Comprimidos contendo microesferas de cetoprofeno como sistema de liberação bifásica

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Revista de Ciências Farmacêuticas Básica e Aplicada Journal of Basic and Applied Pharmaceutical Sciences ISSN 1808-4532 Comprimidos contendo microesferas de cetoprofeno como sistema de liberação bifásica Ketlin Moreira 1 ; Letícia Nehls de Miranda 1 ; Melissa Zétola 1 ; Bianca Ramos Pezzini 1 ; Giovana Carolina Bazzo 1* 1 Departamento de Farmácia, Universidade da Região de Joinville, SC, Brasil. RESUMO Sistema de liberação bifásica é aquele que promove a liberação do fármaco em dois estágios: um de liberação imediata e o outro de liberação prolongada. No presente trabalho o cetoprofeno foi incorporado em microesferas de Kollidon SR e acetobutirato de celulose e, posteriormente, as microesferas foram comprimidas com o intuito de obter comprimidos de liberação bifásica. As microesferas foram obtidas através do método de emulsão e evaporação do solvente óleo em água (O/A), originando partículas esféricas e eficiência de encapsulação de 81,9%, indicando que o processo de obtenção permitiu uma incorporação bastante eficiente do fármaco nas microesferas. Três formulações (F) de comprimidos foram obtidas por compressão direta utilizando-se uma prensa hidráulica: F1 - contendo as microesferas de cetoprofeno; F2 - contendo microesferas de cetoprofeno, crospovidona e celulose microcristalina; e F3 - contendo as microesferas de cetoprofeno, o cetoprofeno não encapsulado, além dos excipientes citados anteriormente (comprimidos bifásicos). Análises por microscopia eletrônica de varredura evidenciaram que o processo de compressão não afetou a morfologia das microesferas, as quais mantiveram sua integridade. A liberação do fármaco a partir dos comprimidos bifásicos inicialmente foi rápida, com 75% do fármaco dissolvido em uma hora, seguida de uma liberação prolongada, atingindo 88% de fármaco dissolvido em doze horas. Os resultados obtidos sugerem que o sistema proposto pode ser otimizado para a liberação do cetoprofeno em dois estágios, para administração por via oral. Palavras-chave: Cetoprofeno. Microesferas. Sistemas de liberação bifásica. Comprimidos. INTRODUÇÃO O cetoprofeno é um anti-inflamatório não-esteroidal (AINE) muito utilizado no tratamento de processos dolorosos e inflamatórios. Possui uma rápida absorção Autor correspondente: Bazzo, G. C. - Departamento de Farmácia Universidade da Região de Joinville - SC - Brasil - telefone:(47)3461-9091 e-mail: gbazzo@uol.com.br no trato gastrointestinal, sendo que sua concentração plasmática cai abruptamente a níveis muito baixos, necessitando de frequentes administrações para manter concentrações plasmáticas terapêuticas, uma vez que possui tempo de meia-vida de 2 a 3 horas (Martindale, 2009). A exposição do estômago a elevados níveis de cetoprofeno pode causar danos como úlcera gástrica ou hemorrágica e também irritações na mucosa gastrointestinal. O curto tempo de meia-vida, a necessidade de várias administrações diárias por via oral e a ocorrência de efeitos adversos gastrointestinais faz do cetoprofeno um candidato ideal para a elaboração de formulações de liberação prolongada (Zheng & Polli, 2010). Uma das alternativas que pode ser empregada para prolongar a liberação de fármacos é a microencapsulação, que permite encapsular substâncias sólidas ou líquidas no interior de matrizes poliméricas ou revestí-las com polímeros. Essa metodologia tem sido amplamente estudada na área farmacêutica com vários objetivos, entre eles: desenvolvimento de formas farmacêuticas de liberação controlada, obtenção de micropartículas gastrorresistentes, desenvolvimento de formas de liberação parenteral, diminuição da toxicidade gastrointestinal, aumento da dissolução e da biodisponibilidade de fármacos (Li et al., 2008). São inúmeras as vantagens dos sistemas multiparticulados em comparação aos sistemas unitários, como a distribuição rápida e uniforme pelo trato gastrointestinal, menor risco de toxicidade devido ao rompimento de um sistema unitário de ação prolongada, além da possibilidade de fracionamento e ajuste da