Hipsters: o novo velho estilo da metróple?



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Transcrição:

Hipsters: o novo velho estilo da metróple? SANTOS, Luiz Gustavo de Lacerda Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ RESUMO O presente trabalho busca resgatar uma cultura da metróple para a cena acadêmica e propõe uma reflexão acerca de um estilo específico que, quando aliado a determinados ideais, tenta se reafirmar evocando ideologias do passado. Dada a configuração do ambiente social contemporâneo, marcado pelas relações de consumo, os hipsters são constantemente alvo de críticas em redes sociais. A partir dos estudos de representação, vamos observar as críticas feitas ao estilo desta tribo em duas redes sociais, o Facebook e o Tumblr, afim de compreender sua interferência na concepção de valores sociais e culturais. PALAVRAS-CHAVE: hipster; cultura urbana; estilo; subversão; consumo. INTRODUÇÃO Caminhar pela metrópole é, também, observar diferentes estilos e comportamentos. Quando falamos em estilos pensamos em moda e, conseqüentemente, nas tendências que ela dita de tempos em tempos, bem como de seus produtos. Estilos também são influenciados, em diversos aspectos, por nossa forma de ver e lidar com o ambiente em que vivemos e podem causar admiração em alguns e, em outros, estranheza. Quando eles se aliam a movimentos ideológicos, meramente subjetivos, e quando apoiados por um número relevante de membros, formas de se vestir e se comportar podem eclodir nas ruas da cidade e se transformar em fenômenos sociais. Um dos mais conhecidos marcou a história dos EUA e ficou conhecido como contracultura, difundida por hippies. Muito antes da cultura hippie, os hipsters surgiram na América do Norte como um grupo de indivíduos que muito informava sobre a cultura da época. Difundida durante os anos de 1940, o termo passou a designar homens brancos e burgueses, que adotaram o jazz, antes, limitado às classes mais pobres e, em maioria, de negros. Com o passar do tempo, o conceito de hipster se disseminou na sociedade e desapareceu. Até que os anos de 1990 chegaram e o conceito voltou a vigorar na sociedade pela mídia, mas de uma forma diferente da que se conhecia nos tempos do jazz. Agora eles se 1

apoiam em um movimento nostálgico por meio da apropriação de um estilo específico: o retrô. O ESTILO HIPSTER DE SER Os óculos Ray-ban estilo aviador ou Wayfarer, sucesso entre estrelas do cinema sessentistas, as calças legging com camiseta ou as jaquetas de couro Black-motociclista, que deslocam tempos de Flash Dance e Pulp Fiction para os dias atuais, e a admiração assumida por filmes de Truffaut, Fellini e Antonioni são alguns itens desejados por jovens meninos e meninas que, na opinião de outros, considerados não-hipsters, vestem o estilo hipster de ser. Entre a maioria dos apaixonados pelo retrô, porém, ser hipster, ou considerado tal, pode ser um insulto e é dificilmente assumido pelos membros desta que, talvez, podemos chamar tribo. Se recusam a enunciá-lo, pode ser por que todos que se afiliaram a ele fazem um jogo para mantê-lo às escuras (GREIF, 2010a, p 1.). Para Mark Greif (2010), o autor do livro What was the Hipster?, uma das raras publicações que tratam do tema, a retomada deste estilo se deu em 1999, teve uma fase estreita mas robusta até 2003 e depois parecia prestes a se dissipar na sopa primordial subcultural (op. Cit.). A tribo também é constantemente chamada cool ou descolada. A matriz da qual o hipster surgiu inclui uma dimensão da cultura jovem dos anos noventa chamada de alternativa ou indie [de independent ou livre da dependência do mercado] e se definiu pela rejeição do consumismo (GREIF, 2010a, p. 1). Subversão que faz vezes à configuração consumista da sociedade contemporânea e que manifesta-se de preferência, através dos estilos de vida que vão privilegiar a aparência e a 'forma' (MAFFESOLI, 1998, p. 139). Dotados de um espírito rebelde, também podem ser identificados como tribo em função de uma revolta contra uma concepção estática do indivíduo (MAFFESOLI, 2000, p. 115) e, por isso mesmo, tendem a evocar uma esperiência estética de outros tempos, livre de massifcação. 2

