, Pinheiro ACC, Locks D, Pimenta ASC, Rezende PR, Crespo D, et al. Distribution of hepatitis C virus genotypes among different exposure categories in the 13

State of Pará, Brazilian Amazon. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 2011; 44:8-12. 22. Pacheco SD, Silva-Oliveira GC, Maradei-Pereira LM, Crescente JÂ, Lemos JA, Oliveira-Filho AB. Prevalence of HCV infection and associated factors among illicit drug users in Breves, State of Pará, northern Brazil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 2014; 47: 367-370. 23. Choo QL, Kuo G, Weiner AJ, et al. Isolation of a cdna clone derived from a bloodborne non-a, non-b viral hepatitis genome. Science 1989, 244: 359-362. 24. Silva MB, Andrade TM, Silva LK, Rodart IF, Lopes GB, Carmo TMA et al. Prevalence and genotypes of hepatitis C virus among injecting drug users from Salvador-BA, Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 2010; 105:299-303. 14