Cadernos do CNLF, Vol. XIII, Nº 04



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Transcrição:

SUBESPECIFICAÇÃO LEXICAL: UM MECANISMO ANALÓGICO A SERVIÇO DA INTERPRETAÇÃO DE METÁFORAS Ilson Rodrigues da Silva Jr (UFSC) irsjr@yahoo.com.br INTRODUÇÃO Neste trabalho, aborda-se o estudo da metáfora levando em consideração a expressão linguística. Nessa perspectiva, o léxico é parte estruturante de conceitos metafórico, isto é, a metáfora, antes de ser um fenômeno puramente conceptual em que expressões linguísticas são consideradas apenas uma repercussão da representação conceptual metafórica, é dependente da interação entre os sentidos associados às expressões linguísticas. O objetivo deste trabalho é explorar a noção de subespecificação lexical, segundo a teoria do Léxico Gerativo, como um mecanismo importante no mapeamento das dimensões relevantes que propiciam a interpretação da metáfora. A METÁFORA DO PONTO DE VISTA INTERACIONISTA Inicialmente postulada por Black (1993), a concepção interacionista propõe que, em um enunciado metafórico, tópicos e veículos têm, cada um, funções específicas que guiam a interpretação da metáfora: o veículo atribui propriedades salientes ao tópico e, por sua vez, o tópico serve como um contexto local para a propriedade atribuída pelo veículo. Na metáfora o casamento é um jogo de soma zero (marriage is a zero-sum game), casamento é o tópico e jogo é o veículo. Este projeta sobre o tópico um conjunto de sentidos como: um jogo é uma competição entre dois oponentes no qual um jogador somente pode vencer às custas da derrota do outro. O conjunto de sentidos de jogo a ser projetado sobre o conceito de casamento depende principalmente das interpretações dadas à competição, oponentes, e vencer. Anais do XIII CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2009, p. 1172

Uma possibilidade de interpretação da metáfora é: o casamento é um esforço contínuo entre dois concorrentes em que as recompensas (poder?, dinheiro?, satisfação?) de um competidor são ganhas somente às custas da privação do outro. O uso metafórico de jogo, além de projetar um conjunto de sentidos associados ao conceito de casamento, induz a uma mudança de sentido no próprio veículo (jogo) que, com o uso reiterado, adquire um sentido conotativo dos eventos que tenham uma similaridade apontada no exemplo acima. Contudo o mecanismo apontado por Black não especifica quais são os critérios para determinar que sentidos e predicados do veículo aplicados literalmente ao sujeito principal são significativos na interpretação da metáfora? (Gibbs, 1994, p. 235). Numa perspectiva psicolinguística do modelo interacionista da metáfora (Gentner 1982, 2007; Glucksberg, 2001), um dos aspectos principais é estabelecer a dimensão relevante para a interpretação da metáfora a partir do mapeamento estrutural da estrutura interna dos conceitos dos termos que entram em composição no enunciado metafórico. A perspectiva de Gentner é considerar os conceitos como parte do conhecimento geral sobre o mundo, organizados em domínios, vistos como sistemas de objetos, atributos de objetos e relações entre objetos. A representação destes conceitos é estabelecida por redes proposicionais (nós e predicados) em que os nós representam os conceitos como um todo e os predicados, aplicados aos nós, expressam proposições a respeito dos conceitos. A sistematicidade ou interconexão entre as relações que compõem o conceito depende do seu tipo, isto é, predicado entre atributos e relações e distinção entre predicado de primeira e segunda ordem. A dependência da representação proposicional se explica devido à necessidade de representar a relação entre os domínios na analogia. Ao contrário da sobreposição de traços de um domínio ao outro, a autora propõe um mapeamento seletivo da estrutura relacional de um domínio a outro. Assim na analogia x é como y, o domínio y (veículo) é representado em termos de nós de objetos y1,y2,y3,...yn e Anais do XIII CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2009, p. 1173

