Frodo: o herói de O senhor dos anéis

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Transcrição:

Frodo: o herói de O senhor dos anéis ^ Érika Aparecida Góis Davi Fernandes Costa ^ RESUMO O presente artigo tem como tema a jornada do herói e como objetivo o levantamento dos arquétipos que compõem a figura heróica, segundo J. Campbell, no livro O herói de mil faces, na personagem Frodo, na obra O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien. Como método foi utilizado o levantamento bibliográfico de obras selecionadas de Tolkien e Campbell. Após a análise dos dados, concluímos que Frodo pode ser classificado como principal herói da obra, de acordo com as teorias de J. Campbell. 115

^ ABSTRACT The aim of this article, whose theme is the hero s journey, is to study the heroic archetype that make up the character Frodo of The Lord of the Rings, by J. R. R. Tolkien. For that, we base our work on the oretical ideas of Joseph Campbell present in The hero with a thousand faces. After analyzing the data, we concluded that Frodo can be classified as the hero of the opus, according to the theories of J. Campbell. ^ PALAVRAS-CHAVE Herói - O Senhor dos Anéis - Frodo. ^ Key words Hero - The Lord of the Rings - Frodo 116

Introdução O presente artigo tem como objetivo demonstrar, a partir das teorias de Joseph Campbell, discutidas em O herói de mil faces, que na obra O Senhor dos Anéis, de John Ronald Reul Tolkien, a personagem Frodo é a detentora das características que compõem o arquétipo heróico. Para isso, aplicaremos os conceitos campbinianos em cada etapa da jornada que Frodo enfrenta rumo a Mordor. Cada uma dessas etapas se assemelha a um dos aspectos desenvolvidos por Campbell para descrever a figura heroica. São elas: O chamado da aventura; O auxílio sobrenatural; A passagem pelo primeiro limiar; O caminho de provas e A passagem pelo limiar do retorno. Os chamados da aventura O chamado da aventura é um acontecimento que coloca o possível herói em uma situação de escolha. A personagem é convocada a decidir se permanece na segurança de seu lar, ou se aceita o desafio de aventurar-se por um mundo desconhecido. O chamado pode chegar à personagem por diferentes maneiras, a mais comum é por meio do Arauto da aventura, que é uma espécie de mensageiro responsável por incitar o herói a participar da jornada e aconselhálo. Quanto à personagem Frodo, peculiarmente, veremos que ela recebe dois chamados. Frodo Bolseiro é um hobbit, ou seja, pertence a um ramo da raça humana que se diferencia principalmente pela estatura, pelos pés peludos e por seu coração puro, semelhante ao de uma criança. Os hobbits costumam viver pacatamente em lugares isolados do restante do mundo. E assim acontecia com Frodo: morava em um pacífico condado com seu tio Bilbo. Numa bela noite, Bilbo Bolseiro comemorava seu onzetésimo primeiro aniversário quando desapareceu durante seu discurso de agradecimento. Procurando por seu tio, Frodo vai para casa e encontra o mago Gandalf, que o 117

espera com uma mensagem e um envelope. O envelope contém um anel que Gandalf diz ser O Anel de Sauron, O Anel do Poder. E a mensagem pede a Frodo que leve O Anel para longe do condado. Gandalf representa o Arauto da Aventura, aquele que traz consigo O Chamado e explica a importância da missão requerida. Já o segundo chamado ocorre quando Frodo se encontra em Valfenda, participando do Conselho de Elrond, cuja intenção era determinar quem seria o portador do Anel até Mordor, único lugar em que o mesmo poderia ser destruído. Vendo a discórdia que imperava entre os integrantes do Conselho, Frodo se candidata a levar o Anel até o Fogo da Montanha da Perdição. Aparentemente, o hobbit era o menos indicado à missão, devido à presença de seres como Gimli, mestre dos anões, Legolas, elfo príncipe da floresta, Aragorn, herdeiro do reino de Gondor, entre outros. A atitude inesperada, de tomar a frente na jornada, beneficiará Frodo futuramente com o auxílio sobrenatural, como veremos a seguir. O auxílio sobrenatural O primeiro auxílio sobrenatural que Frodo recebe vem pelas mãos do mago Gandalf. Gandalf é um Maia, um espírito, semelhante a um anjo, que, enviado por Ilúvatar o Único, tem o objetivo de organizar e auxiliar elfos e homens na luta contra Sauron. Sua imagem evoca uma impressão de sabedoria milenar devido a seu aspecto decrépito, semelhante a um ancião, bruxo, eremita ou curandeiro. O mago é a base da Sociedade do Anel, é quem demonstra conhecer melhor os caminhos e suas armadilhas e assim se torna um guia, um líder. É Gandalf que transmite a Frodo a certeza de estar fazendo a coisa certa. Ele aconselha Frodo, indica o melhor caminho até O Pônei Saltitante, nomeia como escudeiro o Hobbit Samwise Gamgi e orienta Frodo pelos caminhos rumo a Mordor, até sua queda nas Minas de Moria. 118

