ASSENTAMENTOS DO MST E IDENTIDADE COLETIVA

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Transcrição:

ASSENTAMENTOS DO MST E IDENTIDADE COLETIVA Vendramini, Célia Regina UFSC GT: Trabalho e Educação/nº 9 Agência financiadora: CNPQ / Plano Regional Sul Introdução O trabalho propõe-se a refletir sobre a identidade coletiva do sem-terra a partir de estudo desenvolvido em acampamentos e assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Estado de Santa Catarina 1. Considerando o sujeito sem-terra como um coletivo construído historicamente pelo processo de expropriação social inerente às relações sociais capitalistas, buscamos compreender suas raízes históricas e seu sentido atual diante das transformações nas relações sociais e de produção no campo. O MST pode ser expresso na dialética passado, presente e futuro. O passado representa o enraizamento dos sem-terra e do Movimento, construído a partir de um longo processo de expropriação dos trabalhadores que teve repercussões num movimento migratório internacional (muitos dos italianos ou alemães que deixaram suas terras em busca de trabalho no Brasil são hoje sem-terra) e nacional (quando os colonos do Rio Grande do Sul partem em busca da terra nos estados vizinhos e nas regiões centro-oeste e norte do país). O MST também tem suas raízes nos históricos movimentos sociais que marcaram a luta pela terra ou outras questões à ela ligadas. O presente talvez seja o aspecto mais inovador do MST ou o que permite a ele reunir uma massa de pessoas em torno da sua bandeira de luta, que cria uma identidade entre muitos expropriados da terra e do trabalho. O movimento apresenta uma estratégia coletiva de sobrevivência para uma população considerada excedente (Marx, 1968), através do assentamento. Além disso, em muitos assentamentos cria-se a possibilidade, 1 O texto é fruto da pesquisa intitulada Assentamentos do MST e Identidade Coletiva, vinculada ao projeto Agricultura familiar: reestruturação social e capacitação humana e financiada pelo Plano Regional Sul CNPQ.

2 também no presente, de construir experiências coletivas de cooperação e de coletivização. O futuro apresenta-se na construção de um projeto de transformação social, no questionamento das bases de sustentação da sociedade capitalista: a propriedade privada, que se manifesta na apropriação privada da riqueza, da terra, do trabalho alheio, do conhecimento, da escola... O movimento aponta para uma ampla reforma agrária que, segundo ele, só concretizar-se-á no interior de uma sociedade socialista. Para tal, empenha-se na organização massiva dos trabalhadores, no desencadeamento de grandes frentes de luta, na articulação com outras organizações e movimentos sociais, sindicatos e partidos políticos. Além de um processo crescente de internacionalização da luta, através, por exemplo, da Via Campesina 2. MST e Identidade Coletiva A partir da segunda metade da década de oitenta, os sem-terra constróem a sua identidade coletiva. Por meio de inúmeras ocupações, em áreas consideradas improdutivas, espalhadas inicialmente na região Sul, e alastrando-se posteriormente por todo o país, através da ocupação em prédios públicos, de caminhadas, o sem-terra de outrora transforma-se em Sem Terra 3, ao constituir-se como sujeito coletivo que cria uma identidade entre si, opondo-se aos proprietários de terras e de riquezas, sendo capaz de organizar-se coletivamente. A identidade coletiva do Sem Terra organizado em torno do MST é uma identidade de classe, construída politicamente pelas ações do movimento, tendo em vista a situação dos trabalhadores rurais sem-terra no processo de produção, comercialização, financiamento, abastecimento de insumos etc. O Sem Terra constituise como classe na luta de classes. Nesse sentido, a vinculação a uma classe social é determinada estruturalmente, pela posição que ocupa-se num sistema de produção, e também pela capacidade de organização e mobilização. Segundo Hobsbawm (1987), a classe e o problema da consciência de classe são inseparáveis. 2 Articulação de organizações de trabalhadores rurais de vários países, cuja bandeira de luta no ano de 2003 é Sementes: patrimônio da humanidade. 3 Caldart (2000, p. 25) refere-se aos Sem Terra como os participantes do MST que recriaram sua identidade ao vincularem-se com uma luta social, com uma classe e com um projeto de futuro.

