Estudo da biologia floral e requerimentos de polinização do muricizeiro (Byrsonima crassifolia L.). 1



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Transcrição:

Estudo da biologia floral e requerimentos de polinização do muricizeiro (Byrsonima crassifolia L.). 1 Study of biology and polination requirements of Byrsonima crassifolia L.). Júlio Otávio Portela Pereira 2, Breno Magalhães Freitas 3...... O muricizeiro (Byrsonima crassifolia, L.) é uma espécie vegetal nativa do Norte e Nordeste do Brasil, cujo fruto é explorado de forma extrativista por pequenas comunidades que o usam para alimentação e comércio. O presente estudo, conduzido em Beberibe CE, teve por objetivo investigar a biologia floral e os requerimentos de polinização do muricizeiro em seu habitat natural. Durante dois anos, observações diárias das plantas, inflorescências e flores, associadas a experimentos de polinização cruzada, autopolinização e restrição à polinização biótica, mostraram que o muricizeiro é uma planta predominantemente de polinização cruzada, e seu agente polinizador seja provavelmente, abelhas coletoras de óleos. A estratégia reprodutiva usada para assegurar a polinização em seu habitat natural de dunas, inóspito para a grande maioria dos agentes polinizadores bióticos, é o florescimento prolongado e a apresentação diária das flores. Termos para indexação: estratégia reprodutiva, florescimento, frutificação, murici, polinização. Byrsonima crassifolia, L. is a plant species native to the North and Northeast of Brazil which fruit is exploited by small communities for consumption and commerce. This study, carried out in the county of Beberibe, state of Ceará, Brazil, aimed to investigate the floral biology and pollination requirements of B. crassifolia in its natural habitat. Over two years, daily observations of plants, inflorescences and flowers associated to experiments of cross pollination, self pollination and restricted pollination showed that B. crassifolia is predominantly a cross pollination plant, probably by oil-collecting bees, which has a long blooming period and daily presentation of flowers, as a reproductive strategy to ensure pollination in its natural habitat of sand dunes, unbearable to most biotic pollinators. Index terms: blooming, fruiting, murici, reproductive strategy, polinnation. 1 Parte da dissertação de mestrado do primeiro autor, pesquisa financiada pela CAPES. 2 Engenheiro Agrônomo, Mestre em Zootecnia. E-mail: otavioportela@hotmail.com 3 Professor do Departamento de Zootecnia da UFC. E-mail: freitas@ufc.br Revista Ciência Agronômica, Vol. 33, N O. 2-2002: 5-12 5

Introdução O muricizeiro (Byrsonima crassifolia, L.) é uma espécie nativa do litoral do Norte e Nordeste do Brasil, cujo fruto é explorado de forma extrativista por pequenas comunidades tanto para consumo próprio como para a sua comercialização. O murici é coletado principalmente por mulheres e crianças, aproveitando a mão-de-obra disponível, diversificando a dieta e aumentando a renda familiar no período de safra da fruta (Corrêa, 1974; Braga, 1974; Silva, 1990). Apesar de sua importância social e econômica para as populações humanas que residem na área do seu habitat, o muricizeiro tem tido sua população natural bastante reduzida nos últimos anos devido à especulação imobiliária com a construção de casas de praia, condomínios, hotéis, pousadas e restaurantes nas dunas costeiras. Essas dunas, possuem solo com restrições ao uso agrícola, referente: a baixa fertilidade natural, textura excessiva, alta permeabilidade, baixa capacidade de retenção de água e susceptibilidade a erosão, principalmente eólica, formando relevo predominantemente acidentado (Iplance, 1995). Nesse contexto, o muricizeiro auxilia na fixação das dunas, podendo o seu desaparecimento levar a sérios problemas com o deslocamento das mesmas. Uma alternativa para a construção nessas áreas seria utilizar plantios do próprio muricizeiro para fixar as dunas em torno das edificações, preservando, assim, tanto o patrimônio edificado, quanto essa importante espécie vegetal. No entanto, apesar da importância local do