Com a morte de Gandalf, há uma desorientação de todo o grupo que compõe a Sociedade do Anel, mas Frodo é o mais afetado pela perda do mago. Sente-se desprotegido e solitário. Nesse momento Frodo se dá conta de que, pela primeira vez, está sozinho em sua missão, solidão essa que dará início ao processo de amadurecimento pelo qual Frodo precisa passar. A relação existente entre Frodo e Gandalf é de extrema confiança e essa é uma das principais características do relacionamento do herói com seu auxiliador. Reforçando o sentimento de solidão de Frodo, aparece Galadriel, rainha élfica e próximo auxílio sobrenatural, que previne o Hobbit do quanto sua condição de portador do Anel o separa do restante de seus companheiros de jornada. Galadriel é um dos seres mais antigos da Terra Média, seu enorme poder impressiona os membros da Sociedade do Anel logo que entram em Lóthorien. Todos têm a impressão de que a rainha élfica pode ler pensamentos e desvendar o coração dos homens. Sua imagem clara e luminosa representa, a um só tempo, a conselheira, embora rejeite esse rótulo; a mãe, aquela que protege e guia, lembrando, inclusive, a principal imagem de mãe do Catolicismo que é Nossa Senhora; a humildade, pois não demonstra todo o poder que possui; a resistência contra o mal, ao negar o Anel que Frodo lhe oferece; e, finalmente, representa e insufla a idéia de que vale a pena lutar pelas coisas belas que há no mundo e por uma terra mais justa. É de Galadriel agora o papel de auxiliadora sobrenatural do herói Frodo. Será ela quem o Hobbit invocará nos momentos difíceis. Quando, na partida de Frodo para Mordor, ela o presenteia, entrega a ele um frasco que contém a luz de Eärendil, líquido capaz de iluminar os lugares mais escuros, e dá a ele também os pães élficos, alimento especial para viagem capaz de sustentar um homem adulto por um dia inteiro com apenas uma mordida, além de ser um presente que os elfos só dão para amigos íntimos. Uma possível interpretação para os pães élficos seria a relação entre eles e a hóstia, elemento que os católicos usam para entrar 119

em comunhão com Deus. O pão élfico não é apenas um alimento, assim que é mordido uma energia muito grande preenche quem o come e traz-lhe sensações da terra élfica, criando uma comunhão entre quem come o pão e a terra sagrada dos elfos. Além disso, a hóstia também é chamada de o pão da vida. A passagem pelo primeiro limiar Depois do encontro com o Arauto, o chamado da aventura e os auxílios sobrenaturais, a personagem se depara com o guardião do primeiro limiar. Esse guardião defende as fronteiras do mundo. Para que o herói prossiga em sua jornada deve passar por ele. Tudo que está além dos limites do guardião são trevas, perigos e situações desconhecidas. Cabe, portanto, ao guardião mostrar à personagem se ela realmente está disposta a ultrapassar esses limites. Campbell afirma que a personagem comum está totalmente satisfeita com sua vida cotidiana e geralmente sente até orgulho dessa eventual tranquilidade. A partir do momento que ultrapassa esses limites o herói se vê desprotegido e a mercê de seu próprio inconsciente, que agora pode despertar e trazer à tona os piores medos e frustrações do herói. Na obra, esse guardião é representado por Galadriel, que coloca Frodo diante de situações difíceis, as quais terá de transpor para o sucesso da missão. A guardiã o previne de que uma possível falha acarretará na destruição de toda a vida livre da Terra Média. Há nesse encontro com o guardião do limiar uma espécie de desafio. É nesse momento que o herói se depara verdadeiramente com a real situação que está para enfrentar, se até o momento ele não estava certo do que poderia acontecer, após o encontro, o herói tem contato real com os riscos e obrigações que estão por vir. Então a personagem se deparará com seus próprios limites e aprenderá que tentar ultrapassá-los de maneira irresponsável poderá levá-la à ruína. Portanto, nesta passagem, o objetivo é que o herói tome consciência 120