3 Criou-se o conceito de classe social como elemento explicativo da ação social, ou melhor, para designar os sujeitos que intervém na história, que a partir das condições objetivas de vida são capazes, na luta política, de criar uma consciência social. A classe é, para o trabalhador, a formação social que organiza o seu confronto com a ordem, portanto, só se pode falar em consciência na luta de classes, em política, a qual se forja nas lutas sociais, pela ação coletiva, implicando uma organização que seja a portadora de uma ideologia própria. (Vendramini, 2000, p. 34) O MST em Santa Catarina A história do MST em Santa Catarina remonta a 1980, com a ocupação da Fazenda Burro Branco no município de Campo Erê, na região oeste catarinense 4. A partir da segunda metade da década de oitenta, os sem-terra constroem-se como movimento em âmbito nacional. No dia 25 de maio de 1985, 1659 famílias ocupam sete áreas em municípios da região oeste de Santa Catarina. Nos anos subseqüentes, os sem-terra continuam a ocupar outras áreas e até 1990, por meio de ocupações o movimento territorializou-se em três regiões (oeste, planalto e norte do estado), conquistando 50 assentamentos com 2.030 famílias. Atualmente, segundo os dados do INCRA, o estado possui 113 assentamentos, muitos dos quais são organizados em cooperativas de produção ou de distribuição, e mais de uma dezena de acampamentos distribuídos em todo o território catarinense 5. Uma das estratégias do MST na organização dos assentamentos é a formação de cooperativas, com o objetivo de viabilizá-los economicamente e manter a coesão do grupo e a sua capacidade de organização política. Ainda que com inúmeras contradições, o movimento busca superar o trabalho individual camponês, fundado na agricultura familiar e propõe o trabalho cooperado ou coletivo como uma forma superior de organização coletiva da vida e da produção nos assentamentos. Essa é a grande novidade do MST, engendrar no interior das velhas relações de produção capitalistas, novas relações fundadas na cooperação, na solidariedade, na forma de organizar a vida e o trabalho coletivamente. Nesse contexto, o movimento vive seus 4 Ver Fernandes (2000, p. 158). 5 Relatório do INCRA, Superintendência Regional de Santa Catarina (SR10).

4 maiores dilemas: de construir o coletivo quando prevalece o individual; de construir a cooperação quando a cooperativa torna-se refém do mercado; de organizar os Sem Terra para a luta, quando o trabalho rouba-lhes todo o tempo; de tornar o trabalho, explorado, intensificado e submetido às relações sociais capitalistas, em principio educativo. Hoje, somam-se doze cooperativas e associações filiadas à Cooperativa Central de Reforma Agrária CCA, em Santa Catarina. Destas, três são grupos organizados de forma totalmente coletiva, incluindo a terra. Além disso, há diversas outras associações ou grupos coletivos, como de piscicultores, de pequenos agricultores, de mulheres, grupos de produção, de socializado de máquinas etc. Há muitas diferenças entre os assentamentos localizados no estado de Santa Catarina, em função da forma de organização (individual ou coletiva) que possibilita menor ou maior grau de conquista dos seus direitos, do seu histórico (de acordo com a época e a forma em que foi realizado o assentamento, a sua composição social, a passagem pelo acampamento), da sua localização, entre outros aspectos. Há diferenças em relação à infra-estrutura (estradas, transporte, habitação, escolas, posto de saúde), aos recursos utilizados na produção (maquinários, sementes, adubação), à industrialização, às formas existentes de financiamento, assistência técnica e, especialmente, à forma de organização da produção e à vinculado ao MST. De um modo geral e de acordo com as políticas governamentais que priorizam o monopólio e a grande produção 6, os assentamentos têm grandes carências em todos os sentidos: financiamento, assistência técnica, infra-estrutura, mercado para seus produtos. Nestas condições, observa-se que o movimento de expropriação dos trabalhadores repete-se historicamente, os trabalhadores que perderam suas terras, juntaram-se ao MST para a conquista de novas terras e para a permanência nelas, estão novamente sujeitos a enfileirar-se junto aos excedentes humanos ou desempregados. Em contrapartida, o MST busca construir nos assentamentos, e de alguma forma também nos acampamentos, condições de viabilização dos Sem Terra de forma mais digna e, principalmente, como uma massa de desenraizados capaz de organizar-se e lutar por seus direitos, enraizando-se num movimento social. 6 O número de estabelecimentos rurais com área inferior a 10 ha diminuiu em 21% de 1985 à 1995. Em 85, eram 3.064.822 estabelecimentos, e em 95, são 2.402.374 estabelecimentos em todo o país. Fonte : IBGE. Censo Agropecuário de 1985 e 1995/96.

