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A promissora maricultura da Baía da Ilha Grande Proximidade com os dois maiores centros econômicos do país, São Paulo e Rio de Janeiro, possibilita a rápida entrega de frutos do mar de alta qualidade, frescos, para os consumidores Diante do seu verdadeiro potencial, podemos afirmar que a maricultura brasileira é modestamente desenvolvida e fomentada, entretanto, nos últimos anos, na região da Baía da Ilha Grande (RJ), muitos projetos e iniciativas experimentais foram executados para promover seu desenvolvimento sustentável, através da integração com a comunidade local, turismo educativo, e parcerias entre os setores privados, acadêmicos e públicos. Como resultado desse processo, podemos observar avanços nas pesquisas, extensão e produção. Esse artigo apresenta um breve panorama da maricultura da região da Baía da Ilha Grande, os atuais projetos, atividades e perspectivas. Por: Artur N. Rombenso 1, arturnr@yahoo.com.br André de Araújo 2, andre.fiperj@gmail.com Ricardo V. Rodrigues 3, vr.ricardo@gmail.com 1 Center for Fisheries, Aquaculture and Aquatic Sciences, Southern Illinois University, USA 2 Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro - FIPERJ, Angra dos Reis, Rio de Janeiro, Brasil 3 Laboratório de Piscicultura Estuarina e Marinha, Universidade Federal do Rio Grande - LAPEM/FURG 34 Panorama da AQÜICULTURA, novembro, dezembro 2015
A região da Baía da Ilha Grande está localizada no litoral sul fluminense e abrange os municípios de Paraty, Angra dos Reis e Mangaratiba. Possui uma geomorfologia e condições oceanográficas encorajadoras, com locais abrigados e outros mais expostos, boa qualidade de água com temperatura média de água de superfície de 25 C, possibilitando a criação de diferentes organismos marinhos em vários tipos de sistema. A região apresenta também uma grande biodiversidade que, juntamente com o turismo, uma das principais atividades econômicas da região, exige o desenvolvimento de uma maricultura sustentável. A atividade já está presente há 20 anos na região, época que surgiram as primeiras iniciativas para promover a atividade, e diversos fatores atestam que ela é uma atividade muito propícia. A comunidade local possui fortes laços culturais com o mar, de onde vem se não toda, uma boa parte da renda. Nos últimos anos o cenário da maricultura na região da Baía da Ilha Grande tem sido promissor devido ao considerável aumento na produção de moluscos, principalmente vieira Nodipecten nodosus, e também pela recente produção de peixes marinhos, no caso o bijupirá Rachycentron canadum. A maricultura não apenas representa uma atividade econômica, mas também um estilo de vida, com ex-pescadores, profissionais da área aquícola e pequenos empresários adotando a atividade como principal fonte de renda. O crescente interesse da comunidade local pela maricultura é bem animador, pois essa atividade reflete seus hábitos culturais e também auxilia em promover a sustentabilidade ambiental. A produção de frutos do mar, tanto da vieira como do bijupirá, possuem um elevado valor de mercado sendo uma boa fonte de renda. Ultimamente, os frutos do mar têm recebido bastante atenção devido aos seus benefícios à saúde, aumentando, assim, a procura por produtos locais e frescos. Dessa forma, a maricultura contribui para atender a crescente demanda por esses produtos. fazendas marinhas de sistema familiar e de pequeno porte para o mexilhão (Perna perna), vieira (Nodipecten nodosus), alga (Kappaphycus alvarezii) e bijupirá (Rachycentron canadum). Em termos de produção de moluscos, a vieira é o principal produto comercializado com uma produção atual de 31.500 dúzias. Já a produção de mexilhão ainda é incipiente (2.317 kg), contando com apenas alguns produtores. O bijupirá é criado em pequena escala num projeto piloto, e no ciclo de produção 2014/2015 produziu três toneladas. A produção de alga é também feita em caráter experimental, fazendo parte do promissor sistema de produção multi-trófico integrado. Meninos da maricultura, moradores da comunidade local, re-estocando juvenis de bijupirá em densidades inferiores a 10kg/m 3 "A maricultura não apenas representa uma atividade econômica, mas também um estilo de vida, com ex-pescadores, profissionais da área aquícola e pequenos empresários adotando a atividade como principal fonte de renda." Espécies Maricultura marinhas sustentável na Galícia As espécies criadas e produção Atualmente, a região possui iniciativas experimentais e Panorama da AQÜICULTURA, novembro, dezembro 2015 35