dose (Pereira et al., 2006). Entre os sistemas de liberação controlada de fármacos destacam-se os de liberação bifásica, que promovem a liberação do fármaco em dois estágios: o primeiro de liberação imediata e o segundo de liberação prolongada, para manutenção dos níveis terapêuticos. Esse tipo de sistema de liberação é particularmente útil para alguns tipos de fármacos, como os AINES, os antihipertensivos e os anti-histamínicos, os quais necessitam que uma fração de dose seja alcançada imediatamente em curto prazo de tempo para aliviar os sintomas da doença, e, em seguida, a continuação do efeito seja prolongada por algumas horas para otimizar a terapêutica (Maggi et al., 1999). Neste trabalho propôs-se obter um sistema de liberação bifásica baseado na elaboração de comprimidos contendo cetoprofeno incorporado em microesferas. Para

o preparo das microesferas foi empregada uma blenda com os polímeros acetobutirato de celulose e Kollidon SR. O acetobutirato de celulose é um polímero insolúvel em água que vem sendo utilizado na preparação de microesferas pela técnica de emulsão e evaporação do solvente. Entretanto, tende a formar partículas rígidas e compactas, prolongando demasiadamente a liberação de fármacos. Por isso, vem sendo associado a polímeros com diferentes propriedades físico-químicas, visando um controle adequado da liberação de fármacos (Zanetti et al., 2002; Oliveira et al., 2011). Neste trabalho, o acetobutirato de celulose foi associado a outro polímero para a elaboração das microesferas - o Kollidon SR, um excipiente formador de matriz de liberação prolongada, composto por 80% de polivinilacetato e 20% de polivinilpirrolidona (povidona) (Sakr et al., 2011), com o objetivo de obter microesferas menos hidrofóbicas e capazes de modular a liberação do cetoprofeno. Cabe-se destacar que o sistema proposto é inovador para um sistema de liberação bifásica por combinar, em uma única forma farmacêutica, o fármaco não encapsulado (fração responsável pela rápida liberação inicial) e este incorporado no interior de microesferas poliméricas (fração responsável pelo prolongamento da liberação), o qual ainda não foi descrito na literatura com esta finalidade. MATERIAL E MÉTODOS Material As matérias-primas empregadas e os respectivos fornecedores foram: cetoprofeno (Henrifarma, São Paulo, Brasil), poli(vinilálcool) [Vetec, Rio de Janeiro, Brasil], Kollidon SR (BASF, São Paulo, Brasil), acetobutirato de celulose com massa molar de 70.000 g/mol (Aldrich Chem. Co., USA), diclorometano (Biotec, Paraná, Brasil), Kollidon CL-SF (crospovidona) [BASF, São Paulo, Brasil]. Todos os outros reagentes possuíam grau analítico. Obtenção das microesferas As microesferas foram obtidas pela técnica de emulsão e evaporação do solvente óleo em água (O/A) que consistiu em dissolver 0,25 g de cetoprofeno, 0,375 g de Kollidon SR e 0,375g de acetobutirato de celulose em 10 ml de diclorometano e posteriormente emulsificar em 200 ml de uma solução aquosa contendo 0,15% (p/v) de poli(álcool vinílico), sob agitação, por 24 h. Após a evaporação do diclorometano, as microesferas foram lavadas com água destilada, decantadas, secas à temperatura ambiente durante o período de 48 h e armazenadas em dessecador. Caracterização morfológica das microesferas A morfologia das microesferas antes e após o processo de compressão foi avaliada por meio de microscopia eletrônica de varredura, no qual a amostra foi fixada em um suporte com o auxílio de uma fita adesiva dupla face e recoberta com ouro. A morfologia da superfície externa das microesferas foi analisada em um microscópio eletrônico de varredura (Zeiss DSM 940 A, Oberkochen, Germany), em diferentes aumentos. O diâmetro médio das microesferas foi determinado empregando-se o diâmetro de Ferret (Aulton, 2005), realizando-se a medição de 100 partículas na micrografia ampliada. Determinação do teor de fármaco e da eficiência de encapsulação Para a determinação do teor de cetoprofeno nas microesferas foi utilizado o método de espectrofotometria de absorção na região do ultravioleta, previamente validado para essa finalidade. Foi preparada uma solução a partir das