Revista EDIFICA. Teologia, Filosofia e Educação. Org: Ismael Forte Valentim Fábio Falcão Oliveira. Piracicaba - 2010.



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Transcrição:

Revista EDIFICA Teologia, Filosofia e Educação Org: Ismael Forte Valentim Fábio Falcão Oliveira Piracicaba - 2010 Editora DEGASPARI

ENSAIOS TEOLÓGICOS FANATEL FACULDADE NACIONAL DE TEOLOGIA - FANATEL Diretor: Reinaldo Faustino Silva Coodenador Pedagógico: Afrânio William Tegão Administrador: Moacir de Jesus Valentinuci REVISTA EDIFICA - FANATEL Organizadores: Ismael Forte Valentim Fábio Falcão Oliveira Conselho Editorial: Débora Costa Ramires Enoque de Lima Aruda Revisão de Edição: Maria Antônia Bueno Consane Revisão Normativa Ismael Forte Valentim Fábio Falcão Oliveira FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL Valentim, Ismael Forte / Oliveira, Fábio Falcão Edifica/FANATEL - Ismael Forte Valentim / Fábio Falcão Oliveira Piracicaba, SP : Degaspari, 2010. 210 p. ISSN: 2177-5834 1. Literatura brasileira - Teologia, Filosofia e Educação I. Título. CDU: 869.270 FANATEL Há 10 anos em Piracicaba, a Fanatel vem investindo na formação de homens e mulheres vocacionados para o reino de Deus. A Fanatel é uma instituição interdenominacional, comprometida com a seriedade do ensino teológico e secular, em busca da excelência e de uma vida melhor e mais digna para a nossa sociedade. O Curso de Teologia da FANATEL objetiva habilitar e formar pessoas comprometidas com os princípios da Palavra de Deus: com sólidos conhecimentos exegético-bíblico, sóciocultural, dotado de padrão ético-eclesial e profissional, que lhes permita compreender o meio onde atuarão, de tal modo que se sintam estimulados a contribuir para a preservação dos valores cristãos e da comunidade eclesiástica e a uma adequada administração da revelação divina. Além disso, pretende formar teólogos qualificados, utilizando o moderno conceito de ensino, no qual, todas as disciplinas do curso são organizadas por meio de eixos de conhecimento. A metodologia de ensino é estruturada considerando a necessidade de interdisciplinaridade. Tudo isso, sem interferir no entendimento doutrinário de cada igreja. Isso garante aos alunos, o aprendizado e o desenvolvimento de todas as habilidades exigidas pelas igrejas, através de um sistema de ensino lógico, sólido e efetivo, com total equilíbrio entre tudo que se ensina. O Curso de Teologia da FANATEL destina-se a todos aqueles que pretendem ser: pesquisador, pregador, orador, professor, conselheiro, líder dos mais variados grupos e departamentos da igreja, identificados com uma visão transcendente aos aspectos técnicos dessas competências, com capacidade para aplicar o conhecimento teológico, dotado de postura crítica, fornecendo os meios para sua melhor implementação. A análise sucinta da realidade atual mostra que o Curso de Teologia deve estar inserido em um contexto globalizante, não escapando, dessa forma dos intercâmbios que se produzem na arena mundial. Essa situação exige formação alicerçada em conhecimentos multidisciplinares, que caracterizará o obreiro aprovado (2 Tm 2.15) para assessorar e apoiar a igreja de Cristo bem como desenvolver uma forte sensibilidade social e consciência da formação também para a cidadania, capaz de responder às demandas e exigências de uma sociedade dinâmica e heterogênea. A FANATEL firmou parceria com a EST, uma das instituições credenciadas a realizar programa de integralização, para que, aqueles que se formaram ou se formarão, tenham seu diploma reconhecido pelo MEC. Sendo assim, a FANATEL passa a ser a primeira instituição regional a ter um curso de Teologia com o reconhecimento do MEC, através da integralização com a EST. A EST Estudos Superiores de Teologia, foi criada em 1946 e é o principal centro de pesquisa e formação teológica da IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil). Seu programa de Mestrado e Doutorado em Teologia é o único do país com a nota máxima junto a CAPES. Seu Bacharelado em Teologia, reconhecido com conceito máximo, foi o primeiro do Brasil a ser autorizado pelo MEC através da Portaria nº 285, de 09 de abril de 2008, publicada no Diário Oficial da União em 10 de abril de 2008. A FANATEL, através do lançamento da revista EDIFICA, dá mais um passo importantíssimo e relevante para a comunidade cristã, visando contribuir na ampliação do conhecimento teológico, filosófico e secular. Esperamos que a EDIFICA venha ser um divisor de águas para todos aqueles que amam o conhecimento. Um forte abraço, Reinaldo Faustino Silva Diretor da FANATEL 6 7

FANATEL APRESENTAÇÃO É com satisfação e responsabilidade que apresentamos à comunidade a Revista de Teologia e Filosofia da Faculdade Nacional de Teologia (FANATEL). Após longos meses de reflexão, debate e trabalho, concluímos o projeto que hora disponibilizamos aos/às interessados/as na reflexão teológica e filosófica. Trata-se de um material de informação, consulta e esclarecimento acerca de temas recorrentes em nossa cultura desde tempos imemoráveis. A FANATEL, com sua preocupação em formar homens e mulheres para servirem nos propósitos de Deus, com o apoio de instituições que valorizam a formação intelectual e cultural, lança-se nessa empreitada de oferecer o presente periódico. Após anos de atuação e experiência na área de formação teológica, esta reconhecida instituição expande sua rede de relacionamentos e serviços por meio desta publicação. Teólogos, Filósofos, Historiadores e Pedagogos foram convidados para darem sua contribuição produzindo artigos com o objetivo de disponibilizar aos/às leitores/as informações e reflexões valiosas para o exercício da fé cristã. Nesta revista o/a leitor/a encontrará artigos voltados para o estudo da Bíblia, com nível de profundidade e esclarecimento comprometidos com uma compreensão ampla dos textos sagrados. Temas como fé e graça na perspectiva da soterologia, as características de uma comunidade missionária, bem como sua responsabilidade frente à sociedade carente da presença de Deus e dos valores do Seu Reino, estão presentes nessa edição. Na perspectiva pastoral, temos artigos dedicados à compreensão e importância da educação cristã, as questões gênero a partir de uma abordagem inclusiva, o reconhecimento pastoral numa dimensão bíblica e histórica e o resgate da credencial do apostolado. Finalmente, o/a leitor/a encontrará reflexões bíblicas e pastorais envolvendo temas como casamento, espiritualidade, divindade e misticismo. 9

ENSAIOS TEOLÓGICOS FANATEL Esperamos que a mesma empolgação apresentada pelos articulistas na produção dessa revista possa acompanhar nossos/as leitores/as. O sentimento de missão cumprida, pelo menos para essa primeira edição, no sentido de oferecer à comunidade cristã um material de reflexão, conhecimento e estudo de qualidade, ficou evidente entre os escritores. Colocamos-nos à disposição para as críticas e sugestões, tendo em vista o aperfeiçoamento da revista. A todos/as, uma ótima leitura. Piracicaba, 19 de janeiro de 2010. Índice A Educação Metodista e sua Dimensão Libertadora Ismael Forte Valentim 13 Rabote: Uma Amagalma Chamado Jesus João Valério Scremin 31 Mulher, Esquecida da Teologia, Banalizada pelo Homem Fábio Falcão Oliveira 53 As Sementes de Abraão Uma Análise Exegética da Perícope de Gálatas 3. 23-29 Jesus Tavernard Júnior 77 A Formação do Filósofo e do Teólogo no Brasil de Quinhentos Afrânio Willian Tegão 97 Características de uma Igreja Missionária num Contexto Urbano: A Igreja de Tessalônica Josué Adam Lazier 127 Credenciais do Apostolado Enoque de Lima Arruda 141 Casamento, Romance e Espiritualidade no Antigo Testamento Reinaldo Faustino 151 O Ensino Religioso na Trajetória da Educação Brasileira Heliane H. Fernandes Rotta 173 Alexandre O Grande: Divindade, Mística e Religião Grega Myriam Cristina Fonseca de Oliveira 195 10 11

