ENTREVISTA. Acta Semiotica et Lingvistica entrevista a Profª Drª Ieda Maria Alves - Universidade de São Paulo USP.

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Transcrição:

ENTREVISTA Acta Semiotica et Lingvistica entrevista a Profª Drª Ieda Maria Alves - Universidade de São Paulo USP. Professora titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase nos estudos do Léxico, atuando principalmente nos seguintes temas: Neologia, Lexicologia, Terminologia e Lexicografia. ASEL Profa. Ieda, a senhora poderia apresentar à revista Acta Semiótica et Lingvistica sua formação acadêmica? O que a levou a tornar-se a grande estudiosa em lexicologia que é hoje? IEDA ALVES Minha trajetória profissional foi muito influenciada pelo amor à língua francesa, que me foi transmitido por professores desse idioma que tive no decorrer do ensino fundamental e médio, cursados em Santos, cidade onde nasci. Frequentei cursos regulares e os vinculados à Université de Nancy, na Aliança Francesa de Santos, o que intensificou meu interesse pela língua e pela civilização francesas. Esse interesse levou-me a optar pelo curso de Letras, que cursei também em Santos, na então Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Santos, hoje parte da Universidade Católica de Santos. Na Faculdade, tive excelentes professores de Língua e Literatura Francesa e da iniciante Linguística, o que determinou minha opção profissional: tornar-me professora de Francês. Dei aulas de Francês desde o terceiro ano da Faculdade. Essa oportunidade possibilitoume postular uma bolsa de estudos na França e assim, dois anos após o término do curso de Letras, em 1971, fui contemplada com uma Bourse d'enseignements junto à Université de Franche-Comté, concedida pelo Ministère des Affaires Etrangères do governo francês para professores de Francês. Fui viver em Besançon, cidade situada nas montanhas dos Vosges e próxima da fronteira suíça, na época muito conhecida por seu prestigiado Centro de Linguística Aplicada. Em Besançon, tive a oportunidade de assistir aos seminários de Lexicologia, que, em nível de Mestrado e Doutorado, eram ministrados pelo Prof. Bernard Quemada, especialista nos estudos lexicais. Tendo conseguido mudar meu programa de estudos, dediquei meu primeiro ano escolar vivido na França ao curso de Lexicologia Francesa e 157

à dissertação de Mestrado. Essa dissertação, denominada Les anglicismes dans le langage de la radio et de la presse française. Etude comparative, foi dedicada aos empréstimos. Estudei comparativamente as interferências léxicas do inglês sobre o francês em dois corpora, de língua falada e escrita, semelhantes pelo conteúdo: informações e reportagens sobre assuntos da atualidade. Terminado o Mestrado, continuei meus estudos sob a orientação do Prof. Quemada e passsei a viver em Paris, como doutoranda da Université Paris 3- Sorbonne Nouvelle. Os anos vividos em Paris foram fundamentais para a continuidade de minha formação. Assisti a muitas palestras e convivi com jovens colegas que se tornaram linguistas renomadas, como Maria Teresa Lino, da Universidade Nova de Lisboa, Maria Helena Carreira, da Université Paris 8, e Anna Anastassiadis-Symeonidis, da Université Aristote de Thessalonique. Para a pesquisa de Doutorado, desejava continuar trabalhando na análise lexical e, após muita reflexão sobre a escolha do tema, decidi seguir a linha de trabalhos históricos que abordavam uma área de especialidade, a exemplo dos trabalhos de Peter Wexler (La formation du vocabulaire des chemins de fer) e de Louis Guilbert (La formation du vocabulaire de l aviation), e decidi-me pelo estudo da formação do vocabulário da Linguística: L'évolution du vocabulaire de la linguistique de 1853 à 1911. Fiz todas as pesquisas concernentes ao corpus de minha tese na Biblioteca Nacional de Paris, tendo ainda realizado consultas complementares na biblioteca da Sorbonne e na Biblioteca Municipal Sainte-Geneviève. Estudei a formação do vocabulário da Linguística desde 1853 - data em que, pela primeira vez, na língua francesa, é mencionado o termo linguística - até 1911, data do último curso ministrado por Ferdinand de Saussure. Consultei todas as obras registradas nos fichários da Biblioteca Nacional e nos catálogos das editoras e pude verificar a origem e a evolução do vocabulário da Linguística no período anterior ao reconhecimento dessa disciplina como ciência. ASEL Após tão fecundo período de estudos na França, como foi iniciar, no Brasil, a trajetória profissional? IEDA ALVES Retornei da França em meados de 1975 e, após ministrar aulas em escolas públicas e em faculdades privadas, ingressei, em agosto de 1976, na então denominada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília (Marília, SP) para ministrar a disciplina Teoria da Comunicação. No final desse ano, foi criada a Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho, depois denominada Universidade 158

