F. Cerqueira 1*, J. Neves 1



Documentos relacionados
Observação do Comportamento Estrutural da Barragem de Beliche após a Realização de Obras de Reabilitação

Reabilitação de barragens de aterro. Barragem do Roxo. Anomalias, Diagnóstico e Reabilitação

Análise estrutural aplicada à estabilidade de taludes. Antonio Liccardo

Barragens de concreto em abóbada com dupla curvatura.

CARACTERIZAÇÃO GEOTÉCNICA DO MACIÇO GRANÍTICO DO LOCAL DA BARRAGEM PRINCIPAL DO BAIXO SABOR

MODELAÇÃO NUMÉRICA DE UMA CENTRAL HIDROELÉCTRICA SUBTERRÂNEA UTILIZANDO PARÂMETROS GEOMECÂNICOS OBTIDOS ATRAVÉS DE TÉCNICAS DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

DESCRIÇÃO GEOTÉCNICA DE TESTEMUNHOS DE SONDAGEM USANDO O SISTEMA RMR DE CLASSIFICAÇÃO GEOMECÂNICA

PROPOSTA DE ÍNDICE DE AJUSTE (A w ) UTILIZANDO O GRAU DE INTEMPERISMO NO SISTEMA RMR (ROCK MASS RATING) DE CLASSIFICAÇÃO DO MACIÇO ROCHOSO

Reforço de Potência Aproveitamento Hidroeléctrico de Vila Nova/Venda Nova. (Venda Nova II) Relatório de Visita de Estudo.

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS MORFOLÓGICAS DA BACIA HIDROGRÁFICA E DO PERCURSO DO RIO PINHÃO RESUMO

ESTIMATIVA DO COMPORTAMENTO MECÂNICO DAS CAMADAS QUE FORMAM O SISTEMA PISO-CAMADA-TETO EM MINAS DE CARVÃO

Controle Geotécnico de uso e ocupação das encostas

RELATÓRIO TÉCNICO. Centro de Formação Desportiva de Alfândega da Fé

VISITA DA ORDEM DOS ENGENHEIROS REGIÃO NORTE

UNIVERSIDADE MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL PARECER DE GEOTECNIA

RESÍDUOS DA INDÚSTRIA EXTRATIVA O PROCESSO DE LICENCIAMENTO GESTÃO, PROJETO, CONSTRUÇÃO E ENCERRAMENTO DE INSTALAÇÕES DE RESÍDUOS MINEIROS SEMINÁRIO

AHE SIMPLÍCIO QUEDA ÚNICA* Luiz Antônio Buonomo de PINHO Gerente / Engenheiro Civil Furnas Centrais Elétricas S. A.

Análise de Risco de Taludes na Estrada de Ferro Vitória-Minas

3 ASPECTOS GERAIS DA ÁREA ESTUDADA

FUNDAÇÕES E GEOTECNIA MOTA-ENGIL, ANGOLA

Aterro Sanitário. Gersina N. da R. Carmo Junior

Bairros Cota na Serra do

Proc. IPHAN nº / Portaria IPHAN nº 15, de 05 de maio de 2011

ESTUDO PRÉVIO SOLUÇÕES ALTERNATIVAS PROJECTO: CLIENTE:

5. CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS

GEOMORFOLOGIA E ANÁLISE DA REDE DE DRENAGEM DA FOLHA ALHANDRA, TABULEIROS LITORÂNEOS DOS ESTADOS DA PARAÍBA E PERNAMBUCO

Diagnóstico Geológico-Geotécnico em Obras de Contenção de Taludes em Rocha

LOCALIZAÇÃO E BREVE APRESENTAÇÃO GEOGRÁFICA DA SUB-REGIÃO DO DOURO SUPERIOR

OBRAS DE CONTENÇÃO NA BR-101/SC

Estabilização de uma área utilizando a contribuição da sucção: O caso de Barro Branco.

