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Transcrição:

Aves Glayson Ariel Bencke Mauricio da Silveira Pereira

Habitantes Breve Histórico de Investigação As aves formam o grupo de vertebrados terrestres mais diversificado na atualidade. São conhecidas cerca de 10.500 espécies no mundo, das quais 1.900 ocorrem no Brasil e mais de 670 no Rio Grande do Sul. Como componentes dos ecossistemas, as aves desempenham importantes funções ecológicas, tais como o controle de populações de insetos e roedores, a polinização, a dispersão de sementes e o consumo de carcaças. O valor cultural, estético, utilitário e recreacional das aves também é amplamente reconhecido e se traduz, por exemplo, na grande popularidade que a fotografia e a observação de aves alcançam em certos países e na frequência com que esses animais servem de inspiração para as artes e para o folclore. Além disso, a conspicuidade visual e acústica das aves e a sua onipresença em praticamente qualquer ambiente aquático, terrestre ou aéreo do planeta conferem ao grupo um enorme potencial como recurso temático para a sensibilização e para a educação ambiental. A Estação Ambiental Braskem vem sendo monitorada por ornitólogos desde a sua implantação, o que a torna uma das áreas mais bem conhecidas do Rio Grande do Sul e também do Brasil no que se refere à composição da avifauna. Acumula, assim, um dos mais longos históricos de investigação ornitológica contínua de que se tem registro. Essa condição permite compreender melhor como a avifauna local varia ao longo do tempo em resposta a alterações ambientais, resultantes de processos naturais de sucessão ecológica, do manejo e de influências externas. Porém, a relevância e o alcance das informações geradas a partir do monitoramento da avifauna da Estação Ambiental vão muito além de suas fronteiras físicas, representando também uma significativa contribuição ao conhecimento sobre a distribuição geográfica, a sazonalidade e a reprodução das aves na região sul do Brasil. Este capítulo descreve alguns dos principais resultados obtidos em 25 anos de inventário e monitoramento das aves da Estação Ambiental Braskem, apresentando uma breve caracterização da avifauna local quanto à composição, abundância e sazonalidade, bem como destacando aspectos relacionados à sua dinâmica no espaço e no tempo. O inventário da avifauna da Estação Ambiental Braskem iniciou-se em 1987, como parte do diagnóstico de fauna e flora da área às margens do rio Caí onde, no ano seguinte, seria implantado o parque de preservação ambiental, a partir da elaboração do respectivo plano de manejo. Em janeiro de 1989, teve início o monitoramento da área propriamente dito, que desde então vem se repetindo com periodicidade anual, de forma praticamente ininterrupta. Houve interrupções nos levantamentos de aves somente nos anos de 1994 e 1996. Desde o seu início, o monitoramento da avifauna da Estação Ambiental já esteve sob a responsabilidade de cinco ornitólogos, que eventualmente contaram com a colaboração de outros pesquisadores e de alunos: Flávio Silva (1987), Walter A. Voss (1989 1995), Eduardo P. de Albuquerque (1997 e 1998), Iury de A. Accordi (1999 2003) e Glayson A. Bencke (2000 e de 2004 até o presente). Métodos Utilizam-se basicamente dois métodos para o monitoramento da avifauna. Observações qualitativas, para registro da ocorrência e do comportamento das espécies, são realizadas de forma aleatória, durante deslocamentos a pé pelas estradas, trilhas e áreas abertas do parque, a partir das quais também são acessados ambientes de vegetação mais densa não servidos por trilhas, como matas e capoeiras. No açude da Bacia 7, o deslocamento é realizado por meio de um barco a remo. Em geral, essas atividades iniciam-se ainda antes do amanhecer e prolongam-se até o anoitecer, cobrindo todos os setores e ambientes do parque em cada visita. Com frequência, são realizadas incursões no período da noite, para registro de aves noturnas. As aves avistadas ou detectadas auditivamente durante os deslocamentos são identificadas pela visualização de características morfológicas, através de binóculo ou luneta, e/ou com base no reconhecimento das vocalizações peculiares a cada espécie. No decorrer das observações, procura-se documentar os registros das espécies e de seus ninhos por meio de fotografias, especialmente no caso de ocorrência ou reprodução ainda não comprovadas na área, e também por meio de gravações de vocalizações. 200

N Aves A abundância da avifauna não aquática da Estação Ambiental é avaliada anualmente por meio da estimativa do número de territórios de cada espécie ao longo de trajetos fixos, com a aplicação de um protocolo simplificado do método de mapeamento de territórios. Esse método consiste em registrar, sobre um mapa detalhado da área, a localização exata, os deslocamentos em voo e o comportamento territorial ou reprodutivo de todos os indivíduos detectados durante os eventos de coleta de dados (censos). Ao final, os registros referentes a uma mesma espécie obtidos em censos consecutivos são transferidos para um mapa digital georreferenciado e analisados em conjunto, com o objetivo de identificar aglomerados de registros que correspondam a territórios ocupados no período do recenseamento. Os trajetos percorridos durante os censos são os mesmos a cada ano e correspondem às principais trilhas e caminhos existentes no parque (Figura 1). Os censos são realizados em três edições anuais, durante a estação reprodutiva (outubro a dezembro), quando as aves exibem maior territorialidade e são mais conspícuas. Espécies noturnas (corujas e bacuraus), as que não defendem territórios permanentes (como os beija-flores, por exemplo) ou que normalmente apenas sobrevoam o parque (urubus, andorinhões e andorinhas) não são consideradas nos censos. Outra atividade, realizada de forma não sistemática, é a contagem de aves aquáticas em dormitórios ou ninhais ativos na Bacia 7 e em suas margens, a partir dos mirantes da Península, do Ninhal e do Umbu. Figura 1. Trajetos percorridos anualmente para o recenseamento da avifauna não aquática da Estação Ambiental Braskem. Mirante do Rio Caí Área de Merenda Rio Caí Casa Rosa Mirante do Ninhal Mirante da Península Mata Nativa Trilha da Mata Ilha do Ninhal Área de Descanso Mirante do Umbu Bacia 7 Pórtico 1 201