Estadual Paulista (UNESP), à qual a Faculdade de Marília foi agregada. Permaneci na UNESP por quatorze anos. Como o curso de Letras de Marília foi extinto com a criação da UNESP, ao término das atividades do curso fui transferida para o Instituto de Letras, História e Psicologia de Assis, situado na cidade de Assis (SP), onde o curso de Letras foi mantido. Permaneci na UNESP até o início de 1990, ano em que passei a exercer atividades na Universidade de São Paulo. ASEL Como foi e como está sendo ser pesquisadora em Lexicologia? Quais os resultados desse trabalho? IEDA ALVES Desde meu ingresso na UNESP compreendi a indissociabilidade do ensino e da pesquisa, que se realimentam mutuamente. Tive a oportunidade de trabalhar com alunos de Iniciação Científica e, com a criação da pós-graduação em 1978, passei a ministrar, a partir de 1979, a disciplina Lexicologia Portuguesa junto à área de Filologia e Linguística, instituída no câmpus de Assis. Na Universidade de São Paulo, atuo junto à área de Filologia e Língua Portuguesa e tenho ministrado, sobretudo, uma disciplina do curso básico (Introdução ao estudo da Língua Portuguesa I), em que são enfatizadas a formação da Língua Portuguesa e a variação que ocorre no idioma, e a disciplina Morfologia. Na pós-graduação, tenho ministrado disciplinas em que são enfocados os estudos voltados à Neologia, à Lexicografia e à Terminologia. Tenho orientado mestrandos e doutorandos. Dentre os doutorandos, dois redigiram suas teses no âmbito de convênios de dupla titulação estabelecidos com a Universidade Nova de Lisboa. Minhas atividades de pesquisa estiveram sempre voltadas para os estudos do Léxico. Por ter ingressado na UNESP para ministrar a disciplina Teoria da Comunicação, minhas pesquisas enfocaram, inicialmente, o vocabulário da publicidade em revistas informativas contemporâneas, que correspondeu à primeira pesquisa que apresentei a uma Comissão de Regime de Trabalho. Analisei, nas revistas de atualidades Fatos e Fotos, Manchete, Veja e Visão, estudadas de julho/1976 a junho/1979, os neologismos dos anúncios publicitários referentes a diferentes áreas de especialidade, tendo observado que a maioria dos neologismos empregados constituíam formas derivadas (sobretudo prefixadas) ou recebidas por empréstimo. Dando continuidade a essa pesquisa, estudei, especificamente, os neologismos por empréstimo, em revistas de informação e atualidades (Amiga, Isto É, Manchete, Veja, TV Contigo) e em revistas mais direcionadas para o público feminino: de fotonovelas (Capricho, Grande Hotel, Sétimo Céu); de moda, culinária e conselhos para o lar (Claudia, Casa e Jardim, Desfile, 159