1 - APRESENTAÇÃO DA COBA 2 - INTRODUÇÃO 3 - METODOLOGIA DE ESTUDO DOS MACIÇOS 4 - CUSTOS DA PROSPECÇÃO GEOTÉCNICA 5 - ALGUMAS ESPECIFICIDADES DOS

Aplicação de geoprocessamento na avaliação de movimento de massa em Salvador-Ba.

Conceitos e Classificações de Jazigos Minerais. Morfologias. Estruturas internas. Texturas. Preenchimento. Substituição.

UHE BELO MONTE PROJETO BÁSICO DE ENGENHARIA

SANEAMENTO AMBIENTAL I CAPTAÇÕES DE ÁGUA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA CIVIL E ARQUITECTURA EDUARDO RIBEIRO DE SOUSA

Fundações I. UNIVERSIDADE: Curso: Escoramento de Escavação / Abaixamento de Lençol Freático. Aluno: RA: Professor Douglas Constancio

Auditoria nos termos do Regulamento da Qualidade de Serviço Relatório resumo EDP Serviço Universal, S.A.

As novas barragens e o controlo de segurança

ASPECTOS SOBRE SISTEMAS DE DRENAGEM EM PEDREIRAS A CÉU ABERTO

Aplicação da Metodologia de Registo de Riscos a um Empreendimento em Construção

LAUDO DE VISTORIA TÉCNICA DO PORTO DO CHIBATÃO MANAUS - AM

SUMÁRIO SONDAGENS, AMOSTRAGENS E ENSAIOS DE LABORATÓRIO E CAMPO

Decidir como medir cada característica. Definir as características de qualidade. Estabelecer padrões de qualidade

SEMINÁRIO PROJETO BÁSICO E PROJETO EXECUTIVO NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS ASPECTOS TÉCNICOS SIURB

MEMÓRIA DESCRITIVA E JUSTIFICATIVA

CONJUNTO COMERCIAL CENTRO COMERCIAL DE PORTIMÃO

A1.2 Águas subterrâneas. A1.2.0 Introdução 1

ANÁLISE EXPLORATÓRIA DA MÉTRICA DA SUPERFÍCIE TOPOGRÁFICA PARA PREVISÃO DO NÍVEL FREÁTICO

A NOVA LEGISLAÇÃO PARA RESÍDUOS RESULTANTES DA ACTIVIDADE EXTRACTIVA

Jantar / Debate. A ACT e a Coordenação de Segurança interacção e cooperação em empreendimentos de construção

15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental

BOAS PRÁTICAS NA GESTÃO DE PROJETOS DE BARRAGENS DE REJEITOS

Do Risco à Catástrofe Um Desafio para a Protecção Civil O Risco Sísmico no Município da Amadora

Escola Secundária de São João da Talha Geologia 2º Período. Trabalho realizado por: Joana Pires e Ludmila 12ºB

Construtora do Tâmega, SA Controlo e execução a parir de modelo digital 3D

Exmº. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lagos

Disciplina: Construção Civil I Procedimentos para Início da Obra

Definições dos Parâmetros úteis para o uso de V e E

INSTRUÇÕES NORMATIVAS PARA EXECUÇÃO DE SONDAGENS

SESI PROJETO EXECUTIVO DE TERRAPLENAGEM PARA QUADRA POLIESPORTIVA DA UNIDADE SESI-SIMÕES FILHO/BA VOLUME ÚNICO RELATÓRIO DOS PROJETOS

do substrato gnáissico.

PROGRAMA DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA

SISTEMA AQUÍFERO: VIANA DO ALENTEJO ALVITO (A6)

TENDÊNCIAS ACTUAIS DA LEGISLAÇÃO DE BARRAGENS. Laura Caldeira

PARQUE EÓLICO DA SERRA DA ALVOAÇA VOLUME 1 SUMÁRIO EXECUTIVO

Figura 2.1. Baía de Todos os Santos (Grupo de Recomposição Ambiental/ Gérmen).