A Educação Metodista e sua Dimensão Libertadora A EDUCAÇÃO METODISTA E SUA DIMENSÃO LIBERTADORA I EDUCAÇÃO METODISTA Ismael Forte Valentim 1 A Igreja Metodista tem por tradição um envolvimento com a educação. Desde o seu fundador, John Wesley 2, no contexto da Inglaterra do século XVIII, o movimento metodista, como era chamado no início, nasceu a partir da preocupação de levar ao povo inglês uma mensagem de vida e restauração para a pessoa em sua dimensão plena, alma, mente e corpo, em que o processo de aprendizagem ocupava um lugar de destaque. A preocupação com a educação no meio protestante, a partir da educação cristã, está presente ao longo da história do movimento da Reforma Protestante. A contribuição dos metodistas evidencia-se pela 1 - Graduado em Pedagogia pela Faculdade Nogueira da Gama-SP. Bacharel em Teologia pela Universidade Metodista de São Bernardo do Campo-SP. Licenciatura Plena em Filosofia pela Faculdade Salesiana de Lorena-SP. Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Bernardo do Campo-SP. Doutorado em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba-SP. Atualmente diretor da Faculdade de Ciências da Religião na Universidade Metodista de Piracicaba. Professor da Faculdade de Conchas-SP e Professor da Faculdade de Ciências da Religião na Universidade Metodista de Piracicaba-SP, ministrando aulas de Teologia e Cultura. 2 - João Wesley, filho do Rev. Samuel e Susana Wesley, nasceu em 1703 na cidade de Epworth, Inglaterra. Sob a influência da mãe, João e seus irmãos foram alfabetizados na escola estabelecida na residência pastoral. Com uma infância marcada por dificuldades e privações, João Wesley ingressou no Christ Church College, em Oxford, aos 17 anos de idade, tornando-se fellow de Lincon em 1726. Como tal, tornou-se professor universitário, com a incumbência de coordenar debates estudantis e prelecionar sobre o Novo Testamento em grego. Após experiência frustrada como missionário na Geórgia (América do Norte) entre fevereiro de 1736 e o mesmo mês de 1738, retorna à Inglaterra questionando a sua conversão. Em 24 de maio de 1738, como o próprio João Wesley denominava, o dia do novo nascimento, marcou a vida deste sacerdote anglicano e do movimento liderado por ele e seu irmão Carlos Wesley, o qual daria origem à Igreja Metodista. (Reily, Duncan, A. Momentos Decisivos do Metodismo. São Bernardo do Campo, Imp. Metodista, 1991, pp. 17, 24, 30, 39 e 40). 13

Ismael Forte Valentim A Educação Metodista e sua Dimensão Libertadora intenção de oferecer uma formação às classes menos favorecidas, especialmente crianças. A este respeito, Reily (1981, p. 159) comenta: O movimento das Escolas Dominicais foi mais um passo na direção da educação popular. Os alunos das Escolas Dominicais não recebiam, geralmente, instrução nas matérias seculares senão indiretamente, mas aprendiam a leitura, e os mais inteligentes adquiriam conhecimentos gerais muito úteis. Desde o início, as Escolas Dominicais tinham valor cultural. Wesley dizia que elas afastavam as crianças dos vícios e ensinavam-lhes boas maneiras. A partir da segunda metade do século XIX, com a crescente disposição das igrejas históricas norte-americanas de enviar seus missionários para o Brasil (destacando-se a Congregacional, a Metodista e a Presbiteriana), muitas serão as estratégias e ênfases missionárias que acompanharão os pioneiros do protestantismo em nosso país. Em 1876, enviado pela Junta de Missões da Igreja Metodista Episcopal do Sul (EUA), chega ao Brasil John James Ranson, que procurou aprender o português a fim de pregar o Evangelho ao povo brasileiro. Marta Watts, educadora norte-americana, veio como missionária com uma tarefa especial, ou seja, a educação de crianças e de moças brasileiras. Com este intuito, fundou, em 13 de setembro de 1881, o Colégio Piracicabano, considerado o primeiro educandário metodista no Brasil. Contando com o apoio financeiro dos Estados Unidos e com fatores favoráveis desde o período da Regência Imperial e, depois, na implantação da República Brasileira, o Metodismo estabeleceu-se no país, especialmente no sul e sudeste. Tanto igrejas (paróquias), como escolas foram sendo estabelecidas, aproveitando estrategicamente os espaços que surgiam. Diante do crescimento do metodismo nacional, gerando, consequentemente, condições para assumir as responsabilidades financeiras e administrativas, em 2 de setembro de 1930, em sessão solene na Igreja Metodista Central de São Paulo, o Bispo Edwin D. Mouson, proclamou a autonomia da Igreja Metodista do Brasil. A Igreja Metodista do Brasil, como Igreja autônoma, começou a assumir seu lugar entre as igrejas, em nível nacional e mundial. Assim, ela aderiu à Confederação Evangélica do Brasil desde sua constituição em 1934. Semelhantemente, em fevereiro de 1942, o Concílio Geral aceitou o convite do Conselho Mundial de Igrejas (CMI em processo de formação), sendo assim a primeira igreja na América Latina a aderir ao Conselho (REILY, 1991, p. 100). A Igreja Metodista assume, de fato, sua autonomia a partir dos anos 70. Isso é evidente na elaboração dos novos Planos Quadrienais (diretrizes e metas estabelecidas pela denominação visando o desenvolvimento da missão em nível nacional) a partir de 1974, resultante essencialmente de pensadores brasileiros, e que levaram muito a sério a missão da Igreja Metodista no Brasil e na América Latina (REILY, 1991, p. 105). Em 1980, com a realização de um Seminário para tratar do tema Educação, a Igreja Metodista estabelece os fundamentos, diretrizes, políticas e objetivos para o seu Sistema Educacional. A partir de pesquisas em suas igrejas e instituições, o Conselho Geral da Igreja realiza um seminário na cidade do Rio de Janeiro, em julho de 1980. Como resultado deste evento, surge um documento denominado Fundamentos, Diretrizes, Políticas e Objetivos para o Sistema Educacional Metodista. O Documento segue para bases (igrejas e instituições metodistas) para avaliação e contribuições. A versão final do mesmo é encaminhado pelo Conselho Geral da Igreja Metodista ao seu XIII Concílio Geral. No referido Conclave, realizado em julho de 1982, o Documento é aprovado, estabelecendo-se, assim, as Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista, o qual integra o Plano para a Vida e Missão desta denominação, aprovado no mesmo Concílio Geral. Neste Plano, A Igreja Metodista entende a educação como parte da Missão. Constitui-se num processo que visa oferecer à pessoa e comunidade, uma compreensão da vida e da sociedade, comprometida com uma prática libertadora, recriando a vida e a sociedade, segundo o modelo de Jesus Cristo, e questionando os sistemas de dominação e morte, à luz do Reino de Deus. (Plano para a Vida e Missão da Igreja, 1983, p. 22). 14 15