Habitantes 2 202

Aves A Avifauna da Estação Ambiental Braskem Desde o início do programa de monitoramento, 245 espécies de aves já foram registradas na Estação Ambiental Braskem, o que representa mais de um terço (36%) das espécies encontradas em todo o território do Rio Grande do Sul. Apesar de bastante expressivo, esse total não pode ser tomado como uma estimativa do número de espécies que tipicamente podem ser registradas dentro dos limites da Estação Ambiental no decorrer de um ciclo anual completo e com um esforço amostral adequado. Em primeiro lugar, nem todas as espécies estão presentes na área o tempo todo e algumas ocorrem somente em determinados anos. Em segundo, a composição da avifauna local não é totalmente estável, mas está sujeita a mudanças ao longo do tempo. Portanto, para se ter uma ideia mais precisa da riqueza da avifauna da Estação Ambiental, é preciso considerar tanto o status de ocorrência como a rotatividade das espécies. Status de ocorrência Conforme o uso que fazem dos ambientes, as aves da Estação Ambiental podem ser classificadas em ocupantes e sobrevoantes. As espécies ocupantes efetivamente fazem uso direto de um ou mais ambientes existentes no parque, seja para a alimentação, reprodução ou descanso. Já as sobrevoantes incluem o espaço aéreo da Estação Ambiental em suas rotas de voo normais ou esporádicas, mas não fazem uso direto dos ambientes em seu interior. São espécies que não encontram habitats favoráveis no parque, mas sim no seu entorno, às vezes a consideráveis distâncias, de forma que só são registradas de passagem. Atualmente, 16 espécies ocorrem exclusivamente como sobrevoantes na Estação Ambiental. O joão-grande (Ciconia maguari) e a garça- -vaqueira (Bubulcus ibis) estão entre as mais frequentes. O joão-grande (Figura 2) se reproduz em amplas áreas úmidas naturais e se alimenta em arrozais ou várzeas inundadas, ambientes comuns na margem esquerda do rio Caí. Como costuma planar em correntes termais, é visto com certa frequência sobrevoando o parque a grande altura, só ou em pequenos grupos, às vezes na companhia de urubus. A garça-vaqueira, por sua vez, é uma espécie que deixou de ser ocupante regular da Estação Ambiental para se tornar um sobrevoante. Consta que, até pelo menos 1989, utilizava a ilha da Bacia 7 como pouseiro nos finais de tarde. Hoje, é comum observarem-se pequenos bandos dessa garça sobrevoando o parque ao entardecer, todos voando na mesma direção, a caminho do dormitório. Quanto à constância com que ocorrem na área, as espécies se enquadram em cinco categorias: ocupantes regulares, ocupantes ocasionais, vagantes, visitantes acidentais e ocupantes pretéritos. A sua classificação leva em conta principalmente a frequência de cada espécie na Estação Ambiental, ao longo dos anos, bem como evidências diretas ou indiretas de territorialidade e reprodução na área. Ocupantes regulares são espécies que mantêm territórios permanentes na área do parque, ou encontram nele habitats importantes de alimentação, reprodução ou descanso, que frequentam de modo regular e mais ou menos previsível. Alguns exemplos são a marreca-pé-vermelho (Amazonetta brasiliensis), o tachã (Chauna torquata), o biguatinga (Anhinga anhinga) e o savacu (Nycticorax nycticorax), regularmente presentes na Bacia 7, e o beija- -flor-dourado (Hylocharis chrysura), a choca-da-mata (Thamnophilus caerulescens), o bem-te-vi (Pitangus sulphuratus), a andorinha- -doméstica-grande (Progne chalybea) e o tico-tico (Zonotrichia capensis), que ocupam outros tipos de ambientes. Os savacus passam os dias descansando sobre as árvores da margem da Bacia 7, mas ao entardecer todos os indivíduos deixam o parque voando em direção ao leste, onde presumivelmente estão localizadas as suas áreas de alimentação. Em determinados anos, alguns casais também nidificam na Bacia 7. Ocupantes ocasionais são espécies de ocorrência irregular e, portanto, pouco previsível na Estação Ambiental. Com frequência, o parque representa apenas uma parte de seus territórios ou áreas de vida, que abrangem também o entorno. Embora não ocupem a Estação Ambiental de forma permanente, algumas dessas espécies podem ocasionalmente se reproduzir na área. Figura 2. João-grande (Ciconia maguari), um sobrevoante regular da Estação Ambiental Braskem (foto: Adriano Becker). 203

Habitantes 3A 204

Aves Nessa categoria se enquadram certas aves de rapina com áreas de vida extensas, que se estendem bem além dos limites do parque, a exemplo do gavião-pernilongo (Geranospiza caerulescens) e do gavião-relógio (Micrastur semitorquatus). Este último inclusive chegou a nidificar no interior de um grande plátano oco da Estação Ambiental, em 2012 (Figura 3). Enquanto alguns ocupantes ocasionais são vistos com certa frequência, outros aparecem só em determinados anos, como a águia-pescadora (Pandion haliaetus), o bacurau-norte-americano (Chordeiles minor), o urutau (Nyctibius griseus) e o sabiá-ferreiro (Turdus subalaris). Vagantes são espécies estranhas à avifauna da Estação Ambiental e seu entorno, onde se encontram longe de suas áreas ou habitats de ocorrência normais. São observadas muito esporadicamente no parque, tipicamente apenas uma vez a cada vários anos. Pelo menos uma espécie dessa categoria, a marreca-de-coleira (Callonetta leucophrys), parece ter sido regular na Estação Ambiental, no passado, mas agora se tornou vagante, sendo registrada a intervalos de seis ou mais anos. Também se incluem nessa categoria algumas aves de rapina, como o acauã (Herpetotheres cachinnans), que pode estar em expansão no Rio Grande do Sul e foi registrado no parque uma única vez, em 2008. dez anos ou mais. As extinções de aves na Estação Ambiental, assim como as colonizações, são discutidas mais adiante. Considerando todas as categorias, a avifauna da Estação Ambiental pode ser descrita no período do monitoramento como composta por 118 ocupantes regulares (48% das espécies), 34 ocupantes ocasionais (14%), 43 vagantes (18%), dois visitantes acidentais (1%) e 25 ocupantes pretéritos (10%), além de 16 sobrevoantes (6,5%), dos quais 11 são vagantes, três ocasionais e dois regulares. Há ainda quatro espécies com status indeterminado (1,5%) e três cuja ocorrência na área do parque é incerta e necessita de confirmação (1%). Somando-se os totais de ocupantes regulares e ocasionais, que compõem a parcela não flutuante da comunidade, calcula-se em 152 espécies a riqueza potencial da avifauna do parque. Figura 3. A, filhotes; B, adulto de gavião-relógio (Micrastur semitorquatus), fotografados na Estação Ambiental Braskem, em outubro de 2012 (fotos: A, Glayson Ariel Bencke; B, Cyro Menezes da Glória). Aves migratórias são altamente propensas a aparecerem longe de suas áreas normais de ocorrência. Nada menos do que 15 espécies migratórias de média e longa distância são vagantes na Estação Ambiental, entre elas o maçarico-de-perna-amarela (Tringa flavipes), o papa-lagarta-norte-americano (Coccyzus americanus), o anambé- -branco-de-bochecha-parda (Tityra inquisitor), o príncipe (Pyrocephalus rubinus) e o saí-andorinha (Tersina viridis), os dois primeiros provenientes do Hemisfério Norte. Visitantes acidentais são espécies cuja ocorrência na Estação Ambiental se deveu a circunstâncias excepcionais, não sendo esperado que venham a ser registradas novamente, a não ser em uma escala de tempo muito grande. Apenas duas espécies se enquadram nessa categoria, tratando-se em um dos casos de uma ave marinha, o tesourão (Fregata magnificens), avistado em 2000. É provável que o indivíduo observado tenha-se perdido por águas continentais a partir da Lagoa dos Patos, eventualmente chegando ao parque via Lago Guaíba, delta do rio Jacuí e rio Caí. Ocupantes pretéritos são espécies registradas com alguma regularidade no passado, mas que desapareceram da Estação Ambiental. A maioria dessas espécies não possui quaisquer registros no parque nos últimos 3B 205