Noções de Topografia Para Projetos Rodoviarios

Análise de Percolação em Barragem de Terra Utilizando o Programa SEEP/W

ANEXO A. Carta Educativa do Concelho de Mafra Anexo A, Pág. 305

Relatório. Avaliação das Acessibilidades. Prédio da Rua de Gondarém, Nevogilde - Porto

PLANO DE PORMENOR DA CASA PIDWELL REGULAMENTO

de Susceptibilidade Geotécnica

DELIMITAÇÃO DE VARIAÇÕES LATERAIS NUM RESERVATÓRIO ALUVIONAR COM MÉTODOS ELÉCTRICOS. Nuno ALTE DA VEIGA 1

Noções de Topografia Para Projetos Rodoviarios

PROGRAMA DE MONITORAMENTO DE USOS DO SOLO E CONTROLE DE PROCESSOS EROSIVOS E ESTABILIZAÇÃO DAS ENCOSTAS UHE FOZ DO RIO CLARO

NORMAS DE INSTRUÇÃO DE UM PROCESSO DE OPERAÇÃO URBANÍSTICA EM FORMATO DIGITAL. Pedidos de Licenciamento (PL) e Comunicações Prévias (CP)

Fisiografia. Clima. Geologia. Hidrologia. Fisiografia. Clima. Geologia. Hidrologia

Análise das Manifestações Patológicas da Ponte-Viaduto Torre-Parnamirim

LAUDO TÉCNICO DA PRAIA DA PONTA NEGRA MANAUS - AM

Geologia Estrutural: INTRODUÇÃO 1

Plano de Pormenor da Intervenção na Margem Direita da Foz do Rio Jamor Parecer aspectos geológico-geotécnicos potencialmente envolvidos

REQUERIMENTO PROJETO DE ARQUITETURA

NOÇÕES GERAIS DE GERENCIAMENTO DE ÁREAS DE RISCO

Procedimento para Serviços de Sondagem

Muro de Arrimo por Gravidade

Observatório da Qualidade do Ar do Município de Matosinhos

PROJETO CONCEITUAL DE APROVEITAMENTO ECONÔMICO DE CAMADAS DE CARVÃO UM ESTUDO DE CASO

POÇOS DE ALÍVIO PARA RESTABELECER OS CRITÉRIOS DE SEGURANÇA NA BARRAGEM DE SOBRADINHO

Geotecnia e Fundações, Arquitectura. Geotecnia e Fundações, Arquitectura

BARRAGENS DE TERRA E DE ENROCAMENTO AULA 1. Prof. Romero César Gomes - Departamento de Engenharia Civil /UFOP

Regulamento do Concurso de Ideias

REPRESENTAÇÃO DO RELEVO

Figura 1 Fragmentação e evolução dos continentes desde a Pangeia até à atualidade: A Pangeia à 225 milhões de anos, B Continentes na atualidade.

Exploração Geológica, Prospecção em superfície e subsuperfície

Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto Projecto financiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia

CAPÍTULO 4 GEOLOGIA ESTRUTURAL DA ÁREA

DEPARTAMENTO DE OBRAS E GESTÃO DE INFRA-ESTRUTURAS MUNICIPAIS FICHA TÉCNICA

rofa Lia Pimentel TOPOGRAFIA

Palavras-chave: Aquífero Furnas, qualidade da água subterrânea, poços tubulares profundos.

Atividade 11 - Exercícios sobre Relevo Brasileiro Cap. 03 7º ano. Atenção: Pesquise PREFERENCIALMENTE em seu Livro e complemente a pesquisa em sites.