Ismael Forte Valentim A partir da definição de educação expressa em seu Plano para a Vida e Missão, a Igreja Metodista define suas diretrizes educacionais voltadas para a libertação das pessoas e da sociedade. Para desenvolver este trabalho, a prática educativa da Igreja deve possibilitar a grupos e pessoas: - desenvolver a consciência crítica da realidade; - compreender que o interesse social é mais importante que o individual; - exercitar o senso e a prática da justiça e solidariedade; - alcançar a sua realização como fruto do esforço comum; - tomar consciência de que todos têm direito de participar de modo justo dos frutos do trabalho; - reconhecer que, dentro de uma perspectiva cristã, útil é aquilo que tem valor social. (Plano para a Vida e Missão da Igreja, 1983, p. 42) O Documento afirma, ainda, que a educação é um elemento presente na ação da Igreja Metodista em terras brasileiras, como instrumento de transformação social, visando a implantação do Reino de Deus. Esta educação acontece na família, na igreja, nas instituições de ensino, tanto teológicos como seculares. Em cada uma destas instâncias, há uma ênfase e objetivos específicos na ação e desenvolvimento educacional, destacando os valores preconizados por Jesus Cristo, a transformação da pessoa e da sociedade a partir de práticas comprometidas com a justiça, a solidariedade e o amor. Seguindo na mesma linha da educação secular, o Documento especifica a Educação Cristã como... um processo dinâmico para transformação, libertação e capacitação da pessoa e da comunidade. Ela se dá na caminhada da fé e se desenvolve no confronto da realidade histórica com o Reino de Deus, num comprometimento com a Missão de Deus no mundo, sob a ação do Espírito Santo, que revela Jesus Cristo, segundo as Escrituras. (Plano para a Vida e Missão da Igreja, 1983, p. 48) A Educação Metodista e sua Dimensão Libertadora Vale lembrar que o Documento foi elaborado e aprovado por um órgão máximo da Igreja Metodista, num contexto de grande turbulência política e econômica presente no início da década de 80, quando as manifestações em favor da democracia, principalmente no que se refere à participação política em termos de pluralismo partidário e o exercício do voto direto para todos os cargos públicos, a começar pelo presidente da República. Tudo leva a crer que a transformação da sociedade brasileira se fará principalmente por via da ação política, posto que, enquanto as relações de forças dentro do próprio sistema econômico evolui lentamente, os problemas engendrados pelas desigualdades sociais assumem gravidade alarmante. É verdade que a organização da população se faz mais facilmente quando esta é mobilizada em torno de reivindicações econômicas, cujo significado é facilmente percebido pelos grupos em questão. A organização política das massas requer um horizonte de solidariedade mais amplo, uma percepção da realidade que exige uma conscientização mais profunda. Portanto, é caminho mais difícil e mais longo. Mas pode ser o único para que uma sociedade escape a processos de polarização econômica e social, que a podem conduzir à anomia e à ruína. (FURTADO, 1981, p. 72 e 73). Em 1982, passados 18 anos depois do golpe militar, com a aprovação do seu Plano para a Vida e Missão, observa-se a intenção da Igreja Metodista de afirmar sua visão vocacional, particularmente na esfera educacional. Nesta direção, o documento afirma: A ação de Deus atinge, transforma e promove as pessoas, na medida em que as desafia a um relacionamento pleno e libertador com Deus e o próximo, para o serviço concreto na comunidade. A natureza do Reino exige compromisso do novo homem e da nova mulher e sua sociedade, na direção da vida abundante da justiça e liberdade oferecidas por Cristo. (Plano para a Vida e Missão da Igreja, 1983, p. 41) 16 17

Ismael Forte Valentim A Educação Metodista e sua Dimensão Libertadora Enquanto predominava a influência da filosofia liberal no processo de formação e aplicação do magistério, acentuando seus elementos fundamentais como a preocupação individualista com a ascensão pessoal, a acentuação do espírito de competição, o utilitarismo como norma de vida e a ênfase no lucro e aumento de capital, a Igreja Metodista entende, a partir dos seus documentos, que a prática educativa deve desenvolver a consciência crítica da realidade. O Professor José Marques de Melo (1996, 5, n 8, p. 30) participante do VII Encontro Nacional Metodista de Educadores, refletindo sobre o tema Educação, Cidadania e Modernidade, diz: Fortalecer a cidadania corresponde, no plano educacional, a formar profissionais competentes para o exercício das funções que lhes correspondem nos sistemas produtivos, incrementando o desenvolvimento das organizações geradoras de bens e serviços demandadas pela população, ampliando o consumo, gerando novos empregos. Além disso, embasando esses profissionais com princípios éticos, bagagem humanística e referencial crítico, no sentido de incentivá-los a participar ativamente das instâncias de poder da sociedade. O Plano para a Vida e Missão da Igreja Metodista, bem como as suas Diretrizes para a Educação, apresentam o seu compromisso educacional, evidenciando sua opção pela liberdade pessoal, a justiça social e a transformação do mundo. A expectativa pelo surgimento do Reino de Deus, na busca da vida plena no lugar das forças da morte. Neste sentido, as Diretrizes, afirmam que a ação educativa da igreja deverá: (...) proporcionar aos participantes condições para que se libertem das injustiças e males sociais que se manifestam na organização da sociedade, tais como: a deterioração das relações na família e entre as pessoas, a deturpação do sexo, o problema dos menores, dos idosos, dos marginalizados, a opressão da mulher, a prostituição, o racismo, a violência, o êxodo rural resultante do mau uso da terra e a exploração dos trabalhadores do campo, a usurpação dos direitos do índio, o problema da ocupação desumanizante do solo urbano e rural, o problema dos toxicômanos, dos alcoólatras, e outros. (Plano para a Vida e Missão da Igreja, 1983, p. 45) Nota-se que num contexto de luta pela redemocratização do país, de liberdade de expressão, de reorganização política e retomada do direito pleno de cidadania, a Igreja Metodista, através dos seus documentos, torna pública e oficial sua posição ao lado das pessoas vitimadas pelo regime autoritário, estabelecendo diretrizes acompanhando segmentos que esperam a reversão do estado autoritário e ditador para o democrático e participativo. A este respeito, o Bispo Metodista Paulo Aires Mattos (2000, p. 87) diz:: As Diretrizes aprovadas pelo Concílio Geral de 1982 tiveram como seu principal objetivo levar a Igreja Metodista a colocar seu projeto educacional a serviço das lutas sociais comprometidas com a construção de uma sociedade fundamentada nos valores da justiça social e com a defesa dos direitos humanos, numa solidariedade concreta com os setores marginalizados na sociedade brasileira. É neste cenário de muita euforia pela possibilidade de retomada da democracia no Brasil, como acontecia em outros países da América Latina, que observamos uma crescente expectativa de plena liberdade em todos os níveis. esta realidade é facilmente observada nos Documentos mencionados. Faz-se necessária uma crítica em relação aos documentos em questão, particularmente no que se refere à sua aplicabilidade das Diretrizes para a Educação nas diferentes esferas e instituições educacionais da Igreja Metodista. Mattos (2000, p. 85 e 86) apresenta uma análise crítica das Diretrizes: Foi imposto à Igreja e às instituições sem considerar a situação concreta das escolas da Igreja, não sendo por isso aplicável nem em sua administração nem em sua orientação pedagógica; 18 19