Habitantes Rotatividade (Turnover) de Espécies Mudanças na composição da avifauna se processam tanto pela perda (por extinção ou substituição competitiva) quanto pela adição de espécies (por colonização espontânea ou introdução humana), sendo as variações na riqueza o resultado do balanço entre esses dois fenômenos. A análise da distribuição temporal dos registros da avifauna na Estação Ambiental mostra que 22 espécies de aves desapareceram no decorrer do período de monitoramento, ao passo que 20 colonizaram o parque desde 1987. Outras três espécies também colonizaram a área ao longo desse período, mas se extinguiram subsequentemente. De forma geral, as espécies extintas na Estação Ambiental não desapareceram de forma abrupta, mas passaram de ocupantes regulares a ocasionais e, posteriormente, a sobrevoantes ou a vagantes, para então desaparecerem completamente (Tabela 1). Uma consequência disso é que a data do último registro de uma espécie no parque não necessariamente coincide com a sua extinção ecológica, que é atingida quando a sua abundância cai a um nível tão baixo que ela não mais interage de forma significativa com outras espécies, embora ainda esteja presente na comunidade. A bichoita (Schoeniophylax phryganophilus), por exemplo, ocorria com frequência mensal de 100% em 1989. Em 1992, ainda foi Nome comum (COMMON NAME) Nome científico (SCIENTIFIC NAME) Ano do aparecimento* (YEAR OF APPEARANCE) Ano do desaparecimento** (YEAR OF DISAPPEARANCE) Colonizações (COLONIZATION) Tachã (Southern Screamer) Chauna torquata 1995 Saracuruçu (Giant Wood Rail) Aramides ypecaha 1999 2007 Pinto-d água-comum (Rufous-Sided Crake) Laterallus melanophaius 2000 Juriti-gemedeira (Gray-Fronted Dove) Leptotila rufaxilla 1999 (2007) Urutau (Common Potoo) Nyctibius griseus 2000 Beija-flor-de-veste-preta (Black-Throated Mango) Anthracothorax nigricollis 1990 (2000) Surucuá-variado (Surucua Trogon) Trogon surrucura 2010 Pica-pau-dourado (Yellow-Browed Woodpecker) Piculus aurulentus 2010 Vira-folha (Rufous-Breasted Leaftosser) Sclerurus scansor 2000 Arapaçu-grande (Planalto Woodcreeper) Dendrocolaptes platyrostris 2004 (2008) Pichororé (Rufous-Capped Spinetail) Synallaxis ruficapilla 2000 Patinho (White-Throated Spadebill) Platyrinchus mystaceus 1990 (2000) Cabeçudo (Sepia-Capped Flycatcher) Leptopogon amaurocephalus 2002 (2011) Guaracava-de-crista-alaranjada (Greenish Elaenia) Myiopagis viridicata 2000 Barulhento (Tawny-Crowned Pygmy-Tyrant) Euscarthmus meloryphus 1995 (2000) 2003 Gralha-picaça (Plush-Crested Jay) Cyanocorax chrysops 2009 Sabiá-barranco (Pale-Breasted Thrush) Turdus leucomelas 2001 Tiê-de-topete (Black-Goggled Tanager) Lanio melanops 1992 (2000) Saíra-preciosa (Chestnut-Backed Tanager) Tangara preciosa 2000 (2006) Cavalaria (Yellow-Billed Cardinal) Paroaria capitata 1999 (2004) Papo-preto (Guira Tanager) Hemithraupis guira 1995 (2008) Tiê-do-mato-grosso (Red-Crowned Ant Tanager) Habia rubica 1993 (2003) Saíra-de-sete-cores (Green-Headed Tanager) Tangara seledon 2000 2003 206

Aves registrada em vários meses, mas deixou de ocorrer regularmente no ano seguinte. Após isso, foi observada somente em 1999 e em 2003, não havendo mais registros desde então. Assim também a colonização efetiva do parque por uma espécie foi muitas vezes precedida por registros isolados. Um exemplo é a juriti- -gemedeira (Leptotila rufaxilla), que passou a ocorrer regularmente na Estação Ambiental a partir de 2007, mas foi registrada bem antes disso, em 1999 e, possivelmente, já em 1995. Tabela 1. Colonizações e extinções de aves na Estação Ambiental Braskem, no período de 1987 a 2013. *Ano do primeiro registro e, entre parênteses, ano em que a espécie passou a ter ocorrência regular na Estação Ambiental Braskem. **Ano em que a espécie deixou de ter ocorrência regular e, entre parênteses, ano do último registro na Estação Ambiental Braskem. Nome comum (COMMON NAME) Nome científico (SCIENTIFIC NAME) Ano do aparecimento* (YEAR OF APPEARANCE) Ano do desaparecimento** (YEAR OF DISAPPEARANCE) Extinções (EXTINCTION) Urubu-de-cabeça-amarela (Lesser Yellow-Headed Vulture) Cathartes burrovianus 2001 (2009) Chimango (Chimango Caracara) Milvago chimango 2003 (2012) Falcão-de-coleira (Aplomado Falcon) Falco femoralis 1992 (2002) Saracuruçu (Giant-Wood Rail) Aramides ypecaha 1999 2007 Saracura-do-banhado (Plumbeous Rail) Pardirallus sanguinolentus 2001 Rolinha-picuí (Ruddy Ground-Dove) Columbina picui 2001 Coruja-do-campo (Burrowing Owl) Athene cunicularia 1987 Bacurau-tesoura (Scissor-Tailed Nightjar) Hydropsalis torquata 1989 (2004) Pica-pau-do-campo (Campo Flicker) Colaptes campestris 2003 (2007) Choca-de-boné-vermelho (Rufous-Capped Antshrike) Thamnophilus ruficapillus 2003 (2009) Arapaçu-verde (Olivaceous Woodcreeper) Sittasomus griseicapillus 2002 Bichoita (Chotoy Spinetail) Schoeniophylax phryganophilus 1999 (2003) Bem-te-vi-pirata (Piratic Flycatcher) Legatus leucophaius 1990 Filipe (Bran-Colored Flycatcher) Myiophobus fasciatus 2005 (2010) Barulhento (Tawny-Crowned Pygmy-Tyrant) Euscarthmus meloryphus 1995 (2000) 2003 Andorinha-morena (Tawny-Headed Sparrow) Alopochelidon fucata 2003 Tico-tico-do-banhado (Long-Tailed Reed Finch) Donacospiza albifrons 1992 (2003) Tipio (Yellow-Breasted Finch) Sicalis luteola 1987 Sabiá-do-banhado (Great Pampa Finch) Embernagra platensis 1990 Tiziu (Blue-Black Grassquit) Volatinia jacarina 1991 Azulinho (Glaucous-blue Grosbeak) Cyanoloxia glaucocaerulea 2003 Saíra-de-sete-cores (Green-Headed Tanager) Tangara seledon 2000 2003 Vira-bosta-picumã (Screaming Cowbird) Molothrus rufoaxillaris 1995 (2001) Pardal (House Sparrow) Passer domesticus 1993 Bico-de-lacre (Common Waxbill) Estrilda astrild 1990 207

