ARTIGO ORIGINAL SINTOMAS AUDITIVOS E NÃO AUDITIVOS EM TRABALHADORES EXPOSTOS AO RUÍDO



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Transcrição:

ARTIGO ORIGINAL SINTOMAS AUDITIVOS E NÃO AUDITIVOS EM TRABALHADORES EXPOSTOS AO RUÍDO Cristiane Pinto Nunes a Tania Regina Mathias de Abreu a Valéria Cristina Oliveira b Renata Mathias de Abreu c Resumo Níveis de pressão sonora elevados podem causar riscos à saúde auditiva, bem como à saúde geral dos trabalhadores expostos, exigindo medidas preventivas individuais e coletivas que favoreçam a diminuição ou anulação do risco ruído no ambiente de trabalho. O objetivo deste estudo é verificar a ocorrência de sintomas auditivos e não auditivos em trabalhadores expostos ao ruído ocupacional. Adotou-se o estudo transversal como metodologia de pesquisa. Os instrumentos de coleta de dados foram o questionário elaborado pelas pesquisadoras e exames de audiometria realizados quando da admissão dos participantes da pesquisa na empresa. Os resultados indicam que os sintomas auditivos mais relatados foram zumbido (27,27%), cujo aumento na ocorrência foi diretamente proporcional ao tempo na função, e incômodo a sons fortes (18,18%); entre os sintomas não auditivos, o mais relatado foi ansiedade (30,30%). Conclui-se que, quanto maior o tempo de exposição ao ruído, maior a ocorrência de sintomas. Assim, a implantação de um programa de conservação auditiva é de fundamental importância. Palavras-chave: Sintomas auditivos. Sintomas não auditivos. Ruído ocupacional. Zumbido. a Fonoaudiólogas. Especializandas em Audiologia pela União Metropolitana de Educação (UNIME-BA). b Fonoaudióloga com Especialização em Audiologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). c Fonoaudióloga. Especialista em Audiologia pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFa). Mestre em Clínica Fonoaudiológica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Endereço para correspondência: Rua Dr. Augusto Lopes Pontes, no. 60, apart. 502, Costa Azul, Salvador, Bahia. CEP: 41.760-035. crispnunesfono@gmail.com 548

Revista Baiana de Saúde Pública AUDITORY AND NON AUDITORY SYMPTOMS AMONG WORKERS EXPOSED TO NOISE Abstract High sound pressure levels can cause hearing impairment and damage the general health of workers exposed to it as well. It requires individual and collective preventive measures, which reduce or null noise at the workplace. The aim of this study was to verify the occurrence of auditory symptoms and not hearing in workers exposed to occupational noises. A cross-sectional study was adopted. The data was collected through a questionnaire developed by the researches and through the results of audiometric test done with each employee upon hiring. The results showed that among the auditory symptoms, the most reported were tinnitus (27,27%) whose increase in the occurrence was directly proportional to time the employee developed a function. The second most reported was discomfort to loud noise (18,18%). Among the non-auditory symptoms, anxiety was the most reported (30,30%). This study concludes that the longer the duration of noise exposure, the greater the occurrence of the symptoms. Therefore, the deployment of a hearing conservation program is very important. Key words: Auditory symptoms. Non-auditory symptoms. Ocupacional noise. Tinnitus. LOS SINTOMAS AUDITIVOS Y NO AUDITIVOS EN TRABAJADORES EXPUESTOS AL RUIDO Resumen Altos niveles de presión sonora pueden causar riegos a la salud auditiva, bien como a la salud general de los trabajadores bajo exposición, exigiendo medidas preventivas individuales y colectivas destinadas a favorecer la reducción del riesgo o anulación del ruido en el ambiente de trabajo. El objetivo de este estudio es verificar la ocurrencia de síntomas auditivos y no auditivos en trabajadores expuestos al ruido ocupacional. Como metodología de investigación se adoptó el estudio de corte transversal. Los instrumentos de recolección de datos fueron un cuestionario elaborado por las investigadoras y exámenes audiométricos realizados en la empresa por los participantes de la investigación al momento de la admisión. Los resultados indican que los síntomas auditivos más relatados fueron el zumbido (27,27%), cuyo aumento de incidencia fue directamente proporcional al tiempo de permanencia en la función, e incomodidad a los sonidos fuertes (18,18%); e, entre los síntomas no auditivos, el más relatado fue la ansiedad (30,30%). Se concluye que, cuanto mayor es el tiempo de v.35, n.3, p.548-555 jul./set. 2011 549