Ismael Forte Valentim A Educação Metodista e sua Dimensão Libertadora Demasiadamente ideológico e discriminatório contra as classes média e alta; Teologicamente não encontra respaldo na tradição metodista brasileira e esta contaminado pela teologia da libertação; O tipo de presença e atuação proposto para a Pastoral Escolar cria conflitos de competência dentro da instituição. Na mesma direção, em termos de concepção e aplicabilidade das Diretrizes, Mattos (2000, p. 86 e 87) comenta: Faltam eixos que possibilitariam uma teologia da Missão devidamente articulada para toda a Igreja; A hermenêutica bíblica é tradicionalista apesar de, teoricamente, o documento pretender desenvolver o método ver-julgar-e-agir ; A Igreja não formulou uma estratégia que viabilizasse pedagogicamente a implantação do documento; Apesar das suas pretensões críticas, em muitos aspectos chega a ser apologético quanto às possibilidades da educação metodista; Contraditoriamente acaba por ser demasiadamente diretivo sobre o que a educação libertadora deve fazer nas diferentes áreas de ação da Igreja; Não considera a relação fundamental da corporeidade com o processo educacional, inclusive considerando só os seres-comnecessidades e esquecendo-se dos seres-com-desejos ; Não aborda as questões colocadas pelo desenvolvimento mais recente das ciências e suas implicações éticas para o processo educacional; Não aborda (nem poderia abordar) as questões colocadas pelas novas tecnologias de ensino; É genérico, não tratando das questões específicas da escola forma, ensejando assim a omissão dos órgãos responsáveis; Está cheio de certezas, apesar de ser uma tentativa séria de se repensar a educação metodista; Foi o possível dentro das circunstâncias históricas e das limitações teóricas das pessoas que o produziram; Equivocadamente supervaloriza a educação como instrumento de transformação social; Não contempla de forma adequada as contradições entre o caráter privado da escola confessional e as propostas das Diretrizes em favor dos setores social e economicamente excluídos; Não considera a falta de pessoal docente e administrativo devidamente preparado para implantar as propostas das Diretrizes; Foi formulado num momento em que a conjuntura nacional e mundial apresentava características diferentes da atual; Teoricamente dá uma visão libertária do processo pedagógico, mas não tem força suficiente para motivar inovações educacionais, acabando por reforçar o imobilismo generalizado de muitas de nossas escolas; Não considera de maneira adequada as questões administrativas numa perspectiva não mercantilista. Ao apresentar sua crítica, Mattos levanta questões de fundo que merecem ser destacadas. Observando o conteúdo das Diretrizes, a educação é concebida numa dimensão ufanista, como se através dela, isoladamente, a sociedade experimentaria a superação de todos os males sociais. Numa perspectiva crítica, pode-se afirmar que os seus mentores exacerbaram do direito de sonhar. A contradição entre o caráter privado da escola confessional e a sua visão social da educação fica evidente tendo em vista os desafios financeiros que tal organização enfrenta para se manter. Esta questão torna-se cada vez mais crítica, à medida que os Governos, através do Ministério da Educação e pelas iniciativas sociais, limitam os recursos públicos aos estabelecimentos de ensino privados e desenvolvem uma política de acesso das classes empobrecidas à educação, em especial a de nível superior. A falta de uma estratégia pedagógica na implantação das Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista constitui-se num fator a ser destacado nesta análise. Curioso que um documento relacionado à Educação a ser observado nas instituições de ensino da Igreja não leva em conta a necessidade de uma política de implantação do mesmo, com seus indicadores e implicações. 20 21

Ismael Forte Valentim II EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DA LIBERDADE EM PAULO FREIRE A vida, escritos e prática de Paulo Freire são marcados por uma forte preocupação com o ser humano, a sociedade e a vida. A sua experiência teve início na cidade de Angicos, com o projeto de alfabetização para adultos. Contou inclusive com o apoio financeiro da Aliança para o Progresso 3, até que este percebesse a visão progressista do seu método de trabalho, especialmente no campo político e econômico. Isto contrariou os interesses colonialistas e imperialistas dos que apoiavam tal projeto, os quais não só retiraram o apoio como também taxaram tal programa como subversivo. O tema liberdade ocupa, como veremos, um lugar central na prática pedagógica de Freire. Em 1964, com a exoneração do então presidente João Goulart, acusado de defender interesses socialistas, contrariando os objetivos da oligarquia econômica e política da época, o alto escalão militar assume o comando do país com a tese de trazer ordem para a nação. Neste período, Paulo Freire experimenta dias difíceis, tanto em sua vida pessoal como na prática político-pedagógica. Em junho de 1964, na cidade de Recife, vem a prisão. Foram 70 dias que o próprio Freire denominou de traumáticos, percebendo que seria altamente arriscado permanecer no Brasil. Ele mesmo disse: Não tenho nenhuma vocação para herói. Acho que as revoluções, inclusive, fazem-se com gente viva e com um outro cara que morreu, mas não porque quis (GADOTTI, 1989, p. 54). Refugiou-se primeiramente na Bolívia, depois no Chile e daí parte para um período de intensas atividades acadêmicas e políticas, tendo com base 3 - A Aliança para o Progresso foi um programa de ajuda econômica e social dos Estados Unidos da América para a América Latina efetuado entre 1961 e 1970. A sua origem remonta a uma proposta oficial do Presidente John F. Kennedy, no seu discurso de 13 de Março de 1960 durante uma recepção, na Casa Branca, aos embaixadores latino-americanos. O discurso foi transmitido pela Voz de América em inglês e traduzido em espanhol, português e francês. Esta Aliança duraria 10 anos, projetando-se um investimento de 20 mil milhões de dólares, principalmente da responsabilidade dos Estados Unidos, mas também de diversas organizações internacionais, países europeus e empresas privadas. A proposta foi depois pormenorizada na reunião ocorrida no Uruguai, de 5 a 17 de Agosto, no Conselho Interamericano Econômico e Social (CIES) da OEA. A Declaração e Carta de Punta del Este foram ambos aprovados por todos os países presentes, com a exceção de Cuba. A Educação Metodista e sua Dimensão Libertadora a cidade de Genebra, na Suíça. Como consultor do Conselho Mundial de Igrejas, atua como conselheiro educacional de governos do Terceiro Mundo, participando de frentes populares, principalmente no continente africano, sem esquecer-se da América Latina, em especial o Brasil. A visão que Paulo Freire tem sobre o educador é de alguém extremamente envolvido com as questões ligadas à vida, seja da pessoa ou da sociedade em todas as suas esferas e instituições. Com esta visão, Freire escreve, em 1967, Educação como prática da liberdade, em que procura mostrar o valor e importância da educação numa sociedade marcada pela opressão, na qual o aprender não pode estar divorciado do processo que gera uma sociedade democrática, ou seja, aberta à participação de todos. A visão de liberdade tem, nesta pedagogia, uma posição de relevo. É a matriz que atribui sentido a uma prática educativa que só pode alcançar efetividade e eficácia na medida da participação livre e crítica dos educandos (FREIRE, 1994, p. 13). A educação como prática da liberdade, diferentemente da educação bancária 4, vê no educando um ser humano, com suas experiências, possibilidades e expectativas. O papel da Educação, para Freire, é revelar e aprofundar a dimensão humana do ser em processo de aprendizagem, bem como o processo de humanização da sociedade em que este estará vivenciando seu aprendizado. O sonho pela humanizacão, cuja concretizacão é sempre processo, e sempre devir, passa pela ruptura das amarras reais, concretas, de ordem econômica, política, social, ideológica, etc., que nos estão condenando à desumanizacão. O sonho é assim uma exigência ou uma condição que se vem fazendo permanentemente na história que fazemos e que nos faz e refaz. (FREIRE, 1992, p. 99) O respeito para com o educando torna-se fator primordial no exercício pedagógico, entendendo que uma relação de estímulo e camaradagem possibilitam a compreensão, antes do conhecimento e o com- 4 - A educação bancária, na visão de Paulo Freire, refere-se ao processo de transferência de um determinado conteúdo ao educando, vendo-o como um fundo que recebe informações até encontrar o seu limite. Nas palavras do próprio Freire, a Educação se torna um ato de depositar em que os educandos são os depositários e os educadores os depositantes. 22 23