Habitantes Os gráficos da Figura 4 mostram que a maior parte das extinções de aves na Estação Ambiental ocorreu entre 1987 e 1992, nos anos que se seguiram à implantação do parque, e entre 1999 e 2004, com picos nos triênios 1990 1992 e 2002 2004. As colonizações ocorreram em maior número nos triênios 1999 2001 e 2008 2010 (Figura 4), mas já na primeira metade da década de 1990 apareceram várias espécies que mais tarde se tornariam regulares no parque, como o patinho (Platyrinchus mystaceus) e o tiê-do-mato-grosso (Habia rubica), hoje frequentes na Estação Ambiental. O pico pronunciado de colonizações no triênio 1999 2001 é artificial e reflete, pelo menos em parte, a mudança dos observadores responsáveis pelo monitoramento da avifauna em 2000, quando várias espécies presumivelmente subestimadas nos levantamentos anteriores foram detectadas pela primeira vez no parque. É provável que várias dessas espécies novas já estivessem presentes desde o início do monitoramento ou que o seu aparecimento tenha-se dado antes de 2000. 15 4A 10 5 0-5 -10 87 89 90 92 93 95 96 98 99 01 02 04 05 07 08 10 11 13 Considerando-se extinções e colonizações em conjunto, as maiores mudanças na composição da avifauna da Estação Ambiental deram-se no período 1999 2004. Esse intervalo marca o desaparecimento da rolinha-picuí (Columbina picui), da andorinha-morena (Alopochelidon fucata) e do azulinho (Cyanoloxia glaucocaerulea), entre vários outros. Em compensação, apareceram o arapaçu-grande (Dendrocolaptes platyrostris), o vira-folha (Sclerurus scansor), o cavalaria (Paroaria capitata) e o sabiá-barranco (Turdus leucomelas), este último em franca expansão no Rio Grande do Sul (Bencke, 2010). Figura 4. Rotatividade na avifauna da Estação Ambiental Braskem, no período 1987 2013, expressa pelo número de colonizações (barras verdes) e extinções (barras brancas) em cada triênio de monitoramento, considerando: A, o período de ocorrência regular de cada espécie na área; e B, o ano do primeiro registro no parque para as espécies colonizadoras e do último registro para as espécies extintas. Figura 5. Número de espécies colonizadoras e extintas na Estação Ambiental Braskem, no período 1987 2013, de acordo com o habitat principal que ocupam (para a definição dos habitats, veja a legenda da Figura 6). Figura 6. Composição da avifauna da Estação Ambiental Braskem, em três momentos do período de monitoramento, de acordo com o percentual de espécies em cada categoria de habitat: Flor florestas e bosques; Bor/Cap bordas de floresta e capoeiras; Aqu/Pal ambientes aquáticos e palustres (lagos, cursos d água e banhados); Cam campos e áreas abertas em geral; Sinant espécies sinantrópicas (vivem na proximidade do homem). Nota-se uma clara tendência à redução na proporção de espécies campestres e ao aumento na proporção de espécies florestais ao longo do tempo. 15 10 5 0-5 -10 87 89 90 92 93 95 96 98 99 01 02 04 05 07 08 10 11 13 4B 208

Aves 16 5 14 12 10 8 6 4 2 0 100% 80% 60% 40% 20% 0% Flor Bor/Cap Aqu/Pal Cam Sinant Colonizadoras (Colonizers) Extintas (Extinct) 1990 2002 2013 Bor/Cap Flor Aqu/Pal Cam Aér 6 A análise das preferências de habitat das espécies que apareceram ou desapareceram ao longo do período de monitoramento revela que as extinções e colonizações de aves na Estação Ambiental não estão se dando de forma aleatória. Há um predomínio de espécies florestais entre as que apareceram, e de espécies campestres entre as que desapareceram (Figura 5). Como resultado, a composição da avifauna do parque mostra uma clara tendência à diminuição gradual na proporção de aves típicas de campos e áreas abertas e ao aumento na riqueza de espécies de ambientes florestais ao longo do tempo, enquanto a proporção de espécies de outros habitats tem permanecido relativamente estável (Figura 6). Isso revela que o principal vetor da dinâmica na composição da avifauna da Estação Ambiental é o processo natural de sucessão ecológica da vegetação que vem ocorrendo desde a implantação do parque, no sentido de redução das áreas abertas e do correspondente aumento das áreas cobertas por capoeiras, capoeirões e matas em regeneração. Na ausência de intervenção humana, o resultado esperado em longo prazo é a diminuição da riqueza em consequência da uniformização do ambiente. Porém, nem todas as mudanças observadas na composição da avifauna estão relacionadas à sucessão vegetal. Alterações ambientais no entorno do parque e a interferência humana também exercem influências significativas. A ocorrência da saíra- -de-sete-cores (Tangara seledon) nos primeiros anos da década passada, por exemplo, pode ser resultado da soltura, no parque ou em seu entorno, de exemplares cativos. Esse pássaro multicolorido é típico das florestas Atlântica e do Alto Uruguai, sendo bastante capturado para criação em gaiola. A presença do cavalaria (Paroaria capitata) é, com certeza, produto da introdução humana dessa espécie na região do baixo rio Jacuí (Bencke et al. 2010), de onde presumivelmente se expandiu para outras áreas, incluindo a Estação Ambiental. Já o chimango (Milvago chimango), que era considerado um residente frequente nos primeiros anos de implantação do parque, inclusive formando dormitório sobre eucaliptos próximo à ponte da Bacia 7, pode ter desaparecido devido à redução das áreas de campo nos arredores da Estação Ambiental. 209

Habitantes 7A 7B 7C 7D 210

Aves Outra espécie extinta, a choca-de-boné-vermelho (Thamnophilus ruficapillus), é típica de áreas com vegetação arbustiva densa (Figura 7). Em 1989, ocorria em todas as áreas de capoeira e capoeirão do parque, que então representavam a maior parte do entorno da Bacia 7. Essas áreas posteriormente se converteram em bosques de eucalipto e matas nativas secundárias, e hoje a espécie encontra habitats favoráveis somente nos arredores da Estação Ambiental. Sazonalidade A maioria das espécies de aves está presente na Estação Ambiental e região ao longo de todo o ano. São chamadas de residentes anuais, pois não realizam migrações periódicas. Das 152 espécies de ocorrência regular ou ocasional do parque, 125 (82%) enquadram-se nessa categoria, incluindo o gavião-carijó (Rupornis magnirostris), a saracura-do-mato (Aramides saracura), a coruja-de-igreja (Tyto furcata, Figura 8), o alma-de-gato (Piaya cayana, Figura 9), a choca-da-mata (Thamnophilus caerulescens), o bem-te-vi (Pitangus sulphuratus), o sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris) e o tico-tico (Zonotrichia capensis). Por outro lado, algumas aves apresentam hábitos migratórios e, assim, estão ausentes da Estação Ambiental em determinados períodos do ano. Ao todo, 22 espécies regulares ou ocasionais no parque (14,5% do total) realizam migrações. Entre elas, a maioria (19 espécies) é residente de verão, como a guaracava-de-bico-curto (Elaenia parvirostris), a tesourinha (Tyrannus savana) e a andorinha- -doméstica-grande (Progne chalybea). Essas espécies nidificam no parque ou na região, mas emigram a partir do final do verão para regiões mais ao norte, onde passam o inverno. Em geral, não realizam deslocamentos intercontinentais, migrando dentro do continente sul-americano. 8 Figura 7. Exemplos de espécies de aves da Estação Ambiental Braskem que desapareceram (em cima) ou colonizaram a área (embaixo) no período 1987 2013: A, chimango (Milvago chimango); B, choca-de-boné-vermelho (Thamnophilus ruficapillus); C, sabiá-barranco (Turdus leucomelas); D, gralha-picaça (Cyanocorax chrysops) (fotos: A, B, D, G. A. Bencke; C, A. Becker). Figura 8. Coruja-de-igreja, ou coruja-branca (Tyto furcata), ave noturna presente ao longo do ano na Estação Ambiental Braskem (foto: G. A. Bencke). Figura 9. Alma-de-gato (Piaya cayana), um residente anual na Estação Ambiental Braskem (foto: G. A. Bencke). 9 211

