Separação entre lastro e energia no SIN: fundamentos e possíveis consequências para os novos geradores 1

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Transcrição:

Separação entre lastro e energia no SIN: fundamentos e possíveis consequências para os novos geradores 1 Por Victor Gomes 2 Desde meados de 2013, a crise financeira do setor elétrico, que afetou primeiramente as distribuidoras, depois os geradores térmicos e, em seguida, os hidrelétricos, paralisando o mercado de curto prazo MCP, vem sendo objeto de reflexão por parte do governo, agentes, agência reguladora e especialistas para uma mudança mais profunda no desenho do mercado do Sistema Interligado Nacional - SIN. Além disso, as novas tecnologias e a crescente participação de fontes intermitentes na matriz também mostram a necessidade de atualização do modelo setorial. A amplitude e a profundidade das mudanças ainda não estão claras e certamente serão bastante discutidas num futuro próximo, mas há consenso sobre a necessidade de resgate da lógica econômica e eliminação de sinais distorcidos, para que o setor elétrico se desenvolva de forma equilibrada e segura para a retomada dos investimentos pelos agentes econômicos, em benefício da sociedade. Um dos temas muito comentados nos últimos meses 3 por diversos especialistas e possivelmente um ponto central da revisão do modelo é a separação entre lastro e energia. É natural que haja dificuldade de visualização e compreensão dos conceitos relacionados à separação entre lastro e energia, bem como das consequências da implementação de tal estrutura. Afinal, nos últimos 20 anos, a expansão da geração foi realizada a partir da celebração de contratos de longo prazo com as distribuidoras, sem a necessidade dos geradores se preocuparem com a estrutura do mercado e estratégias de comercialização. 1 O artigo foi originalmente publicado em Outubro de 2016, no Brasil Energia. 2 Victor Gomes é sócio do BCF Advogados e pesquisador sênior do Gesel-UFRJ. 3 A separação entre lastro e energia foi sugerida pela CCEE em palestra no evento Brazil Energy Frontiers, em agosto de 2015. A consultoria PSR defendeu o conceito em workshop que promoveu em março de 2016. O tema também vem sendo comentado por diversos especialistas em eventos recentes, notícias, estudos e entrevistas.

Agora os desenvolvedores e investidores em geração se deparam com uma possibilidade de alteração radical do modelo de expansão do sistema, o que vem trazendo dúvidas sobre o resultado dessa mudança para seus negócios. Nesse sentido, o presente artigo tem por objetivo trazer uma breve explicação sobre os fundamentos do modelo de comercialização do SIN, mais especificamente em relação aos conceitos de lastro e energia, bem como as possíveis implicações da separação dos dois produtos. O QUE É LASTRO? A atual redação do Decreto nº 5.163/2004 (alterada pelo Decreto nº 8.828/2016), que regulamenta a Lei nº 10.848/2004, determina o seguinte: (i) os agentes vendedores deverão apresentar lastro para a venda de energia para garantir cem por cento de seus contratos; (ii) os agentes de distribuição deverão garantir o atendimento a cem por cento de seus mercados de energia por intermédio de contratos registrados na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE e, quando for o caso, homologados ou registrados pela ANEEL; (iii) os consumidores livres e especiais deverão atender a cem por cento de suas cargas, em termos de energia, por intermédio de geração própria ou contratos registrados na CCEE; Conforme se depreende dos 1º e 2º do art. 2º do Decreto nº 5.163/2004, o lastro é um certificado emitido pelo Ministério de Minas e Energia (MME) correspondente à garantia física proporcionada por empreendimento de geração próprio ou de terceiro, sendo a contribuição, em MW médios de garantia física, de cada usina para a segurança do suprimento do sistema. A garantia física, assim, corresponde à quantidade máxima de lastro que o agente pode comercializar bilateralmente no SIN 4. Ou seja, o lastro não se confunde com energia e é um produto de confiabilidade do sistema para garantir a sua expansão. Sendo assim, o referido Decreto impõe que toda a carga (distribuidoras, consumidores livres e especiais) deverá adquirir lastro na medida de seu consumo de energia. Os geradores, por sua vez, têm o lastro definido pelo MME e podem vender esse produto aos agentes que necessitam legalmente de apresentar o lastro à CCEE na medida do atendimento de sua carga. Caso os agentes não tenham lastro suficiente para atender as suas obrigações legais, estarão sujeitos a rigorosas penalidades, definidas nas Regras de Comercialização da CCEE. Mas e a energia consumida? A carga é obrigada a pagar por ela? O gerador também recebe pela energia gerada? Evidentemente que sim. A resposta está nas disposições do Decreto 5.163/2004 e na Convenção de Comercialização (Resolução Normativa ANEEL nº 109/2004), a qual indica que toda a energia 4 Vale observar que a garantia física é definida na barra de geração, enquanto o lastro é contabilizado no centro de gravidade do sistema.

