O CAMPO DA HISTÓRIA: ESPECIALIDADES E ABORDAGENS



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Transcrição:

O CAMPO DA HISTÓRIA: ESPECIALIDADES E ABORDAGENS Maria Abadia Cardoso * Universidade Federal de Uberlândia UFU ma_cardoso_h@hotmail.com O cotidiano dos historiadores é marcado pela necessidade de reinstituir o passado. Com efeito, como não vivenciou o processo histórico estudado, sua tarefa é procurar os fragmentos e, por meio destes, construir afirmações possíveis. Ao escolher determinado objeto de pesquisa, conseqüentemente, há que se considerar que o método a forma pela qual se movimenta em meio à documentação não está separado da escrita resultado do trabalho. E isso interfere na determinação do que seja a História, pois, felizmente, não se faz um trabalho dividido em duas partes: na primeira, são descritas as referências teórico-metodológicas; na segunda, o restante da pesquisa composto pelo conteúdo. Por essa razão, as questões relativas à natureza da História não devem ser pensadas somente no resultado final do trabalho, mas sim de forma múltipla, isto é, no olhar em conjunto lançado para os objetos, métodos e documentação. Perpassando de maneira reflexiva por estas e outras análises o trabalho de José D Assunção Barros intitulado O Campo da História: Especialidades e Abordagens faz um balanço sobre a historiografia recuperando as suas sub especialidades por meio de: dimensões (enfoques); abordagens (modos de fazer a História) e domínios (áreas de concentração e objetos possíveis). Esse exercício é feito com uma riqueza de problematizações e com uma extensa bibliografia, demonstrando as diversas possibilidades do conhecimento histórico no que tange à sua Teoria e Metodologia. * Mestranda em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia, bolsista CNPq e integrante do Núcleo de Estudos em História Social da Arte e da Cultura (NEHAC).

2 Inicialmente, o autor afirma que do Iluminismo para os nossos dias se deu uma enorme perda de uma formação mais humanística e completa, as exigências da vida moderna vão estabelecendo mais e mais especializações, criando assim um universo fragmentado no que tange à questão do saber. Sem dúvida, isso se acentua no século XX e por dois caminhos acaba contribuindo também para fragmentação da História: de um lado a crescente especialização e de outro a fragmentação de expectativas (não existe uma única forma de ver as coisas). [...]. Isolado no seu pequeno mundo, o historiador deve enfrentar os riscos de sua hiper-especialização ao mesmo tempo em que recebe estímulos sociais e institucionais para aprofundá-la cada vez mais. [...]. O historiador das últimas décadas do século XX viu-se assim autorizado, tanto pela tendência à hiper-especialização do homem moderno como pelas novas modas historiográficas, a cuidar zelosamente de seu pequeno canteiro, como se nada mais importasse além de uma rosa rara. [p. 13-14] Há muito já se discutiu as referências das supostas divisões em: História Econômica, História Social, História da Cultura, História das Mentalidades, etc., mas a amplitude efetiva da vida humana e da realidade social não se enquadra somente numa destas compartimentações, daí a necessidade de que embora cada campo tenha as suas especificidades, o historiador necessita buscar as interconexões, para tanto, conforme determinado pelo autor, não terá sucesso pleno se não conhecer todos os enfoques possíveis. Eis a análise que é dedicada à primeira parte da obra. Assim, no capítulo intitulado Demografia, Cultura Material e Geo-História são abordadas as possibilidades e problematizações inerentes a estes campos e saberes historiográficos. Segundo Barros, a História Demográfica é uma dimensão importante a ser examinada pelos historiadores e tem trazido muitas contribuições especialmente a partir da década de 1950, onde ocorreu um entrelaçamento com a História Regional. Os pioneiros foram os historiadores franceses, sobretudo Coubert e Pierre Vilar. É igualmente um campo rico em reflexões, pois, ao ter como prioridade de análise a população, esta noção já traz em si um leque de possibilidades. À medida que vai conectando os aspectos mais especificamente relacionados às categorias populacionais (como a mortalidade ou a natalidade), com freqüência obtidos através de métodos estatísticos e da abordagem quantitativa, para depois relacionar estes aspectos de moda a dar a perceber a vida social de uma determinada comunidade, a História Demográfica estabelece interfaces com a História Social. Para utilizar uma imagem mais eloqüente, a História Demográfica vai

