Anais do V Congresso da ANPTECRE Religião, Direitos Humanos e Laicidade ISSN:2175-9685 Licenciado sob uma Licença Creative Commons A ESCOLA CONFESSIONAL DE EXCELÊNCIA PODE SER ESPAÇOTEMPO DE PASTORAL? Fernando Degrandis Mestre em Teologia e doutorando em Teologia pela Faculdades Est São Leopoldo RS Coordenador pedagógico no Colégio Marista Assunção Porto Alegre E-mail: fernando.degrandis@gmail.com Bolsista Capes GT 01 RELIGIÃO E EDUCAÇÃO Resumo: Se por um lado a sobrevivência das escolas confessionais privadas está na garantia de uma excelência acadêmica a sua comunidade educativa, por outro segue diante do desafio de concretizar uma escola em pastoral para consolidar a missão dos seus fundadores, que vão ao encontro da missão de fé que fundamenta seu projeto político pedagógico. O conceito de escola em pastoral supera o tradicional de proselitismo. Nesta nova perspectiva de pensar uma comunidade educativa confessional cristã, o olhar está vinculado aos valores que permeiam o seu currículo e as relações mais cotidianas. Para além desse olhar da missão fundacional da escola confessional, há de se considerar a realidade global como um todo: a complexidade e a dinamicidade do mundo contemporâneo. Não cabe mais um processo de ensino e de aprendizagem que ensine conteúdos desconectados, já que a realidade além dos muros escolares se apresenta com uma série de relações complexas. A discussão da contextualização e da educação com sentido pode ser embasada no debate de um ensino e aprendizagem por competências e habilidades. É possível para a escola confessional católica fazer o olhar integral para o ser humano, se propor a educar para além do academicismo, contemplando valores pessoais e sociais, bem como para um projeto de vida da pessoa do estudante? O conceito de evangelizar pela educação que embasa a escola em pastoral e das macrocompetências, ligados ao carisma e ao Projeto Educativo do Brasil Marista, se apresentam como uma possibilidade. Nas macrocompetências, o currículo aborda um olhar acadêmico, mas também ético-estético, político e tecnológico do processo de ensino e de aprendizagem, oferecendo um olhar integral para a educação do estudante. Nesta, conjuga a excelência acadêmica e humana. Palavras-chave: escola em pastoral; macrocompetências; excelência integral. 1
De que excelência falamos? Vamos imaginar que você é um pai ou uma mãe que busca, pela primeira vez, uma escola para seu filho/a. O primeiro dilema já se anuncia em casa, quando a família começa a levantar as primeiras questões. O que de fato buscamos? Uma instituição educativa onde a criança se desenvolva nas relações (consigo mesma, com os colegas, com as pessoas diferentes, com a sociedade, com a natureza...)? Ou uma em que os processos de ensino e de aprendizagem estão voltados para os conhecimentos historicamente sistematizados pela humanidade (ou, em outras palavras, a excelência acadêmica)? Por onde você seguiria com a reflexão? O que você deseja para seu filho/a? Para ajudar, a mídia e o marketing educacional nos bombardeiam com as informações sobre o desempenho acadêmico de escolas em avaliações externas, como resultados de vestibulares das universidades federais ou do Enem 1. Atento a realidade social, você e sua família também sabem dos desafios de nossa sociedade, como o respeito às diferenças, o respeito aos direitos individuais e coletivos, a necessidade da construção de políticas públicas eficazes para que todos tenham direito a cidadania... enfim, o anseio por uma cultura pacífica e saudável onde todos possam participar. E então, estas reflexões ajudam você a escolher a escola? Mas, é necessário polarizar? Uma escola de excelência humana não pode ser também de excelência acadêmica (e vice versa)? A ideia de educação integral com um olhar para todos os aspectos da pessoa contempla a integração dos conceitos acadêmico e humano. E este é o ponto de partida. A escola de excelência humana não exclui que seja também de excelência acadêmica (e vale o contrário). Aliás, é perigoso pensar nesta polarização: uma formação somente voltada para o academicismo frio pode gerar estudantes que não saibam mensurar os impactos éticos dos avanços e fiquem voltados ao fim, sem se preocupar com os meios. Já a proposição de uma excelência exclusivamente 1 Exame Nacional do Ensino Médio, promovido pelo Ministério da Educação, utilizado como acesso tanto a universidades, como bolsas e financiamentos estudantis. 2