Transcrição:

Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial III, 1107-1111 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-issn: 1647-581X Caracterização geológica e geotécnica da fundação da ensecadeira da tomada de água do futuro reforço de potência do escalão de montante do aproveitamento hidroelétrico do Baixo Sabor Geological and geotechnical characterization of the water intake cofferdam foundation for the future re-powering of Baixo Sabor upstream hydroelectric scheme F. Cerqueira 1*, J. Neves 1 Artigo Curto Short Article 2014 LNEG Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP Resumo: Neste trabalho é apresentada uma síntese da informação geológico-geotécnica relevante e respetiva análise e interpretação, com o objetivo de caracterizar o terreno de fundação da ensecadeira do futuro reforço de potência do Aproveitamento hidroelétrico do Baixo Sabor. Foi realizada a cartografia geológico-geotécnica e a caracterização das descontinuidades do maciço rochoso no local previsto para a implantação da ensecadeira. A informação geológicogeotécnica foi complementada com a realização de sondagens mecânicas acompanhadas pela execução de ensaios de absorção de água do tipo Lugeon. A análise e interpretação conjunta destes elementos permitiram a execução de vários perfis interpretativos do local da ensecadeira que serviram de base ao projeto de escavações e contenções de taludes e de tratamento da fundação da ensecadeira. Palavras-chave: Baixo Sabor, Ensecadeira, Fundação, Reforço de potência. Abstract: In this paper is presented an overview of the relevant geological and geotechnical information and respective analysis and interpretation, aiming to characterize the cofferdam foundation site for the future Baixo Sabor hydroelectric re-powering scheme. The geological and geotechnical mapping and discontinuities characterization of the rock mass were made at the intended location for the cofferdam. The geological and geotechnical information was complemented with the execution of boreholes followed by Lugeon absorption water tests. The combined analysis and interpretation of these elements allowed the elaboration of geological sections of the cofferdam foundation and gave information for slope stability measures and cofferdam foundation treatment design. Keywords: Baixo Sabor, Cofferdam, Foundation, Re-powering scheme. 1 EDP Energias de Portugal, S.A. * Autor correspondente / Corresponding author: filipe.cerqueira@edp.pt 1. Introdução O Escalão de Montante do Aproveitamento Hidroelétrico do Baixo Sabor (AHBS), em construção, é constituído por uma barragem em abóbada em betão, com o coroamento à cota (236), altura máxima de 123 m acima da fundação e um desenvolvimento total de 505 m. A central em poço e os circuitos hidráulicos serão escavados no maciço rochoso da margem direita, estando previsto que a primeira venha a ser equipada com dois grupos reversíveis com potência unitária 76,5 MW / 85 MVA cada. De modo a minimizar o posterior impacto na exploração do AHBS e aproveitando a empreitada de construção presentemente em curso, a EDP decidiu antecipar algumas obras com vista à eventual construção de um reforço de potência do escalão de montante (EDP Produção, 2012), caso futuramente este se venha a revelar viável e necessário. As obras a realizar localizam-se na margem esquerda a cerca de 50 m para montante da barragem e incluem a escavação e execução de medidas de estabilização de taludes com altura máxima de 32 m, para atingir a cota (211) e, de seguida, escavar e preparar a fundação de uma ensecadeira com 20,5 m de altura que se prevê vir a ser construída com recurso à utilização de células estacas-prancha, a qual permitirá ensecar a zona das obras da nova tomada de água, evitando o esvaziamento parcial da albufeira e a consequente perda de produção. Os trabalhos de prospeção geológico-geotécnica realizados constaram da execução de cartografia geológico-geotécnica de pormenor dos taludes de escavação dos acessos existentes, caracterização das descontinuidades na área envolvente e execução de sondagens à rotação com recuperação de testemunhos acompanhadas de ensaios de absorção de água de tipo Lugeon para avaliação da permeabilidade da fundação da ensecadeira. 2. Enquadramento geral O escalão de montante do aproveitamento hidroelétrico do Baixo Sabor, onde se insere o local da ensecadeira da tomada de água, localiza-se no distrito de Bragança, concelho de Torre de Moncorvo. A morfologia da zona do escalão de montante é marcada pelo profundo entalhe do vale do rio Sabor nas rochas graníticas. Neste local, o vale do rio Sabor tem direção próxima de NE-SW, é encaixado, profundo,