Maricultura sustentável Exemplares de sementes de vieira Vieira A produção da vieira é sustentada graças às sementes produzidas no laboratório do Instituto de Ecodesenvolvimento da Baía da Ilha Grande - IED-BIG, que tem a capacidade para produzir até 20 milhões de sementes por ano. Porém, devido a pequena demanda local e nacional, a produção anual varia de 2 a 3 milhões. O sistema de produção mais comum é o sistema de long-line de supefície ou de meia-água, com lanternas japonesas de 5 a 10 pisos. O protocolo padrão de engorda é dividido em seis fases, iniciando com sementes de 1.0 cm. Na última fase as vieiras normalmente atingem pelo menos 7,5 cm. Os animas são comercializados entre 7,5 e 8,5 cm, o que acontece geralmente após 18 meses de cultivo. A maior parte da produção, divulgação e comercialização é realizada pela Associação de maricultores da Baía da Ilha Grande - AMBIG, que é composta por 15 membros da comunidade local e pequenos empresários. Apesar da produção de 2014 ter atingido 31.500 dúzias, 48% maior em relação ao ciclo de produção de 2013, vale ressaltar que essa produção ainda é tímida em relação ao seu potencial. Devido ao fato de já existir um mercado para este produto com elevado valor comercial, há um crescente interesse em expandir a produção. A comercialização é feita em dúzias e as vieiras podem ser frescas ou congeladas, mas sem processamento. Restaurantes em São Paulo e no Rio de Janeiro consomem aproximadamente 70% da produção. O valor de mercado varia conforme o tamanho da concha. As de 7,5 cm a 8,5 cm são comercializadas em torno de R$30,00; as de 8,5 cm a 9 cm por R$40,00 e, maiores que 9cm, por R$45,00 - R$50,00. Vale ressaltar que esses valores são estimados, pois alguns produtores vendem diretamente ao consumidor final, atingindo um preço maior, e outros vendem por atravessadores, podendo receber menos pelo mesmo produto. Devido à proximidade das fazendas de produção com o mercado consumidor o produto final é entregue fresco. Geralmente, o transporte até o Rio de Janeiro demora três horas e para São Paulo em torno de seis horas. Além de atender o mercado de restaurantes, durante o verão, produtores locais focam em atender a demanda do turismo, que é uma excelente oportunidade para ter mais lucros. Durante essa época, o preço comum de uma dúzia de vieiras de 8 cm é R$40,00, porém, se for comercializada como porção em pousadas e flutuantes, o preço pode atingir R$10,00 por concha. Nesse caso, produtores locais possuem instalações próprias para receber turistas. 36 Panorama da AQÜICULTURA, novembro, dezembro 2015
Em relação a percepção de mercado a vieira é bem apreciada. As vieiras produzidas nessa região são denominadas Vieiras da Baía da Ilha Grande. Em 2015 a AMBIG participou do evento gastronômico Sirha no Rio de Janeiro, considerado a Copa do Mundo da Gastronomia, e as Vieiras da Baía da Ilha Grande foram muito bem cotadas, tendo sido contempladas com o prêmio Maravilhas Gastronômicas Rio de Janeiro 2015, na categoria da água. Merece destaque o processo de certificação iniciado pela Aquaculture Stewardship Council, para que as Vieiras da Baía da Ilha Grande sejam oferecidas como frutos do mar de alta qualidade durante as Olimpíadas de 2016. Todas essas ações são importantes para os produtores como um fator de motivação para manter a elevada qualidade do produto, a sustentabilidade do sistema de produção e a preocupação com o ambiente adjacente. Mexilhão e Ostra comparação com o valor do kg de mexilhão produzido em Santa Catarina, que varia de R$12,00 a R$15,00/ kg na concha. A condição oligotrófica da Baía da Ilha Grande determina uma relação carne x concha alta, com animais magros quase o ano inteiro. Com estas características, o investimento em produção de mexilhão na região, voltado para atender os grandes mercados, além da natural necessidade de estabelecer uma competição por nichos de mercado, fica praticamente inviável do ponto de vista econômico. Atualmente não existe cultivo de ostras na região. Apenas cinco maricultores compram ostras Crassostrea gigas de tamanho comercial de Santa Catarina e as estocam no cultivo para atender a demanda de veraneio. Estes produtos são consumidos diretamente no próprio cultivo, e possuem um elevado valor agregado atingindo R$35,00 a dúzia. A quantidade anual de ostra comercializada nesse sistema varia entre 3.000 e 3.500 unidades. Espécies Maricultura marinhas sustentável na Galícia Nessa região praticamente não há bancos naturais de fixação do mexilhão Perna perna, e o assentamento artificial é influenciado pelas características oceanográficas e geomorfológicas da região, que é bastante variável, com áreas de maior e menor ocorrência de fixação. Apesar do mexilhão ter sido a espécie alvo na fase embrionária da maricultura na Baía da Ilha Grande, a atual produção de mexilhão é incipiente. Em 2014, alguns poucos maricultores produziram apenas 2.317 kg. Além da preferência pela produção da vieira, contribui ainda, para a baixa produção do mexilhão, o fato dele ser caro em Ex-pescador, aposentado, trabalhando com maricultura, consertando lanternas japonesas para cultivo de vieiras; Lanterna japonesa de 10 pisos estocada com vieiras pronta para ser colocada no local de cultivo Panorama da AQÜICULTURA, novembro, dezembro 2015 37