humana, torna-se um risco de gerar uma sociedade sensível, mas incapaz de progredir ou mesmo gestar-se de forma eficaz. Ao tentar responder o que é excelência, Márcia Zenker expõe um conceito mercadológico: fornecer produtos e serviços, na primeira vez, que vão ao encontro da necessidade do cliente. (ZENKER, 2015). Nesta compreensão estamos diante de um problema: ter uma escola de excelência depende do público ao qual ela atende? Apesar de vivenciar o dilema mercadológico de forma intensa na contemporaneidade, no que diz respeito as preocupações com a sustentabilidade, a escola confessional também se encontra diante de uma outra perspectiva: a de sua missão. Afinal, qual a função da escola confessional católica na sociedade? Diferentemente de outros setores inseridos no contexto capitalista que precisam somente se adequar ao mercado, a escola confessional defendo aqui necessita promover um diálogo entre o que a sociedade apresenta como demanda e a missão fundacional da congregação (ou da Igreja como um todo). Que, para além de uma função de sustentabilidade, o diálogo com a realidade é pastoral e também pedagógico. Assim, neste texto quero evidenciar a especificidade do debate da excelência educacional para as escolas confessionais católicas. Também, refletir sobre possibilidades e desafios de desenvolver uma excelência que una as dimensões humana (através da escola em pastoral) e acadêmica. Através de pesquisa bibliográfica pretendo trazer conceitos, bem como problematizá-los. Aliado ao referencial teórico, documentos e a experiência da Rede Marista - Província do Rio Grande do Sul, também farão parte deste texto. O que é uma escola em pastoral? Este debate é recorrente em meio às escolas confessionais. Contudo, ainda necessário e, sempre, pertinente. Em profundidade o em pastoral significa o modo de toda a escola ser. Diz respeito à sua identidade, à sua espiritualidade e missão. Deste modo, a escola em pastoral não pode ser reduzida a um setor dentro da escola. Se fosse assim, seria melhor falar em escola com pastoral ou em pastoral na escola. (BALBINOT, p. 59 60, 2010). Para além do setor que subsidia e coordena ações pastorais, uma escola 3
envolvida neste princípio tem seu cotidiano com outra significação. A aula, as intervenções pedagógicas os projetos... tudo tem outro sentido. Escola em pastoral não diz respeito somente à imbricação entre pedagógico e pastoral, mas a um novo modo de pensar, agir e ser de toda a escola, em uma palavra, em uma nova escola. (BALBINOT, p. 52, 2010) A consolidação de uma escola em pastoral é identificada na escola confessional como a efetivação da excelência humana. Os valores humanos de ética, respeito, valorização da vida em suas diferentes formas adquire na escola católica o viés teológico. Se toda a ação educativa tem fundamentos antropológicos, cosmológicos e sociológicos, somente a ação educativa nas escolas confessionais integra a estes, conscientemente, fundamentos teológicos. Assim, temos uma semelhança e, ao mesmo tempo uma diferença entre escola laica e escola confessional. Na escola confessional evangelização e educação estão intimamente imbricadas. (BALBINOT, p. 55, 2010.) Para que esta escola que é em pastoral também consiga ser de excelência acadêmica e assim concretizar a educação integral apresento dois desafios: o da formação e o da relação entre educadores (e setores). A escola de excelência acadêmica é envolta em aprendizagens significativas e cientificamente confiáveis. Assim, áreas como teologia, antropologia, sociologia, filosofia e psicologia também devem subsidiar a formação do/a educador/a. Com esta formação, a proposição de ações ou mesmo a condução destas estarão bem fundamentadas na dimensão humana/pastoral, possibilitando uma relação profunda com a dimensão acadêmica. Outro fator importante desta formação ser séria é a necessidade de se romper com uma visão ultrapassada de pastoral e de valores. Em uma visão antiga, pastoral era sinônimo de proselitismo e não respeitava a diversidade de crenças nem, muitas vezes, a realidade do/a educando/a. Sobre a relação entre educadores e setores, há ainda pouca discussão sobre como subsidiar a consolidação de uma excelência acadêmica. Explico: nas práticas das escolas confessionais há sempre a preocupação de quando os/as professores/as de matemática, língua inglesa ou os setores administrativos, por exemplo, contemplam a perspectiva dos valores humanos (a escola em pastoral). Aqui problematizo: quando, por exemplo, a reflexão pastoral subsidia 4