exposición al ruido, mayor es la ocurrencia de los síntomas. De este modo, la aplicación de un programa de conservación auditiva es de fundamental importancia. Palabras-clave: Síntomas auditivos. Síntomas no auditivos. Ruido en el trabajo. Zumbido. INTRODUÇÃO Nos centros urbanos, há ocorrência de significativa poluição sonora, que advém de diversas origens: ruído de trânsito, ruído de ambientes noturnos, indústrias, sinos, buzinas, apitos, alto-falantes, vendedores ambulantes, animais, aeroportos, manifestações religiosas e/ou políticas, propagandas, quadras de esportes, barulhos de vizinhança, entre outros. O ruído é considerado um dos agentes físicos nocivos mais comuns no ambiente de trabalho e suas consequências não se limitam a uma possível perda auditiva. 1 O ruído ocupacional impõe ao trabalhador fatores envolvidos na causa de acidentes do trabalho: dificuldades de comunicação (na detecção, discriminação, localização e identificação das fontes sonoras, assim como na inteligibilidade de fala), de manutenção da atenção e concentração, de memória, além do estresse e fadiga excessiva. 2 A exposição contínua a intensos níveis de ruído, acima de 85 db nível de audição (NA), pode levar, ao longo dos anos, a uma perda auditiva permanente e irreversível, bem como causar zumbido, cefaleia, plenitude auricular, tontura, distúrbios gástricos, alterações transitórias na pressão arterial, estresse, além de distúrbios da visão, atenção e memória, do sono e do humor. Os distúrbios atribuídos à exposição vão depender da frequência, intensidade, duração e ritmo do ruído, assim como do tempo de exposição e da suscetibilidade individual. 3-6 Conhecendo-se os riscos que o ruído ocupacional pode causar à saúde auditiva, bem como à saúde geral dos trabalhadores expostos, este estudo possibilita o norteamento do fonoaudiólogo audiologista durante a implantação e gerenciamento de um programa de conservação auditiva (PCA). O fonoaudiólogo deve tomar medidas preventivas como: conscientizar os empregadores, que têm o ruído como um risco ocupacional, sobre a importância de tal programa para a saúde geral de seus trabalhadores; ajudar na tomada de medidas preventivas individuais e coletivas que favoreçam a diminuição ou anulação do risco de ruído no ambiente de trabalho e informar aos trabalhadores sobre o sistema auditivo humano, a importância de sua conservação e benefícios do uso adequado de equipamento de proteção auricular, bem como traçar metas que resultem em melhorias da qualidade de vida desses trabalhadores. 550