3 se convertendo muito claramente em um tipo de História social na razão direta em que a história da mortalidade vai derivando para uma história da morte, mostrando-se também neste particular a possibilidade de uma interface ainda mais específica com a História das Mentalidades. [p. 23] Nesse sentido, uma boa História Demográfica obriga-se a dialogar com outros aspectos que ultrapassam a sua própria dimensão. Ainda que parta dos fatos demográficos, o historiador não pode deixar à margem os fatos culturais, econômicos, políticos e antropológicos. A História da Cultura Material, para o autor, dedica se aos objetos materiais em sua interação como os aspectos mais concretos da vida, correlacionando-os em seus usos e apropriações sociais. Novamente, verificamos a necessidade de fazer conexões e a dificuldade de enquadrar os temas da História num único campo de conhecimento. Móveis, objetos decorativos, ferramentas, máquinas, matérias primas que darão luz a objetos manufaturados, veículos que o transportarão ao longo de grandes avenidas e estradas com destino a determinados grupos de consumidores que por estes bens terão de pagar em moeda sonante...tudo isso pode ser objeto de uma História da Cultura Material. [...]. O historiador da cultura material estará freqüentemente estudando o domínio da vida cotidiana, da vida privada, embora estes domínios também possam ser partilhados por historiadores voltados predominantemente para outras dimensões ou enfoques, como é também o caso da História das Mentalidades. [p. 31] Ainda que exista uma materialidade cultural criada pelo homem, existe também uma materialidade natural. Ao considerar que a sociedade estabelece contato com o mundo material, não se pode esquecer que já existia, anteriormente, um universo antes de sua intervenção. A Geo-História lida com este aspecto. Conforme explicito pelo autor, os trabalhos de Fernando Braudel e Le Roy Ladurie se inscrevem nesta perspectiva. Dadas especificidades, polêmica teórica e metodológica trazidas pela História das Mentalidades, verifica neste ensaio um capítulo exclusivo para seu enfoque. Fazendo referências aos trabalhos de Robert Mandrou, Jean Delumeau, Philippe Ariés e Michel Volvelle, o autor demonstra que apesar de tratar de temas abordados por outros campos, esta forma de fazer história tem uma particularidade. [...] Não são portanto os domínios privilegiados pelos historiadores das mentalidades que definem o tipo de história que fazem, mas sim a dimensão da vida social para a qual os seu olhares se dirigem: o universo mental, os modos de sentir, o âmbito mais espontâneo das

4 representações coletivas e, para alguns, o inconsciente coletivo. [p. 39] Assim, os tratamentos que os historiadores das mentalidades têm empregado como: abordagem serial, eleição de um recorte privilegiado e abordagem extensiva das fontes têm contribuído para ampliar a concepção documental, o que propicia uma abertura aos modos de fazer História. Deixando inclusive marcas na Historiografia brasileira dos anos de 1980. Como referência o autor cita os trabalhos de Laura de Melo e Souza e João José Reis. Ainda neste capítulo temos a discussão sobre Psico-História campo definido e atravessado pelas preocupações advindas da Psicologia. Aqui são citados dois outros autores: Wilhelm Reich e Erich Fromm. O primeiro se propõe a desenvolver uma interação entre a ideologia e o inconsciente. O segundo manifesta-se em termos de filtro condicionado socialmente. Mas a necessidade de pensar a correlação entre a História e a Psicologia é propiciada, principalmente, por Norbert Elias. Segundo o autor, para Elias o psicólogo acredita que as estruturas psicológicas dos homens não sofrem mudanças, em contrapartida, os historiadores, preocupados com os fatos, pouco têm a dizer para os psicólogos. A sua proposta é superar essa incompreensão mútua. Introduzir simultaneamente uma abordagem social e uma profunda consciência histórica no âmbito da psicologia é sua pedra de toque. [p. 51] A História Cultural e História Antropológica adquirem visibilidade, especialmente, no capítulo 5 desta obra. Para o autor, a História Cultural ao tratar de uma diversidade de objetos (ciência, cotidiano, literatura, Arte, etc.,); ao considerar os sujeitos produtores e receptores de cultura (sistema educativo, imprensa, meios de comunicação); ao abordar também práticas, processos e padrões, é totalmente rica e abriga em seu seio as diferentes formas de tratamento destes objetos. Sem contar, as possibilidades trazidas pelas noções que acoplam o seu universo como linguagens, representações e práticas. Nesse sentido, temos, na obra, a proposta de pensá-la como toda historiografia que se tem voltado para o estudo da dimensão cultural de uma sociedade historicamente localizada. [p. 56] Não é aleatoriamente que a História Cultural tem atraído o interesse de diversos historiadores no século XX. Assim, articulando a História Cultural, História Social e a História Política a Escola Inglesa do Marxismo (Thompson, Hobsbawm, e