1108 F. Cerqueira, J. Neves / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial III, 1107-1111 ligeiramente assimétrico e apresenta encostas com inclinação de 20º a 40º. O fundo do vale encontra-se aproximadamente à cota (127) e os cumes das encostas situam-se na proximidade da cota (500), a partir da qual o terreno sobe suavemente. Atualmente, o local para a implantação da ensecadeira encontra-se modificado do ponto de vista geomorfológico, devido às obras de construção da barragem sendo que, na margem esquerda se podem observar as escavações e respetivas saias de aterro do acesso ao coroamento da barragem e de outros acessos de obra. De acordo com a folha 11-C, da carta Geológica de Portugal à escala 1:50.000 (Ferreira da Silva et al., 1989), o local da obra situa-se na mancha do granito de Zedes- Cabeça Boa-Especiarias, que intruiu e metamorfizou os metassedimentos do Super Grupo Dúrico-Beirão durante a orogenia Hercínica. Trata-se de um granito sintectónico de grão médio a grosseiro, de 2 micas, porfiroide, com orientação dos minerais da matriz. No que respeita às grandes estruturas geológicas devese salientar, a cerca de 6 km para Oeste do local da barragem, a zona de falha e graben da Vilariça que, nesta área apresenta uma direção NNE-SSW e introduz uma marcada descontinuidade na geologia e geomorfologia da região. Na proximidade do local da barragem, regista-se a ocorrência de falhas com direções NNE-SSW, NE-SW e ESE-WSW, por vezes preenchidas com filões de quartzo que podem apresentar extensão quilométrica, os quais se terão instalado nas fraturas existentes, em grande parte, durante as fases distensivas pós-hercínicas. 3. Caracterização geológico-geotécnica do maciço rochoso de fundação da ensecadeira Para a descrição geotécnica do estado de alteração e do grau de fracturação do maciço rochoso foi utilizada a classificação proposta pela ISRM (1981). As classificações geomecânicas RMR Rock Mass Rating (Bieniawski, 1989) e GSI - Geological Strength Index (Hoek & Marinos, 2000) foram aplicadas nos taludes dos acessos à obra, com vista à caraterização geotécnica do maciço rochoso. Nos taludes do acesso situado próximo da cota de fundação da ensecadeira (Fig. 1), o maciço rochoso apresenta-se, de modo geral, moderadamente alterado com fraturas moderadamente afastadas (W3/F3) por vezes moderadamente alterado a muito alterado e com fraturas moderadamente afastadas a próximas (W3 a W4/F3 a F4). Localmente, o maciço rochoso encontra-se muito alterado a decomposto (W4-5) na proximidade das falhas. A falha 24 é o mais importante acidente tectónico neste local e interseta parcialmente a fundação da ensecadeira, tendo condicionado a sua implantação. Orienta-se segundo a direção N10º-15ºE e apresenta inclinação média de 60ºESE. O seu preenchimento consiste num filão de quartzo com 12 a 26 m de espessura, a teto, por vezes interpenetrado e/ou com encraves de granito com alteração hidrotermal (cloritização da biotite) e uma zona de esmagamento com milonite argilosa e granito decomposto (caulinizado) com 4 a 6m de espessura, a muro. Nos taludes deste acesso e na proximidade do local da ensecadeira, o maciço rochoso apresenta um RMR básico de 49 a 62 e GSI de 40 a 60, respetivamente, atribuindo-lhe a classificação de Razoável a Bom. Nos trechos de talude intersectados pela falha 24 e onde se verificou maciço muito alterado a decomposto, o RMR básico varia entre 28 e 34 e o GSI, entre 25 e 33, respetivamente, correspondentes a maciço rochoso Fraco. A análise estatística através de projeções estereográficas de 263 descontinuidades (Fig. 2) levantadas no local da ensecadeira da margem esquerda permitiu verificar que o maciço rochoso é intersectado por 3 famílias principais, (J1: N7 o E; 84 o ESE; J2: N36 o E; 84 o SE; J3: N69 o E; 85 o SE) e por 2 famílias com menor percentagem relativa: J4: N35 o W; 80 o SW e J5: N14 o E; 50 o SE. Globalmente, as descontinuidades apresentam-se moderadamente afastadas a afastadas (F3 a F2), pouco a moderadamente alteradas (W2 a W3), extensas (3-10 m), fechadas ou muito pouco abertas, secas, ligeiramente rugosas e normalmente sem preenchimento. Verificou-se que os filões (pegmatito e quartzo) se instalaram preferencialmente em descontinuidades pertencentes à família J1 e, em menor grau, nas da família J5. Detetaram-se algumas falhas, geralmente com direção NNE-SSW e espessura de caixa inferior a 30 cm. Foram executadas 5 sondagens à rotação com o intuito de caracterizar o maciço rochoso de fundação da ensecadeira da margem esquerda. Abaixo dos 3 m de profundidade, aproximadamente, as sondagens intersectaram maciço rochoso moderadamente alterado a são (W3 a W1) com fraturas próximas a muito afastadas (F4 a F1), considerado adequado do ponto de vista geotécnico para a fundação da ensecadeira. A análise dos ensaios de absorção de água tipo Lugeon, permitiu concluir que, sob ponto de vista hidrogeológico, o maciço rochoso da margem esquerda é bastante heterogéneo e permeável, em grande parte devido à presença da falha 24, o que obrigou a prever a impermeabilização da fundação através da execução de injeções de caldas cimentícias.