Revista Baiana de Saúde Pública Assim, o objetivo deste estudo foi verificar a ocorrência de sintomas auditivos e não auditivos em trabalhadores expostos a níveis de pressão sonora elevados do setor de produção de uma empresa de beneficiamento de vidros em Salvador (BA). MATERIAL E MÉTODOS Estudo transversal realizado em uma população de trabalhadores expostos ao ruído ocupacional, cuja amostra, escolhida por critério de conveniência, foi composta por 40 trabalhadores do setor de produção de uma indústria de beneficiamento de vidros da cidade de Salvador (BA). O setor de produção dessa empresa é dividido em sete subsetores: expedição, forno de têmpera, carga e descarga, marcação, corte, furação e lapidação. Os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido após recebimento de esclarecimentos sobre o estudo, bem como da ausência de riscos em sua participação. Em seguida, responderam a um questionário elaborado pelas pesquisadoras e aplicado apenas por uma delas, composto de 32 questões distribuídas em quatro categorias: dados pessoais, saúde geral, saúde auditiva e saúde ocupacional. As pesquisadoras tiveram o cuidado de utilizar linguagem acessível na elaboração do questionário e formular as questões com explicações adicionais uniformes, a fim de assegurar total compreensão a todos os participantes. Também foram coletados os resultados dos exames de audiometria dos participantes, realizados na admissão, a fim de levantar os casos de perdas auditivas. Após a coleta de dados, realizada em 2010, foram excluídos deste estudo sete trabalhadores dos subsetores de expedição e carga e descarga, por estarem expostos a níveis de pressão sonora inferiores a 85 db NA, restando 33 participantes. Este estudo recebeu parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Tecnologia e Ciência em 9 de agosto de 2010, sob o nº 2.020. RESULTADOS E DISCUSSÃO Fizeram parte deste estudo 33 trabalhadores do setor de produção de uma empresa, todos do sexo masculino, com idade entre 20 e 49 anos e jornada de trabalho de 8 horas/dia. Entre os sintomas auditivos pesquisados, conforme Tabela 1, os mais relatados foram o zumbido (27,27%) e o incômodo a sons fortes (18,18%). Em razão do percentual elevado do sintoma zumbido, foi investigada sua ocorrência em relação aos subsetores da produção da empresa participante e ao tempo de trabalho dos sujeitos na mesma função. Quanto aos sintomas não auditivos, os mais relatados foram ansiedade (30,30%), seguido v.35, n.3, p.548-555 jul./set. 2011 551

de cefaleia, distúrbios gástricos e insônia (18,18%). Os relatos de gastrite comprovada e as queixas de azia foram compreendidos como distúrbios gástricos. Tabela 1. Ocorrência de sintomas auditivos e não auditivos em trabalhadores da indústria expostos ao ruído acima de 85,0 db NA Salvador, Bahia 2010 Sintomas N=33 100% Auditivos Zumbido 9 27,27 Perda auditiva 2 6,06 Plenitude auricular 1 3,03 Incomodo a sons fortes 6 18,18 Não auditivos Cefaleia 6 18,18 Insônia 6 18,18 Irritabilidade 3 9,09 Distúrbios gástricos 6 18,18 Ansiedade 10 30,30 HAS 2 6,06 A Tabela 2 mostra que, entre os sintomas auditivos observados, o zumbido foi aquele que apresentou um aumento na ocorrência diretamente proporcional ao tempo na função. Verificou-se que os trabalhadores acima de cinco anos na função apresentaram o dobro (44,4%) de ocorrência de zumbido em relação aos que tinham menos de um ano na função (22,2%). Quanto aos sintomas não auditivos, todos tiveram maior ocorrência entre trabalhadores com maior tempo de trabalho. Tabela 2. Distribuição dos sintomas auditivos e não auditivos de acordo com o tempo na função (N=33) Salvador, Bahia 2010 Tempo na função (anos) Sintomas 0-1 2-5 Maior que 5 n % n % n % Auditivos Zumbido 2 22,2 3 33,3 4 44,4 Perda auditiva 1 50,0 0-1 50,0 Plenitude auricular 0-0 - 1 100 Incomodo a sons fortes 2 33,3 2 33,3 2 33,3 Não auditivos Cefaleia 1 16,6 1 16,6 4 66,7 Insônia 0-3 50,0 3 50,0 Irritabilidade 0-1 33,3 2 66,6 Distúrbios gástricos 1 16,6 0-5 83,4 Ansiedade 1 10,0 4 40,0 5 50,0 HAS 0-0 - 2 100 552