5 Christopher Hill) repensa o materialismo histórico em suas noções de infra-estrutura e superestrutura. [...] Com os marxistas da Escola Inglesa, o mundo da cultura passa a ser examinado como parte integrante do modo de produção, e não como mero reflexo da infra-estrutura econômica de uma sociedade. [p. 62] Para o autor, especialmente, a dimensão cultural de Thompson acrescentou conceitos fundamentais ao materialismo histórico. Sua influência pode ser sentida na historiografia brasileira, dentro outros, por meio de João José Reis e Kátia Mattoso. Não se pode desconsiderar que os estudos de cultura correlacionados com uma dimensão histórica e social atingiram maturidade nos anos de 1970, mas sua raiz deve ser buscada em intelectuais como Lukács (1885-1971) e Antonio Gramsci (1891-1937). A Escola de Frankfurt grupo que surgiu na Alemanha em 1924, sendo seus principais representantes: Theodor Adorno, Erich Fromm, Hebert Marcuse, Walter Benjamin, Max Horkheimer trouxe outras possibilidades de reflexão. Voltando-se para a cultura de massas, papel da ciência e tecnologia no mundo moderno, tem se aqui também um interesse pelas questões pertinentes à alienação, perda da autonomia do sujeito e sociedade industrializada. Para compreenderem todos esses objetos a partir de uma perspectiva aberta, os frankfurtianos expandem audaciosamente os limites do Materialismo Histórico: fiéis aos textos primordiais de Marx notadamente àqueles que abordam a alienação, a ideologia, o feitichismo da mercadoria e a dimensão cultural e filosófica tocada pelos Manuscritos de 1844 eles também se tornam leitores atentos de Nietzsche, de Heidegger, de Freud. [p. 72] Com o intuito de estender a abrangência dos trabalhos sobre cultura, o autor cita ainda as contribuições de Mikhail Bakhtin e Todorov. O primeiro deve-se à noção de circularidade cultural e ao segundo o termo choque de cultura. Ambos são de extrema importância para aqueles que se dedicam a esta área. Para Barros um outro grupo de historiadores que abarca essas discussões é o liderado por Roger Chartier e Michel de Certeau. Ambos atuam em consonância com o sociólogo Pierre Bourdieu, o qual tem grande importância para a conexão entre História Cultural e História Política. As noções de práticas e representações as quais são primordiais para o historiador da cultura são explicitadas por Chartier. De acordo com este horizonte teórico, a Cultura (ou as mais diversas formações culturais) poderia ser examinada no âmbito produzido pela relação interativa entre estes dois pólos. Tanto os objetos culturais seriam produzidos entre práticas e representações, como os sujeitos produtores e receptores de cultura circulariam entre estes dois pólos,

6 que de certo modo corresponderiam respectivamente aos modos de fazer e aos modos de ver. [p. 76] Após dedicar uma atenção especial aos conceitos e noções que perpassam qualquer reflexão encaminhada pela História Cultural ideologia, símbolo, representação e prática, Barros retoma a abordagem à noção de representação feita por Chartier. As representações, acrescenta Chartier, inserem-se, em um campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e de dominação em outras palavras, são produzidas aqui verdadeiras lutas de representações. E estas lutas geram inúmeras apropriações possíveis das representações, de acordo com os interesses sociais, com as imposições e resistências políticas, com as motivações e necessidades que se confrontam no mundo humano. [p. 87-88] Encontramos, aqui também, referências a Foucault na Arqueologia do Saber, trabalho que abre novas perspectivas para o trabalho com os discursos. Já a possibilidade da História ser vista como narrativa inclui as reflexões de Hayden White e Dominick LaCapra. No que tange à História da Arte cita Gombrich e Giulio Carlo Argan. O capítulo 6 denominado História do Imaginário para além de explicitar o próprio conceito, o autor demonstra suas aproximações e diferenças com a História das Mentalidades. Essa noção é complexa e polêmica, mas isso não a impede de ter estabelecido uma dimensão historiográfica importante. O trabalho de Johannes Huizinga em O Declínio da Idade Média é uma de suas expressões. Nesta obra, o historiador holandês circula livremente entre as imagens visuais e verbais perceptíveis através da produção cultural das sociedades franco-flamengas de fins da Idade Média, antecipando em décadas um campo histórico que só passaria a receber uma atenção mais sistemática dos historiadores a partir da década de 1970. [p. 93] No capítulo dedicado à História Política e História Social identificamos problematizações que partem do uso dos termos Político e Social. No primeiro caso, o que permite classificar um trabalho historiográfico dentro da História Política é a prioridade no poder. Mas essa determinação é extremamente complexa como demonstra o autor: Mas que tipo de poder? Pode-se privilegiar desde o estudo do poder estatal até o estudo dos micropoderes que aparecem na vida cotidiana. [p. 107] O segundo caso é ainda mais complexo. No que tange a História Social a grande questão que se coloca é se ela pode ser realmente considerada uma