de seus limites e falhas, adotando assim uma postura humilde e cautelosa que possa ajudá-lo na jornada. Essa atitude o torna mais forte e responsável, deixando-o consciente da importância da concretização de seu objetivo. O caminho de provas Após a passagem pelo primeiro limiar, o herói começa a enfrentar uma sequência de perigos e desafios que a jornada lhe impõe. Durante a realização dessas provas toda a ajuda será aceita e necessária: amuletos, conselhos e tudo que tiver ligação com o auxílio sobrenatural. Com essa ajuda sobrenatural Frodo perceberá um poder benigno a seu favor. No decorrer dos perigos do caminho de provas, o herói se indagará sobre questões dualísticas como bem e mal, luz e trevas. Perceberá, em seu íntimo, que o mundo gira em torno dessas questões, que, inclusive, também residem dentro dele. Dessas indagações e percepções Frodo, o herói, sairá purificado. Conforme ultrapassa as barreiras que lhe são colocadas, vislumbra a recompensa que poderá obter se completar sua missão, já imagina o Condado repleto da tranquilidade e liberdade conquistadas graças a seus esforços. A passagem pelo limiar do retorno Há, segundo Campbell (2005, p.213), uma diferenciação entre mundo humano e mundo divino. A aventura que Frodo vive passa-se no mundo divino, um mundo em que as coisas acontecem de maneira diferente do cotidiano, em oposição ao mundo real, representado na obra pelo Condado, lugar em que não ocorrem mágicas, nem grandes feitos. Lá as pessoas estão tão acostumadas com seu modo de vida e habitat que, quando Frodo completa sua 121

missão e volta para sua terra, é visto por essa gente como alguém que voltou da morte ou de um mundo mágico. Após o retorno é necessário ao herói encontrar um ponto de equilíbrio entre o conhecimento adquirido no mundo mágico e a vida cotidiana do mundo convencional. A tarefa de transmitir a sabedoria adquirida se mostra difícil e a personagem se vê deslocada em seu antigo lar. Nesse limiar não é raro o fracasso. Após a aventura e o contato com algo maior, ter de voltar para um mundo que não compreende tais aspectos torna-se muito difícil. Frodo percebe que seu lar já não é o mesmo, até porque ele também não o é. Entrar, então, de volta nesse mundo real de banalidades e confusões torna-se um sofrimento enorme. Por isso quando volta ao seu lar, pelo qual tanto lutou, o Hobbit acaba não se adaptando à sua antiga vida e retorna ao mundo mágico, deixando, assim, o mundo que salvou para as pessoas que ama e não usufruindo a vitória tão duramente alcançada. Considerações Finais Após a análise dos conceitos campbinianos na obra, podemos concluir que Frodo se encaixa nos arquétipos discutidos em O herói de mil faces como o principal herói de O Senhor dos Anéis. Contrariando as interpretações que apontam a falha de Frodo e o desclassificam como herói, percebemos que nem há falha, tendo por base toda a influência que o Anel exerce sobre o portador. No momento em que Frodo toma o Anel para si, o mesmo já está transformado em um instrumento da vontade divina, assim como Gollum e o próprio ambiente. Mas essa providência só é realizada devido à jornada que Frodo cursou com excelência até ali. Como prêmio à sua bondade e perseverança, o Anel é finalmente destruído no fogo da Montanha da Perdição. 122

^ referências CAMPBELL, J., O Herói de Mil Faces. São Paulo. Cultrix/Pensamento. CARPENTER, H., AS Cartas de J. R. R. Tolkien (org.). Curitiba. Arte & Letra, 2006. CARTER, L., O Senhor do Senhor dos Anéis. Rio de Janeiro. Record, 2003. DURIEZ, C., O Dom da Amizade. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 2003. KYRMSE, R., Explicando Tolkien. São Paulo. Martins Fontes, 2003. LÓPEZ, R. S., O Senhor dos Anéis e Tolkien. São Paulo. Devir: Arte & Ciência, 2004. TOLKIEN, J. R. R., Contos Inacabados. São Paulo. Martins Fontes, 2002. TOLKIEN, J. R. R., O Hobbit. São Paulo. Martins Fontes, 2003. TOLKIEN, J. R. R., O Senhor dos Anéis. São Paulo. Martins Fontes, 2003. TOLKIEN, J. R. R., O Silmarillion. São Paulo. Martins Fontes, 2006. WHITE, M., Tolkien. Rio de Janeiro. Imago, 2001. A autora é graduada em Letras pela Universidade Camilo Castelo Branco. O autor é graduado em Letras pela Universidade Camilo Castelo Branco. 123