Habitantes Três outras espécies são visitantes de verão, ou seja, estão presentes no parque durante a estação quente, mas sua reprodução ocorre em outras regiões. Duas delas têm seus locais de procriação situados na América do Norte, de onde emigram para escapar ao rigoroso inverno boreal: o bacurau-norte-americano (Chordeiles minor) e o maçarico- -solitário (Tringa solitaria). Por fim, a distribuição dos registros de três espécies revela que elas podem ser parcialmente migratórias na Estação Ambiental, seja permanecendo no parque com abundância reduzida no inverno, seja ausentando-se nessa estação em alguns anos. São elas o socozinho (Butorides striata), o neinei (Megarynchus pitangua) e o coleirinho (Sporophila caerulescens). Todas se comportam como residentes de verão em outras regiões do Rio Grande do Sul, de modo que podem Tabela 2. Espécies de aves mais abundantes nos ambientes terrestres da Estação Ambiental Braskem, no período 2005 2012, de acordo com os resultados da amostragem quantitativa pelo método do mapeamento de territórios. T terr = número total de territórios mapeados; média = número médio de territórios mapeados por ano. Nome comum (COMMON NAME) Guaracava-de-bico-curto (Small-billed Elaenia) Tico-tico (Rufous-collared Sparrow) Sabiá-laranjeira (Rufous-bellied Thrush) Pula-pula-assobiador (White-browed Warbler) Corruíra (Southern House Wren) Trinca-ferro-verdadeiro (Green-winged Saltator) Pula-pula (Golden-crowned Warbler) Nome científico (SCIENTIFIC NAME) T terr Média (AvErage) Elaenia parvirostris 59 7,4 (7.4) Zonotrichia capensis 56 7,0 (7.0) Turdus rufiventris 53 6,6 (6.6) Myiothlypis leucoblephara 49 6,1 (6.1) Troglodytes musculus 48 6,0 (6.0) Saltator similis 47 5,9 (5.9) Basileuterus culicivorus 45 5,6 (5.6) Suiriri (Tropical Kingbird) Tyrannus melancholicus 44 5,5 (5.5) Sanhaçu-cinzento (Sayaca Tanager) Sabiá-poca (Creamy-bellied Thrush) Tangara sayaca 44 5,5 (5.5) Turdus amaurochalinus 43 5,4 (5.4) Cambacica (Bananaquit) Coereba flaveola 42 5,3 (5.3) Tororó (Ochre-faced Tody-Flycatcher) Poecilotriccus plumbeiceps 40 5,0 (5.0) ser casos de espécies que, pouco a pouco, estão deixando de ser migratórias, em consequência de alterações climáticas regionais. São necessários mais estudos, envolvendo técnicas apropriadas, para esclarecer a situação dessas espécies. Abundância e Tendências Populacionais Em oito anos consecutivos (2005 2012) de recenseamento da avifauna nos ambientes terrestres da Estação Ambiental, já foram mapeados cerca de 1.200 territórios de 78 espécies. As 12 espécies que apresentam as maiores densidades populacionais nesses ambientes do parque são listadas na Tabela 2. Os resultados também permitem inferir tendências populacionais para a maioria das espécies recenseadas (Figura 10). Seis delas estão em declínio na Estação Ambiental, como o joão-de-barro (Furnarius rufus) e o pula-pula-assobiador (Myiothlypis leucoblephara). Três outras parecem estar em expansão, incluindo a pomba-de-bando (Zenaida auriculata) e o surucuá-variado (Trogon surrucura), um colonizador recente. Por outro lado, 57 espécies estão em situação estável, das quais 11 vêm apresentando considerável variação anual na densidade, sugerindo que estão sujeitas a flutuações populacionais cíclicas de periodicidade supra-anual (Figura 10). Tais flutuações podem estar relacionadas a oscilações em variáveis climáticas, que influenciam na produtividade de recursos alimentares e, por conseguinte, em parâmetros demográficos como mortalidade e natalidade. Os dados mostram que a densidade total da avifauna nos ambientes terrestres da Estação Ambiental vem se mantendo estável desde 2005. Isso significa que o declínio populacional detectado para algumas espécies possivelmente está sendo compensado pelo aumento populacional de outras. Com relação às aves aquáticas, há registros de que essas aves congregavam-se regularmente em pouseiros (dormitórios coletivos) e ninhais (colônias de reprodução), na Bacia 7, durante os primeiros anos de existência do parque, proporcionando um espetáculo impressionante e de grande beleza. Os pouseiros eram formados por grandes quantidades de garças-brancas e garças-vaqueiras. Há documentação fotográfica de ninhais de biguás (Phalacrocorax brasilianus), garças e gaviões-caramujeiros (Rostrhamus sociabilis) nesse período (Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, 1988). 212

Aves 10A 10B 3 15 2 10 1 5 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 1 2 3 4 5 6 7 8 10C 10D 6 6 4 4 2 2 0 1 2 3 4 5 6 7 8 0 1 2 3 4 5 6 7 8 10E Figura 10. Densidade (número de territórios mapeados) de quatro espécies de aves em oito anos de recenseamento (2005 2012), na Estação Ambiental Braskem, ilustrando distintas tendências detectadas: A, aumento populacional (surucuá- -variado, Trogon surrucura); B, estabilidade com flutuações anuais marcantes (tico-tico, Zonotrichia capensis); C, estabilidade sem flutuações anuais marcantes (canário-da-terra, Sicalis flaveola); D, redução populacional continuada (joão-de-barro, Furnarius rufus); E, joão-de-barro, espécie em declínio na Estação Ambiental (foto: Luis César Tejo/Shutterstock). 213

Habitantes 11 214

Aves Ainda na década de 1990, porém, as aves aquáticas deixaram de formar grandes concentrações no parque, devido à progressiva deterioração das estruturas vegetais que proporcionavam os poleiros e os suportes para os ninhos (essencialmente árvores mortas afogadas pela formação do açude da Bacia 7). No inverno de 2008, entretanto, ocorreu uma surpreendente retomada da ilha do ninhal e da margem sudoeste da Bacia 7 pelas aves aquáticas, com a formação de um grande dormitório misto, composto por sete espécies e quase 5 mil indivíduos, entre garças, maçaricos e biguás (Figura 11). O retorno das aves parecia representar o início de um novo ciclo de ocupação da área, possibilitado pela regeneração parcial da vegetação arbórea na ilha do ninhal, mas não teve continuidade, provavelmente devido ao manejo subsequente da Bacia 7 e suas margens. 12 Hoje, apenas uma espécie de ave aquática utiliza regularmente a Bacia 7 como dormitório, mas em uma escala muito menor. Anualmente, os savacus (Nycticorax nycticorax; Figura 12) formam pouseiros de várias dezenas até pouco menos de duas centenas de indivíduos na vegetação arbórea das margens da Bacia 7, durante o outono e o inverno (maio a setembro). Essas agregações contêm muitas aves jovens e parecem funcionar como dormitórios pós-reprodutivos. Os ninhais, por sua vez, não mais se repetiram no parque com a mesma magnitude de antes. No final de 2007, com o crescimento de maricás e outras arvoretas e arbustos na ilha do ninhal, essa área novamente tornou-se propícia para a instalação de ninhos. Formou-se ali, então, uma pequena colônia reprodutiva de savacus, com pelo menos 21 ninhos ativos. Outra espécie observada nidificando no mesmo local foi o maçarico-de-cara-pelada (Phimosus infuscatus), que aparentemente nunca havia se reproduzido na Estação Ambiental antes. Em 2009, a colônia reprodutiva mais expressiva, com 15 a 20 aves adultas e cerca de sete ninhos, foi a de gaviões-caramujeiros (Figura 13), instalada na margem da Bacia 7 oposta ao mirante do ninhal. Figura 11. Fotografia de longa exposição do dormitório coletivo de aves aquáticas que se formou na Bacia 7, em junho e julho de 2008, após mais de uma década de inatividade. As aves escuras são biguás e maçaricos, e as brancas são garças (foto: G. A. Bencke). Figura 12. Savacu (Nycticorax nycticorax), ave aquática que forma dormitórios coletivos e, em determinados anos, pequenas colônias reprodutivas na Bacia 7 (foto: G. A. Bencke). Figura 13. Fêmea de gavião-caramujeiro (Rostrhamus sociabilis), ave de rapina que se reproduz na Estação Ambiental Braskem, em determinados anos (foto: G. A. Bencke). 13 215