Figurino Moderno e Mais), analisadas, comparativamente, em dois períodos: de julho/1976 a junho /1977 e de julho/1982 a junho/1983. O estudo revelou que a maior parte dos empréstimos eram originários do inglês, sendo empregados preponderantemente sob a forma original, sem adaptações à língua portuguesa. Já nesse período de pesquisas sobre a publicidade passei a interessar-me por neologismos construídos com prefixos. A discussão histórica sobre o caráter da prefixação (entre a composição e a derivação), a concorrência entre sufixos e prefixos marcadores de intensidade (-íssimo / super-), a função prefixal por vezes assumida por formantes não reconhecidos como prefixais (não-fumante, megafunção, nanocarro) levaram-me a analisar especificamente a construção de neologismos com prefixos. Estudei, inicialmente, os neologismos prefixais em matérias de caráter político nos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo e nas revistas IstoÉ e Veja durante o ano de 1986 (por amostragem sistemática de 30%). Os prefixos foram agrupados de acordo com os campos léxicos da negação, do favorecimento, da posição, da temporalidade e da quantidade. As formações prefixadas neológicas inventariadas foram estudadas de acordo com os critérios morfológico (classe de palavra da unidade lexical neológica), semântico, sintático e pragmático. Esse estudo possibilitou-me abordar, também, a criação lexical em uma área de especialidade, a política. Esse primeiro estudo específico sobre a prefixação conduziu-me a um trabalho mais amplo sobre o tema, que representou minha tese de Livre-docência, defendida na Universidade de São Paulo em dezembro de 2000. Intitulada Um estudo sobre a neologia lexical: os microssistemas prefixais do português contemporâneo, foi baseada em um corpus constituído por 30% das revistas Veja e IstoÉ publicadas de janeiro de 1986 a dezembro de 1990. Essa pesquisa procurou responder às seguintes questões: Que características identificam os formantes prefixais? Que formantes do português devem ser incluídos entre os prefixais? Que características morfológicas, semânticas e sintáticas apresentam as unidades lexicais integrantes do corpus? As unidades lexicais neológicas formadas com prefixos revelam as mesmas características morfológicas, semânticas e sintáticas apresentadas pelas unidades lexicais já dicionarizadas do português? Estabelecemos como hipótese de trabalho, que comprovamos por meio do corpus estudado, as seguintes declarações: as formações neológicas constituídas contemporaneamente com formantes prefixais juntam-se aos mesmos tipos de bases encontradas nas unidades lexicais já incorporadas ao léxico português; os formantes prefixais constituem microssistemas significativos em que cada 160

prefixo tem seu valor semântico delimitado em relação aos demais; os formantes prefixais mais produtivos são também os que permeiam diferentes línguas de especialidade e ainda a língua geral; um formante prefixal pode exercer outras funções e constituir, nestes casos, uma forma homonímica de outro formante não prefixal; as formações neológicas constituídas contemporaneamente com formantes prefixais no português brasileiro apresentam, de maneira geral, as mesmas características morfológicas, semânticas e sintáticas reveladas pelo português europeu e pelas demais línguas românicas; algumas das características apresentadas pelos formantes prefixais do português brasileiro e das demais línguas românicas chegam a essas línguas por intermédio do inglês e constituem um empréstimo desse idioma. Os estudos de caráter terminológico também têm sido bastante abordados em minhas pesquisas. Iniciei, em 1989, um projeto terminológico dedicado a várias áreas de especialidade Psicologia, Economia, Inteligência Artificial, Ciências Agrárias intitulado Observatório de neologismos científicos e técnicos do português contemporâneo. Esse projeto teve a finalidade de coletar, analisar e difundir aspectos da neologia geral e da neologia científica e técnica do português contemporâneo do Brasil e, ainda, a de elaborar glossários e dicionários terminológicos em algumas das áreas estudadas. Logo me dei conta de que estudar diferentes áreas de especialidade era uma tarefa difícil e optei pelo estudo de apenas duas terminologias, a Inteligência Artificial e a Economia. Esta última é, atualmente, a única área estudada, conjuntamente com a terminologia do Desenvolvimento Sustentável, que tem, como um de seus três pilares, a Economia. Os objetivos do Projeto, que passou a chamar-se Observatório de neologismos do português brasileiro contemporâneo (Projeto TermNeo), foram ampliados: contribuir para o desenvolvimento da pesquisa em Terminologia no que concerne ao estudo da neologia técnico-científica; à elaboração de glossários e dicionários terminológicos; ao estabelecimento de critérios para a elaboração de definições terminológicas e de verbetes; ao estudo comparativo de corpus (de divulgação e especializado) quanto à observação da variação terminológica, da formação de termos metafóricos e do emprego de empréstimos; à utilização de bases textuais para aplicações terminológicas; contribuir para o desenvolvimento da pesquisa em neologia geral no que concerne ao estudo da formação de unidades lexicais neológicas; dos processos de formação mais usuais; dos elementos afixais (prefixos e sufixos) mais produtivos; da concorrência entre estrangeirismos e elementos vernáculos na evolução do léxico português. Destaco duas 161