Revista Baiana de Saúde Pública Na Tabela 3 pode-se observar que o subsetor que mais apresentou trabalhadores com zumbido foi o de corte, representando 33,3% do total. Ao analisar o tempo na função, a ocorrência do zumbido foi maior entre os trabalhadores que estão há mais de 5 anos na função. Tabela 3. Distribuição da ocorrência do zumbido de acordo com tempo na função e sub-setores (N=33) Salvador, Bahia 2010 Sub-setor Tempo de função (anos) 0-1 2-5 Maior que 5 n % n % n % Marcação 0-1 25,0 0-4 Têmpera 0-0 - 2 20,0 10 Corte 1 33,4 0-2 66,6 6 Furação 1 16,7 0-0 - 6 Lapidação 0-2 28,6 0-7 Total Os achados deste estudo mostram que trabalhadores expostos ao ruído maior que 85,0 db NA apresentam, frequentemente, zumbido, incômodo a sons fortes, distúrbios gástricos e ansiedade. Esses sintomas intensificam-se com o tempo na função, especialmente o zumbido e os distúrbios gástricos. Trabalhadores do subsetor de corte, possivelmente, têm maior risco de desenvolver zumbido pelo fato de estarem expostos a níveis mais elevados de ruído na empresa 100,3 db NA. Segundo a literatura, o ruído pode perturbar o trabalho, o descanso, o sono e a comunicação nos seres humanos. Assim, quando uma pessoa é submetida a intensos níveis de ruído, existe a reação de todo o organismo a esse estímulo, que é dada por respostas neurovegetativas, d as quais podem se tornar permanentes, dando origem a alterações orgânicas e psicológicas. 7,8 Diante dos achados, constatou-se que o zumbido foi o sintoma auditivo mais comum, corroborando os achados do estudo 9 realizado com 174 homens e 1 mulher trabalhadores dos setores de metalúrgica, transportes, têxtil, construção civil e mineradora com queixas de agravo a saúde relacionadas ao trabalho, em Campinas (SP), com o mínimo de tempo total de exposição ao ruído de um ano e o máximo de trinta e seis anos. As queixas mais relatadas foram: hipoacusia em 74% dos casos, bilateral em 70,4%; zumbidos em 80,8% dos relatos, 54,1% de forma constante e com localização bilateral em 54,7%; e vertigem com 13,2%. d Diz-se do sistema nervoso que regula a vida vegetativa, formado de gânglios e de nervos, geralmente cinzentos, e ligado ao eixo cerebrospinal, o qual contém os centros reflexos. v.35, n.3, p.548-555 jul./set. 2011 553

Em outro estudo, 3 dentre os 284 trabalhadores avaliados e testados em dois ambulatórios de Audiologia localizados em Bauru (SP), com histórico de exposição ao ruído ocupacional, foram objeto do estudo 271 orelhas direitas e 275 orelhas esquerdas. Foi evidenciada uma prevalência de aproximadamente 63% para perda auditiva induzida por ruído (PAIR) e 48% para zumbido. Os autores encontraram associação entre PAIR e zumbidos e aumento da prevalência de zumbidos com a evolução da piora da perda auditiva. Além do zumbido, em outro estudo verificou-se que o incômodo aos sons fortes foi outro sintoma com alta ocorrência entre os trabalhadores, concordando com os achados do estudo realizado com músicos de rock and roll, cujas principais queixas auditivas apresentadas foram intolerância para sons intensos (48%), seguidas de zumbido (39%) e plenitude auricular (22%). 10 Quanto aos sintomas não auditivos, neste estudo, verificou-se maior ocorrência de relatos de ansiedade, cefaleia, distúrbios gástricos e insônia, o que vai ao encontro dos achados de outro estudo, 8 que verificou as mesmas queixas aqui encontradas, acrescidas de nervosismo. Acidente de trabalho, embora não seja considerado sintoma auditivo nem não auditivo, apresentou ocorrências relevantes (27,27%) neste estudo, evidenciando associação entre ele e exposição ao ruído acima de 85 db NA, conforme já constatado na literatura. 11,12 Embora a literatura evidencie a presença de perda auditiva relacionada à exposição contínua ao ruído ocupacional, neste estudo não foi significativa (0,16%), talvez pelo fato de a amostra ser reduzida. É possível que haja aumento do número de perdas auditivas, se o mesmo grupo for reavaliado no futuro, visto que se constatou um número relevante de queixas de zumbido (20,93%), que, segundo a literatura, 3 apresenta associação com a perda auditiva induzida por ruído. Assim, aventa-se, no futuro, a possibilidade de um estudo de Coorte prospectivo em um período de cinco anos com o mesmo grupo de trabalhadores, a fim de realizar um controle audiológico evolutivo. Concluiu-se que, no presente estudo, os sintomas auditivos mais relatados foram zumbido e incômodos a sons fortes, enquanto os sintomas não auditivos mais verificados foram ansiedade, cefaleia, distúrbios gástricos e insônia. Pôde-se observar associação entre sintomas e tempo na função. Ou seja, quanto maior o tempo de exposição ao ruído, maior a ocorrência de sintomas. Dessa forma, reitera-se a necessidade de um Programa de Conservação Auditiva (PCA) em empresas cujos trabalhadores estão expostos ao ruído, a fim de minimizar ou mesmo anular os seus efeitos nocivos à saúde geral do trabalhador. 554

