A ARQUEOLOGIA DA ESTRADA REAL

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Transcrição:

A ARQUEOLOGIA DA ESTRADA REAL Alexandre Henrique Delforge Arqueólogo 13ªSR/IPHAN/MG As origens do Caminho Velho e Novo do Ouro, conhecidos como Estrada Real certamente se aprofundam no tempo para antes da colonização portuguesa. Como afirma o Historiador Sérgio Buarque de Hollanda Antes mesmo da colonização européia algumas trilhas de índios fossem (eram) mais do picadas incultas e intratáveis 1 mencionando duas extensas trilhas indígenas que cortavam parte considerável do território sul americano, uma Tupiniquim que se dirigia ao chamado Sertão dos Patos e outra Guarani que partia de Cananéia em direção sudoeste para a região dos rios Iguaçu e Piquirí 2. Capistrano de Abreu também apontou uma série de situações, amparadas em ampla documentação, de que tribos indígenas que habitavam o litoral conheciam as regiões interiores, transpondo obstáculos como as Serras do Mar e Mantiqueira nas várias gargantas existentes no Vale do Rio Paraíba 3. Além da pesquisa do caminho em si são inúmeros os sítios arqueológicos relacionados com a região que não necessariamente tem à ver com a estrada mas estão em sua região. O registro dos sítios arqueológicos de Minas Gerais não são completos, mesmo porque o território ainda foi pouco explorado neste sentido. Estima-se que existem cerca de 20.000 sítios pré-coloniais em Minas Gerais dos quais são registrados no Iphan cerca de 800 e pode-se estimar que os sítios sem registro, porém já conhecidos, somem pelo menos outros 800. O levantamento arqueológico da região da Estrada Real certamente nos revelaria ainda muitos sítios desconhecidos. São conhecidas muitas citações históricas a respeito das origens deste caminho no entanto não foram feitas ainda pesquisas arqueológicas para apurar a

realidade histórica dos caminhos que originaram a Estrada Real. É possível que ainda existam vestígios destes caminhos indígenas, porém é difícil, mesmo com a técnica arqueológica, comprovar a idade de um caminho sem que se encontrem outros vestígios que não os próprios caminhos. A arqueologia histórica da Estrada Real já se torna muito mais concreta no sentido de que existem vestígios de seu percurso muito mais evidentes. Os trechos calçados, os registros, as pousadas descritas historicamente são pontos dos quais, na sua maioria, ainda existem vestígios arqueológicos. A pousada do Capão do Lana uma das mais importantes referências históricas da \Estrada Real, no Município de Rodrigo Silva é citada diversas vezes nos registros históricos. Ruínas de antiga pousada da Estrada Real situada em ponto de ligação com outras antigas estradas. Descrita por viajantes e freqüentada por personagens ilustres de nossa história um levantamento expedito das informações acerca deste único bem nos dá a idéia da quantidade e extensão do registro histórico que pode ser utilizado para apoiar a arqueologia da estrada Real. A primeira informação segura sobre o local data de 1732 em publicação de Tavares de Brito, acredita-se que tenha surgido entre o ano de 1711 e esta data. Em 1789 foi descrita a passagem do desembargador Tomás Antonio Gonzaga sendo conduzido preso ao Rio de Janeiro devido à Inconfidência Mineira. Em 1807 o explorador John Mawe, descreve o sítio em uma de suas viagens. Em 1811, o Barão W.L. Eschwege, fonte de referência para a história da mineração em Minas Gerais, registra sua passagem pela pousada considerando-a uma boa pousada pelos padrões locais.