Ismael Forte Valentim A Educação Metodista e sua Dimensão Libertadora prometimento com um conteúdo e sua aplicação. Conhecer é participar na construção, através das palavras e do diálogo, de uma sociedade participativa, na qual a liberdade representa uma condição para que a reflexão e ação possam acontecer, lembrando que as palavras não existem independentemente de seu significado real e existencial. A este respeito, Freire (1994, p. 13 e 14) diz: Estas palavras, de uso comum na linguagem do povo e carregadas de experiência vivida, são decisivas, pois a partir delas o alfabetizando irá descobrir as sílabas, as letras e as dificuldades silábicas específicas de seu idioma, além de que servirão de material inicial para a descoberta de novas palavras. São as palavras geradoras, a partir de cuja discussão, e este é um ponto capital para o aprendizado, pois segundo esta pedagogia a palavra jamais pode ser vista como um dado (ou como uma doação do educador ao educando) mas é sempre, e essencialmente, um tema de debate para todos os participantes do círculo de cultura. As palavras não existem independentes de sua situação real, de sua referência às situacões. As palavras geradoras ganham concretude e possibilitam o surgimento de uma nova sociedade, marcada pela consciência crítica e participação consciente em todas as esferas de decisão. O pensamento de Paulo Freire é um pensamento utópico, mas não utópico no sentido de definitivamente irrealizável. Para ele, utopia não é idealismo: é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, é o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante. Por esta razão, a utopia é também compromisso histórico. (GADOTTI, 1989, p. 79) A visão da educação como instrumento de libertação, mesmo que utópica, leva este homem a experimentar a gênese da sua existência, não aceitando mais como natural ou como fatalidade as intervenções políticas e econômicas, sejam internas ou externas, as quais visam à satisfação de uma parcela quase que insignificante da população. Nesta direção, Freire (1999, p. 110) afirma: A nova percepção e o novo conhecimento, cuja formação já começa nesta etapa da investigação, se prolongam, sistematicamente, na implantação do plano educativo, transformando o inédito viável na ação editanda, com a superação da consciência real pela consciência máxima possível. Escrevendo para a revista pedagógica Pátio, acerca da vigência da proposta educativa de Paulo Freire, Ronaldo N. Pinto Contreras (1, n 2, p. 25), apresenta sinteticamente a visão de humanização presente na pedagogia de Freire: a) construção da consciência crítica nos sujeitos sociais que participam da produção, distribuição e usufruto dos bens nacionais; b) desenvolvimento de conhecimentos e de atitudes reflexivas que contribuam para a mudança do sujeito social e de seu entorno; c) interação coesiva dos sujeitos sociais que comunicam suas experiências de transformação de si mesmos e de seu entorno; d) dialogicidade e capacidade persuasiva como atitude e vocação humana de busca da harmonia social do acordo crítico; e) reconhecimento da legitimidade do outro enquanto expressão de uma heterogeneidade que complementa a convivência social democrática; f) enfim, libertação da criatividade e da capacidade de assumir a crítica e a busca de soluções aos problemas coletivos que afetam a qualidade de vida dos sujeitos sociais, em interação dialogante. III APROXIMAÇÕES POSSÍVEIS Estabelecendo um paralelo, observamos que a chave de leitura para compreendermos as questões trabalhadas, tanto das Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista, como a educação centrada na liberdade defendida por Paulo Freire, é a Libertação. Esta prática se dá a partir de uma atitude altamente consciente e comprometida com os valores que geram vida. 24 25

Ismael Forte Valentim A Educação Metodista e sua Dimensão Libertadora Assim como a Igreja Metodista se posiciona, percebemos que muitos teóricos da educação, mesmo que à distância, apresentam sua visão de cidadania e a compreensão de que, através da educação, a sociedade civil poderá entender e reagir aos desmandos de um governo preocupado em atender interesses particulares. Esta situação de desmando acaba transformando o país numa grande feira livre, criando, a partir da especulação capitalista, um contexto de injustiça e opressão. Paulo Freire constitui-se referência para quem deseja conhecer e compreender o significado do educar para formar, ao invés de informar apenas. O educador se coloca não como quem sabe e deseja derramar este saber, mas, sim, como alguém que apresenta pistas, caminhos para o seu estabelecimento de forma consciente e crítica, valorizando e libertando a pessoa de todas as formas de exploração e alienação. Freire acredita que: ser cristão não é ser reacionário, e ser marxista não significa ser um burocrata desumano. Os cristãos devem rejeitar a exploração (GADOTTI, 1989, p. 78). O processo de redemocratização que o Brasil vivia na primeira metade da década de 80 foi marcado por manifestações populares e de instituições diversas. A Igreja Metodista, a partir do seu Plano para a Vida e Missão e suas Diretrizes para a Educação, define sua posição que, em consonância com o Evangelho de Jesus Cristo, rejeita toda e qualquer forma de injustiça e opressão, apontando o caminho da educação como uma das formas de resgatar a dignidade humana. A visão utópica de Freire pode ser observada nas Diretrizes para a Educação da Igreja Metodista, tendo em vista a participação na construção de uma nova sociedade. Ele mesmo defende um cristianismo ativo, engajado na denúncia da injustiça e no anúncio (por palavras e ações) de uma realidade nova. Muitas vezes a pretendida neutralidade não passa de inocência ou esperteza (FREIRE, 1978, p. 106). O tema da liberdade, como vimos, aponta o caminho que possibilitará as condições para a plena participação de todos os cidadãos. Apesar das distâncias históricas, e as diferentes realidades atuais, observa-se que o tema continua em ordem, uma vez que, apesar de todo o avanço em termos de participação política e exercício de cidadania, mantém-se a opressão do capital especulativo e a realidade de situações que geram alienação. Provavelmente uma das maiores contribuições de Paulo Freire para a educação cristã e para a educação popular é ajudar a reinstaurar o diálogo entre a pedagogia e a teologia num momento histórico ímpar de surgimento de uma consciência de povo no Brasil. Esse momento de certa forma representa o nascimento da teologia e da pedagogia no país e na América Latina. (STRECK, 1994, P. 26) A educação como prática da liberdade possui um elemento que aproxima os referenciais em questão. Ela constitui-se, entre outros, num elemento significativo tendo em vista a construção de uma nova sociedade, baseada na democracia, marcada por valores que dignificam o ser humano e possibilitam o pleno exercício da cidadania, particularmente no que se refere à participação política. Trata-se da ação seguida da reflexão, em outras palavras, a práxis. É o forte acento na práxis de um povo secularmente oprimido que começa a emergir como protagonista de sua libertação. Freire, com sua visão educacional e na implementação desta visão, apresenta uma das maiores contribuições para a educação cristã e para a educação popular, ajudando a restabelecer o diálogo entre a pedagogia e a teologia no momento em que surge a consciência de povo no Brasil e, de maneira ampla, na América Latina a partir da década de 50. Freire (1994, p. 27) afirma que a Igreja não pode mais apresentarse como refúgio das massas, mas deve assumir seu papel profético dentro da sociedade. Seu projeto educativo está comprometido e alimentado com a visão utópica, onde anunciar e denunciar profeticamente representa a razão de ser da educação e seu engajamento sócio-cultural. Em sua análise social e histórica, Freire destaca a influência da ação predatória e exploradora da colonização brasileira, a qual se faz presente até os dias de hoje na cultura e economia nacional, gerando uma falta de participação sistemática do povo e a hegemonia da elite dominante. Esta situação traz implicações inclusive para a compreensão e prática da fé, pois:...no anonimato nivelador da massificação, sem esperança e sem fé, domesticado e acomodado: já não é sujeito, o que significa também a 26 27

Ismael Forte Valentim A Educação Metodista e sua Dimensão Libertadora alienação da capacidade inerente ao homem de estar aberto ao transcendente (FREIRE, 1994, p. 29). O ponto de confluência entre as Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista e a educação como prática da liberdade de Freire está na concepção de mundo como o lugar da encarnação de Deus. Em sua proposta pedagógica no trabalho de alfabetização de adultos, Paulo Freire atribui um valor ontológico à Palavra. Ela chama de tema gerador, um sentido que vai além da conjugação de letras e sons, é a construção de significados existenciais que interferem diretamente na vida da pessoa e sua realidade social. Aprender, neste sentido, vai muito além da capacidade de ler o que está escrito, é assimilar e encarnar um significado, um sentido. Em novembro de 1980, Freire participa do Congresso da União Cristã Brasileira de Comunicação Social, na Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), refletindo sobre a coerência entre teoria e prática. Entre outras afirmações, ele diz: Minha sugestão é que se acredite menos na mitificação e no magismo da palavra. Não é discurso forte que importa. Vamos trabalhar mais e falar menos. Entreguemo-nos a um trabalho paciente de mobilização e organizações populares, que não se faz a base de discursos veementes, mas de uma prática profunda, que se entrega docilmente a uma reflexão crítica diária sobre ela. (GADOT- TI, 1989, p. 94) A Igreja Metodista, por sua vez, depois de duas décadas de ditadura militar, em meio aos movimentos de libertação que explodem em boa parte da América Latina, apresenta sua posição comprometida com a pessoa e sua expressão de vida social. Aponta, através dos seus documentos, a educação como parte da missão, na expectativa de gerar tanto conhecimento como engajamento crítico e consciente, com vistas ao surgimento de uma nova sociedade, fundamentada nos valores do Reino de Deus. É evidente que, tanto o posicionamento oficial (documental) da Igreja Metodista, como as idéias de Paulo Freire, especialmente no que diz respeito ao tema Liberdade, carecem de maior entendimento e, principalmente, de uma estratégia e disposição política para sua implementação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIA AÇO, Isac. Para que o Sonho não Acabe. Escritos e Mensagens do Bispo Isac Aço. São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista e Editeo, 1992. CAMARGO, Gonzado Báez. Gênio e Espírito do Metodismo Wesleyano. São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, 1986. Colégio Episcopal da Igreja Metodista, Plano para a Vida e Missão da Igreja. 3ª edição, Piracicaba: UNIMEP, 1983. Freire, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 3ª edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.. Educação como Prática da Liberdade. 22ª reimpressão, Rio de Janeiro: Paz E Terra, 1994.. Extensão ou Comunicação. 11ª edição, Rio de Janeiro: 2001.. Pedagogia da Esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.. Pedagogia do Oprimido. 26ª edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. FREIRE, Paulo. e SHOR, Iara. Medo e Ousadia. O Cotidiano do Professor. 10ª edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. FURTADO, Celso. O Brasil Pós- Moderno. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. GADOTTI, Moacir. Convite à Leitura de Paulo Freire. São Paulo: Scipione, 1989. JOY, James Richard. O Despertamento Religioso de João Wesley. 3ª edição, Rio de Janeiro: Instituto Bennett, 1996. LUSTOSA, Oscar de Figueiredo. A Presença da Igreja no Brasil. São Paulo: Giro, 1977. 28 29