predicados A, R, R e o domínio x (tópico) tenha nós de objetos x1,x2,x3,...xn. O mapeamento então será aplicado à correspondência entre os nós do objeto y para os nós do objeto x, descartando os atributos e tentando preservar as relações. M: y1 x1 Tome-se como exemplo a comparação o átomo é como um sistema solar. Das relações de primeira ordem das dimensões do veículo expostas abaixo, a última não encontra correspondência com as relações de primeira ordem do tópico. Assim ela, num primeiro momento, é descartada. As demais passam pelo filtro da sistematicidade. Sistema solar Distância (sol, planeta) Atrai (sol, planeta) Gira ao redor(planeta,sol) Mais massivo do que (sol, planeta) Mais quente do que (sol, planeta) Átomo Distância (núcleo, elétron) Atrai (núcleo, elétron) Gira ao redor (elétron, núcleo) Mais massivo do que (núcleo, elétron) O princípio de sistematicidade define qual o conjunto de estruturas entre predicados de segunda-ordem serão preservadas do a- linhamento estrutural, segundo um critério de interconexão entre os predicados. Esse sistema de predicados pode ser representado por uma estrutura de predicados interconectados em que predicados de segunda-ordem forçam as conexões entre predicados de primeiraordem. Entre as relações acima, as que estabelecem um número de relações que estão sistematicamente relacionadas por um tipo de raciocínio de inferência, portanto, serão preservadas. Nos exemplos abaixo, as relações de segunda ordem forçam as conexões entre predicados de primeira ordem, formando um sistema estruturalmente consistente que é projetado de sistema solar a átomo. O fato de o sol SER MAIS MASSIVO QUE os planetas causa o fato de o sol ATRAIR os planetas que causa o fato de os planetas GIRAREM EM TORNO do sol. Anais do XIII CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2009, p. 1174

O fato de o núcleo SER MAIS MASSIVO QUE os elétrons causa o fato de o núcleo ATRAIR os elétrons que causa o fato de os elétrons GIRAREM EM TORNO do núcleo. Uma vez que é encontrada uma combinação estruturalmente consistente entre o veículo e o tópico, certos significados específicos, que inicialmente passaram pelo processo do mapeamento estrutural, podem ser generalizados e, enfim, adquirem um significado figurado mais abstrato, tornando-se convencionais. Este mapeamento estrutural requer, portanto, uma estrutura ontológica suficientemente flexível, que incorpore conhecimento enciclopédico, para mapear dimensões e explorar similaridades entre conceitos de diferentes domínios do conhecimento. O LÉXICO GERATIVO Uma característica da linguagem é a possibilidade de múltiplos usos literais, fenômeno conhecido como polissemia 12. Em inúmeras situações, como aponta Glucksberg (2001), o contexto nos leva a procurar não um sentido não literal alternativo, mas uma interpretação literal particular. Essa possibilidade de múltiplos usos literais é um fenômeno recorrente na linguagem. Teorias que representam o léxico por ontologias mais rígidas que apontam apenas relações de hiperonímia-hiponímia entre itens lexicais conseguem apenas calcular se um elemento pertence ou não a uma determinada classe. Numa abordagem semântico-lexical, a Teoria do Léxico Gerativo 13 (Pustejovsky, 1995; Moravcsik, 1998, 2001), que tem buscado apontar regularidades semânticas no campo lexical, estabelece uma representação léxico-conceptual mais rica do que convencionalmente é assumido em outras teorias. 12 Embora a noção de polissemia confunde-se com a noção de homonímia, em que por algum motivo dois sentidos provenientes de etimologias distintas sejam expressos pela mesma palavra. Há, contudo, um tipo de polissemia, ignorada pela semântica baseada em primitivos semânticos, a qual Pustejovsky denomina de polissemia lógica. 13 Doravante TLG. Anais do XIII CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2009, p. 1175