micropartículas na concentração equivalente a 10 mg/l de cetoprofeno, empregando diclorometano como solvente, e procedeu-se à leitura das absorvâncias em 254 nm, em um espectrofotômetro Shimadzu (1601 PC). O teor de fármaco foi calculado mediante a construção de uma curva de calibração. A eficiência de encapsulação (EE%) do cetoprofeno foi determinada pela equação 1: (1) quantidade de fármaco encapsulada EE % = 100 quantidade total de fármaco adicionada Preparação dos comprimidos Os comprimidos foram obtidos por compressão direta utilizando-se uma prensa hidráulica (Americanlab, São Paulo), montada com matriz e punção de 9 mm de diâmetro, de superfície plana, empregando-se uma força de compressão de 0,5 tonelada durante 5 segundos. Prepararam-se três formulações de comprimidos, conforme descrito na Tabela 1. Tabela 1 Composição das formulações dos comprimidos. Microesferas de cetoprofeno Formulação 1 (F1) Formulação 2 (F2) Formulação 3 (F3) comprimidos bifásicos 200 mg 80 mg* 80 mg* Cetoprofeno - - 16,38 mg Crospovidona - 10 mg 10 mg Celulose microcristalina - qsp. 200 mg qsp. 200 mg * quantidade correspondente a 16,38 mg de cetoprofeno Caracterização dos comprimidos A dureza dos comprimidos foi determinada, em triplicata, empregando-se um durômetro Nova Ética (modelo 298). O tempo de desintegração dos comprimidos foi estabelecido usando um aparelho de desintegração Nova Ética (modelo 301AC) e água destilada, mantida a 37 ± 1 72

Sistema de liberação bifásica C, como meio de desintegração. Cada ensaio foi realizado com 3 comprimidos de cada formulação. Determinação dos perfis de dissolução Os perfis de dissolução in vitro das microesferas e dos comprimidos foram determinados, em triplicata, em um aparelho de dissolução Nova Ética (modelo 299/6), utilizandose as seguintes condições experimentais: aparato I (cesto) sob agitação de 100 rpm, 900 ml de tampão fosfato ph 6,8 como meio de dissolução, mantido à temperatura de 37 ± 1 ºC, durante o período de 12 h. Amostras foram coletadas nos intervalos de 0,5; 1; 1,5; 2, 3, 4, 6, 8, 10 e 12 h. Em cada coleta foram retiradas alíquotas de 5 ml de meio e acrescentada a mesma quantidade de tampão. A concentração de fármaco dissolvido foi determinada por meio de espectrofotometria de absorção no ultravioleta, em 260 nm, com o auxílio de uma curva de calibração preparada nas concentrações de 2,5; 5,0; 10,0; 15,0 e 20,00 µg/ml (y = 0,100x + 0,042; r2 = 0,9980). A comparação entre os perfis de dissolução das diferentes formulações foi realizada através de análise de variância (ANOVA), tendo-se como parâmetro a área sob a curva (ASC) dos perfis de dissolução. RESULTADOS As micrografias de microscopia eletrônica de varredura das microesferas de Kollidon SR e acetobutirato de celulose contendo cetoprofeno e dos comprimidos preparados com as microesferas encontramse, respectivamente, nas Figuras 1 e 2. Figura 1 - Micrografia de microscopia eletrônica de varredura da microesfera de acetobutirato de celulose/kollidon SR contendo cetoprofeno. Figura 2 - Micrografia de microscopia eletrônica de varredura do corte transversal dos comprimidos (formulações F1 e F2). 73

Conforme demonstrado na Figura 1, as microesferas de acetobutirato de celulose/kollidon SR contendo cetoprofeno apresentaram-se esféricas e com tamanho médio de 263 ± 93 µm. O resultado da eficiência de encapsulação foi de 81,9%, indicando que as condições empregadas no processo de microencapsulação permitiram uma incorporação bastante eficiente do fármaco nas microesferas. Na tabela 2 encontram-se os valores de dureza e do tempo de desintegração dos comprimidos provenientes das três formulações. Tabela 2 Resultados de dureza e desintegração dos comprimidos. Formulação Dureza (Kgf) Desintegração F1 > 14,0 > 12,0 horas F2 > 14,0 5,6 ± 0,6 minutos F3 7,6 ± 0,58 3,3 ± 0,6 minutos A Figura 3 apresenta os perfis de dissolução das microesferas e dos comprimidos contendo as microesferas e os excipientes (F2). O perfil de dissolução dos comprimidos bifásicos (F3) é apresentado na Figura 4. Figura 3 - Comparativo dos perfis de dissolução das microesferas e dos comprimidos (F2). Figura 4 - Perfil