Ismael Forte Valentim Rabote: Uma Amalgama Chamado Jesus MATTOS, Paulo Ayres. Mais de um Século de Educação Metodista. Piracicaba: COGEIME, 2000. MENDONÇA, Antonio Gouveia. O Celeste Porvir. A Inserção do Protestantismo no Brasil. São Paulo: ASTE, 1995. MENDONÇA, Antonio Gouveia e VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao Protestantismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1990. Revista do COGEIME, Educação & Cidadania, Piracicaba, ano 5, n. 8, p. 30, junho de 1996. Reily, Duncan, A. Momentos Decisivos do Metodismo. São Bernardo do Campo: Imp. Metodista, 1991.. Metodismo Brasileiro e Wesleyano. Reflexões Históricas sobre a Autonomia. São Bernardo do Campo: Imp. Metodista, 1981. SALVADOR, José Gonçalves. História do Metodismo no Brasil. São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, 1982. Streck, Danilo. Correntes Pedagógicas. Aproximação com a Teologia. Petrópolis: Vozes, 1994.. Paulo Freire: Ética, Utopia e Educação. Petrópolis: VOZES, 1999. VELASQUES FILHO, Prócoro. Uma Ética para Nossos Dias. São Bernardo do Campo: Editeo, 1977. RABOTE 1 : UMA AMALGAMA CHAMADO JESUS INTRODUÇÃO João Valério Scremin 2 Jesus é um personagem ímpar e singular na história e na teologia cristã mundial. Ele foi uma pessoa que dividiu e ainda divide a humanidade. Seja por meio da reprodução de seu discurso, contidos na Bíblia, e que intriga a muitos e fascina outros tantos a procurar entender esse Filho de Deus, sua pregação e seus ensinamentos. Ao narrarmos sobre Jesus, sua vida e sua personalidade e as conseqüências de suas pregações, não nos propomos a fazer uma biografia 3, no entanto, não deixaremos de seguir as orientações de Jacques Le Goff (1989), acerca de como se deve escrever uma biografia histórica; segundo este autor, a biografia histórica está articulada em torno de acontecimentos, tanto individuais, quanto coletivos. Ao analisar a ordem em que um discurso é produzido sobre determinado acontecimento, fato ou pessoa, Foucault (2007, p. 10) observa que, independente do modo como o discurso é feito, ele revela logo sua ligação com o desejo e com o poder, assim ele o discurso -, não é a simples manifestação do desejo, nem tão pouco a simples tradução das 1 - Plaina grande para desbastar madeira. 2 - Graduado em História pela Universidade Metodista de Piracicaba, Mestre em Educação pela Unicamp. Professor de História, Teologia, Ética e Cidadania. 3 - De acordo com Sofia Rosado (2005, p.1) Termo etimologicamente composto por bio- (indicativo da idéia de vida, com origem no grego bíos) e - grafia (de grafo [+ sufixo ia], elemento de composição culta, que traduz as ideias de escrever e descrever, com origem no grego grápho-, escrever ). O gênero biografia é um ramo da literatura que se dedica à descrição ou narração da vida de alguém que se notabilizou de alguma forma. 30 31

João Valério Scremin Rabote: Uma Amalgama Chamado Jesus lutas dos sistemas de dominação, mas se constitui no objeto do desejo e na luta para se apoderar do poder. Pearlman (2001), ao analisar as doutrinas contidas na Bíblia e suas relações com o cristianismo, destaca que os evangelistas escreveram seus relatos de diversos pontos de vista o que denota uma distinção sobre a pessoa de Jesus, ou seja, a diferenças entre as narrativas. Para este autor os evangelistas não pretenderam escrever uma biografia completa sobre o Cristo, mas escolheram os discursos que destacavam o caráter messiânico de Jesus. Piovesan (2007, p. 06), destaca que o historiador deve ter como foco a reconstrução dos relatos, da trajetória cultural de um determinado grupo, ou ainda, das forças que constituem o campo social. Assim, nesse trabalho, objetivamos estabelecer os relatos contidos nas Escrituras Sagradas, entendendo, essas, como relatos de uma possibilidade de abordagem acerca de Jesus e da sociedade em que ele, estava inserido, bem como as forças que estavam sendo tensionadas, para a construção de um possível campo social novo, ou seja, a constituição de uma nova religião, o cristianismo. Observa-se que há duas apresentações nos Evangelhos sobre a genealogia de Jesus. Uma elas está logo no início do livro de Mateus, capítulo 1, versículo 17 e se refere a uma suposta linhagem real de Jesus por intermédio de José, seu pai, apresentando-o como descendente do Rei Davi (SHEDD, 1997, p. 1328). A outra apresentação encontra-se registrada no Evangelho de Lucas, no capítulo 3, versículos 23 ao 38 e fala da linhagem de Maria que também descende de Davi (SHEDD, 1997, p. 1429). Mateus, sinteticamente, menciona uma totalidade de 46 antepassados que teriam vivido até, aproximadamente, dois mil anos antes de Jesus, começando por Abraão. Em seu relato, o apóstolo cita não somente os heróis da fé (SHEDD, 1997, p. 1719), mas, não deixa de mencionar os nomes das mulheres estrangeiras que fizeram parte da genealogia, tanto de Jesus quanto de Davi, a saber, Rute, Raabe e Tamar. Também não omite os nomes dos perversos Manassés e Abias, ou de pessoas que não alcançaram destaque nas Escrituras judaicas (SHEDD, 1997, p. 1328). Assim, o Evangelho de Mateus divide a genealogia de Jesus em três grupos de catorze gerações: de Abraão até Davi, de Davi até o cativeiro babilônico ocorrido em 586 a.c. e do exílio judaico até Jesus. De acordo com a Bíblia Shedd (1997, p. 1429), Lucas aborda a genealogia de Jesus a partir de sua mãe retrocedendo continuamente até Adão, talvez com o objetivo de mostrar o lado humano de Jesus. E, superando Mateus, Lucas fornece um número maior de antepassados de Jesus. I O HOMEM. Yeshua 4 (ישוע) é considerado por muitos, ser o nome hebraico ou aramaico de Jesus. Este nome é usado principalmente pelos judeus-messiânicos. O nome Yeshua deriva-se de uma raiz hebraica formada por quatro letras ישוע (Yod, Shin, Vav e Ain) - que significa salvar, sendo muito parecido com a palavra hebraica para salvação,ישועה Yeshuah e é considerado também uma forma reduzida pós-exilio babilônico do nome de Josué em hebraico,יהושע Yehoshua que significa, o Eterno salva. Essa forma reduzida era muito comum na Bíblia hebraica ou Tanakh 5, que cita dez indivíduos que tinham este nome, como observamos nos escritos de Esdras capítulo 2, versículo 2-3 e Neemias capítulo 12. 10 (SHEDD, 1997, p. 669 e 702). 4 - O nome árabe para Jesus usado pelos cristãos, Yasu a,عوسي sendo derivada de Yeshua (ou seja, a mesma coisa se considerarmos que esta letra a que aparece aqui no árabe tem som de e, como em Mohamed, e se considerarmos também o s xiado), mas não é o nome usado para Jesus no Alcorão e em outras fontes muçulmanas. O nome tradicional para Jesus é Isa Esaú Ayn Ya Sin Ya). Aparentemente este nome lembra o nome hebraico de,ىسيع) (ESAV). Sabe-se que este nome árabe citado no Alcorão para Jesus é realmente derivado do עשיו aramaico Yeshua, qual considera também ser o nome original de Jesus. 5 - A palavra Tanakh ou Tanach (em hebraico (תנך é um acrônimo utilizado dentro do judaísmo para denominar seu conjunto principal de livros sagrados, sendo o mais próximo do que se pode chamar de uma Bíblia Judaica. O conteúdo do Tanakh é equivalente ao Antigo Testamento, porém com outra divisão. A palavra é formada pelas sílabas iniciais das três porções que a constituem, a saber: A Torá,(תורה) também chamado Chumash,חמוש) isto é Os cinco ) referese aos cinco livros conhecidos como Pentateuco, o mais importante dos livros do judaísmo. Neviim (נביאים) Profetas e Kethuvim (כתובים) os Escritos. O Tanach é às vezes chamado.(מקרא) de Mikrá 32 33