muricizeiro, pouco se conhece sobre a sua reprodução, requerimentos de polinização, agentes polinizadores, sucesso reprodutivo da espécie e outros aspectos importantes para assegurar a sua perpetuação (Silva, 1990). Dessa forma, o presente trabalho propõe-se investigar a biologia floral e os requerimentos de polinização dessa espécie em seu habitat natural. Material e Métodos O trabalho foi realizado nas dunas do Distrito de Frecheiras no Município de Beberibe, litoral leste do estado do Ceará, nos anos de 1999 e 2000. A localidade é distante 66 km de Fortaleza, o acesso é realizado pela CE-040 e possui as seguintes coordenadas geográficas: 4º10 47"S e 38º07 50" O (Iplance, 1995). Foram coletados dados relativos à biologia floral (época e duração do florescimento, número médio de inflorescência produzida por planta, antese das flores, deiscência das anteras) e requerimentos de polinização da espécie. Biologia floral Os dados relativos à época e duração do florescimento foram coletados durante os dois anos de estudo, quando foi observado o mês de início e final de florescimento da maioria das plantas estudadas, permitindo determinar o período do ano em que a espécie floresce e a extensão do seu florescimento. O número médio de inflorescência por planta foi obtido contando-se o total individual de inflorescências em 60 arbustos escolhidos ao acaso. Para estima o número médio de flores abertas por inflorescência a cada dia fez-se a contagem da quantidade de flores após a antese em 122 inflorescências escolhidas ao acaso dentre as diversas plantas. Estas informações foram coletadas durante o período de pico do florescimento da espécie. O horário de antese das flores foi investigado marcando 40 botões florais na véspera da abertura das flores. No dia seguinte, as flores foram observadas a cada 30 minutos entre 5:00 e 17:00 h, anotando-se quando ocorria a antese. O horário de deiscência das anteras foi obtido de forma semelhante. Quarenta botões florais foram marcados e no dia seguinte, após a antese, suas anteras foram observadas com uma lente óptica de aumento, anotando-se, o número de flores que liberavam pólen de suas anteras a cada intervalo de duas horas, entre 5:00 e 17:00 h. Requerimento de polinização do muricizeiro O requerimento de polinização do muricizeiro foi estudado escolhendo-se aleatoriamente 160 botões florais entre os arbustos, dividindo-os em quatro grupos de 40 botões. Para determinar o nível de polinização natural da área, 40 botões foram marcados com uma fita impermeável colorida e etiquetada amarrada ao pecíolo (T 1 ). Os demais 120 botões, foram protegidos por sacos de tela de nylon. Após a abertura das flores, 40 botões receberam autopolinização manual (T 2 ) e 40 sofreram polinização cruzada manual (T 3 ), todos os botões foram ensacados novamente após a polinização. Os 40 botões restantes permaneceram ensacados (T 4 ), 6 Revista Ciência Agronômica, Vol. 33, N O. 2-2002: 5-12

e não foram polinizados manualmente, visando acessar o papel do vento na polinização do muricizeiro. Todos os tratamentos foram identificados por fitas de colorações diferentes, cujas etiquetas continham o tipo de tratamento, data e hora. Todas as flores marcadas foram acompanhados até a colheita, com a anotação dos frutos vingados aos 5 dias e frutos remanescente aos 30 dias. Análise estatística Observações relativas à biologia floral do muricizeiro foram descritas por meio do cálculo das respectivas médias e desvios padrões correspondentes a cada análise do parâmetro em estudo. Os dados sobre requerimentos de polinização foram analisados por meio do teste não paramétrico de Kruskal-Wallis (Zar, 1984), devido ao seu caráter binomial (vingou fruto=1 x não vingou fruto=0), que não atende as pressuposições da ANOVA. As diferenças entre médias foram calculadas usando-se testes não paramétricos de comparação múltipla (Zar, 1984). Resultados e Discussão Biologia floral O florescimento do muricizeiro estendeu-se por quatro meses, de outubro a janeiro, nos anos de realização do estudo (1999 e 2000). O pico do florescimento ocorreu em dezembro, com 65% das plantas apresentando