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Transcrição:

GT1: Africanidades e Brasilidades em Literaturas e Linguísticas A IMAGEM OPOSITORA DO MAR NA LITERATURA ANGOLANA: BUSCA DE PADRÕES ARQUETÍPICOS Guilherme Valls Darisbo 1 Ana Mónica Henriques Lopes 2 Resumo: O mar é elemento caro ao imaginário lusófono em geral. Muito devido ao desenvolvimento marítimo da cultura portuguesa, o oceano consta usualmente em suas literaturas como parceiro. Porém, se pode reconhecer na literatura angolana a exceção à regra: nela, o mar em suas poucas aparições surge mormente como opositor ou inimigo. Neste trabalho, listo possíveis caminhos de análise para melhor compreender esta particularidade da literatura em língua portuguesa produzida em Angola. Palavras-chave: Literatura angolana, Literaturas africanas de língua portuguesa, identidade. 1 Licenciando em Letras / Língua Portuguesa, Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). darisbo@gmail.com. Trabalho realizado sob orientação da Profª Drª Ana Mónica Henriques Lopes. 2 Doutora em História (UFMG), mestre em Letras (PUC-MG), professora adjunta na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). amhlopes@gmail.com.

Este artigo é baseado em um projeto de pesquisa redigido anteriormente, ainda durante meu período de vínculo à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na qual realizei a primeira parte de meu curso de licenciatura. Ainda que essa pesquisa não tenha sido levada a curso, algumas hipóteses encontradas durante a elaboração do projeto apontam caminhos para um conhecimento maior do universo imagético da literatura angolana, partindo de uma visão que colocaria o elemento mar, em narrativas, como opositor ou inimigo. Visão essa, a meu ver, pouco usual em se tratando de literaturas lusófonas, porém encontrada recorrentemente de maneira menos ou mais explícita em prosas de Agostinho Neto, Pepetela e José Eduardo Agualusa, e reforçada em ensaio de Tânia Macedo, sendo essas ocorrências citadas no decorrer do artigo. A visão do mar como opositor, por si só, já merece destaque devido ao contraste com as referências imagéticas usuais para Portugal, referências essas herdadas de uma forma ou de outra pelos outros países lusófonos. Além disso, também em uma comparação com a ficção desses países, a ocorrência do elemento mar na ficção angolana me parece relativamente pequena o que reforçaria a visão opositora. Em meio ao processo desencadeado com a promulgação da lei 10.639/03, processo pelo qual as literaturas africanas lusófonas deixaram de configurar apenas mais uma linha de pesquisa dentro dos departamentos de língua portuguesa para se tornarem um foco de estudo bastante mais frequentado por interesse ou por diretrizes, uma compreensão maior dos espectros imagéticos dessas literaturas se colocou como necessidade. Além do simples indexamento de informações e reconhecimento do valor literário individual de obras e autores, um conhecimento mais aprofundado das realidades nas quais essas obras foram geradas seria necessário para a eficácia desta compreensão.

Como ponto de partida, no conto Náusea, de Agostinho Neto, é encontrada essa visão do mar diferente da que é usualmente esperada nas literaturas dos países lusófonos. Diferente do mar como elemento complementar da vida visão recorrente da cultura portuguesa, herdada pelos demais países lusófonos, no conto o mar aparece como o elemento estranho, em oposição, algo sem nenhuma contrapartida positiva. O inimigo, a morte: E o mar é sempre Kalunga. A morte. O mar tinha levado o avô para outros continentes. O trabalho escravo é Kalunga. O inimigo é o mar. 3 (NETO, 1985, p. 34) Essa visão opositora causou impressão bastante forte em um leitor acostumado com autorias brasileiras e portuguesas. Nessas, já em autores bastante consagrados é possível ilustrar outra visão, com o mar aparecendo como parceiro, que tanto oferece como exige: O mar lhe mandou os ventos mais rápidos, lhe enviou o nordeste que atira o Valente para o cais da Bahia. (AMADO, 1995, p. 116) Iemanjá é assim terrível porque é mãe e esposa. (AMADO, 1995, p. 116) Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu. (PESSOA, 1996, p. 9) Minha jangada vai sair pro mar. Vou trabalhar, meu bem-querer. Se Deus quiser, quando eu voltar do mar um peixe bom eu vou trazer. (CAYMMI, 1965, faixa 7) Voltando à literatura angolana, o espírito de confronto com o mar se mostra novamente em A Geração da Utopia, de Pepetela (1993, pp. 216-217), no personagem do polvo: (...) à esquerda dos recifes há uma gruta e nele mora o meu 3 Grifo meu.