gerada e consumida será medida, contabilizada e liquidada com base no Preço de Liquidação de Diferenças (PLD). Portanto, a combinação das provisões regulamentares acima traduzem a obrigação, por parte dos agentes de carga do SIN (distribuição, consumidores livres e especiais) à aquisição dos seguintes produtos, na medida de seu consumo: 1) energia; e 2) lastro. COMO A ENERGIA E O LASTRO SÃO COMERCIALIZADOS ATUALMENTE NO SIN? O SIN é um pool em que participam os agentes de geração e de carga. Os agentes com balanço de energia positivo no SIN recebem montantes financeiros valorados ao PLD, e os agentes com balanço de energia negativo devem pagar sua exposição valorada ao PLD. Os agentes do SIN podem, ainda, celebrar contratos de energia para proteção de suas posições futuras no MCP e registrá-los na CCEE. Com o contrato de energia, o gerador se protege da queda de preço no mercado spot, enquanto a carga se protege do aumento de preços. A contratação de energia a termo, como hedge, é quase uma regra no SIN, tanto no mercado livre quanto no mercado regulado, por meio dos Leilões de Energia. Assim, um dos produtos contidos nos Contratos de Compra e Venda de Energia no Ambiente Livre (CCVEE) e nos Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado (CCEARs) é um produto financeiro de hedge do MCP 5. No entanto, devido às obrigações legais descritas acima, os CCVEE e os CCEARs também embutem um outro produto além da venda futura de energia: o lastro. Assim, quando um gerador vende a um consumidor livre (ou distribuidora) determinada quantidade de energia em um ano por um preço fixo, o consumidor está comprando a energia em data futura para a proteção de sua posição no MCP e o lastro a ser apresentado à CCEE para cumprimento das obrigações legais. Há técnicas de separação entre lastro e energia no mercado livre, como a comercialização de contratos com preços vinculados ao PLD adicionados de um ágio. A venda vinculada ao PLD expõe o comprador ao preço do MCP, supondo implicitamente a venda apenas do lastro, cujo preço corresponderia exatamente ao ágio fixado no acordo. No entanto, esses contratos de balanço não são parte significativa da comercialização de energia no SIN. SEPARAÇÃO ENTRE LASTRO E ENERGIA 5 Os CCEARs por disponibilidade se assemelham também a uma opção de compra de energia futura no mercado spot caso o CMO ultrapasse o CVU da usina.

A existência de algum produto de confiabilidade, como o lastro no SIN, não é novidade em mercados de energia liberalizados. De fato, com fundamento no missing money problem 6, diversos mercados como o PJM, NE ISO, Colômbia, têm produtos de confiabilidade baseados em capacidade ou em energia assegurada. Em todos esses mercados, os produtos de confiabilidade são comercializados de forma separada da energia, geralmente por meio de leilões específicos para compra do produto pelo sistema, enquanto o produto energia é comercializado conforme as estratégias comerciais de cada gerador. Conforme apontado acima, ganhou vulto nos últimos meses no setor elétrico brasileiro a discussão sobre a possibilidade de separação dos produtos lastro e energia. A separação ocorreria, grosso modo, da seguinte forma 7 : (i) o SIN (possivelmente por meio da CCEE) compraria lastro através de leilões por menor preço ou por meio de compra direta do gerador que receber o certificado de lastro do MME, a um preço administrativo. (ii) a energia do gerador, por sua vez, seria vendida no MCP, em contratos de hedge bilaterais ou em contratos de hedge oriundos de leilões de energia. Nesse contexto, os geradores teriam as seguintes fontes de receita: (i) Venda de lastro em Leilões: receita fixa de longo prazo e; (ii) Venda de Energia: a. No MCP: receita variável conforme o PLD e/ou; b. Em contratos de energia com consumidores, comercializadores ou distribuidoras: receita conforme preços e prazos acordados com a contraparte. Os bids no Leilão de lastro (ou o preço administrativo) levariam em conta a previsão de receita no mercado de energia para viabilização dos empreendimentos de geração. Assim, o preço do lastro seria, em teoria, equivalente ao missing money. SEPARAÇÃO DE LASTRO E ENERGIA: VANTAGENS E PONTOS DE ATENÇÃO Podem-se destacar algumas das principais vantagens da separação ente lastro e energia: (i) Permite o crescimento, melhor desenvolvimento e maior liquidez no mercado livre, na linha do princípio de resgate da lógica econômica ao setor elétrico brasileiro; (ii) Empresta maior flexibilidade na contratação de energia por parte das distribuidoras, mitigando potenciais problemas de sub e sobrecontratação; 6 O missing money problem é descrito pela literatura especializada como a falta de receita em um mercado de energia competitivo para a completa amortização dos investimentos dos geradores, que leva à falta de incentivos para a expansão, devido a falhas de mercado inerentes ao funcionamento desses mercados. É o fundamento para o pagamento pela confiabilidade. 7 Conforme apresentação realizadas pela CCEE no Brazil Energy Frontiers 2015.