Habitantes As aves utilizaram salseiros (Salix humboldtiana) como substratos para a construção de seus ninhos, feitos de galhos e ramos. Não se tinha registro da reprodução dessa espécie no parque desde os seus primórdios, pelo menos não com formação de colônia. As observações ao longo do período de monitoramento mostram que a disponibilidade de poleiros e substratos de nidificação é o principal fator que condiciona a formação de dormitórios e ninhais. Mostra, também, que algumas aves aquáticas conspícuas e comuns no passado diminuíram consideravelmente em número e já não são mais observadas com a mesma frequência e abundância na Bacia 7, como é o caso do gavião-caramujeiro e do biguá, ao passo que outras permanecem ou se tornaram frequentes, como o biguatinga (Anhinga anhinga), a garça- -branca-grande (Ardea alba), o tachã (Chauna torquata) e o savacu. Também é evidente, a partir dessas observações, que a composição da avifauna aquática é ainda mais dinâmica que a dos ambientes terrestres, com perdas e ganhos ocorrendo em uma escala de tempo muito menor e em estreita relação com o manejo da Bacia 7. O rebaixamento do nível d água do açude, por exemplo, inibe a formação de pouseiros e ninhais, mas por outro lado recria ambientes que desaparecem quando o nível está muito elevado, como os camalotes de grama-boiadeira, os tapetes de macrófitas flutuantes e os banhados marginais, o que acaba atraindo de volta espécies de aves como o maçarico-solitário (Tringa solitaria), o frango-d água-azul (Porphyrio martinicus) e a freirinha (Arundinicola leucocephala), registradas no parque em algumas ocasiões. De forma semelhante, a proliferação excessiva de macrófitas flutuantes, como a salvínia, ou enraizadas, como a erva-de-bicho, formando tapetes contínuos, beneficia aves que se alimentam acima d água e sobre a vegetação, a exemplo da jaçanã (Jacana jacana), do frango-d água-azul e do tachã. Por outro lado, afeta negativamente aves mergulhadoras ou que necessitam espelhos d água para se alimentar, como os biguás, biguatingas, martins-pescadores, garças e a águia-pescadora, que diminuem notoriamente na Bacia 7 ou desaparecem por ocasião da formação dos campos de salvínias. Assim sendo, o manejo ideal é aquele que gera a maior heterogeneidade de nichos, mantendo amplos espelhos d água para as aves mergulhadoras e pescadoras, mas ao mesmo tempo permitindo a formação de áreas com vegetação aquática emergente, necessárias às espécies que se ocultam, nidificam ou se alimentam em meio à vegetação. Evidências Reprodutivas Das 245 espécies de aves já registradas na Estação Ambiental Braskem, 146 (60%) se reproduzem ou potencialmente se reproduzem na área, ao menos ocasionalmente. Destas, 87 tiveram sua reprodução comprovada por evidências diretas registros de ninhos com ovos/filhotes, em construção ou abandonados e de filhotes recém-emplumados durante as atividades de monitoramento (Figura 14). Por outro lado, 99 espécies (40%) não se reproduzem no parque, seja porque não encontram ambientes favoráveis à reprodução, seja porque já desapareceram da área, ou ainda porque são visitantes de outras regiões que não nidificam no estado. Segundo os registros, o biguá (Phalacrocorax brasilianus), as garças-brancas e o tipio (Sicalis luteola) reproduziam-se na Estação Ambiental, no passado, mas não mais o fazem na atualidade. Sete espécies constatadas nidificando na Estação Ambiental durante o período de monitoramento não tinham sua reprodução no estado previamente confirmada por meio de evidências diretas, entre elas o aracuã (Ortalis squamata), o socó-boi-verdadeiro (Tigrisoma lineatum) e o enferrujado (Lathrotriccus euleri). Dessa forma, os estudos sobre a avifauna do parque têm contribuído significativamente para o conhecimento atual sobre o status e o comportamento reprodutivo das aves no Rio Grande do Sul (Maurício et al., 2013). Figura 14. Páginas 217 220 Ninhos e filhotes de aves na Estação Ambiental Braskem: A, garibaldi (Chrysomus ruficapillus); B, tororó (Poecilotriccus plumbeiceps); C, D, ninho e filhote de jaçanã (Jacana jacana); E, filhote de sabiá-ferreiro; F, filhotão de savacu (Nycticorax nycticorax); G, juriti-pupu (Leptotila verreauxi); H, coleirinho (Sporophila caerulescens); I, guaracava-de-bico-curto (Elaenia parvirostris); J, sabiá- -barranco (Turdus leucomelas); K, cavalaria (Paroaria capitata); L, tico-tico (Zonotrichia capensis) (fotos: G. A. Bencke). 216

Aves 14A 217

Habitantes 14C 14B 14D 218

Aves 14E 14F 14G 14H 219

Habitantes 14I 14J 14K 14L 220

Aves Algumas Aves da Estação Ambiental Braskem Marreca-pé-vermelho, Amazonetta brasiliensis (Figura 15). É uma ave amplamente distribuída pelo Brasil e Rio Grande do Sul, encontrada nos mais diversos tipos de ambientes aquáticos, como açudes, banhados e área de cultivo de arroz. Apresenta dimorfismo sexual (diferença entre os sexos) na plumagem e na cor do bico, que é vermelho no macho e escuro na fêmea. Durante o voo, chama a atenção uma grande área verde-azulada metálica nas asas, realçada por uma mancha branca. Tal como outras marrecas, alimenta-se de sementes e pequenos organismos em suspensão filtrados na água com o bico, que apresenta estruturas especiais em forma de pente nas bordas. Na Estação Ambiental, é comum e frequente na Bacia 7, onde até 15 20 indivíduos podem estar presentes ao mesmo tempo. Há registros em todos os meses do ano, indicando que é um residente anual na área. Biguatinga, Anhinga anhinga (Figura 16). Ave aquática amplamente distribuída no território nacional, com cerca de 1,2 m de envergadura (distância entre as extremidades das asas abertas). Sua alimentação consiste principalmente de peixes, que arpoa com o bico pontiagudo durante mergulhos prolongados. Quando ameaçada, deixa-se cair na água, submergindo e desaparecendo completamente por vários minutos. Na Estação Ambiental, tem presença regular na Bacia 7, onde normalmente de três a seis indivíduos, de distintas plumagens e faixas etárias, são vistos pousados na vegetação das margens ou em tocos dentro d água, sem formar agregações. Nessa situação, frequentemente permanecem longos períodos com as asas esticadas e a cauda entreaberta, secando a plumagem, já que suas penas encharcam durante o mergulho. Como precisam mergulhar para se alimentar, sua presença e abundância no parque são afetadas tanto pelo nível da Bacia 7 como pela proliferação excessiva de salvínias. Quando o nível da bacia está muito baixo e a sua superfície está tomada por plantas flutuantes, as aves que normalmente ocupam o parque buscam refúgio nas margens do rio Caí. Figura 15. Marreca-pé-vermelho, Amazonetta brasiliensis (foto: G. A. Bencke). Figura 16. Página 222 Biguatinga, Anhinga anhinga (foto: A. Becker). 15 221

