Reabilitação de jabuti (Chelonoidis carbonaria) com problema de casco: relato de caso

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Transcrição:

91 Relato de experiência Reabilitação de jabuti (Chelonoidis carbonaria) com problema de casco: relato de caso Rehabilitation of tortoise (Chelonoidis carbonaria) with husk problems: case report Marcel Ricardo Museti (1) Maria Aoki (2) Sonia Regina Pinheiro (3) Resumo. Quelônios mantidos em cativeiros podem apresentar distúrbios relacionados ao manejo incorreto. Neste relato de caso, um jabuti (Chelonoidis carbonaria) apresentando um quadro de hiperparatireoidismo nutricional secundário é submetido a uma avaliação e a um período de monitoramento (ainda em andamento) com fisioterapia, reeducação alimentar e uso de prótese móvel para possibilitar sua posterior reintrodução ao convívio com animais da mesma espécie, em cativeiro conservacionista. Palavras-chave: Hiperparatireoidismo nutricional secundário; Chelonoidis carbonaria; jabuti; reabilitação. (1) Médico veterinário autônomo, especialista em Clínica e Cirurgia de Animais silvestres; e-mail: marcelmtz@gmail.com (2) Estudante de medicina veterinária nas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). (3) Professora doutora associada (aposentada) do Dep. Med. Vet. Preventiva e Saúde Animal da FMVZ/USP. Recebido em: 25 set. 2013 Aceito em: 20 out. 2013 Publicado em: 31 jan. 2014 Abstract. Chelonians kept in captivity may present disorders related to incorrect management. In the present case report, a tortoise (Chelonoidis carbonaria) with a secondary nutritional hyperparathyroidism is submitted to an evaluation and a period of follow-up (which is still on) with physiotherapy, nutrition reeducation, and use of mobile prosthesis to allow it to further reintroduction and getting along with animals of the same species within a conservationist captivity facility. Keywords: Secondary nutritional hyperparathyroidism; Chelonoidis carbonaria; tortoise; rehabilitation. 1 Introdução Os répteis representam uma classe de animais cada vez mais explorados como pets, seja por possuírem aparência diferente, por demandar menor trabalho e despesas para o criador, por caráter conservacionista ou até mesmo por superstição (MESSONIER, 1996). No Brasil, existe a crença popular de que a presença de um jabuti em casa beneficia a saúde de quem tem criança com asma (BARBOSA et al., 2007); este fato explica, em parte, a popularidade desta espécie como pet já que, mesmo clandestinamente, animais têm sido criados em cativeiro domiciliar e, na maioria das vezes, de forma inadequada, o que acaba desencadeando distúrbios osteometabólicos em decorrência de longos períodos de manejo inadequado. Apesar de parecerem animais que demandam poucos cuidados de quem os mantêm (se comparados a cães e gatos), répteis necessitam de manejo específico para que seu metabolismo funcione de maneira adequada. Cuidados como controle de temperatura, luminosidade, umidade, dieta balanceada e recinto apropriado são essenciais para a qualidade de vida e desenvolvimento destes animais (McARTHUR & BARROWS, 2004).