flores. A frutificação teve seu início no final de dezembro, prolongando-se até o final de abril. O florescimento no segundo semestre do ano e um período de florescimento prolongado são características comuns a frutíferas tropicais, estando geralmente associadas a estratégias reprodutivas para assegurar polinização em ambientes com poucos agentes polinizadores e/ou recursos nutricionais limitados (Freitas e Paxton, 1996; 1998; Freitas et al., 1999). O número médio de inflorescência por planta foi de 71,81 ± 11,72 (n = 60). É importante salientar, que concomitante ao período de coleta de dados, ocorria a presença de plantas que apresentavam estágios fenológicos diferentes como, por exemplo, ausência de flores e presença de frutos. A inflorescência do muricizeiro mostrou-se do tipo racemo terminal, medindo entre 7 e 11cm de comprimento. O número médio de flores abertas por inflorescência a cada dia foi de 32,0 ± 11,73 flores (n = 122), sendo esses dados inferiores aos valores de 40 a 50 flores encontradas por Silva (1990). As flores do muricizeiro mostraram-se hermafroditas zigomorfas (14mm x 7mm), com a corola composta por 5 pétalas amarelas ungüiculadas, sendo que a pétala superior, distingue-se das demais pela forma em estandarte, por ser menor e mais espessa. O cálice é formado por 5 sépalas, cada uma delas com um par de glândulas externas elípticas epiteliais, produtoras de óleos, denominadas elaióforos. O androceu é formado por dez estames férteis, com anteras ovaladas e filetes concrescidos na base. O gineceu é composto por ovário súpero, tricarpelar, trilocular, com um óvulo por lóculo, três estiletes longos, os quais ultrapassam o limite superior das anteras, sendo agudos no ápice e livres entre si. Essas observações corroboram com as de Teixeira (1998). As flores apresentaram antese das 5:00 h às 17:00 h, com exceção do período compreendido entre 13:00 h e 15:30 h (Figura 1). A maior abertura de flores ocorreu nas horas frias do dia, entre 6:00 e 8:00 horas com pico às 7:00 horas (Figura 1). As flores localizadas em arbustos expostos aos primeiros raios solares abriram mais cedo, enquanto, aquelas sombreadas, a antese ocorreu mais tarde. Também foi observado que até 12:00 h a antese já havia ocorrido em 85% dos botões florais, em oposição a apenas 15% de abertura acontecendo na segunda metade do dia (Figura 1). As flores permaneceram abertas por 24 h. Após este período ocorreu o escurecimento e queda das anteras, das pétalas e o ressecamento das glândulas de óleo, embora nem sempre esses eventos ocorressem nessa ordem. A deiscência das anteras é longitudinal e ocorreu ao longo do dia, iniciando-se, em algumas flores, antes da antese, confirmando as observações de Teixeira (1998). O padrão de deiscência das anteras foi semelhante ao observado para a antese, com a liberação de pólen predominando no período da manhã; anteras de 39 flores (97,5%) deiscentes até o meio dia, e apenas de 1 (0,25%), no período da tarde (Figura 2). As flores não produziram néctar e os grãos de pólen são viscosos e recobertos por óleos. Além disso, cada flor possui cerca de 10 grandes glândulas produtoras de óleos (elaióforos epiteliais) no cálice. Essas são características associadas à polinização biótica, pois enquanto os óleos secretados nas Revista Ciência Agronômica, Vol. 33, N O. 2-2002: 5-12 7

9 8 Número de flores 7 6 5 4 3 2 abertu % 1 0 05:00 06:00 07:00 08:00 09:00 10:00 11:00 12:00 13:00 14:00 15:00 16 Horário de abertura Figura 1- Padrão diário de antese das flores do muricizeiro (B. crassifólia), em Beberibe-CE, entre os anos de 1999 e 2000. 