5 No que diz respeito à educação, há uma política por parte do Movimento dos Sem Terra de formação de sua base: formação política, técnica e escolar, desenvolvida através de cursos próprios, de parcerias com universidades, institutos e prefeituras e nas escolas vinculadas às redes estaduais e municipais que funcionam em alguns acampamentos e nos assentamentos rurais. Em Santa Catarina, funcionam 60 escolas em assentamentos e cinco em acampamentos, contando com 120 professores. Uma escola oferece o ensino médio e duas as séries finais do ensino fundamental, portanto a grande maioria atende crianças da pré-escola e das séries iniciais. Além disso, funcionam nos assentamentos as Cirandas Infantis (educação infantil), porém muitas delas sem reconhecimento por parte dos municípios. Muitos dos professores dessas escolas passaram pela Escola Josué de Castro, no Instituto Técnico de Ensino e Pesquisa em Reforma Agrária ITERRA (vinculado ao MST) e fizeram o curso de nível médio em magistério. Conclusões Santa Catarina, um estado caracterizado pela pequena agricultura familiar, que viu crescer o processo de agro-industrialização e de modernização da agricultura nos anos de 1970 e 1980, gerou uma grande massa de trabalhadores sem-terra, já constituídos historicamente, e provocou um grande êxodo para as cidades. Nas cidades, cria-se, igualmente, a impossibilidade de sobrevivência dos trabalhadores: desempregados, em condições instáveis e degradantes de trabalho (ou de ocupação). Alguns deles juntam-se ao MST buscando uma saída, o que não significa necessariamente a saída da cidade, mas uma saída diante da impossibilidade de continuarem reproduzindo-se nessa sociedade. O MST abre novas fronteiras, organizando também os trabalhadores da cidade, em acampamentos. Concluímos que o MST, diante desse quadro, põe a nú o grande problema que aflige a humanidade nesse início de século. Reduzido ao problema agrário, não percebese o que o MST representa nos dias de hoje, o que ele sintetiza e, principalmente, o que ele aponta, em termos de transformação social. Sua principal denúncia atinge uma sociedade que não coloca como central a vida.

6 Percebemos que no bojo das contradições em que vive o MST, no confronto entre as velhas relações de produção e o novo que se manifesta na organização coletiva e na radicalidade presente no questionamento da atual ordem social, injusta e desigual, vai-se construindo um processo educativo. Os Sem Terra, as mulheres Sem Terra, os Sem Terrinha vão constituindo sua identidade coletiva a partir de um processo histórico de expropriação social, da criação de uma identidade entre si, como trabalhadores despojados das condições para a produção agrícola, e considerando os movimentos e lutas sociais construídas pelos trabalhadores rurais ao longo da história. Referências Bibliográficas CALDART, R. Escola é mais do que escola na pedagogia do Movimento Sem Terra. Petrópolis: Vozes, 2000. FERNANDES, Bernardo M. A formação do MST no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000. HOBSBAWM, Eric. Mundos do trabalho: novos estudos sobre história operária. Trad. De Waldea Bercellos e Sandra Bedran. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Relatório do INCRA, Superintendência Regional de Santa Catarina (SR10). MARX, K. O Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. (V. II, Cap. XXIII A Lei Geral da Acumulação Capitalista) VENDRAMINI, Célia R. Terra, trabalho e educação: experiências sócio-educativas em assentamentos do MST. Ijui: Unijui, 2000.