João Valério Scremin Rabote: Uma Amalgama Chamado Jesus A afirmação de que a forma Yeshua é o nome original de Jesus tem sido muito debatida. Alguns afirmam que era Yehoshua, ou que a própria forma grega do nome Jesus era usada entre os crentes primitivos, principalmente as comunidades existentes em Israel, que tinham no grego sua língua oficial. Durante o período helenístico e posteriormente, sempre afirmaram que os manuscritos originais do Novo Testamento foram escritos primariamente em Grego. De qualquer maneira, já se tem provas explícitas de que Jesus e seus discípulos que viviam em Israel naquele período, falavam Aramaico ou um tipo de Hebraico-Aramaico. Mackenzie (1983) de acordo com Eusébio de Cesaréia (265 339 d.c.) relata que Mateus e João escreveram seus evangelhos na língua hebraica, um termo que era usado referente a um dialeto do Aramaico ou a língua hebraica propriamente dita 6. Mackenzie (1983) destaca ainda que na Septuaginta e na língua grega usada em textos judaicos como os escritos de Josefo e de Fílon de Alexandria, Iēsoûs (Ιησούς), foi a forma padrão grega do nome hebraico Josué - יהושע (Yehoshua) 7. Todas as pessoas chamadas pelo nome de Yeshua (Jesuá nas Bíblias portuguesas) citados anteriormente, sempre foram traduzidos também como Iēsoûs ou primeiramente na forma Iēsoua. 6 - Artioli (2005, p. 22) destaca que com a interpretação alegórica, a História do povo judeu, narrada na Bíblia, tornou-se parte da História da humanidade. Antigo e Novo Testamentos espelham os acontecimentos de todos os tempos, permitindo que o cristianismo concebesse a História sagrada como algo universal, isto é, englobando todos os tempos, todos os espaços e também todos os povos.39 As obras históricas, que floresceram a partir do século III, como a de Eusébio de Cesaréia (c.265-330), escrita em grego, que resume a História do mundo até 324 d.c., e que foi traduzida para o latim e continuada até o ano 381 por São Jerônimo ( 420), comprovam o caráter universal que os cristãos atribuíam à História. Tais obras buscam conciliar as Histórias de todos os povos em uma única, aquela que se inicia com a criação do mundo e que terminará com o Juízo Final, criando uma correspondência cronológica entre os principais acontecimentos históricos de toda a humanidade. 7 - Um argumento a favor da originalidade da forma Yeshua pode ser encontrada no fato do uso dessa na Antiga Bíblia Siríaca (composta no séc. III d.c.). A Peshitta (versão aramaica do Novo Testamento) usa também a forma Yeshua em seus escritos. A moderna pronúncia do Síriaco deste nome é Eeshoo, Yishuh, ou seja, temos o testemunho árabe da problemática da letra E, e do A final - como visto no sobrenome citado acima; mas sua pronúncia antiga era similar a Yeshua (i-êi-shú-ah). Com isso, pode-se argumentar que os falantes do Aramaico, que usavam este nome na sua forma Yeshua, escreveram-na em seus escritos e evangelhos afim de preservar o nome original de Jesus usados por eles. Demonstrando ser realmente uma forma reduzida do nome Josué Yehoshua usado no dialeto falado durante tempo de Esdras e Neemias, Yeshua foi o nome preferido para o filho de José (Yosseph). As ocorrências desta forma reduzida se encontram nos livros de Crônicas, Esdras e Neemias. Dois são citados em outros livros bíblicos, mas na sua forma original Yehoshua (Josué filho de Nun e Josué filho de Jozadaque). Esta forma reduzida do nome é usada por Jesus filho de Sirá em fragmentos hebraicos do Livro de Sirá ou conhecido também como Eclesiástico. Baseados numa comparação destes textos, acadêmicos aceitam o fato de que este livro de Jesus Ben Sirach foi originalmente escrito em hebraico, deixando evidente nele referências a estes antigos fragmentos hebraicos originais 8. Este ensaio está longe de se propor a esgotar o assunto acerca de Jesus, pelo contrário, a intenção é abrir um debate sobre o processo envolvendo sua vida e as categorias que compunham sua dúbia pessoa. Procuram-se, entender alguns aspectos de sua personalidade, seu cotidiano e sua épica e obscura condenação à luz das Sagradas Escrituras, a qual o trata como profeta, sacerdote e um sujeito que se sacrificou por uma vontade divina, tornando-se inimigo de sua própria sociedade, mas, mesmo assim, morreu por ela. Jesus era particularmente uma amalgama e uma incógnita em seu tempo e, é, até os dias de hoje, um sujeito indecifrável. Para o historiador Flávio Josefo, que viveu entre 37 e 103 d.c. Jesus era um homem, não só dotado de uma sabedoria humana, mas uma pessoa que era difícil de ser interpolada. Em sua obra Antiguidade Judaicas, destaca-se: 8 - Se isso for verdadeiro, pode-se estender a evidência do uso do nome Yeshua até o século II a.c.. Nenhum uso do nome Yeshua é achado no Talmud, exceto em citações literais da Bíblia hebraica quando esta cita Josué filho de Jozadaque. Porém o nome Yehoshua foi muito utilizado durante o período dos Hasmoneus e até um pouco depois. Ao referir-se a Jesus, o Talmud o chama de Yeshu, pois podemos ler no Talmude Babilônico a acusação dos judeus contra Ele: Na véspera da Páscoa eles penduraram Yeshu [...] ia ser apedrejado por prática de magia e por enganar Israel e fazê-lo se desviar [...] e eles o penduraram na véspera da Páscoa. (Talmude Babilônico, Sanhedrim 43a). Nos relatos de Toledoth Yeshu, elementos dos Evangelhos sobre Jesus são conflitados com descrições dos indivíduos chamados pelo nome de Yeshu no Talmud. A diminuição, por assim dizer, do sotaque galileu, que pronunciou YESHU, se deu devido sua dificuldade de falar a letra final gutural. Isso também podemos detectar em nomes de pessoas árabes, como por exemplo o sobrenome IACHOUH (pronuncia-se: i-ê-shú, ou às vezes i-ê-shú-ah). 34 35

