1 CURRÍCULO DOS CURSOS SUPERIORES DE TECNOLOGIA Patricia Murara Verônica Gesser RESUMO: O presente artigo é um recorteda pesquisa de doutorado Cursos Superiores de Tecnologia no Brasil: Tradução das Políticas Públicas do ensino superior nos documentos oficiais e perfis profissiográficos. A pesquisa é de cunho qualitativo e documental a qual utilizou a análise de conteúdo para tratamento e análise dos dados. Sendo assim o objetivo desse artigo é avaliar a estrutura curricular dos cursos superiores de tecnologia em relação a legislação que rege esses cursos e da legislação da educação superior. Palavras-Chave: Currículo; Mercado de trabalho; Ensino Superior INTRODUÇÃO Os cursos superiores de tecnologia surgem no contexto brasileiro em meados da década de 1960 com a nomenclatura de cursos de curta duração, com currículo diferenciado das graduações ditas tradicionais como as engenharias. Esses cursos tinham a intenção de formar profissionais que atenderiam as especificidades do chão de fábrica, enquanto os engenheiros seriam responsáveis pelo desenvolvimento de pesquisas. Essa diferenciação do currículo permanece até os dias atuais. Diante desse contexto histórico o presente artigo é um recorte da pesquisa de doutorado Cursos Superiores de Tecnologia no Brasil: Tradução das Políticas Públicas do ensino superior nos documentos oficiais e perfis profissiográficos. A pesquisa é de cunho qualitativo e documental a qual utilizou a análise de conteúdo para tratamento e análise dos dados Foram analisados 26 cursos superiores de tecnologia com intuito de avaliar até que ponto o texto das políticas públicas do ensino superior são traduzidas nas Diretrizes Curriculares, Catálogo Nacional dos Cursos Superiores de Tecnologia e perfis profissiográficos dos cursos superiores de tecnologia. Utilizaremos como foco nesse artigo o currículo dos cursos superiores de tecnologia em relação ao que traz os documentos oficiais que orientam esses cursos. Nesse sentido o objetivo do artigo é avaliar a estrutura curricular dos cursos superiores 4758
2 de tecnologia em relação a legislação que rege esses cursos e da legislação da educação superior CURSOS SUPERIORES DE TECNOLOGIA NO BRASIL: REFLEXÕES ACERCA DO CURRÍCULO Os currículos dos Cursos Superiores de Tecnologia diferem dos currículos das graduações tradicionais, pois eles têm o foco voltado ao ambiente de trabalho com direcionamento para os processos de produção. Como pode ser observado no texto do Parecer CNE 29/2002, [...] o tecnólogo virá preencher a lacuna geralmente existente entre o engenheiro e a mão de obra especializada [...] deverá saber resolver problemas específicos e de aplicação imediata ligados à vida profissional (BRASIL, 2002, p. 12). Além disso, Andrade e Kipnis (2010, p.176) abordam que:até o presente momento, prevalece uma lógica que os vincula às expectativas subjetivas e institucionais de apropriação de conhecimentos que possam ser imediatamente aplicáveis a atividades práticas específicas, a nichos emergentes do mercado de trabalho. A promulgação do Parecer CNE 29/2002 traz considerações acerca das características dos cursos superiores de tecnologia, como pode ser observado na passagem a seguir: O que caracteriza os cursos superiores de tecnologia não é sua duração e, sim, o seu perfil profissional de conclusão. (BRASIL, 2002, p.12). Nesse caso, o parecer sugere que a estrutura dos cursos deve estar de acordo com o que está explícito no perfil do egresso ou perfil de conclusão do curso. Nesse sentido, os cursos poderão ser organizados por etapas ou módulos sempre com terminalidade que corresponda a uma qualificação profissional. Permitindo ao curso por módulos a certificação de qualificação profissional, uma vez que Os módulos concluídos darão direito a certificados de qualificação profissional, os quais conferem determinadas competências necessárias ao desempenho de atividades no setor produtivo (BRASIL, 2002, p. 48). O que se pode observar aqui é que o ensino superior não possui saídas intermediárias. Essa característica é dos cursos superiores de tecnologia e também dos colleges dos Estados Unidos. Esses cursos não foram criados com a ideia de aprendizagem superior, pois atendem exclusivamente ao mercado, certificando profissionais intermediários, o que não é característica do ensino superior. Característica ou finalidade da Educação Superior é Formar diplomados nas diferentes áreas do conhecimento, aptos para a 4759