Em 1816 outro notável viajante a passar pelo Capão do Lana foi Auguste de Saint-Hilaire que relatou a degradação ambiental em torno de Ouro Preto devida à mineração. Em 1821 uma dupla de naturalistas registra sua passagem pelo Capão, Spix e Martius são nomes de referência no campo da história natural do Brasil, descreveram parte significativa de nossa fauna e flora. Fizeram registros da etnologia, de estradas da época, da metalurgia e de vários outros aspectos econômicos. Em abril de 1822, ano da proclamação da independência, Dom Pedro I em missão de pacificação dos revoltosos de Ouro Preto fez pouso no Capão do Lana, por mais de um mês, o proclamou Paço Imperial Provisório e desta pousada mandou prender o Governador rebelado Pinto Peixoto que foi levado ao Capão. Durante a sedição de 1833 foi travada batalha na área da pousada (Rodrigo Silva) após longo cerco à cidade de Ouro Preto Durante a revolta liberal de 1842 Teófilo Benedito Ottoni também por ali esteve comandando as tropas rebeldes, vencido pelo Brigadeiro Luís Alves de Lima e Silva (Duque de Caxias), ficou preso em Ouro Preto, perdoado no ano seguinte e eleito deputado e senador do Império anos depois. A pousada funcionou por mais de dois séculos como pouso aos viajantes que percorriam a Estrada Real. As ruínas deste patrimônio ainda não pesquisado arqueologicamente estão protegidas pela mineradora que atualmente responde pela cava de topázio imperial já existente em 1811 e que foi iniciada pelos proprietários da pousada na época. A arqueologia da estrada Real pode fornecer subsídios para a pesquisa sobre esta via completando as informações históricas e enriquecendo o conhecimento sobre este patrimônio.

O conhecimento da arqueologia fica restrito às áreas onde há pesquisas acadêmicas. No Estado de Minas Gerais várias universidades atuam institucionalmente entre elas, a Universidade Federal de Minas Gerais (Médio Rio São Francisco, Estrada Real e Quilombos), a Universidade de São Paulo (região cárstica de Arcos e Pains) e a Universidade Federal de Juiz de Fora (zona da Mata mineira); ou pesquisas de arqueologia preventiva quando da implantação de empreendimentos conduzidas por empresas de consultoria independentes e custeadas pelos empreendedores. A recente adoção de legislação ambiental que contempla a inclusão do meio-ambiente cultural (Resoluções CONAMA 001 de 1986 e 337 de 1997) nos Estudos de Impacto Ambiental, EIA, cria um nova onda de descobertas e de valorização da arqueologia. O momento atual só pode ser comparado aos anos 70 quando se desenvolveu o PRONAPA, uma pesquisa sistemática de todo o território Nacional. Os dados mais antigos são, na maioria das vezes, incompletos pelas limitações tecnológicas e mesmo as novas pesquisas ainda não se adaptaram totalmente às normas produzindo algumas vezes documentação incompleta dos sítios. Neste sentido, os vazios do mapeamento do patrimônio arqueológico não podem ser interpretados como ausência de vestígios arqueológicos mas com ausência de pesquisa em sua maioria. Cerca de noventa por cento das pesquisas em todas as regiões de Minas Gerais encontram material arqueológico. Os quase 11.000 anos de ocupação humana nesta região produziram grande quantidade de sítios arqueológicos. O alto índice de achados também se deve à implantação dos empreendimentos no terreno, geralmente próxima a rios e outros locais que favorecem a habitação humana. Estima-se que são conhecidos apenas cerca de 10% do patrimônio arqueológico, mesmo sendo histórico. A arqueologia pode revelar fatos inéditos de nosso passado. Por exemplo, quando foi feita a arqueologia da Casa Setecentista

de Mariana, sede do escritório técnico do Iphan, esperava-se encontrar vestígios de porcelanas muito sofisticadas pois a edificação foi por muito tempo residência de uma das famílias mais ricas da cidade. Os achados mostraram o contrário, só foram encontradas louças comuns levando à duas hipóteses: a família não usava louças importadas e caras ou estas eram tratadas praticamente como tesouros, raramente usadas e vigiadas com atenção. Outros dados virão a completar a informação acrescentando detalhes do cotidiano à história conhecida. A arqueologia tem a função investigativa deste passado e como tal é de suma importância em qualquer trabalho de levantamento sobre nossa história. Bibliografia 1-Hollanda, Sérgio Buarque de. Monções. 3 a ed São Paulo Brasiliense, 1990. 2 -Morais, Fernanda Borges de. A Rede urbana das Minas Coloniais na Urdidura do Tempo e do Espaço. Tese de Doutorado, São Paulo, 2005, USP 3 - Abreu, João Capistrano de. Os caminhos antigos e o povoamento do Brasil 5 a ed. Brasíilia. Ed. UNB, 1963