Para este propósito, o TLG é um sistema representacional formado por quatro níveis básicos da representação linguística (estrutura argumental, estrutura de eventos, estrutura qualia e estrutura de herança lexical) e um conjunto de dispositivos gerativos que conectam os quatro níveis de representação lexical, fornecendo a interpretação composicional de palavras em contexto. Dentre as estruturas representacionais da TLG, a estrutura qualia apresenta o significado da palavra estruturado em quatro fatores gerativos, abaixo relacionados, que capturam como entendemos objetos e relações no mundo e fornece uma explanação básica do comportamento linguístico dos itens lexicais O quale Formal distingue um objeto de um conjunto mais amplo (relacionado à estrutura taxonômica). O quale Constitutivo indica as relações meronímicas do i- tem lexical em questão. O quale Agentivo apresenta o modo como o objeto foi criado. O quale Télico define a função ou propósito de um objeto. Outra característica da TLG é a representação dos itens lexicais nominais quanto ao seu tipo: simples, complexo e unificado. Nomes de tipo simples são aqueles nomes representantes de classes naturais tais como pedra, árvore, mar etc. Esses nomes são considerados simples por não possuírem uma funcionalidade específica. Ao contrário, nomes que representam artefatos possuem funcionalidade de criação e de uso, isto é, qualia télico e agentivo. Estes são denominados de tipos unificados. Por fim, os nomes de tipo complexo são aqueles que possuem policategorizações como o nome livro, exemplificado abaixo. Um exemplo de como esta estrutura funciona para atribuir um sentido de termos polissêmicos, tomemos as sentenças abaixo: Joana leu um livro. João comprou um livro. Joana começou um livro. O aluno usou o livro na aula de história. Anais do XIII CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2009, p. 1176

Joana devorou o livro. A semântica dos nomes, como livro em (1), (2) e (3), apresentam uma polissemia sutil. A representação lexical deve ser flexível o suficiente para que incorpore heranças múltiplas. Livro apresenta duas relações em relação à herança hierárquica de uma ontologia: informação ou objeto físico. A representação lexical dessa dupla herança é formalizada por nomes de tipo complexo (ou pontuado) conforme matriz léxico-conceptual de livro abaixo: livro ARGSTR= ARG1= ARG2= x:informação y:obj_fisico QUALIA= informação.obj_fisico FORMAL= contém(y,x) CONSTITUTIVO= (capa, páginas, etc) TÉLICO= ler(e, w,x.y AGENTIVO= escrever(e',v,x.y) Figura 1 Matriz do nome livro Esse tipo de estrutura capta os eventos (ler e escrever) relacionados a livro. O evento ler é a função para a qual livros são criados, o evento escrever introduz o escritor (v) e o argumento pontuado (x.y) indica as duas características de livro (informação e objeto físico). Mas a representação acima, apenas representa o conceito de livro. A interpretação em contexto das palavras depende de mecanismos gerativos. Um dos mecanismos, a co-composicionalidade, tem como pressuposto a ideia de que cada termo de uma sentença contribui para o significado total da mesma. No exemplo (1), o verbo ler restringe os tipos de argumentos em que LER (x,y), onde x: pessoa e y: informação; em (2), COMPRAR (x,y) onde x: pessoa ou instituição e y: objeto físico; e finalmente em (3), COMEÇAR (x,y), onde x: agente causativo e y: evento. Se por um lado, o tipo de predicado restringe os tipos de argumentos, por outro, os argumentos são responsáveis pelo sentido do predicado. Por co-composicionalidade os argumentos, além do predicado, são também functores, isto é, contribuem para especificar o sentido do verbo. Na sentença (1), então, co-composicionalmente o Anais do XIII CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2009, p. 1177