3 inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. (BRASIL, 2002, p.16). Essa finalidade desmonta a ideia de que se crie um curso para atender uma demanda estreita de mercado. Existe um certo descompasso entre o que prevê a Lei de Diretrizes e Bases, Parecer 29/2002, catálago dos CST s e perfis profissiográfico. A LDB prevê estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo (BRASIL, 2002, p.16). Se a LDB propõe essas finalidades como é possível os cursos superiores de tecnologia ter por característica o perfil profissional de conclusão somente, as finalidades da LBD como Lei maior que rege a Educação Nacional deveria estar presente e ser utilizada na criação de todos os cursos superiores, não somente no tecnológico. Não é aqui uma questão de estar contra os cursos superiores de tecnologia no sentido de fomentar geração de emprego e profissionais intermediários, mas o que está em questão é que se um curso se propõe a ser de nível superior e se tem os compromissos descritos na Lei de Diretrizes e Bases, os cursos tecnológicos com as características atuais não dão conta de atender a essas finalidades. Quando a estrutura, é organizada em módulos, é mais difícil desenvolver um projeto de pesquisa que terá como meta um ensino superior. Quando se tem saídas intermediárias automáticamente se tem ideia de terminalidade, ou seja, um projeto de pesquisa não terá continuidade de um módulo a outro, sendo assim não se tem nos cursos tecnológicos interdisciplinaridade o que gera certa dificuldade também em criar inovações. O que chama atenção nas Diretrizes curriculares é a passagem a seguir: É preciso superar essas incongruências, para não cair na tentação de caracterizar uma educação tecnológica tão diferente das demais formas de educação superior que se torne um ser à parte da educação superior, como um quisto a ser futuramente extirpado. (BRASIL, 2002, p. 21). O que o documento traz dá indícios de que existe essa incongruência, que de fato existe descompasso entre as legislações que atendem os cursos superiores de tecnologia, quando de fato a organização dos cursos deveria estar em consonância com o que se espera de um ensino superior. Ocorreu a mudança de tecnólogos para curso superior de tecnologia, mas não houve adequação para que de fato fosse um curso superior correspondente ao que traz a 4760
4 LDB referente às finalidades do ensino superior. O documento parece indicar que a organização por módulos é mais vantajosa pelo fato de proporcionar maior flexibilidade na estruturação dos cursos e, também, por estar em consonância com o setor produtivo, tornando-se mais fácil atender às necessidades das empresas e dos trabalhadores. Com base nos objetivos e perfis ou na área de atuação dos cursos superiores de tecnologia utilizados nesta pesquisa, pode-se perceber a forte ausência da pesquisa e inovação como fundamento para a realização de um curso de graduação. Não se pode deixar de relatar que, conforme aborda o Parecer CNE/CP Nº 29/2002, importante marco para os Cursos Superiores de Tecnologia, os CTS s são cursos diferenciados, focados para atender ao mercado de trabalho, o chão de fábrica, diferindo dos tradicionais cursos de graduação como as engenharias, por exemplo. Desde o Decreto 2.208/97, pode ser observado que esses cursos já eram denominados superiores, o que os equipara aos demais cursos de graduação, porém com características especiais e limitadas em relação ao conceito de Ensino Superior. O curso superior de tecnologia é essencialmente um curso de graduação, com características diferenciadas, de acordo