30 25 Número de flores 20 15 10 5 0 liberação % 05:00 07:00 09:00 11:00 13:00 15:00 1 horário de liberação do pólen Figura 2- Padrão de liberação de pólen no muricizeiro (B. crassifólia), em Beberibe-CE, entre os anos de 1999 e 2000. glândulas das flores atraem visitantes florais que os usam como fonte de alimento para suas crias, os óleos presentes nos grãos de pólen facilitam a aderência do pólen aos seus corpos fazendo com que atuem como agentes polinizadores da espécie (Faegri e Van Der Pijl, 1979; Freitas et. al., 1999). Segundo Simpson et. al. (1990), a polinização de todas as famílias de plantas do Novo Mundo que secretam óleos, exceto Primulaceae, está relacionada a abelhas exomalopsine e centridine (Hymenoptera, Anthophoridae). Há necessidade de investigar os agentes polinizadores do muricizeiro. Requerimento de polinização do muricizeiro As observações coletadas cinco dias após a manipulação das flores mostraram diferenças significativas (χ 2 = 85,458; gl = 3; P<0,05) no vingamento inicial dos frutos entre os quatro tratamentos aplicados. A polinização livre e a polinização manual cruzada apresentaram os maiores números de frutos vingados e não diferiram entre si, mas diferiram dos demais tratamentos. A autopolinização apresentou baixo índice, sugerindo algum grau de auto-incompatibilidade no murici. O tratamento de 8 Revista Ciência Agronômica, Vol. 33, N O. 2-2002: 5-12

polinização restrita não vingou nenhum fruto, descaracterizando o vento como agente polinizador (Tabela 1). A pouca ou nenhuma participação do vento na polinização de fruteiras tropicais, particularmente da família Malpighiaceae, já foi demonstrado por outros autores (Freitas e Paxton, 1996; 1998; Freitas et al. 1999; Holanda-Neto, 1999). Tabela 1- Vingamento, persistência e produção de frutos no muricizeiro aos 5, 30 e aproximadamente 120 dias respectivamente, sob quatro tratamentos de polinização das flores. Tratamentos Nº de Número de frutos vingados Nº de frutos colhidos flores aos 5 dias (%) aos 30 dias (%) aos 120 dias (%) Polinização livre 40 33a (82,50) 30a (75,00) 30a (75,00) Polinização manual cruzada 40 36a (90,00) 32a (80,00) 32a (80,00) Autopolinização manual 40 14b (35,00) 9b (22,50) 9b (22,50) Polinização restrita 40 0c (00,00) 0c (00,00) 0c (00,00) Valores seguidos pelas mesmas letras nas colunas não diferem a P < 0,05. Aos trinta dias após a polinização, observaram-se diferenças significativas (χ 2 = 74,958, gl = 3, P < 0,05) entre os tratamentos no que diz respeito à retenção dos frutos vingados. Os tratamentos de polinização manual cruzada e polinização natural apresentaram os maiores números de frutos retidos e não diferiram entre si (Tabela 1). Porém, esses tratamentos diferiram significativamente (P<0,05) do tratamento de autopolinização e esse, por sua vez, também diferiu do tratamento de polinização restrita. A colheita dos frutos ocorreu quando esses encontravam-se de vez, o que, nesse experimento, ocorreu em média aos 125,01 ± 15,01 dias (n=120) após a manipulação e polinização das flores. Como não foi verificada nenhuma queda de fruto depois de um mês de desenvolvimento, o número de frutos colhidos ao final do experimento foi rigorosamente igual àquele observado aos 30 dias após a polinização das flores (Tabela 1), tornando desnecessário novos testes estatísticos. O tratamento de autopolinização manual produziu um número de frutos significativamente menor do que o de polinização livre e polinização cruzada, sugerindo um certo grau de auto-incompatibilidade no murici. Esse indício é reforçado pela constatação de que embora todos os tratamentos tenham perdido frutos entre o 5º e o 30º dia após a polinização, as perdas foram significativamente (P<0,05) maiores no tratamento de autopolinização (36%) que na polinização livre (9%) e polinização cruzada manual (11%). As perdas verificadas nos dois últimos tratamentos também podem ser devido a algum tipo de incompatibilidade, haja vista que na polinização livre o próprio pólen da flor ou de outra flor da mesma planta pode ser depositado no estigma. No caso da polinização manual cruzada, não se conhece a compatibilidade entre pólen e estigma das plantas utilizadas. A literatura (Faegri e Van Der Pijl 1979; Free 1993; Freitas e Paxton, 1996; 1998; Holanda-Neto, 1999) mostra que várias espécies vegetais apresentam autoincompatibilidade total ou parcial inter e/ou intravariedades. Por outro lado, considerando-se que a polinização livre favorece a movimentação dos insetos entre flores diferentes, fica evidente que o muricizeiro requer, preferencialmente, polinização cruzada para maximizar o seu potencial produtivo, podendo esse tipo de polinização