92 O grande desafio do veterinário ao atender um animal com problemas osteodistróicos, além de encaminhá-lo para local adequado, é o de conseguir prepará-lo para que tenha condições de sobrevivência e interação social com animais da mesma espécie, uma vez que muitas das alterações da estrutura óssea adquiridas são limitantes e irreversíveis. Neste relato de caso, um animal da espécie Chelonoidis carbonaria apresentando um quadro de hiperparatireoidismo nutricional secundário é submetido a uma avaliação e a um período de monitoramento (ainda em andamento) com fisioterapia, reeducação alimentar e uso de prótese móvel para possibilitar sua posterior reintrodução ao convívio com animais da mesma espécie, em cativeiro conservacionista. 2 Relato de experiência Um jabuti de nome Belezura (representante da espécie Chelonoidis carbonária), macho, chegou à clínica veterinária Animale Selvaggio (São Paulo SP) com o seguinte histórico: o animal foi entregue à responsável atual, advindo de uma moradora de rua, que informou ter ganhado o animal de uma senhora que passava pela rua e que ele tinha 30 anos de idade. Sua alimentação limitava-se a restos de alimentos, principalmente arroz e feijão. Permanecia o tempo todo em caixa de papelão pequena. Na anamnese, a proprietária atual informou que o animal apresentava normorexia e normoquesia. Disse ainda que iniciou um processo de correção nutricional que consistia em uma dieta composta em 60% de verduras escuras; 20% de frutas; 15% de legumes e 5% de ração comercial. Ao exame físico, observaram-se os seguintes problemas: severa deformidade da carapaça (Fig. 1); escore corporal muito abaixo do ideal para a espécie; ornicogrifose em membros pélvicos; mucosas hipocoradas e ressecadas, indicando grau leve de desidratação; posicionamentos anormais dos membros; ausência de desgaste do plastrão na região da inserção dos membros pélvicos. O animal, com 1,360 kg de massa, apresentava grande dificuldade em se locomover, ficando quase que em tempo integral apoiado sobre a cauda exposta. Figura 1. Vista lateral (A) e dorso ventral (B) do jabuti, antes do tratamento (Arquivo pessoal, 2013). Como tratamento imediato, foi realizada a administração de gluconato de cálcio por via intracelomática, na dose de 30 mg.kg -1 ; corte de unhas e a improvisação de um apoio artificial na região do plastrão (utilizando tampa plástica de desodorante com superfície arredondada), com o objetivo de evitar a formação de escaras por decúbito prolongado e incentivar o apoio dos membros pélvicos e sua reabilitação motora e muscular (Fig. 2).

93 Figura 2. Vista lateral (A) e dorsoventral (B) do jabuti com a colocação do apoio artificial (Arquivo pessoal, 2013). Ao exame de sangue, constatou-se a diminuição do número de hemácias e hemoblogina e hematócrito normal, sugerindo uma anemia regenerativa hemolítica e nível de hidratação normal. No leucograma, foi observada leucopenia, com diminuição de linfócitos, sugerindo processo infeccioso agudo, inflamação ou apenas quadro fisiológico do animal. Alterações nos resultados de hemograma podem ocorrer em decorrência do estresse causado ao animal no momento da colheita (CAMPBELL, 2004). Ao exame coproparasitológico, foram identificados os protozoários Balantidium sp (++) e Nyctotherus sp (+), considerados parasitos comuns na microbiota de animais saudáveis (McARTHUR & BARROWS, 2004), optando-se por não tratar o animal contra os parasitos. As radiografias (Fig. 3) mostraram radiopacidade normal dos ossos dos membros, porém com hipercalcemia no casco, limitando o espaço dos pulmões, se comparados ao exame de um animal sadio. Figura 3. Projeções ventro-dorsal (A) e látero-lateral (B) das radiografias do jabuti (Arquivo pessoal, 2013). Após a observação da adaptação do animal na primeira semana com a prótese, foi alterada a posição e quantidade de próteses, sendo dois pinos contralaterais móveis, que estão sendo alternados a cada dois dias, ora suportando o eixo cranial do plastrão, ora o eixo caudal (Fig. 4). Foi proposta a remodelação do plastrão em região de inserção dos membros, porém a proprietária declinou, optando por uma recuperação menos invasiva.