verbo ler exige um conteúdo semântico do complemento livro informação e, em (2), objeto físico. Mas o que dizer da sentença (3). Como já visto, o verbo começar exige como complemento um evento. E o nome livro não parece pertencer a uma classe eventiva. Duas alternativas podem ser propostas: ou o verbo muda a seleção semântica do seu complemento ou livro apresenta uma homonímia entre objeto_físico.informação e um evento relacionado a ele. Qualquer dessas alternativas levaria a uma enumeração de sentidos (o que a TLG quer evitar). A alternativa proposta por Pustejovsky é um mecanismo, denominado coerção de tipo, que converte o tipo de um complemento por aquele exigido pelo verbo. Assim, a interpretação em (3) é possível por que o verbo começar coage seu complemento a assumir um dado tipo e, por outro lado, o complemento (livro) tem eventos representados em sua estrutura qualia (télico e agentivo) que possibilitam esta mudança. Na sentença (3), tanto podemos interpretar com o sentido télico quanto agentivo, dependendo do tipo a que pertence o agente de começar (leitor ou autor). Na sentença (4), o verbo usar parece não coagir o seu complemento do mesmo modo que o verbo começar. Pustejovsky considera que verbos tendem a apresentar dois tipos de seleção quanto à coerção e não coerção de tipo: seleção ativa (em que há coerção e permite acomodar o complemento a um tipo requerido) e seleção passiva (em que não há coerção e requer uma seleção direta do tipo requerido pelo complemento). O verbo usar enquadra-se nesta ultima categoria, pois permite um grande número de tipos de complementos cujo sentido é específico a cada conceito lexical como se pode perceber nas frases abaixo: João usou o alicate. João usou o cérebro. João usou o metrô. Nas sentenças (6), (7) e (8), o verbo parece apenas apontar para uma exigência quanto ao tipo geral de funcionalidade (télico), mas o conteúdo semântico do nome na posição de complemento não é exigido (alicate uma ferramenta, cérebro um órgão do corpo humano e metrô um tipo de veículo). Este fenômeno, percebido com o verbo começar e usar, é denominado de subespecificação. Um fenômeno comum na linguagem Anais do XIII CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2009, p. 1178

e que, segundo a TLG pode apresentar duas formas: subespecificação forte, em que o conteúdo semântico do complemento é exigido pelo verbo como comprar, e subespecificação fraca, em que o conteúdo semântico do complemento não é exigido. Dadas as perspectivas relativas à subespecificação, como podemos, então, interpretar a sentença (5) se o verbo devorar exige que seus complementos sejam de uma determinada categoria (tipo), isto é, objeto físico, comestível, com característica funcional (télico) de alimentar x e livro, por seu turno, não se enquadra nesta categoria? Qual seria a coerção possível, visto que não a consideramos anômala? Que mecanismo inferencial poderia contribuir na construção de sentido de sentenças metafóricas? ANALOGIA E SUBESPECIFICAÇÃO Retomando as especificações quanto à analogia, apontadas pela abordagem interacionista, foi visto que uma das características da metáfora é manter as relações provenientes de um domínio (veículo) e os argumentos de outro domínio (tópico). Assumindo o mapeamento relacional, domínios diferentes não necessitam estabelecer correspondências de propriedades idênticas. O fundamental é que os elementos tenham papel relacional comum. Isso assemelha-se as características apontadas pela subespecificação nos exemplos (5), (6) e (7) acima em que alicate, cérebro e metrô não pertencem a um mesmo domínio do conhecimento, mas por seu papel relacional comum podem figurar como argumento de usar. Propõe-se, portanto, que, nas metáforas predicativas, o fenômeno da subespecificação se faça presente, permitindo que o sentido do verbo seja parcialmente mantido, mas as exigências categoriais sejam apagadas. No caso do verbo devorar, o nome que preenche a posição de complemento, pertencente à categoria das coisas comestíveis (objeto_físico), tem sua categoria semântica apagada, tornando-se multicategorial (exemplificado na matriz abaixo em que os argumentos sujeito e complemento não têm seu tipo definido, representado pelo símbolo T). O sentido do verbo, portanto, deve estar intimamente ligado ao domínio do argumento que está na posição Anais do XIII CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2009, p. 1179