de dissolução do comprimido bifásico (F3). No gráfico interno destaca-se a liberação no período de 1 a 12 h. DISCUSSÃO Preparo e caracterização das microesferas e dos comprimidos Para o preparo das microesferas foi empregada uma blenda a partir dos polímeros acetobutirato de celulose e Kollidon SR. A quantidade dos polímeros e do fármaco empregada no preparo da formulação foi determinada experimentalmente, sendo que as condições descritas na Tabela 1 foram as que originaram partículas esféricas e com alto teor de cetoprofeno encapsulado, apresentando, portanto, características adequadas para serem empregadas no preparo dos comprimidos. Inicialmente, foi elaborada uma formulação de comprimidos contendo somente as microesferas (F1) com o objetivo de verificar se o processo de compressão iria alterar a morfologia das partículas, uma vez que a força mecânica empregada no processo de compressão representa um risco potencial de destruir a estrutura das microesferas (Liu at al., 2005). De acordo com o corte transversal do comprimido, (F1) mostrado na Figura 2, as microesferas localizadas na parte superior fundiram-se formando uma única camada. A adição dos excipientes à formulação (F2) fez com que as microesferas ficassem dispersas na mistura, evitando a proximidade entre as partículas e, consequentemente, a sua fusão. As partículas localizadas no interior dos comprimidos mantiveram sua estrutura intacta, que é uma condição desejável para a obtenção de comprimidos contendo microesferas (Mundargi et al., 2008). A manutenção da estrutura das microesferas é importante, pois a ocorrência de rachaduras ou poros na matriz polimérica poderia facilitar a liberação do fármaco, o que não seria desejável nesse caso, uma vez que as microesferas são as responsáveis pelo prolongamento da liberação do cetoprofeno no sistema bifásico. A dureza e a desintegração são parâmetros importantes a serem avaliados na elaboração de comprimidos. A dureza é a força necessária para quebrar um comprimido diametralmente e depende de sua dimensão, porosidade e força de compressão (Farmacopeia Brasileira, 2010). As condições empregadas originaram comprimidos com dureza adequada, conforme indicado na Tabela 2. A desintegração pode ser influenciada por condições de produção, como a força aplicada durante a compressão e a relação força e tempo de compressão (Aulton, 2005). Em muitos casos, com exceção de comprimidos matriciais, por exemplo, é necessário que ocorra a desintegração do comprimido para que o fármaco seja liberado e, posteriormente, ocorra a sua dissolução. Neste trabalho, os comprimidos provenientes da formulação F1, contendo apenas as microesferas e nenhum adjuvante, não desintegraram durante o período de 12 horas e, por isso, foram excluídos dos ensaios posteriores. Acredita-se que o fato do comprimido não se desintegrar esteja relacionado à formação de uma camada de microesferas fundidas próxima à superfície externa do comprimido (Figura 2). Esse problema, no entanto, foi resolvido após a adição de excipientes à formulação. No sistema de liberação proposto, as microesferas constituem o sistema responsável 74

pela liberação prolongada do cetoprofeno e, por isso, é necessária a desintegração do comprimido para possibilitar a liberação das microesferas no meio. Perfis de dissolução Com o objetivo de verificar se a compressão das microesferas iria alterar o perfil de liberação do cetoprofeno, os resultados da área sob a curva dos perfis de dissolução (Figura 3) foram utilizados na análise de variância (ANOVA), indicando que não foram observadas diferenças significativas entre os perfis das microesferas e dos comprimidos (F2) (p>0,05). Portanto, o processo de compressão não exerceu influência sobre a liberação do fármaco a partir das microesferas, nas condições estudadas. Em ambos os casos houve uma liberação inicial de aproximadamente 35% de fármaco, seguida de uma lenta liberação durante o período do ensaio. Com o objetivo de elucidar o principal mecanismo envolvido na liberação do cetoprofeno a partir do sistema de liberação, foi aplicado o modelo matemático de Baker- Lonsdale, que descreve a liberação