João Valério Scremin Rabote: Uma Amalgama Chamado Jesus Nesse mesmo tempo, apareceu Jesus que era um homem sábio, se é que podemos considerá-lo simplesmente um homem, tão admiráveis eram as suas obras. Ele ensinava os que tinham prazer em ser instruídos na verdade e foi seguido por muitos judeus, mas também por muitos gentios. Ele era o CRISTO (JOSEFO, 2008, p. 832). Quanto a sua condenação de Jesus e sua messianidade, Josefo esclarece que Os mais ilustres dentre os de nossa nação acusaram-no perante Pilatos, e este ordenou que o crucificassem. Os que o havia amado durante a vida não o abandonaram depois da morte. Ele lhes apareceu ressuscitado e vivo no terceiro dia, como os santos profetas haviam predito, dizendo também que ele faria muitos outros milagres. É dele que os cristãos, os quais vemos ainda hoje, tiraram o seu nome (JOSEFO, 2008, p. 832). Em contraponto a reflexão expostas sobre a obra de Josefo, Nabeto (2003) esclarece que existem duas versões distintas sobre esse trecho, uma mais antiga, em língua grega, que testemunha a messianidade de Jesus, e uma tradução árabe que omite tal afirmativa. Segundo esse autor, [...] alguns estudiosos afirmam que o testemunho da messianidade não se deve à pena de Josefo, tratando-se de uma interpolação acrescentada posteriormente por mão cristã; ocorre que o testemunho está presente em todos os códices e em concordância com o estilo de Josefo, motivo pelo qual boa parte dos estudiosos consideram o texto integralmente genuíno (NABETO, 2003, p.1). No texto grego, destaca-se que ele apareceu vivo, após três dias de sua morte, entre seus discípulos ou seguidores. Porém como destacou Nabeto (2003), a versão árabe difere quanto essa afirmação, sobre a ressurreição do Cristo. De acordo com essa versão Naquela época vivia Jesus, homem sábio, de excelente conduta e virtude reconhecida. Muitos judeus e homens de outras nações converteram-se em seus discípulos. Pilatos ordenou que fosse crucificado e morto, mas aqueles que foram seus discípulos não voltaram atrás e afirmaram que ele lhes havia aparecido três dias após sua crucificação: estava vivo. Talvez ele fosse o Messias sobre o qual os profetas anunciaram coisas maravilhosas (NABETO, 2003, p.1). Tanto a versão de Josefo quanto os esclarecimentos feito por Nabeto (2003) são pertinentes e fundamentais para a reflexão proposta por este estudo, mas não essenciais 9 para se discutir a pessoa de Cristo. II A PROFECIA Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir (Mateus 04: 17). Segundo Buckland, na sociedade cristã, interpreta-se como profeta alguém encarregado por Deus para tornar sua vontade conhecida ao homem. A palavra profeta tem sua origem no grego: prophétes πρoφήτης, que significa em uma de suas interpretações, aquela pessoa que, supostamente, é dotada da capacidade de predizer acontecimentos futuros ou ainda uma pessoa que fala por inspiração divina ou em nome de Deus. O nome profeta representa a palavra hebraica chozeh que propriamente significa vidente e refere-se àqueles que têm visões (BUCKLAND, 1998, p. 360) No livro de Deuternômio, capítulo 18, notamos o destaque e a importância que é atribuída ao profeta, tanto que, aos falsos profetas aplicava-se, incontestavelmente, de acordo com a Lei Moisaica, a pena de morte. Como observamos na passagem deuterônomica, que diz: O profeta que presumir de falar alguma palavra em meu nome, que eu lhe 9 - Fundamental e essencial são aqui interpretado como conceitos distintos que se complementam. Fundamental, como algo que me faz chegar até o essencial. Assim, os estudos debatidos são fundamentais para se chegar a uma reflexão plausível sobre a pessoa de Jesus, essencial para o trabalho ora proposto. 36 37

João Valério Scremin não mandei falar, ou o que falar em nome de outros deuses, esse profeta será morto (SHEDD, 1997, p. 278). Buckland (1998) destaca que os profetas, de acordo com os costumes judaicos, eram escolhidos por Deus e tinham enorme autoridade religiosa e influência. Normalmente, eles eram tidos como conselheiros e instrutores da Lei instituídas por Deus, por meio de Moisés. A instituição dos profetas seguiam algumas regras. Observamos as principais delas no livro do Gênesis, que narra a vida de Noé como um exemplo de profeta, pois era um homem justo, íntegro entre os seus contemporâneos e que, principalmente, andava com Deus, se constituindo, por essas qualidades, como profeta do dilúvio (SHEDD, 1997 e ELIA- DE, 1983). De acordo com a definição de Buckland (1998, p. 360), o assim chamado ministério do profeta, era caracterizado, de acordo com os quatro Evangelhos, por cinco funções: A pregação ou sermão; o ensino; a função de mestre, também entendido como didakolos ou professor; o discipulado; a profecia e, por fim, a operação de milagres. Todas essas características estão detalhadas, em especial, nos Evangelhos de Lucas, Marcos e João. Segundo Pearlman (1999, p. 111), Jesus se apresentava como profeta, quando se autodenominou filho de Deus e revelador da vontade divina, tanto em relação ao tempo presente, quanto acerca dos acontecimentos futuros. Ainda, de acordo com este autor, como profeta, Jesus pregou a Salvação que se daria por meio de sua morte na cruz, anunciou o Reino de Deus, não como um reino terreno, mas como um reino espiritual e predisse o futuro, quando previu o triunfo de sua causa, mediante as mudanças da história humana. Deve-se separar os chamados profetas, do Sumo Sacerdote de Israel que, do hebraico,הכומר é o nome dado ao mais alto posto religioso do antigo povo de Israel. Segundo Buckland (1998), o sumo sacerdote coordenava o culto e os sacrifícios, primeiro no tabernáculo, depois no Templo de Jerusalém. De acordo com a tradição bíblica, apenas os descendentes de Arão, irmão de Moisés, poderiam ser elevados ao cargo (SHEDD, 1997). Rabote: Uma Amalgama Chamado Jesus Do Latim expiatione a palavra expiação é o conceito que se caracteriza em um dos principais assuntos das Escrituras Sagradas. A palavra é mais conhecida, no contexto bíblico, como reconciliação de Deus para com seu povo, remissão de pecados e obtenção de perdão, por meio do sangue do cordeiro. A importância da expiação, para os cristãos, se dá na crença de que com a queda de Adão, era necessária uma consternação para que a humanidade pudesse ser salva. Esta aconteceu por intermédio de Jesus Cristo no Jardim do Getsemani, na cruz do calvário e terminou em sua ressurreição, permitindo assim, segundo a doutrina cristã, que toda a humanidade pudesse ser salva. III A PONTE ENTRE DEUS E OS HOMENS De acordo com Buckland (1998), no tocante a morte de Cristo em prol da humanidade, foi um sacrifício em oferenda do seu sangue e da sua vida. Ele morreu, não para seu próprio bem, mas para o bem de todos os outros. Cristo padeceu e sua morte é representada como a penalidade de nosso pecado, como nosso substituto sacrifical. Ou seja, Cristo tornou-se, segundo a doutrina cristã, um sacrifício necessário à nossa redenção ou um sacrifício propiciatório. Essa ação também é caracterizada como um sacrifício expiatório, um sacrifício propício ou um ritual. Assim, a morte de Cristo se caracterizou também como uma reconciliação da humanidade decadente para com Deus, ou seja, o modelo de reconciliação com Deus por meio de Jesus Cristo. Tal ação empreendida por Jesus era necessária para a salvação do homem (BUCKLAND, 1998, p. 230). O primeiro capítulo do Gênesis fala sobre a criação de Deus. Deus criou os céus e a terra e viu que o que estava criando era bom. Ele, então, criou o homem e a mulher e os declarou que eram muito bons. Adão e Eva viviam na terra de Deus sob a benção de Deus (SHEDD, 1997). As pessoas tinham shalom (paz) com Deus, umas com as outras e com o meio ambiente. A palavra hebraica shalom שלום, é usada em muitas passagens da Bíblia. Ela é traduzida para o português como paz. A definição portu- 38 39