inimigo de sempre, um gigantesco polvo que me aterrorizou nesta mesma praia quando era criança e que jurei e trejurei um dia matar, não por vingança, apenas pelo irremediável do destino ( ) No ensaio Luanda: violência e escrita, Tânia Macedo (2006, p. 183) chama a atenção para esse aspecto, em outra citação do conto de Neto: É curioso notar que na descrição do reencontro da personagem com o espaço de sua infância, que ocupa a parte inicial da narração, o ambiente marítimo é dado somente por meio de metonímias: 'sombra dos coqueiros', 'areia quente da praia' e 'uma ou outra onda mais comprida', como se o vocábulo MAR devesse ser evitado. Outro ponto interessante é a ocorrência bastante pouco frequente de aparições na literatura angolana do mar como cenário, em comparação com outros ambientes a cidade, a savana, a selva, por exemplos. Uma ausência que pode ser bastante eloquente. A partir dessas primeiras impressões, dois objetivos se mostraram possíveis para a pesquisa. O primeiro seria verificar qual a extensão e qual o destaque dessa percepção do mar como elemento opositor na literatura e, se possível, oralitura angolana. O segundo seria, a partir do primeiro, mapear uma genealogia desta representação, buscando causas culturais e históricas. A presença de transporte marítimo em paz ou em guerra é recorrente em outros países de língua oficial portuguesa, podendo ser considerado elemento fundador de imaginário. Portugal, ex-império ultramarino e antiga potência comercial; Brasil, país construído majoritariamente pela sobreposição de população imigrada sobre população originária; Moçambique, ponto ancestral de confluência de culturas, com presença de árabes e indianos já anterior ao Século

XV; Cabo Verde e São Tomé, arquipélagos em meio ao Atlântico 4. Levanto como hipótese que, por não haver em meio às nações que hoje formam Angola uma tradição forte de transporte marítimo anterior à presença lusa, o mar só apareceria como elemento histórico já como porta de entrada para a invasão e dominação, o que não permitiria sua inclusão no imaginário como elemento parceiro, levando a um papel de elemento opositor e obscuro. Considerando essa hipótese, são relevantes algumas questões que trazem maior solidez à pesquisa: 1. Se de fato não se consegue reconhecer nas regiões e povos que hoje formam Angola uma tradição de transporte marítimo anterior à invasão portuguesa e, caso haja, qual a extensão de sua importância; 2. Se o mar de fato aparece no imaginário angolano com as características citadas; 3. Como o mar, enquanto elemento narrativo, se mostra nas literaturas escrita e oral angolanas; 4. Quais as diferenças de interpretação deste elemento entre o imaginário angolano e outros com os quais se possa relacionar (lusoafricanos, brasileiros e africanos de países não-lusófonos). Devido ao estágio de pesquisa ainda aberta, não é possível apresentar conclusões definitivas. Não obstante, as questões levantadas apesar de seu 4 Bissau, Timor e a neo-lusófona Guiné Equatorial não foram analisados durante a redação do projeto.

caráter impressionista ajudariam a delimitar características peculiares do imaginário de Angola e suas literaturas, o que espero ajude a trazer mais luz para a análise das identidades e culturas dos diferentes países lusófonos e, sobremaneira, de suas literaturas, colaborando com o necessário aprofundamento dos estudos. Além disso, me parece importante que esse aprofundamento não permita esquecer que, apesar de agregados em um mesmo bloco o que, reconheço, facilita e instrumentaliza os estudos, os cinco países africanos de língua oficial portuguesa têm, muito além de uma massa idealizadamente homogênea dentro do conceito difuso de lusofonia, especificidades que devem sempre ser lembradas, levando em conta e respeitando suas identidades e culturas próprias. REFERÊNCIAS AMADO, Jorge. Mar Morto. Rio de Janeiro: Record, 1995. CAYMMI, Dorival. Suíte dos Pescadores. In: LP nº ME-23. Rio de Janeiro: Elenco/Polygram, 1965. MACEDO, Tânia. Luanda: Violência e Escrita. In: CHAVES, R. e MACEDO, T. (orgs.) Marcas da Diferença: As Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. São Paulo: Alameda, 2006. NETO, Agostinho. Náusea. In: SANTILLI, M. A. (org.) Estórias Africanas: História & Antologia. São Paulo: Ática, 1985. PEPETELA. A Geração da Utopia. Lisboa: Dom Quixote, 1993. PESSOA, Fernando. Mar Português. In: POESIAS. Porto Alegre: L&PM, 1996.