Ainda que pertencentes a um ambiente social composto por indivíduos pluriversos, tal como proposto por Canevacci, não estão isentos de uma certa padronização e, por isso mesmo, podem ser identificados, com certa distância, como uma tribo urbana, ainda que seus membros não se reconheçam hipsters. Entretanto, Canevacci contextualiza a cultura vigente nos anos 90 momento em que data o ressurgimento desta tribo na sociedade e questiona determinadas correntes hegemônicas e idealistas. Segundo ele, o que se concebe como um movimento ideológico teria sido abalado por um processo irreversível, culminado nos anos 1990, [que] dissolveu qualquer possibilidade de uma cultura dominante. A clássica dicotomia cultura hegemônica/culturas subalternas (...) exauriu-se definitivamente (2005, p 15) e impossibilitou que movimentos como a contracultura dos anos 70, essencialmente ideológica e subversiva frente à sociedade de consumo, pudesse novamente vigorar nestes tempos com tanta força sob o social. Maffesoli chama a atenção para a efemeridade das relações sociais que atuam, tal como um teatro, no cenário social contemporâneo. O autor concebe as culturas juvenis contemporâneas como extremas, ou intermináveis, já que podem ser/estar de/em todas idades/partes. Eles têm como característica esta impossibilidade de serem contra, influenciados pela democracia visual fortalecida pela mídia, pelo consumo e pela convivência na metrópole, e os hipsters não estão livres desta influência subjetiva e de identidade imposta pelo término da hegemonia, o fim da ideologia e o fim da política [que, na contemporaneidade,] enxugaram o contra (2005, p 15). O vigor que parte da inquietação desta cultura jovem, ainda que espontâneo, pode ser questionado na medida em que se compreende a cultura jovem como sendo ela mesma uma criação da indústria midiática, já que esta última reconheceu seu potencial consumista impulsionado pelo poder e facilidades de compra. Logo, pertencer em uma era marcada pela estetização, pelo acesso a diversas mídias e pelo desejo de consumo requer, assim, vestir-se mais que ideologica, mas fisicamente suas opiniões. 3

Em O Guia do Hipster (2003), o crítico Robert Lanham lembra que, durante os anos 2000, tornou-se cada vez mais comum entre jovens hipsters usar camisetas de malha vermelha com a face de Che Guevara impressa em silk-screen, por exemplo, em uma referência clara ao comunismo, em virtude da rebeldia e da luta contra as injustiças sociais. Adotar comportamentos que fogem ao padrão social, como os que remetem à homossexualidade, também são na opinião do autor outra pista do estilo hipster de ser. Se já beijou alguém do mesmo sexo e frequentemente traz isto à uma conversa casual, ainda que eles não sejam necessariamente gays, há uma grande possibilidade de ser um hipster (op. Cit, 2003, p. 52). Vale dizer que, diferente de outras tribos urbanas, eles não têm local específico de encontro, como punks que tem como cenários ritualísticos cemitérios e igrejas, ou como skaters que dão show de habilidade sob rodas em praças públicas, ou clubbers frequentadores de festas rave, sem contar os surfers nas areias da praia e os rockeiros em bares e shows de rock. Os hipsters não freqüentam um lugar específico. Pelo contrário, podem estar em todos os lugares e ter idades variadas, o que os confere uma organização social pouco burocrática e de difícil localização territorial. Por outro lado, qualquer um pode ser visto como hipster na medida em que resgata seus Ray-bans, vista seus coletes por cima da camisa de malha, rasgue suas calças jeans e tenha visão política assumidamente não-reacionária. Nas palavras de Greif, o hipster é: aquela pessoa que, sobrepondo-se à desistência intencional ou não intencionalmente, o indivíduo desclassificado o novo boêmio, o vegan [vegetariano], o ciclista ou skate-punk, o candidato a vinte e poucos anos de colarinho azul [jovens artesão que se optam por não se submeter à condições empregatícias do mercado] ou pós-racial, o artista morto de fome ou estudante que na verdade se alinha tanto com uma subcultura rebelde quanto com a classe dominante e, consequentemente, abre-se a uma conduta venenosa entre os dois (GREIF, 2010, p 1.). Segundo artigo intitulado Hipsters, publicado na Time Entertainment, o hábito deles é marcado por camisetas silk-screen com citações de filmes que você nunca ouviu falar e [são] os únicos na América que ainda pensam que Pabst Blue Ribbon é uma boa cerveja (FLETCHER, 2009, p. 1). 4