publicações que sintetizam parte do trabalho que venho realizando no âmbito desse projeto: ALVES, I. M. Neologismo. Criação lexical. 3. ed. São Paulo: Ática, 2007; ALVES, I. M. (Coord.). Glossário de termos neológicos da economia. Cadernos de Terminologia 3. 2. ed. São Paulo: Humanitas, 2001. Ao Projeto TermNeo estão vinculadas a maior parte das dissertações e das teses dos mestres e doutores que formei. O Projeto tem também congregado vários alunos da Graduação, bolsistas de Iniciação Científica e, ultimamente, também bolsistas de Pré- Iniciação Cientifica, alunos do ensino médio de escolas públicas paulistas. Essa parceria com alunos de diferentes níveis sempre me proporcionou muita satisfação. Vários orientandos de IC tornaram-se também meus pós-graduandos, com trabalhos voltados para os estudos lexicais. Em função desse projeto, tenho obtido bolsas de produtividade do CNPq como também bolsas de IC (do CNPq, da FAPESP e da Universidade de São Paulo) para os graduandos que dele participam. Fui convidada pelo Prof. Ataliba Teixeira de Castilho a participar do importante Projeto Gramática do Português Falado, sendo responsável, juntamente com a Profa. Angela Cecília Rodrigues, pela organização do volume A construção morfológica da palavra. São Paulo: Contexto, 2015. v. 6. Os resultados obtidos pelo Projeto TermNeo têm também permitido minha participação em dois projetos internacionais. Um deles, iniciado em 2013, é desenvolvido com uma equipe espanhola coordenada pela Profa. Iolanda Galanes Santos, da Universidade de Vigo, no âmbito do acordo Capes/DGPU. Denominado Valores culturais e didáticos na metáfora de especialidade: as múltiplas imagens da crise econômica mundial na imprensa escrita, estuda comparativamente um evento (a crise econômica mundial), com base em materiais extraídos da imprensa escrita contemporânea. Busca contribuir para o estudo da terminologia econômica no espanhol europeu e no português brasileiro e está elaborando, sob o formato de uma base de dados, um Dicionário da Crise Econômica Mundial (DiCEM) para servir de referência para o trabalho de terminológos, tradutores, intérpretes e mediadores culturais. Outro projeto, Neoveille, está sediado na França e tem o objetivo de estudar dois tipos específicos de neologismos: os empréstimos e a neologia semântica (ou neossemia). Iniciado em 2015 e coordenado pelo linguista Emmanuel Cartier, da Université Paris 13, França, o Projeto está desenvolvendo e colocará on-line uma plataforma de observação multilíngue (francês, português espanhol árabe, grego, polonês e checo) 162

destinada à coleta e ao seguimento dos neologismos a partir do fluxo de documentos provenientes da internet e de corpora diacrônicos já existentes. Pluridisciplinar, o Projeto associa competências em Informática (TAL), em Linguística (Lexicologia, Terminologia, Semântica), em Sociolinguística e sua realização representa a colaboração entre quatro laboratórios franceses, além do projeto TermNeo e da rede de neologia sobre o empréstimo EMPNEO, coordenada pelo estudioso da neologia Jean- François Sablayrolles. ASEL O que a senhora tem a nos falar sobre a atuação nas atividades de gestão? IEDA ALVES Tenho atuado também em atividades de gestão, por entender que essas atividades têm sempre o objetivo de subsidiar e aprimorar as atividades propriamente acadêmicas. Dentre as mais relevantes, menciono a chefia do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, a direção do Centro Interdepartamental de Tradução e Terminologia (CITRAT) e a coordenação, em três mandatos, do Programa de Pós-graduação em Filologia e Língua Portuguesa. 163