com o respectivo perfil profissional de conclusão (BRASIL, 2002, p. 4). A Lei de Diretrizes da Educação Nacional aponta, em seu artigo 43, para os cursos superiores: III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive (BRASIL, 1996, p. 16). O mesmo pode ser observado no Parecer CNE/CP nº 29/2002: quando menciona que a formação do tecnólogo deve estar alinhada ao desenvolvimento de atividades em determinada área profissional e formação específica para aplicação e desenvolvimento de pesquisa e inovação. Para que o tecnólogo desenvolva pesquisa e inovação em sua área profissional é necessário que o curso proporcione essa formação. Como pode ser observado nas próprias diretrizes houve o processo inverso, primeiro foi autorizado e reconhecido o funcionamento dos cursos para que depois fossem promulgadas as Diretrizes curriculares, e ver de fato o que seria feito. Nas próprias Diretrizes é possível perceber que o erro foi assumido na passagem é como cumprir a tarefa de abastecer o avião em pleno voo (BRASIL, 2002, p.3). Um erro que pode levar muito tempo para ser corrigido. É possível perceber nas Diretrizes Curriculares Nacionais, no Nível de Tecnólogo, uma crise de identidade. Em momentos a ênfase está para o mercado em 4761
5 direção ao que explica Pacheco (2011, p. 25) ao afirmar que a globalização reforça a centralidade do currículo como veículo de conhecimento, que passa a ser valorizado como recurso econômico. Já em outros momentos as diretrizes parecem que se aproximam de uma concepção mais científica e de acordo com os princípios e finalidades da educação superior; porém, parece ser uma adequação para se enquadrar enquanto curso de nível superior. CONSIDERAÇÕES O currículos dos cursos superiores de tecnologia como estão estruturados atualmente não dão conta de atender as demandas de pesquisa, inovação e as sete finalidades do ensino superior propostas na Lei de Diretrizes e Bases. A estrutura do currículo bem como o que propõe o Catálogo Nacional do Cursos Superiores de Tecnologia e objetivos dos cursos oferecidos pelas instituições que fizeram parte desta pesquisa estão enraizados na lógica de mercado deixando a desejar em proporcionar aos acedêmicos na questão de desenvolver o espiríto científico, pensamento reflexivo e lidar com a fronteira de conhecimento. O que se vê atualmente é uma organização curricular disciplinar na qual pouca integração entre as áreas é percebida e a intenção é atender às demandas do mercado. Os cursos superiores de tecnologia são inspirados no modelo americano dos colleges possuindo saídas intermediárias na conclusão dos módulos. Quando a estrutura, é organizada em módulos automaticamente se tem a ideia de terminalidade, é mais difícil desenvolver um projeto de pesquisa, ou seja, um projeto de pesquisa não terá continuidade de um módulo a outro, sendo assim não se tem nos cursos tecnológicos interdisciplinaridade o que gera certa dificuldade também em criar inovações. 4762
6 REFERÊNCIAS ANDRADE, A. D.; KIPNIS, B. In Cursos superiores de tecnologia: um estudo sobre as razões de sua escolha por parte dos estudantes. MOLL, J. Org (s). Educação Profissional E Tecnológica no Brasil contemporâneo: desafios, tensões e possibilidades. Porto Alegre : ARTMED, 2010, p. 175-191 BRASIL. Parecer 29 de 03 de dezembro de 2002. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a educação profissional de nível tecnológico. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 13 dez. 2002. Seção 1, p. 162. BRENNAND, Edna G. de Góes; BRENNAND, Eládio de Góes. Inovações Tecnológicas e a Expansão do Ensino Superior no Brasil. Revista Lusófona de Educação, v. 21, p. 179-198, 2012. GESSER, V.; RANGHETTI, D. S. Currículo Escolar. Das concepções históricoepistemológicas a sua materialização na prática dos contextos escolares. Curitiba: CRV, 2011b. UNESCO, 2009. Conferência Mundial sobre Ensino Superior 2009 As Novas Dinâmicas do Ensino Superior e Pesquisas para a Mudança e o Desenvolvimento Social (2009) Paris: UNESCO. 4763