metodologicamente os/as professores/as, ou mesmo compreende as necessidades técnicas dos setores administrativos? O que proponho através desta reflexão é que se uma escola é em pastoral, ela deve partir do princípio de que todos são corresponsáveis por esta missão. Assim, por exemplo, se uma escola não possui sustentabilidade financeira, ela deixa de existir e, consequentemente, não será mais espaço de atuação pastoral. O diálogo entre educadores (professores/as, setores administrativos e gestores/as) e a visão sistêmica da escola são fundamentais. Não proponho que os coordenadores do setor de pastoral entendam de matemática, por exemplo, tanto quanto o professor. Mas que compreendam a dinâmica desta aula, para poder subsidiar este professor com o viés pastoral. Para tal, estes elementos precisam estar relacionados no planejamento e no desenho operacional da escola, além da formação e vivência individual de cada pessoa que compõe a equipe escolar. Sem uma visão clara do que trabalhar, a formação desses elementos para com os agentes (no caso da escola os/as educadores/as) e o planejamento concreto de como relacionar tais dimensões, corre-se o risco da efetivação de uma escola em pastoral que também seja de excelência acadêmica ficar somente nas intenções individuais. É possível mensurar? Zenker coloca como foco da escola de excelência aquilo que pode ser mensurado através de avaliações. Para ela, excelência e avaliação estão aliadas. As avaliações de larga escala são citadas como parâmetro para este processo. Contudo, a dimensão da qualidade humana é citada com parte do processo: a participação de pais, estudantes e comunidade no debate da educação, prevendo sujeitos autônomos e críticos. Mesmo assim, esta dimensão com os valores da criticidade e autonomia não podem ser medidos por uma avaliação de larga escala ou de índices. O livro A volta ao mundo em 13 escolas ressalta a aprendizagem dos estudantes em escolas de diferentes contextos no mundo. Não há um padrão sobre qual a experiência melhor sucedida, ou mesmo a definição de excelência. Contudo, 5
há aspectos comuns: Me chamou muito a atenção que algumas características são comuns a todas as experiências e metodologias relatadas: criatividade, autonomia, curiosidade, empreendedorismo, empoderamento, diversidade dos espaços de aprendizagem, diálogo, convivência, confiança, respeito mútuo e desenvolvimento pessoal. (GRAVATÁ, p. 5, 2013) A garantia da excelência humana ou da escola em pastoral nas escolas confessionais não pode ser mensurada? A garantia de sua efetivação está no processo? Como acompanhar estes indicadores? É possível aliar avaliação do desenvolvimento acadêmico e humano? No caminho da excelência integral A União Marista do Brasil propõe o trabalho nas escolas a partir de quatro macrocompetências: acadêmica, tecnológica, ético-estética e política. Estas macrocompetências listadas nas Matrizes Curriculares do Brasil Marista de 2012 subsidiam cada um dos componentes curriculares dentro das áreas do conhecimento. Esta separação didática em quatro macrocompetências garante o olhar para o sujeito em seu todo educação integral e garante o compromisso de cada educador/a e da Rede Marista com os princípios do Projeto Educativo Marista, ligados à missão do Instituto Marista. Nos componentes curriculares, além das macrocompetências, há o desdobramento de competências dos segmentos e de conteúdos nucleares. Na escola, os/as educadores/as desdobram as habilidades e os conteúdos específicos, considerando a realidade local. Conteúdos e habilidades aqui são vistos como meios para se atingir competências dos segmentos e, em finalidade última, as macrocompetências 2. Como integrar os processos de avaliação e planejamento a ponto de saber que o que se planeja e se executa de fato dão resultados na perspectiva da educação integral? 2 Neste texto não há espaço em número de laudas para se detalhar a compreensão da Rede Marista de competências, macrocompetências ou mesmo o formato de planejamento do Colégio citado como exemplo. Fernando Degrandis e Shirley Sheila Cardoso apresentam esta forma de planejar em outro artigo inscrito no IX CLIOA (www.inf.ufrgs.br/clioa), no trabalho Aula para além do professor. 6