levar a incrementos da ordem de 157% no vingamento inicial de frutos e 255% na colheita de frutos maduros, quando comparado à autopolinização manual. Aliás, pôde-se observar que o muricizeiro não perde mais frutos após os 30 dias da polinização (Tabela 1), indicando que as perdas podem ser relacionadas a processos fisiológicos da polinização/fecundação (Holanda Neto et al., 2002). Essas constatações reforçam a proposição de que o muricizeiro possua algum mecanismo de auto-incompatibilidade. Esses resultados estão de acordo com os achados de Silva (1990) e Teixeira (1998). A polinização cruzada não diferiu estatisticamente da polinização livre. Embora os valores de vingamento inicial e colheita de frutos sejam ligeiramente superiores para o tratamento de polinização manual cruzada, o resultado obtido no tratamento de polinização livre mostra, claramente, não haver diferença entre esses dois tratamentos e que as plantas da área estudada estão recebendo níveis de polinização adequados para atingir sua capacidade máxima produtiva. Situações como essa são difíceis de ocorrer, principalmente em ambientes perturbados por edificações e atividades humanas, como no caso em estudo. Revista Ciência Agronômica, Vol. 33, N O. 2-2002: 5-12 9

Conclusões Conclui-se que o muricizeiro é uma planta predominantemente de polinização cruzada, provavelmente melitófila, que possui florescimento prolongado e apresentação diária de flores, como estratégia reprodutiva para assegurar a polinização em seu habitat natural de dunas, inóspito para a grande maioria dos agentes polinizadores bióticos. Referências Bibliográficas BRAGA SOBRINHO, R. Plantas do Nordeste Especialmente do Ceará. 3.ed.,1974. 347p. (Coleção Mossoroense, v.42) CORRÊA, M.P. Dicionário das Plantas Úteis do Brasil e das Exóticas Cultivadas. Rio de Janeiro. Ministério da Agricultura, 1974, 268p. FAEGRI, K.; VAN DER PIJL, L. The principles of pollination ecology. 3.ed. Oxford: Pergamon Press, 1979. 244p. FREE, J.B. Insect pollination of crops. 2.ed. London: Academic Press, 1993. 684p. FREITAS, B.M.; PAXTON, R.J. The role of wind and insects in cashew (Anacardium occidentale L.) pollination in NE Brazil. Journal of Agricultural Science. v.126, p.319-326, 1996. FREITAS, B.M.; PAXTON, R.J. A comparison of two pollinators: the introduced honey bee Apis mellifera and a indegenous bee Centris tarsata on cashew Anacardium occidentale in its native range of NE Brazil. Journal Applied Ecology. v.35, p.109-121, 1998. FREITAS, B.M.; ALVES, J.E.; BRANDÃO, G.F.; ARAÚJO, Z.B. Pollination requirements of West Indian cherry (Malpighia emarginata) and its putative pollinators, Centris bees, in NE Brazil. Journal of Agricultural Science, Cambridge, v.133, p.303-311. 1999. HOLANDA-NETO, J.P. O papel do comportamento de pastejo da abelha melífera (Apis mellifera L.) e o tipo de polinização na produtividade do cajueiro (Anacardium occidentale L.). 1999. 60 f. Dissertação (Mestrado em Zootecnia)- Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. HOLANDA-NETO, J.P.; FREITAS, B.M.; BUENO, D.M.; ARAÚJO, Z.B. Low seed/nut productivity in cashew (Anacardium occidentale): Effects of selfincompatibility and honey bee (Apis mellifera) foraging behaviour. Journal of Science & Biothechnology. v.77, n.2, p.226-231. 2002. Anuário Estatístico do Ceará. Fortaleza. IPLANCE: Governo do Estado do Ceará. 1995, Fortaleza. CD. SIMPSON, B.B.; NEFF, J.L.; DIERINGER, G. The production of floral oils by Monttea (Scrophulariaceae) and the function of tarsal pads in Centris bees. Plant Sistematics and Evolution. v.173, p.209-222. 1990. SILVA, S.I. Floração e Frutificação de Duas Variedades de Byrsonima verbassifolia, DC. 1990. 92 f. Dissertação (Mestrado em Biologia) Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife. TEIXEIRA, L.A.G. Sistema de Polinização e de Reprodução de Byrsonima sericea DC (MALPIGHIACEAE). 1998. 46 f. Monografia (Bacharelado em Biologia-Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife. ZAR, J.H. Biostatistical Analysis. 2.ed, New Jersey, Prentice-Hall Inc. U.S.A. 718p. 10 Revista Ciência Agronômica, Vol. 33, N O. 2-2002: 5-12