7 especialidade, com seus objetos próprios, ou se o social acaba coincidindo com a sociedade, o que conseqüentemente, faria com que este enfoque a transformaria numa categoria transcendente englobando todas as outras especialidades da História. Após discutir detalhadamente as duas possibilidades e explicitar que não existem fatos políticos, econômicos ou sociais isolados, o autor demonstra que se não problematizar as questões do passado nem toda História é Social. Qualquer informação historicizada pode ser tratada socialmente, é correto dizer. Mas é também verdade que nem toda História é necessariamente social. Se é possível elaborar uma História Social das Idéias ou uma História Social da Arte que se restrinjam a discutir obras do pensamento ou da criação artística sem reestruturá-las dentro do seu ambiente social mais amplo. (grifos do autor) [p.116] Assim, para Barros, desde que se problematizem as questões é possível que haja uma História Social tanto do ponto de vista de uma macro-história ou microhistória e não há limitações para o que seja tomado como fonte. No capítulo 8 intitulado História Econômica, é descrito que dificilmente haverá dúvidas relativas aos objetos desta especialidade. Pode-se estudar qualquer um dos três aspectos envolvidos pelas atividades econômicas: Produção, Circulação e Consumo. Contudo há uma ressalva para aqueles que se dirijam para este caminho. Abordar os aspectos econômicos da História não pode significar apenas um trabalho de coleta quantitativista. Esse tipo de trabalho, para não cair na coleta anacrônica de fatos econômicos do passado, dever estar vinculado a uma posição que é também filosófica, teórica e metodológica. [p. 131] Por todas as questões colocadas anteriormente, podemos afirmar que esta primeira parte do ensaio nos instiga a pensar a História como um campo de possibilidades, onde as interconexões com os diversos enfoques podem estar associadas a uma reflexão que veicula a importância dos conceitos, a relatividade das divisões e a necessidade de buscar um embasamento teórico para cada objeto de estudo. A discussão pertinente aos modos de fazer a História é especificamente tratada na segunda parte deste ensaio descrito como As Abordagens. Vemos aqui as diversificadas análises advindas da História Oral, História do Discurso, História Imediata, História Serial e História Quantitativa, História Regional e Micro-História. A História Oral se refere a um tipo de fonte produzida pelo próprio historiador ao trabalhar com os testemunhos orais. [...] Suas preocupações neste âmbito estarão