94 Figura 4. Vista lateral com prótese cranial (A), vista lateral com prótese caudal (B) e vista ventral com prótese cranial (C) do jabuti (Arquivo pessoal, 2013). 3 Discussão As deformidades de casco de um animal adulto que tenha sofrido de raquitismo são irreversíveis e pouco se sabe sobre a melhor maneira para readaptar um réptil que tenha sofrido alterações estruturais. Entretanto, é sabido que a recuperação desta classe deve obedecer ao ritmo metabólico da espécie, podendo demandar meses para que se alcancem resultados satisfatórios (MADER, 1996). Em casos de hipercalcemia, foram encontrados relatos de intervenções cirúrgicas a fim de remodelar o plastrão de jabutis e seções de fisioterapia com objetivo de ampliar o espaço para movimentação dos membros (LAURIGGIO et al., 2006) e posterior acompanhamento com seções de fisioterapia. No presente relato, a proprietária não permitiu, no primeiro estágio do tratamento, este tipo de intervenção; entretanto, o animal já está fazendo acupuntura e fisioterapia associada a banhos mornos diários recomendados. Quanto à correção da dieta, McArthur e Barrows (2004) propõem uma alimentação com 75 a 95% de folhas verdes escuras e 5 a 15% de legumes, justificando que, devido aos altos índices de açúcares, as frutas devem ser utilizadas com cautela, não ultrapassando 10% da alimentação total do animal. Neste caso, a mudança será feita gradativamente, pois o animal demonstra preferência por frutas. Até agosto de 2013, o animal já havia realizado quatro semanas de fisioterapia e havia demonstrado melhoras nos movimentos dos membros posteriores (MPs), em especial o MPE, que desde o início tem melhor desempenho; movimenta-se, mas ainda não apresenta sustentação do plastrão. Os membros anteriores (MAs) ainda apresentam dificuldades de sustentação, embora articulem-se bem. Novas avaliações deverão ocorrer, mensalmente, para o reajuste de conduta. 4 Considerações finais No âmbito de reintroduzir o animal ao plantel, o apoio providenciado favorece a locomoção, desde que a superfície do solo possua aderência mínima, tornando possível a ambulação e, consequentemente, viabilizando sua alimentação e interação com o ambiente de maneira voluntária. Apesar de se ter alcançado êxito parcial, o processo é lento e muito ainda deve ser feito para aperfeiçoar a recuperação deste animal. Observou-se a necessidade da contribuição de especialistas, tais como fisioterapeutas, para que os movimentos naturais da espécie sejam estimulados de maneira correta, com recuperação muscular e articular, visando à adequação das próteses.

95 Vale ressaltar que a colaboração da proprietária está sendo essencial para os resultados alcançados, uma vez que o trabalho do clínico deve ser continuado no ambiente em que este animal vive. A falta de materiais científicos sobre este tema dificulta o trabalho do clínico ao se pensar em readaptação de animais silvestres. Portanto, cabe ao profissional buscar soluções partindo do conhecimento biológico da espécie atendida para garantir a este animal condições necessárias para sua readaptação. Este processo exige criatividade e paciência por parte do técnico, além de total colaboração do proprietário. Referências BARBOSA, A. R. et al. Abordagem etnoherpetológica de São José da Mata Paraíba Brasil. Revista de Biologia e Ciências da Terra, v. 7. n. 2, p. 117-123, 2007. Disponível em: <http://eduep.uepb.edu.br/rbct/sumarios/pdf/etnoherpetologia.pdf>; acesso em: 18 Jul. 2013. CAMPBELL, T. W. Hematology of reptiles. In: THRALL et al. Veterinary hematology and clinical chemistry. Philadelphia: Lippincott Williams and Wilkins, 2004. LAURIGGIO, A. J. et al. Reabilitação de Jabuti Piranga (Geochelone carbonaria) com atrofia de apêndices pélvicos associada ao hipercrescimento de carapaça e plastrão: relato de caso. Revista Universidade Rural, v. 26, p. 89-90, 2006. Disponível em: <http://www.editora.ufrrj.br/rcv2/rcv26supl/scv%2026%20supl.pdf>; acesso em: 26 jul. 2013. MADER, D. R. Reptile medicine and surgery. Philadelphia: WB Saunders Company, 1996. McARTHUR, S.; BARROWS, M. Nutrition. In: McARTHUR, S.; WILKINSON, R.; MEYER, J. Medicine and surgery of tortoises and turtles. Iowa-EUA: Blackwell Publishing, 2004. MESSONIER, S. Common reptile disease and treatment. Ames, IA: Blackwell Science, 1996. Como citar este relato de experiência MUSETI, M. R.; AOKI, M.; PINHEIRO, S. R. Reabilitação de jabuti (Chelonoidis carbonaria) com problema de casco: relato de caso. Scientia Vitae, vol. 1, n. 3, ano 1, jan. 2014, p. 91-95. Disponível em: </>; acesso em: / /.