Geologia/geotecnia da fundação da ensecadeira 1109 Fig. 1. Extrato simplificado da planta geológico-geotécnica do local da ensecadeira na margem esquerda. Fig. 1. Simplified extract of the geological and geotechnical map of the cofferdam site in the left bank. Fig. 2. Diagrama de isodensidades e planos médios das famílias de descontinuidades na margem esquerda. Fig. 2. Stereographic projection, contour plot and mean planes of left bank joint sets. 4. Interpretação dos resultados e zonamento geológicogeotécnico Uma vez que o local da ensecadeira se situa na proximidade e no mesmo maciço rochoso granítico da barragem de montante, considerou-se que os resultados da análise e zonamento geomecânico do maciço rochoso (Tabela 1) elaborado durante os estudos geológicogeotécnicos realizados no âmbito do Projeto do escalão de montante do AHBS (EDP Produção, 2007) eram extrapoláveis e aplicáveis às escavações a realizar, para os taludes e fundação desta ensecadeira. Assim, e tendo presentes os intervalos dos parâmetros W (estado de alteração), F (espaçamento da fracturação) e RQD (Rock Quality Design) preconizados na tabela 1, foram elaborados 3 perfis de zonamento geológico e geotécnico com base nos elementos de cartografia geológico-geotécnica de superfície e das 5 novas sondagens realizadas na campanha mais recente (Geocontrole, 2012), que interpretam e sintetizam essa informação. No perfil desenvolvido pelo eixo da tomada de água (Fig. 3), pode-se observar a acentuada influência da presença da falha 24 nas características geomecânicas e hidrogeológicas do maciço rochoso, a qual se traduziu no incremento da sua fraturação e permeabilidade. Observase, também, que as principais estruturas geológicas identificadas através da cartografia geológica e sondagens, inclinam para o interior do maciço rochoso geralmente com inclinações superiores a 50 o com a horizontal. No que respeita às unidades geológicas e geomecânicas presentes, é possível observar que, previsivelmente, a espessura dos aterros não deverá ser muito significativa pois esses materiais resultaram, essencialmente, das escavações dos acessos existentes. Quanto ao maciço rochoso, admite-se que a zona ZG3 venha a apresentar uma espessura relativamente reduzida, sendo a zona ZG2 aquela que, previsivelmente deverá assumir maior expressão na zona interessada por este perfil. A zona ZG1