Bijupirá Nos últimos anos o bijupirá vem sendo apontado como uma das espécies promissoras para impulsionar a piscicultura marinha brasileira. A iniciativa experimental da Ilha Grande trabalha com o bijupirá há seis anos buscando aprimorar o sistema de produção e solucionar atuais problemas enfrentados pelos produtores. Lá o bijupirá é criado em sistemas de tanques-rede próximos a costa. Os tanques empregados na Baía da Ilha Grande são geralmente circulares feitos de polietileno de alta qualidade, com tamanhos que variam de 6 a 16m de diâmetro. A densidade que utilizamos é ao redor de 10kg/m 3 que é menor que a recomendada de 14kg/m 3. Os peixes são alimentados com o excedente de pesca comercial, e é composto em sua maioria por sardinhas. Vale ressaltar que essa região abriga um dos maiores portos para o desembarque de sardinha no país. Dessa forma, essa iniciativa usa esse excedente como alimento de alta qualidade solucionando temporariamente um problema ambiental, evitando que esse excedente seja destinado a aterros sanitários ou despejados no mar. Os peixes também são alimentados com "O atual cenário para produção de bijupirá é favorável, principalmente devido ao excelente valor de mercado. Os peixes são normalmente despescados quando atingem 5 kg e são comercializados inteiros, frescos no gelo." uma ração úmida, feita na própria fazenda, que é utilizada nas fases iniciais de criação. Quando juvenis, os peixes são alimentados de três a quatro vezes por dia, e quando Espécies Maricultura marinhas sustentável na Galícia Vista submersa do tanque-rede com juvenis de bijupira de aproximadamente 800g-1kg (esquerda); Juvenis de bijupirá (800g-1kg) antes da alimentação (abaixo) Panorama da AQÜICULTURA, novembro, dezembro 2015 39
Maricultura sustentável inteiros, frescos no gelo. O preço, dependendo da disponibilidade de produção, varia entre R$35,00 e R$45,00 o quilo do peixe inteiro. Esse valor é temporário e só ocorre devido a incipiente produção e elevada demanda por peixes frescos, e é esperada uma redução no preço de venda a medida em que a produção aumentar. A logística de entrega dos peixes frescos é muito parecida com a da vieira anteriormente descrita, onde os peixes são despescados durante a manhã e transportados de barco até Angra dos Reis. De lá são transportados para os restaurantes sendo consumidos no mesmo dia, garantindo o frescor e elevada qualidade do produto. Atualmente uma das maiores dificuldades enfrentadas por produtores de bijupirá consiste na falta de uma oferta constante de juvenis de alta qualidade. Na Região Sudeste, somente dois laboratórios produzem juvenis dessa espécie para comercialização apenas durante o período de verão, o que dificulta o desenvolvimento de ciclos contínuos de produção para atender a crescente demanda pelo peixe. Macroalga Troca de rede realizada mensalmente com auxílio de mergulhadores atingem 800g passam a ser alimentados duas vezes ao dia, sempre até a saciedade aparente. Apenas no ciclo de produção 2014/2015 foi concluído um ciclo de produção voltado para o mercado consumidor, quando foram produzidas aproximadamente 3 toneladas, quantidade rapidamente absorvida por restaurantes no Rio de Janeiro. Para esse ano, está sendo esperada uma produção de 8 toneladas, que já se encontra totalmente vendida. O atual cenário para produção de bijupirá é favorável, principalmente devido ao excelente valor de mercado. Os peixes são normalmente despescados quando atingem 5 kg e são comercializados Apesar da importância da carragena, polissacarídeo extraído da macroalga, nas indústrias de alimentos e farmacêuticas, a produção de macroalga Kappaphycus alvarezii na região da Baía da Ilha Grande ainda se mantém em escala experimental e de pequeno porte. Os maiores entraves consistem na falta de políticas de fomento, baixa rentabilidade quando em pequena escala e a existência de outras atividades mais rentáveis. Porém, a utilização de cultivo de macroalgas é bem promissor e favorável quando integrado com outras formas de cultivo e criação. O interesse pelo cultivo multi-trófico integrado está em ascensão e existe a intenção de começar estudos avaliando o potencial desse tipo de sistema através de parcerias com o setor acadêmico. Mudas de macroalga na balsa de cultivo Exemplares de bijupirá de aproximadamente 2.0-2.5 kg durante a fase final de engorda 40 Panorama da AQÜICULTURA, novembro, dezembro 2015