de um fármaco a partir de uma matriz esférica heterogênea por um processo de difusão e tem sido utilizado para linearizar resultados de ensaios de liberação de microesferas e microcápsulas (Manadas, 2002). A descrição deste modelo a partir da Equação 2, (2) onde k corresponde à constante de liberação, t ao tempo, M t e M à quantidade de fármaco liberado no tempo t e no tempo infinito, respectivamente, será aplicável se houver correlação linear do primeiro termo da equação em função do tempo. Coeficientes de correlação linear de 0,9719 e 0,9706 foram obtidos para as microesferas e para os comprimidos (F2), confirmando que a difusão é o principal fenômeno envolvido na liberação do fármaco. Através da observação do perfil de dissolução dos comprimidos bifásicos (F3) apresentado na Figura 4, verificou-se que a liberação do cetoprofeno inicialmente foi rápida, com 75% de fármaco dissolvido em uma hora, seguida de uma liberação prolongada, atingindo 88% de fármaco dissolvido em doze horas. A fração inicial de cetoprofeno liberada foi obtida a partir da dissolução do fármaco não encapsulado e de uma pequena fração de cetoprofeno presente nas microesferas, possivelmente a que se encontrava próxima à superfície externa das partículas. Em uma segunda etapa, houve a liberação gradual do fármaco presente no interior das microesferas, conforme pode-se observar na Figura 4 (gráfico interno). Os resultados obtidos sugerem que o sistema de liberação proposto (comprimidos contendo o fármaco e esse incorporado em microesferas) pode ser empregado para a liberação de agentes ativos em dois estágios, o que é conveniente para alguns fármacos administrados por via oral, a exemplo do cetoprofeno. No entanto, a formulação proposta neste trabalho precisa ser otimizada para a obtenção de uma dosagem adequada para a administração oral do cetoprofeno. AGRADECIMENTOS Agradecemos o apoio financeiro do Fundo de Apoio à Pesquisa da UNIVILLE ABSTRACT Tablets containing ketoprofen microspheres as a biphasic delivery system A biphasic delivery system is one from which a drug is released in two stages, consisting of an immediate release and a prolonged release. In this study, ketoprofen was incorporated into Kollidon SR and cellulose acetate butyrate microspheres, which were then compressed in order to obtain biphasic release tablets. The microspheres were produced by an oilin-water (O/W) emulsion and solvent evaporation method, resulting in spherical particles and an encapsulation efficiency of 81.9%, indicating that the process allowed a very efficient incorporation of the drug into the microspheres. Three tablet formulations were compounded by direct compression in a hydraulic press: F1, containing only the ketoprofen microspheres; F2, containing ketoprofen microspheres, crospovidone and microcrystalline cellulose, and F3, containing the ketoprofen microspheres plus non-encapsulated ketoprofen, together with the aforementioned excipients (biphasic tablets). Examination by scanning electron microscopy showed that the compression process did not affect the morphology of the microspheres, which remained whole and undamaged. The drug release from the biphasic tablets was initially rapid, 75% of the drug being dissolved in one hour, followed by a sustained slow release, 88% of the drug being dissolved in twelve hours. These results suggest that the proposed delivery system can be optimized for two-stage ketoprofen release via oral administration. Keywords: Ketoprofen. Microspheres. Biphasic delivery system. Tablets. REFERÊNCIAS Aulton ME. Delineamento de formas farmacêuticas. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2005. Farmacopeia Brasileira. 5. ed. Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2010. Li M, Rouaud O, Poncelet D. Microencapsulation by solvent evaporation: state of the art for process engineering approaches. Int J Pharm. 2008;363(1-2):26-39. Liu X, Sun Q, Wang H, Zhang L, Wang JY. Microspheres of corn protein, zein, for an ivermectin drug delivery system. Biomaterials. 2005;26(1):109-15. Maggi L, Machiste EO, Torre ML, Conte U. 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