1110 F. Cerqueira, J. Neves / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial III, 1107-1111 desenvolve-se a maiores profundidades e não deverá ser atingida pelas escavações a efetuar, com a exceção provável do encontro direito (SW) da ensecadeira. A análise cinemática através de projeções estereográficas efetuada para os taludes de escavação, revela alguma possibilidade de ocorrência de fenómenos de instabilidade, nomeadamente, tombamentos, em menor grau, roturas em cunha; os deslizamentos planares associados a raras descontinuidades aleatórias, não sendo cinematicamente impossíveis, apresentam uma reduzida probabilidade de ocorrência. Tabela 1. Zonamento geomecânico do maciço rochoso (EDP Produção, 2007). Table 1. Rock mass geomechanical zoning (EDP Produção, 2007). Fig. 3. Perfil geológico-geotécnico interpretativo pelo eixo da tomada de água (EDP Produção, 2012). Fig. 3. Geological and geotechnical interpretative section by the axis of water intake (EDP Produção, 2012). 5. Considerações finais O local de implantação da fundação da ensecadeira da tomada de água do eventual reforço de potência do escalão de montante do AHBS situa-se na margem esquerda do rio Sabor e insere-se num afloramento de granito de grão médio a grosseiro, 2 micas e porfiróide (granito de Zedes-Cabeça Boa-Especiarias). Na proximidade deste local ocorrem algumas estruturas geológicas relevantes, sendo que uma delas (falha 24) intersecta parcialmente a fundação da ensecadeira e condicionou a implantação da mesma, durante a fase de projeto. A análise das projeções estereográficas das orientações das descontinuidades permitiu verificar que, neste local, o maciço rochoso é intersectado por 3 famílias principais, subverticais. A análise cinemática de estabilidade dos taludes de escavação para a fundação da ensecadeira revela alguma possibilidade de ocorrência de fenómenos de instabilidade, principalmente, tombamentos e em menor grau, roturas em cunha. Neste enquadramento e devido à elevada altura dos taludes de escavação (H máx =32 m) foi necessário projetar um conjunto de medidas de contenção e drenagem para garantir a estabilidade dos mesmos no longo prazo. Através da interpretação dos resultados da prospeção geológico-geotécnica realizada foi possível concluir que a ensecadeira da margem esquerda será fundada no maciço rochoso granítico de razoável qualidade (ZG2) e,

Geologia/geotecnia da fundação da ensecadeira 1111 parcialmente, no espesso filão de quartzo que aí aflora (falha 24), sendo este conjunto adequado do ponto de vista geomecânico para fundação da estrutura que se pretende construir mas apresenta, localmente, elevadas permeabilidades, o que obrigou a prever a realização de um tratamento de impermeabilização através da injeção de caldas cimentícias. Referências Bieniawski, Z.T., 1989. Engineering Rock Mass Classifications. John Wiley & Sons, New York, 251 p. EDP Produção, 2007. Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor. Empreitada Geral de Construção. Processo de Concurso. Volume III Elementos de projecto. B Escalão de Montante. Tomo B1 Estudos Geológicos e Geotécnicos. Relatório não publicado. Porto. EDP Produção, 2012. Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor. Obras preliminares do reforço de potência. Volume I Elementos de projecto. Relatório não publicado, Porto. Ferreira da Silva, A., Almeida Ribeiro, J., Ribeiro, M.L., 1989. Carta Geológica de Portugal na escala 1:50.000 Notícia Explicativa da folha 11-C Torre de Moncorvo. Serviços Geológicos de Portugal, Lisboa. Geocontrole, 2012. Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor Escalão de Montante Prospecção Geológico-Geotécnica. Proc. 16612, ACE do AHBS (Odebrecht - Lena Construções). Relatório não publicado, Lisboa. Hoek, E., Marinos, P., 2000. GSI A geologically friendly tool for rock mass strength estimation. Proceedings GeoEng2000 Conference, Melbourne, 1422-1442. ISRM International Society for Rock Mechanics, 1981. Basic geotechnical description of rock masses (BGD). International Journal of Rock Mechanics and Mining Sciences Abstract, 18, 85-110.