O Colégio Marista Assunção 3 Porto Alegre iniciou a implementação das Matrizes Curriculares do Brasil Marista em 2014 em um trabalho mais articulado dos educadores/as por área do conhecimento. As avaliações têm papel fundamental neste processo de acompanhar e planejar o processo educativo integral. O processo de avaliação interna considera tanto testes individuais quanto outras situações de aprendizagem (trabalhos em grupo, pesquisa de iniciação científica, produção de vídeos, caderno de redação, apresentações orais, desafios lógicos, solução de problemas nas diferentes áreas do conhecimento...). Para contemplar as macrocompetências o Colégio Marista Assunção dinamiza as aulas e suas avaliações por consequência com contextualização e problematização, desdobradas em habilidades, através de conteúdos. Todo o processo que é impulsionado pelas macrocompetências. A avaliação interna se torna, assim, um diagnóstico e ajuda a (re)dimensionar a ação pedagógica Marista. Neste processo, o professor aprofunda os conceitos, dialoga e planeja com seus colegas contemplando as quatro macrocompetências e avalia. Com os resultados de avaliação se revisita o plano de formação dos educadores, os momentos de planejamento ou, se necessário, a formação e o planejamento de um/a ou outro/a educador/a em específico. Além das avaliações formais, vale destacar que a sistematização de outros dados também auxiliam na visualização da educação integral, como quem e por quais motivos - são os estudantes atendidos pelos setores de orientação educacional e coordenação de turno. Estes dados todos alinhados das avaliações formais, avaliações externas e atendimentos dos setores empoderam a equipe gestora da escola a tomar decisões mais estratégicas. A avaliação mensura e subsidia. O planejamento e a formação impulsionam cada passo do processo. O acompanhamento sistemático de projetos e do planejamento dos professores e da articulação destes em áreas do conhecimento proporciona uma coesão na ação conjunta dos educadores. A diversificação 3 O Colégio Marista Assunção é uma das escola-piloto na implementação das Matrizes Curriculares do Brasil Marista através da metodologia de sequência didática nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Os resultados mensurados até então (aprovação, aprovação por média, média dos componentes curriculares/turma, resultados de Enem, resultados de aprovação de vestibular, resultados do Sistema Marista de Avaliação, índice de transferências e índice de matrículas novas) tem sido superiores se comparados com os resultados anteriores ao de implementação das Matrizes. Vale lembrar, contudo, que são resultados recentes. 7
didática através da problematização e de contextos diferenciados dinamizam a ação pedagógica. O trabalho articulado dos setores garante o olhar integral. Qual destas perspectivas garante a concretização da escola de excelência integral a partir das macrocompetências? Todas. Tanto de forma articulada quanto desempenhando seu papel em específico. A ação integral é, por essência, uma ação complexa e dinâmica. Por fim O debate sobre a escola em pastoral não pode mais permanecer restrito a afirmação de que todos são responsáveis pela vivência e efetivação dos valores teológicos que fundamentam a escola confessional. É necessário avançar. Uma das formas de avanço é não polarizar o debate: ou temos uma escola de excelência humana ou uma escola de excelência acadêmica. É possível e necessária uma escola de excelência integral. Outra forma, aliada a essa, é como não só a pastoral enriquece o debate pedagógico e administrativo, mas como ela também é enriquecida e subsidiada por estes. A experiência do Colégio Marista Assunção na proposição da Rede Marista de um trabalho a partir das macrocompetências é uma forma de concretizar a educação integral e ser coerente com a missão institucional. Diria que é uma forma estratégica e pedagógica de fazê-lo. Assim, não só é possível que a escola de excelência acadêmica seja espaço de pastoral, como também acredito que estas dimensões se complementem e se auxiliem mutuamente para o aprofundamento e o avanço da excelência integral. Referenciais BALBINOT, Rodinei. Educação e espiritualidade. S.l: S.n., 2010. GRAVATÁ, André [Et al.]. Volta ao mundo em 13 escolas / André Gravatá... [et al.]. São Paulo: Fundação Telefônica : A. G., 2013 UNIÃO MARISTA DO BRASIL. Tessitura do currículo Marista: matrizes curriculares da educação básica: área de linguagens, códigos e suas tecnologias. 8
Brasília: UMBRASIL. S/d. UNIÃO MARISTA DO BRASAIL. Projeto Educativo do Brasil Marista. Brasília: UMBRASIL, 2010. ZENKER, Márcia Rosiello. O que é uma escola de excelência? Disponível em: https://www.grupoa.com.br/revista-patio/artigo/8329/o-que-e-uma-escola-deexcelencia.aspx. Acesso em 17 de abril de 2015. 9