Revista Baiana de Saúde Pública REFERÊNCIAS 1. Boger MA. A influência do espectro de ruído na prevalência de perda auditiva induzida por ruído e zumbido em trabalhadores [Dissertação]. Brasília (DF): Universidade de Brasília; 2007. 2. Cordeiro R, Clemente APG, Diniz CS, Dias A. Exposição ao ruído ocupacional como fator de risco para acidentes do trabalho. Rev Saúde Pública. 2005;39(3):461-6. 3. Dias A, Cordeiro R, Corrente JE, Gonçalves CGO. Associação entre perda auditiva induzida pelo ruído e zumbido. Cad Saúde Pública. 2006;22(1):63-8. 4. Lopes AC, Nelli MP, Lauris JRP, Amorim RB, Melo ADP. Condições de saúde auditiva no trabalho: investigação dos efeitos auditivos em trabalhadores expostos ao ruído ocupacional. Arq Int Otorrinolaringol. 2009;13(1):49-54. 5. Kasper KCF, Gómez MVSG, Zaher VL. O ruído como fator estressante na vida de trabalhadores dos setores de serralheria e marcenaria. Arq Int Otorrinolaringol. 2005;9(1):302-12. 6. Otoni A, Boger MA, Barbosa-Branco A, Shimizu HE, Maftum MA. Ruído ocupacional como fator de risco para perda auditiva. Rev Cogitare Enferm. 2008;13(3):367-73. 7. Fiorini AC, Silva S, Bevilacqua C. Ruído, comunicação e outras alterações. Rev Saúde Ocup Segur. 1991;26:49-60. 8. Fernandes M, Morata TC. Estudo dos efeitos auditivos e extra-auditivos da exposição ocupacional a ruído e vibração. Rev Bras Otorrinolaringol. 2002;68(5):705-13. 9. Ogido R, Costa EA, Machado HC. Prevalência de sintomas auditivos e vestibulares em trabalhadores expostos a ruído ocupacional. Rev Saúde Pública. 2009;43(2):377-80. 10. Maia JRF, Russo ICP. Estudos da audição de músicos de rock and roll. Pro-Fono. 2008;20(1):49-54. 11. Cordeiro R, Clemente AP, Diniz CS, Dias A. Occupational noise as a risk factor for work related injuries. Rev Saúde Pública. 2005;39(3):461-6. 12. Dias A, Cordeiro R, Gonçalves CGO. Exposição ocupacional ao ruído e acidentes de trabalho. Cad Saúde Pública. 2006;22(10):2125-30. Recebido em 20.9.2010 e aprovado em 12.8.2011. v.35, n.3, p.548-555 jul./set. 2011 555