O termo Hip, por sua vez, pode ser visto como a representação do movimento de quadril, em negação a um pensamento dominante. Foi insistir, de forma puramente simbólica, sobre o conhecimento que eles possuíam antes de mais ninguém (GREIF, 2010a, p. 2). O hipster, em sua renovação, refere-se a um ar de saber sobre as coisas antes de mais ninguém (op. Cit) e que tem sua frustração maior fundada na sua relação com as massas. É aí que reside a terna frustração moderna: eventualmente, as massas vão copiar você, no caso, o o estilo e comportamento do próprio hispter (LANHAM, 2003, p. 151). Todos hipsters praticam um jogo como sendo inventores, ou os primeiros a adotarem uma inovação: o orgulho vem do conhecimento e decisão do que é cool em vantagem do resto do mundo (GREIF, 2010a, p. 2). Entretanto, a sociologia hipster pensada por Grief, a partir de Pierre Bourdieu, mostra que: Os resultados estatísticos [a partir da pesquisa realizada por Bourdieu e publicada no livro de 1979] foram marcantes. As coisas que você prefere gostos que você costuma imaginar como pessoais, únicos, justificados apenas pela sensibilidade correspondem rigorosamente à definição de medidas de classe social: sua profissão, seu mais alto grau de instrução acadêmica e a profissão do seu pai (BOURDIEU In: GRIEF, 2010b, p. 1). Tal preocupação em estudar esta proposta de dominação intelectual que parte de Grief, pode ser compreendida pelo número de manifestações hostis à cultura pela Internet, e que justifica o fato de poucos indivíduos se reconhecerem como membros desta tribo. Em um dos capítulos de seu artigo, o autor considera a possibilidade de acordá-los de um possível sonho que nunca se concretizaria, tal como também considera Canevacci. O movimento hipster começa a perder força a partir de seus próprios emblemas que, talvez, denunciam a falha no engajamento e adesão de novos adeptos e acusam sua dependência de mercado, quando utilizam objetos típicos da cultura de massa ainda que não deste tempo, mas de um passado não muito distante, como adornos. Por que se importar com um estilo de vida que todos já conhecem? [Teoricamente isto] garante a polinização de um grande público, com as sementes roubadas da contracultura. Reconhecidamente, [as contraculturas] tem sido descascadas de significado. Mas não poderia um jovem de 12 anos de idade cheio de Googlehabilidades descobrir o que eeste termo [contracultura] originalmente representa? (GRIEF, 2010a, p. 1) 5

Já que se torna um trabalho relativamente impossível localizar jovens que assumem este estilo de vida, uma vez que tal tribo dificilmente se manifesta espontaneamente, podemos, por outro lado, identificar grupos anti-hipsters em páginas na internet, redes sociais e blogs, em busca de uma representação, ainda que irônica, de seu estilo. Podendo ser concebidos como sistemas de interpretação da realidade fundamental da vida social, marcada pelo dualismo existente entre as interações individuais e coletivas (MOSCOVICI, 2001), um estudo do caso, através das redes sociais Facebook e Tumblr, permite-nos compreender de forma mais objetiva essas relações já que, não são os substratos sociais mas as interações importantes para o processo de compreensão de um todo. Assim, as redes sociais, quando compreendidas como plataformas que permitem a coleta de dados e a observação objetiva das interações entre hipsters e não-hipsters, permitenos, ainda que em âmbito virtual, compreender um pouco mais do que ocorre neste universo. ANTI-HIPSTERS VIA REDE No Facebook, uma das redes sociais mais utilizadas no mundo (2012) existe uma página específica sobre a temática, cujo objetivo é ironizar a cultura. O canal Hipster da Depressão atraiu 34.434 adeptos e tem mais de 77 mil comentários publicados por usuários. O acesso ao canal é livre. Por meio de imagens que remetem ao retrô publicadas diariamente, os moderadores da página trazem sugestões de citações feitas por hipsters, como críticas a diversos temas cotidianos. Para ilustrar o engajamento destes jovens a um posicionamento anticapitalista, por exemplo, o grupo publicou: não uso instagram [aplicativo para aparelhos da linha smart], envio fotos via mms [mais conhecido como sms]. Acho vintage!, em uma menção ao fato de abdicarem de novas tecnologias em favor de outras mais arcaicas. Em outra frase reiteram a fuga do cotidiano massificado e a adoção de um ambiente cultural erudito, isto é, consumido pela elite social: sou super underground. Por isso minha palavra favorita é mainstream. O underground é um termo usado pra designar um ambiente da cultura que foge aos moldes capitalistas e espetaculares, tal como proposto pelas mídias de 6