(iii) (iv) Permite a participação do mercado livre na expansão do sistema; Modicidade tarifária: os contratos a termo com prazos menores podem trazer preços menores. Vale destacar que algumas mudanças regulatórias podem ser realizadas em paralelo para que a separação entre lastro e energia atinja o seu fim de dinamizar a comercialização de energia no SIN. Como exemplo, podemos citar a necessidade de aumento do preço-teto do PLD (e retirada do PLD mínimo), a diminuição (ou eliminação) do nível de contratação antecipada pelas distribuidoras e a alteração nas regras de repasse aos consumidores finais do custo com energia pelas distribuidoras. Essa separação também pode ser uma porta para mudanças profundas no modelo de despacho (com a instituição, por exemplo, do despacho por preço com leilões diários) e para a expansão do mercado livre e redefinição do papel das distribuidoras. De outro lado, visualizam-se alguns possíveis problemas com a separação do lastro e energia em sistemas como o SIN que são de complexa resolução, merecendo, assim, ampla discussão. O parque de geração brasileiro é majoritariamente composto por usinas hidrelétricas, com custos fixos altos e baixos custos variáveis. Por sua natureza hídrica, o CMO é muito volátil. Dessa forma, como os contratos de energia (sem lastro) serão de prazo menor, o preço de tais contratos poderia variar sensivelmente entre um ano e outro. A volatilidade do MCP e a variação dos preços dos contratos pode trazer maior risco à atividade de geração ou aumentar o preço do lastro, tendo em vista que os agentes tenderão a se proteger de preços baixos no MCP por meio de oferta de preços maiores nos Leilões de lastro. Tal situação tem o potencial de gerar situações extremas a alguns geradores: (i) windfall profits, caso o preço verificado do MCP se torne inesperadamente alto; ou (ii) falência, caso o preço do MCP se torne inesperadamente baixo. O risco acima é bem menor em sistemas com predominância térmica, onde preço do mercado spot e produtos derivados tendem a acompanhar a variação do preço do combustível. Uma alternativa que pode ser explorada para a resolução do problema pode passar pela definição ex-post de um preço administrativo para o lastro do sistema para cobrir o missing money, evidentemente com critérios que induzam a eficiência do gerador na venda de sua energia no mercado de energia. Outro problema com a separação do lastro e energia estaria relacionado ao financiamento de grandes projetos. Como o único recebível de longo prazo desse modelo seria a receita com o lastro, é possível que os bancos tenham alguma resistência em financiar na estrutura project financing, o que pode trazer uma vantagem competitiva aos grandes grupos econômicos de geração, com balanço mais robusto para financiamento corporativo. Se, de um lado, o desenho de mercado que incentiva a expansão da geração com empresas tradicionais do setor pode ser benéfico em relação à segurança do suprimento, de outro, pode aumentar, no longo prazo, a concentração no segmento de geração. Assim, por certo, seriam necessárias medidas

regulatórias para evitar o poder de mercado dos geradores nesse novo contexto, principalmente se a separação vir acompanhada de mudanças na forma de despacho (por preço). Um terceiro ponto de atenção da separação dos produtos é em relação ao atendimento à ponta. O produto atual de confiabilidade no SIN não considera a contribuição das usinas para a demanda máxima do sistema. Caso a confiabilidade em momentos de escassez não seja devidamente valorada, a separação entre lastro e energia pode gerar incentivos às fontes intermitentes em detrimento da geração termelétrica com garantia de suprimento de combustível, trazendo problemas futuros de atendimento à demanda máxima. Enfim, a separação de lastro e energia tem seus méritos, pode permitir o desenvolvimento do mercado livre e contribuir para o resgate da lógica econômica no SIN e, consequentemente, o equilíbrio entre oferta e demanda de energia. No entanto, devem ser tomadas as cautelas necessárias em relação aos pontos de atenção descritos para que os conceitos de mercados de energia com características físicas diferentes e amparados por mercados financeiros mais desenvolvidos sejam devidamente adaptados para sua adoção no Brasil.