Habitantes 16 222

Aves 17A Socó-boi-verdadeiro, Tigrisoma lineatum (Figura 17). Representante da família das garças, esse socó distribui-se amplamente pela América do Sul. Geralmente é encontrado solitário e escondido junto à vegetação que margeia os corpos d água. A plumagem varia muito de acordo com a idade, de tal forma que aves jovens grosseiramente barradas e adultas com pescoço avermelhado parecem pertencer a espécies distintas. Na Estação Ambiental, a espécie é residente e tem ocorrência regular. Sua reprodução já foi constatada no parque. Carão, Aramus guarauna (Figura 18). Ave aquática que, no Rio Grande do Sul, é encontrada principalmente na metade sul, utilizando diversos tipos de ambientes alagados, como banhados, açudes, campos inundados e canais de irrigação. Assim como o gavião-caramujeiro, alimenta-se essencialmente de caramujos de água doce. Ocupa regularmente a Bacia 7, onde geralmente é observado solitário e em pequeno número. É provável que nidifique no parque, pois aves jovens acompanhadas de adultos já foram vistas na área, em algumas ocasiões. 17B Coruja-orelhuda, Asio clamator (Figura 19). Ocorre em grande parte do Brasil, sendo mais escassa nas áreas densamente florestadas da Amazônia. No estado, é encontrada em quase todo o território, preferindo bosques e bordas de floresta, principalmente perto d água. Com cerca de 37 cm de comprimento, é uma predadora noturna de porte médio. Entre suas presas principais estão os roedores, aves e morcegos (Motta-Junior et al., 2004). É conhecida a predação do morcego hematófago transmissor do vírus da raiva por essa espécie. Na Estação Ambiental, a coruja-orelhuda é um ocupante ocasional, com registros em todas as estações do ano. Como comprovado por observações de campo, os seus territórios estendem-se além dos limites do parque, razão pela qual a espécie não tem ocorrência regular na área. 18 Figura 17. A, jovem; B, subadulto de socó-boi-verdadeiro, Tigrisoma lineatum (fotos: G. A. Bencke). Figura 18. Carão, Aramus guarauna (foto: G. A. Bencke). Figura 19. Página 224 Coruja-orelhuda, Asio clamator (foto: G. A. Bencke). 223

Habitantes 19 224

Aves Bacurau-norte-americano, Chordeiles minor (Figura 20). Esta ave de hábitos noturnos tem 23 cm de comprimento e pesa apenas cerca de 80 g, mas anualmente migra da América do Norte continental, sua área de reprodução principal, até a América do Sul, onde passa os meses de primavera e verão austrais. Seu alimento preferencial são os pequenos insetos das ordens Coleoptera (besouros) e Hymenoptera (vespas, formigas e abelhas), que captura em voo (Todd et al., 1998). Durante o dia, geralmente é encontrada imóvel no alto das árvores, pousada longitudinalmente sobre galhos horizontais. A plumagem da ave imita o padrão da casca dos galhos onde pousa, conferindo certa proteção por camuflagem. Na Estação Ambiental, a espécie é classificada como ocupante ocasional. Foi detectada quase que anualmente, entre 1989 e 2004, mas voltou a ser registrada somente em 2012 e 2013, após sete anos sem sua constatação no parque. É possível, porém, que tenha passado despercebida em alguns anos, devido aos seus hábitos noturnos e por ser difícil de detectar durante o dia. Geralmente é encontrada sobre as árvores maiores do estacionamento da Casa Rosa. Trai-se por um balançar rítmico do corpo, que realiza quando muda de posição no poleiro, imitando o balanço de um galho ao vento. Surucuá-variado, Trogon surrucura (Figura 21). No Rio Grande do Sul, esta espécie vistosa ocorre principalmente em florestas das porções norte e central. O ninho é geralmente escavado pelo casal no interior de cupinzeiros arborícolas. Figura 20. Bacurau-norte-americano, Chordeiles minor (foto: G. A. Bencke). Figura 21. Surucuá-variado, Trogon surrucura (foto: G. A. Bencke). 20 21 225

Habitantes 22 226

Aves A espécie apareceu na Estação Ambiental pela primeira vez em 2010 e, desde então, vem ocorrendo de forma regular. O monitoramento pelo método de mapeamento de territórios revela, inclusive, que sua população vem aumentando desde então. Tororó, Poecilotriccus plumbeiceps (Figura 22). Pesando apenas 6 g, é um dos menores pássaros do Rio Grande do Sul. Vive no estrato inferior denso de matas secundárias e capoeiras altas, preferindo as bordas. O ninho é uma bolsa suspensa, construída de folhas secas e fibras vegetais flexíveis. Na Estação Ambiental, a espécie foi encontrada em todos os anos de amostragem e em todos os meses do ano, sendo classificada como ocupante regular e residente anual. Embora ainda seja relativamente comum, os resultados dos censos revelam que a espécie está em declínio no parque, o que talvez esteja relacionado à redução das áreas de borda em consequência da regeneração florestal. Choca-da-mata, Thamnophilus caerulescens (Figura 23). No Brasil, ocorre nas regiões sul, sudeste e nordeste, habitando florestas e capoeiras altas. É comum em praticamente todo o Rio Grande do Sul. Ocupa territórios de aproximadamente 1 ha (Duca et al., 2006) e alimenta-se de artrópodes, principalmente lagartas de borboletas e mariposas. Na Estação Ambiental, é um pássaro comum nas áreas com vegetação arbórea mais alta e densa, presente em todas as estações. É classificado como um ocupante regular em situação estável, com registros em todos os anos, exceto 1987. Porém, não está entre as espécies mais abundantes no parque. A densidade de territórios reprodutivos mapeados entre 2005 e 2012 variou de zero a quatro ao ano, com média de 1,6 território. Figura 22. Tororó, Poecilotriccus plumbeiceps (foto: A. Becker). Figura 23. Choca-da-mata, Thamnophilus caerulescens (foto: G. A. Bencke). 23 227

Habitantes 24 Guaracava-de-bico-curto, Elaenia parvirostris (Figura 24). Pássaro migratório com cerca de 14 cm de comprimento, que se desloca anualmente de suas áreas de reprodução situadas no centro-sul da América do Sul para o centro e norte do continente. É encontrado no estado nos meses de primavera e verão. Na Estação Ambiental, apresentou ocorrência regular ao longo do período de monitoramento. O número de territórios reprodutivos mapeados entre os anos de 2005 e 2012 variou de três a 11, com média de 7,4 territórios por ano, o que lhe confere o título de espécie mais abundante nos ambientes terrestres do parque. Os seus ninhos graciosos, externamente ornamentados com liquens, são frequentemente encontrados na área. A postura normal é de dois a três ovos. Tesourinha, Tyrannus savana (Figura 25). No estado, está presente apenas nos meses de primavera e verão, sendo encontrada em todas as regiões, em áreas abertas ou semiabertas. A longa cauda bifurcada, com cerca de 29 cm, é mais comprida nos machos. Na Estação Ambiental, a tesourinha ocorre de setembro a fevereiro, sendo regularmente detectada ao longo dos anos. Por ser uma espécie campestre, é possível que tenha declinado nos primeiros anos de implantação do parque, mas atualmente está em situação estável, embora ocorra em um número relativamente baixo de territórios. Andorinha-doméstica-grande, Progne chalybea (Figura 26). A exemplo da tesourinha e da guaracava-de-bico-curto, é uma ave migratória residente de verão no Rio Grande do Sul. Para construção de seu ninho, frequentemente ocupa edificações humanas e também ninhos de joão-de-barro (Furnarius rufus). Na Estação Ambiental, é um ocupante regular presente entre agosto e abril, sendo observado com mais facilidade sobre as áreas gramadas entre a Casa Rosa e a Bacia 7. 25 Figura 24. Guaracava-de-bico-curto, Elaenia parvirostris (foto: G. A. Bencke). Figura 25. Tesourinha, Tyrannus savana (foto: G. A. Bencke). Figura 26. Andorinha-doméstica-grande, Progne chalybea (foto: G. A. Bencke). 228