8 relacionadas ao tipo de entrevista que será utilizado na coleta de depoimentos, ao uso ou não de questionários pré-direcionados, e assim por diante. [p. 133] No que tange à questão da História do Discurso, segundo Barros, pode haver uma abordagem qualitativa, quantitativa ou serial. Assim, os textos podem ser pensados como objeto de significação e objeto de comunicação. No primeiro caso, deve-se à organização interna do texto e no segundo, a reflexão sobre o contexto histórico-social em que está inserido. De acordo com esta visão complexa e multidimensional do texto que se mostra a mais adequada para o historiador, podemos dizer que a análise de um discurso deve contemplar simultaneamente três dimensões fundamentais: o intratexto, o intertexto, e o contexto. O intratexto corresponde aos aspectos internos de texto e implica exclusivamente na avaliação do texto como objeto de significação, o intertexto refere-se ao relacionamento de um texto com outros textos; e o contexto corresponde à relação do texto com a realidade que o produziu e o envolve. [p. 136-137] Assim, a História do Discurso, para o autor, a qual examina os discursos associados ao universo em que foram produzidos tem gerado diversos posicionamentos teóricos. As asserções de Foucault são, sem dúvida, o fio condutor de muitas discussões. Ao estender à noção de discurso, o corpo, a sexualidade e a loucura são vistos como relações de poder. Priorizar a forma pela qual as sociedades se enxergam ou se apoderam dos discursos é inserir nas intrínsecas relações que envolvem esta abordagem. Ao abordar a temática da História Imediata, o autor a difere da História do Tempo Presente, esta prescinde do envolvimento do historiador, já aquela não. Como exemplo afirma que Leon Trotski ao escrever uma História da Revolução Russa ou Júlio César ao discorrer sobre a História da Guerra de Gália cada qual a sua maneira fez uma História Imediata. Já a História Serial introduziu em meados do século XX a possibilidade de constitui séries de fontes e abordá-las de acordo com técnicas específicas. Assim, esta abordagem refere-se tanto ao tipo de fontes quanto ao método de trabalhá-las. Relaciona-se intimamente com a História Quantitativa. Após caracterizar a abordagem da História Regional como aquela que estuda um espaço em específico e as relações sociais que nele se estabelece, o autor a diferencia da Micro-História.

9 Explorando de forma interessante os sentidos da metáfora enxergar algo do oceano inteiro através de uma simples gota d água, o autor explicita os meandros que perpassam pela Micro-História. Utiliza das obras de Bakhtin ainda que este não seja dado como micro-historiador e de Ginzburg para abordar a noção de circularidade cultural, ao invés da oposição entre cultura erudita e cultura popular. Outro aspecto importante neste item, e que, novamente, nos reporta à importância das definições, é a delimitação correta do campo historiográfico enquanto abordagem ou forma de fazer a História. De fato, a Micro-História surgiu como um movimento de historiadores italianos, associados a uma determinada linha editorial. Estes historiadores foram os primeiros a apontarem para a riqueza de possibilidades proporcionada pela micro-análise social. Também se interessavam por determinados temas, que escapavam ao lugarcomum dos tradicionais objetos da Macro-História tradicional. Contudo, a Micro-História deve ser definida como campo, e não como uma corrente localizada de historiadores. E também não deve ser vista como restrita a uma determinada temática. Na verdade, a princípio qualquer tema seria passível de ser abordado a partir de um olhar micro-historiográfico. [p. 167-168] Na ultima parte do livro intitulada uma Profusão de Domínios verificamos que as temáticas e objetos são de número infinito, pois podem se referir aos agentes históricos, ambientes sociais ou ambientes de estudo. Assim, existem domínios históricos que se prestam a historiadores que trabalham com diferentes dimensões históricas e às várias abordagens. Mas existe também domínios específicos, a exemplo, a História da Arte ou a História da Literatura que são sub especialidades da História Cultural. Dentre outras, uma questão importante ainda tratada neste capítulo é a da relação entre o conhecimento e a sociedade que o legitima. Desta forma, conforme Barros, é possível que algum campo que hoje seja tratado como domínio dada a importância que lhe é atribuída possa posteriormente ser tratado como uma dimensão. O giro do caleidoscópio historiográfico, enfim, ocorre em consonância com as motivações de uma época, com as suas necessidades sociais, com as suas nem sempre perceptíveis imposições políticas, com a sua capacidade de colocar determinados problemas [...]. [p.183] Enfim, essas poucas observações são apenas uma parte das importantes asserções trazidas por esta obra, mas é necessário destacar que a inspiração de um olhar

10 crítico para a literatura concernente à Historiografia nos auxilia verificar as diversas possibilidades deste campo de conhecimento, mas obviamente sem perder de vista o rigor das análises perpassadas pelas questões teóricas e metodológicas. Cabe, ainda, ressaltar que esta obra, ao lado de outras como A Escrita da História: novas perspectivas e À Beira da Falésia: a história entre certezas e inquietude, nos propicia uma visão ampla sobre o Fazer História, problematizando o diálogo que esta constrói com outras áreas de conhecimento. Aliando, assim, os meandros que envolvem a prática e a escrita deste ofício às reflexões teóricas necessárias e promissoras.