massa, ao contrário do mainstream, que seria um ambiente onde um gosto comum da maioria das pessoas é compartilhado. Já a publicação: Sou contra, mas espera, preciso me decidir sobre isso primeiro, reafirma a perda de origem das idéias que hipsters tem acerca de questões políticas e econômicas que cercam nosso cotidiano sendo esta a consagração anti-hipster da certeza de um movimento falho em suas raízes ideológicas. No site do canal de televisão MTV Brasil, um dos mais representativos da cultura jovem urbana ocidental, um Tumblr intitulado Hipster Cafona também é utilizado por antihipsters que comunicam sua ironia ao estilo, por meio da publicação de fotografias de jovens fotografados em festas na noite de São Paulo. Tendo sua última atualização em maio de 2007, em uma das primeiras, os autores zombam do excesso de tatuagens de uma jovem que se exibe para a câmera na pista de dança: Amigue que tatuagem errada é essa, que parece mais um monte hematoma?! E ESSE SOUTIEN DANDO O AR DA GRAÇA? A gente ATORA A FUNHOUSE [boate paulistana] por causa dessas coisas (10/04/2007, p. 1). Além de ironizar os esses excessos da juventude, materializados nas tatuagens da jovem, não identificada no blog nenhum dos fotografados são, ornamentar o texto com palavras em francês, língua ainda pouco disseminada entre jovens de grandes metrópoles brasileiras, representa o domínio do idioma pelos adeptos da tribo, em uma menção à sede de querer saber mais que os outros (GRIEF, 2010a, p. 2). A referência a ícones da cultura de massa, por sua vez, é também criticada em outro post: Adoramos essa versão COSPOBRER de Lady Gaga. E a gente achando que os chineses eram os maiores copy-paste (14/04/2007, p. 1). O cospobrer a que se referem é um jogo de palavras com o conceito cosplay, surgido nos anos 2000 e que representa, nada mais, que a união entre costume (roupa) e play (jogo) por meio do qual fãs de mangá, desenhos em quadrinhos japoneses que se tornaram febre na cultura ocidental, vestem-se tal como seus ídolos. No caso da publicação, o deboche se refere à junção entre o cos e sua versão pobre. Desta vez, as camisas silk-screen de bandas são o alvo: Taí uma combinação CAFONA: Camiseta do Iron com Purpurina na cara. Bee, decida-se: ou você é do METAU 7

ou você é purpurinada! Duas INFLUENÇAS não podem ocupar o mesmo corpo! (05/05/2007, p. 1). Os textos adornados com erros de gramática são mais um tripúdio, a fim de condenar a superioridade de hipsters e sua constante fama de sabe-tudo, além, é claro, da referência às relações homossexuais entre adeptos do estilo. Em suma, os posts do blog transformam em humor um universo ridículo ao qual hipsters são constantemente lançados. Grief considera que esta tribo teve seu auge em meados dos anos 2000, mas que teve seu fim decretado a partir do momento em que teve seus ideais sobrepostos pela constante depedência de consumo a que se acometeram cidadãos das grandes metrópoles urbanas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio desses dois veículos de comunicação, como analisados no presente artigo, por meio do qual opiniões são livremente compartilhadas, podemos observar de forma clara como se dá as relações entre-tribos, suas diferenças e divergências, além de semelhanças impressas no estilo de ser hipster. Ainda que não assumidamente, eles tentam reviver, não só uma década que ideologicamente é impossível de ser resgatada em sua prática, mas que denuncia uma insatisfação com um sistema e pensamentos da contemporaneidade. Hipsters consideram, com sua vestimenta arcaica, que a promessa de um mundo novo, tal como proposto pela modernidade, não vigorou pela terra. Este movimento de resgate, que tenta reviver o passado, além de uma mera celebração, também sugere a adoção de objetos e comportamentos de tempos em que se parecia ter algo que não se tem no mundo atual. A afirmação identitária, marcada pela adoção de hábitos, comportamentos e objetos específicos que se transformam em plataformas comunicacionais, e sua observação proposta no trabalho pelas redes sociais da internet talvez represente um pequeno recorte desta ampla e complexa cadeia de sentimentos pertencentes ao sujeito das grandes metrópoles. Marcado por um sentimento de crise esses indivíduos tentam, a todo momento, deslocar-se para um lugar ideal mas que, repentinamente, confronta-se com divergências. 8

Trata-se de um pequeno resquício, mas não por isso pouco significativo e representativo, de uma relação social marcada por encontros e desencontros. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CANCLINI, N. G. Culturas Híbridas. : estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 2000. CANEVACCI, M. Culturas extremas: mutações juvenis nos corpos das metrópoles. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. CERTEAU, M. A Invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. GREIF, Mark. What was the Hipster? A sociological investigation. United States: n+1 Foundation, 2010. LANHAM, Robert. The Hipster Handbook. United States: Anchor, 2003. 1ª Edição. MAFFESOLI, M. A parte do diabo. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2004. MOSCOVICI, F. Desenvolvimento Interpessoal. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1998. PEREIRA, C. A. M. O que é contracultura. São Paulo, SP: Ed. Brasiliense, 1992. 8ª Ed. REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS FLETCHER, Dan. Brief History: Hipsters. http://www.time.com/time/arts/article/0,8599,1913220,00.html, acessado em 20 de junho de 2012. 9

GREIF, Mark. The Sociology of the Hipster: The Hipster In The Mirror. The New York Times. 12/11/2010. http://www.nytimes.com/2010/11/14/books/review/greif-t.html? pagewanted=2&_r=1 acessado em 21 de junho de 2012. 1