Aves 26 229

Habitantes 27 230

Aves Cavalaria, Paroaria capitata (Figura 27). Este belo primo do cardeal tem ocorrência natural no extremo oeste do Rio Grande do Sul, mas a população encontrada no leste do estado é resultado da introdução humana na natureza, provavelmente a partir de solturas indiscriminadas (Bencke et al., 2010). A espécie começou a ser registrada na Estação Ambiental em 1999, mas tornou-se regular somente a partir de 2004, quando colonizou efetivamente a área. No parque, ocupa as margens da Bacia 7, pois é uma ave preponderantemente ribeirinha. Seu ninho geralmente é construído em galhos de arbustos ou arvoretas que se projetam acima d água. Os jovens, frequentemente vistos na Estação Ambiental, apresentam a cabeça alaranjada. Não há estudos acerca do impacto da introdução do cavalaria sobre as espécies nativas. Sábia-laranjeira, Turdus rufiventris (Figura 28). É um dos sabiás mais abundantes no Rio Grande do Sul. Ocorre também no leste, centro-oeste e nordeste do Brasil. Ocupa as bordas da mata, além dos mais diversos ambientes, como bosques, parques, quintais e o interior de florestas, onde se alimenta de frutos e invertebrados. Na Estação Ambiental, é um ocupante regular presente ao longo de todo o ano. É a terceira espécie mais abundante nos ambientes terrestres do parque, com até 10 territórios mapeados por ano. A sua população manteve-se estável até 2009, mas os dados dos últimos três anos de recenseamento sugerem que houve um declínio a partir de 2010. Figura 27. Cavalaria, Paroaria capitata (foto: A. Becker). Figura 28. Sabiá-laranjeira, Turdus rufiventris (foto: G. A. Bencke). 28 231

Habitantes Sanhaçu-papa-laranja, Pipraeidea bonariensis (Figura 29). Pássaro típico da região sul que apresenta marcante dimorfismo sexual. As fêmeas são acinzentadas com tons de azul e alaranjado pálido. Alimenta-se de frutos e folhas e ocupa desde matas ciliares e áreas campestres com presença de capões de mata até jardins e pomares em áreas urbanas. Na Estação Ambiental, é um ocupante regular escasso, com presença constatada em todos os meses. Pula-pula-assobiador, Myiothlypis leucoblephara (Figura 30). É um dos pássaros mais comuns nas matas do Rio Grande do Sul, onde ocupa o chão e a camada inferior da vegetação, geralmente abaixo de um metro de altura. Seu canto estridente apresenta um volume notável em relação ao tamanho da ave, tornando-o especialmente conspícuo. O ninho também é construído no solo, tendo o formato de um pequeno forno de hastes e talos vegetais flexíveis, coberto com folhas secas. Na Estação Ambiental, é um residente anual comum, sendo a quarta espécie mais populosa nos ambientes terrestres do parque, segundo os resultados dos censos. Fim-fim, Euphonia chlorotica (Figura 31). Tal como o sanhaçu- -papa-laranja, o fim-fim apresenta acentuado dimorfismo sexual na plumagem. Mede aproximadamente 9 cm de comprimento e pesa 8 g. A sua dieta consiste basicamente de frutos. Os gaturamos do gênero Euphonia são eficientes dispersores de plantas hemiparasitas, conhecidas popularmente como ervas-de-passarinho (Cazetta & Galetti, 2007), muito comuns no parque. Durante o período de monitoramento, a espécie foi encontrada anualmente e em todos os meses, enquadrando-se como ocupante regular e residente anual, ainda que pouco comum. Figura 29. Sanhaçu-papa-laranja, Pipraeidea bonariensis (foto: G. A. Bencke). Figura 30. Pula-pula-assobiador, Myiothlypis leucoblephara (foto: Jair G. Kray). Figura 31. Páginas 234, 235 A, macho; B, fêmea de fim-fim, Euphonia chlorotica (fotos: G. A. Bencke). 29 232

Aves 30 233

Habitantes 31A 234

Aves Agradecimentos Nossos agradecimentos aos administradores e funcionários da Estação Ambiental Braskem, os atuais e os que os antecederam, pelo apoio e suporte nas atividades de campo; a todos os pesquisadores convidados e alunos que, em algum momento, participaram do monitoramento da avifauna do parque junto conosco (André Barcelos Silveira, Jonas R. Rodrigues Rosoni, André de Mendonça Lima e Cyro Menezes da Glória); ao Laboratório de Geoprocessamento da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, pelo suporte durante o mapeamento de territórios; e, finalmente, mas não menos importante, aos demais ornitólogos responsáveis pelo monitoramento da avifauna no período de 1987 e 2003, Flávio Silva, Walter A. Voss, Eduardo P. de Albuquerque e Iury de A. Accordi, que ajudaram a construir a base de conhecimento sobre a avifauna da atual Estação Ambiental Braskem. 31B Autoria Glayson Ariel Bencke 1 e Mauricio da Silveira Pereira 2 1 Biólogo, Museu de Ciências Naturais, Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul; 2 Biólogo, Programa de Pós-Graduação em Biociências Zoologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Imagem de abertura. Jovem de biguatinga, Anhinga anhinga (foto: A. Becker) Referências Bibliográficas Bencke, G. A. 2010. New and significant bird records from Rio Grande do Sul, Brazil, with comments on biogeography and conservation of the southern Brazilian avifauna. Iheringia, Série Zoologia, 100(4):391-402. Bencke, G. A.; Dias, R. A.; Bugoni, L.; Agne, C. E.; Fontana, C. S.; Mauricio, G. N. & Machado, D. B. 2010. Revisão e atualização da lista de aves do Rio Grande do Sul, Brasil. Iheringia, Série Zoologia, 100(4):519-556. Cazetta, E. & Galetti, M. 2007. Frugivoria e especificidade por hospedeiros na erva-de-passarinho Phoradendron rubrum (L.) Griseb. (Viscaceae). Revista Brasileira de Botânica 30(2):345-351. Duca, C.; Guerra, T. J. & Marini, M. A. 2006. Territory size of three antbirds (Aves, Passeriformes) in an Atlantic forest fragment in southeastern Brazil. Revista Brasileira de Zoologia 23(3):692-698. Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul. 1988. Plano de manejo do Parque de Preservação Ambiental Copesul. Relatório técnico. Porto Alegre. 93 p. Mauricio, G. N.; Bencke, G. A.; Repenning, M.; Machado, D. B.; Dias, R. A. & Bugoni, L. 2013. Review of the breeding status of birds in Rio Grande do Sul. Brazil. Iheringia, Série Zoologia, 103(2):163-184. Motta-Junior, J. C.; Rodrigues, C. J. & Belentani, S. C. S. 2004. Food habits of the Striped Owl Asio clamator in South-East Brazil. P. 777-784 In: Chancellor, R. D. & Meyburg, B.-U. (eds.). Raptors worldwide. Berlim. WWGBP/MME. Todd, L. D.; Poulin, R. G. & Brigham, R. M. 1998. Diet of Common Nighthawks (Chordeiles minor: Caprimulgidae) relative to prey abundance. The American Midland Naturalist 139(1):20-28. 235