Crianças da comunidade local aprendendo na prática sobre o cultivo de vieiras e maricultura durante a I Feira de Maricultura da Baía da Ilha Grande Projetos em andamento Nos últimos anos a maricultura na Baía da Ilha Grande vem sendo promovida por meio de parcerias entre o setor privado, academia e o setor público, resultando em uma série de projetos e iniciativas como a avaliação do excedente de pesca e ração comercial para criação de bijupirá; aprimoramento do sistema de produção de vieiras e bijupirá; avaliação do potencial do sistema multi-trófico integrado; análise da qualidade nutricional de vieira e bijupirá; unidade demonstrativa e laboratório de produção de juvenis. O cenário favorável impulsionou a realização da I Feira de Maricultura da Baía da Ilha Grande, realizada na praia do Bananal Angra dos Reis (RJ) no dia 11 de novembro de 2015. O evento teve como intuito divulgar e consolidar a região da Baía da Ilha Grande como a Capital da Vieira e do Bijupirá. Além disso, serviu para promover a integração da comunidade local com a maricultura, fortalecendo essa relação já existente por laços culturais. O evento possibilitou o encontro de maricultores, pescadores, técnicos, pesquisadores, estudantes, investidores e empresas da área. Foram organizadas palestras, atividade com crianças da comunidade local e visitação monitorada aos sistemas de criação. O principal intuito das palestras foi compartilhar e fornecer informações básicas e de forma clara sobre a atividade como um todo para um público eclético. A programação abrangeu tópicos básicos como alguns fatos sobre a maricultura até tópicos mais específicos sobre cada espécie criada na região, além de um panorama das instituições envolvidas com o relato dos seus projetos atuais. Foram apresentadas um total de nove palestras por profissionais que atuam na área de maricultura. A palestra de abertura foi ministrada pelo doutorando em nutrição aquícola Artur N. Rombenso, que buscou esclarecer conceitos pré-estabelecidos pela mídia e fornecer informação precisas sobre o real papel da atividade. Em seguida, o analista de recursos pesqueiros da Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro - FIPERJ André de Araújo apresentou um apanhado geral sobre a produção de vieira, desde a larvicultura no IED-BIG, os sistemas de cultivos empregados até a comercialização. Depois o pesquisador associado do Núcleo de Pesquisa em Aquicultura Sustentável da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, Henrique Geromel abordou as principais espécies de macroalgas cultivadas no Rio de Janeiro e seus respectivos potenciais. Carlos Kazuo Tonack, presidente da AMBIG fez um resumo das atividades da associação, ressaltando o papel da associação de maricultores nos projetos de maricultura. O gerente de maricultura da Secretaria de Pesca e Aquicultura de Angra dos Reis, Marcelo Lacerda, apresentou os dados estatísticos pesqueiros e da maricultura em Angra dos Reis, destacando o crescimento da maricultura regional. O ex-presidente do Instituto Estadual do Ambiente (INEA) e atualmente consultor ambiental, Júlio Avelar, atualizou o público sobre o Projeto para capacitação de maricultores da Baía de Ilha Grande. A interação das universidades com a produção e extensão da maricultura foi tema abordado pelo professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Ricardo Vieira Rodrigues, que também apresentou as principais iniciativas desenvolvidas em laboratório voltadas para o bijupirá, entre elas a adaptação de protocolos de larvicultura, protocolo de transporte, avaliação de patologias, parasitas e tratamento dos peixes, além do desenvolvimento dos sistemas de recirculação para piscicultura marinha no Brasil. Carlos Magno Silva, do Instituto Águas da Terra, abordou potencial do cultivo de pérolas no Brasil, apresentando as ostras perlíferas e demonstrando a possibilidade de utilização de algumas espécies nacionais, como o mexilhão Perna perna, na produção de pérolas. Um ponto alto da I Feira de Maricultura da Baía da Ilha Grande foi o trabalho pedagógico realizado em parceria com o Centro de Educação Ambiental - CEA, onde 90 crianças da comunidade da Baía da Ilha Grande participaram de atividades interativas e educacionais que consistiram em gincanas e brincadeiras focando os conceitos básicos sobre educação ambiental e a maricultura. As crianças tiveram a oportunidade de realizar uma visita monitorada aos sistemas de criação de vieira e bijupirá, ocasião em que foi apresentado, de forma bem prática, todo protocolo de engorda, manejo, e principais entraves das criações. Espécies Maricultura marinhas sustentável na Galícia Panorama da AQÜICULTURA, novembro, dezembro 2015 41