de complemento. Ou seja, diferentes domínios, diferentes aspectos relativos aos domínios terão sido devorados. Contudo, deve-se ressaltar que não é apenas o caso de transferência concreto/abstrato ou animado/inanimado. Mas um modo, conforme a teoria do mapeamento estrutural, de explorar uma relação causal entre entidades de domínios diferentes que independem destas dicotomias. devorar E 1= EVENTSTR = E 2 = e 1 : process e 2 : state ARGSTR= RESTR= < µ HEAD= e 1 ARG1= 1 ARG2= 2 T T causativo-lcp QUALIA= FORMAL=?exist(e 2, 2 ) AGENTIVO= ato_de_devorar(e 1, 1, 2 ) Figura 2 matriz verbo devorar Em razão de o nome livro em (5) Joana devorou o livro, ser do tipo complexo, permite um número maior de dimensões a serem mapeadas. Aquelas oriundas de objeto físico e as de informação. A única possibilidade para a sentença acima é a interpretação da dimensão télico de informação (informação tem como propósito a sua apreensão) e não o formal objeto físico (a não ser que o nome Joana se refira a uma traça de estimação de alguém, e o seu proprietário deu-lhe um livro como café da manhã). Outro aspecto que deve se levar em conta é quanto ao tipo do nome na posição de complemento. No exemplo acima, livro possui aspectos de duas categorias (objeto físico e informação) além de ser considerado um artefato (o que determina livro ser considerado um nome funcional, isto é, ter os qualia télico e agentivo preenchidos). Nomes naturais não têm representação de telicidade ou agentividade. Por exemplo, na sentença o mar devorou as dunas, verbo devorar mapeia diretamente a dimensão do qualia formal de dunas para determinar a interpretação visto que o nome dunas não apresenta tipos funcionais (télico e agentivo), exemplificado na matriz abaixo. Anais do XIII CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2009, p. 1180

duna ARGST R = x: objeto_físico Formal= QUALIA= Constitutivo= x areia Figura 3 matriz nome Dunas Resumindo, o verbo, em sentido metafórico tem, assim como na analogia, uma parte de seu sentido mantida enquanto suas exigências categoriais são apagadas. O número de dimensões mapeáveis depende também do tipo semântico do nome, isto é, tipos simples complexo ou unificado. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste artigo, buscou-se estabelecer uma relação entre analogia e subespecificação semântica dentro do escopo da semântica lexical. Analisar a metáfora por um ponto de vista da semântica lexical, levando-se em conta uma abordagem psicolinguística da metáfora, parece ser um caminho promissor para o estudo da metáfora baseado na expressão linguística. Embora os dados não sejam em número suficiente para maiores afirmações, os indícios apontados no desenvolver do trabalho apontam para um promissor aprofundamento dos estudos da metáfora dentro da Teoria do Léxico Gerativo. REFERÊNCIAS BLACK, M. More about metaphor. In: ORTONY, A. (ed.): Metaphor and Thought. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. BOWDLE, B. & GENTNER, D. The career of metaphor. Psychological Review, v. 112-1, 2005, p. 193-216. GENTNER, D. Structure-mapping: a theoretical framework for analogy. Cognitive Science, v. 7, 1983, p. 155-170. Anais do XIII CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2009, p. 1181

GIBBS, R. The poetics of mind: figurative thought, language, and understanding. New York: Cambridge University Press, 1994. GLUCKSBERG, S. Understanding figurative language: from metaphors to idioms. Oxford: Oxford University Press, 2001. MORAVCSIK, J. Meaning, creativity and the partial inscrutability of the human mind. Stanford: CSLI Publications, 1998.. Metaphor, Creative Understanding, and the Generative Lexicon. In: BOUILLON, P. and BUSA, F. The Language of Word Meaning. Cambridge: Cambridge University Press, 2001, p. 247-261. PUSTEJOVSKY, J. The Generative lexicon. Cambridge: MIT Press. 1995. Anais do XIII CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2009, p. 1182