Avaliação da Mácula e Espessura da Camada de Fibras Nervosas Peripapilar em Crianças Prematuras

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DR. EVANDRO LUÍS ROSA CRM-SC Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Santa Catarina 1992.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE ODONTOLOGIA

Transcrição:

Oftalmologia - Vol. 36: pp.133-140 Artigo Original Avaliação da Mácula e Espessura da Camada de Fibras Nervosas Peripapilar em Crianças Prematuras Ana Filipa Duarte 1I, Rita Rosa 1I, Arnaldo Santos 1I, Rute Lino 3III, Ana Bettencourt 2II, Cristina Brito 2II, José Nepomuceno 2II, Alcina Toscano 2II, Pinto Ferreira 2II 1 Interno do Internato Complementar; 2 Assistente Hospitalar Graduado ; 3 Ortoptista 1ª Classe I Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central II Maternidade Alfredo da Costa III Gabinete de Ortóptica Centro Hospitalar de Lisboa Central RESUMO Objectivo: Investigar alterações da mácula e da camada de fibras nervosas peripapilar numa população de crianças prematuras com idades entre os 5 e 10 anos. Métodos: Estudo prospectivo, controlado, envolvendo crianças prematuras seleccionadas na consulta de Oftalmologia Pediátrica do Centro Hospitalar de Lisboa Central, entre Maio a Julho de 2011. As mesmas foram distribuídas em 3 grupos: grupo sem retinopatia da prematuridade (ROP) prévia GP, 40 olhos; grupo com história de ROP com regressão espontânea GR, 40 olhos; grupo com ROP submetida a tratamento GT, 20 olhos. Foi igualmente constituído um grupo controlo (GC), de crianças na mesma faixa etária e com nascimento após gravidez de termo. Todas as crianças foram submetidas a tomografia óptica computorizada spectral domain (Spectralis ) para determinação das espessuras macular central, perifoveal e camada de fibras nervosas peripapilar. Resultados: Nos grupos de crianças prematuras foram detectados, face à população controlo, valores de espessura macular central significativamente superiores (GP, GR, GT, GC, 280,87 ± 18,65; 301,67 ± 24,19; 329,65 ± 29,35; 270,57 ± 10,74, respectivamente), o mesmo não acontecendo com as espessuras perifoveais interna e externa, onde não se evidenciaram diferenças. A espessura média da camada de fibras nervosas peripapilar foi significativamente inferior nas crianças prematuras (GP, GR, GT, GC 95,72 ± 16,17; 80,97 ± 12,68 81,40 ± 24,63; 97,20 ± 8,01, respectivamente). Estas diferenças foram mais significativas na população com ROP (tratada e não tratada). Conclusões: Crianças prematuras, sobretudo as que desenvolvem retinopatia da prematuridade, podem apresentar alterações na anatomia foveal e espessura da camada de fibras nervosas. Palavras-chave Prematuridade, retinopatia da prematuridade, tomografia de coerência óptica, mácula, camada de fibras nervosas. Vol. 36 - Nº 2 - Abril-Junho 2012 133

Ana Filipa Duarte, Rita Rosa, Arnaldo Santos, Rute Lino, Ana Bettencourt, Cristina Brito, José Nepomuceno, Alcina Toscano, Pinto Ferreira ABSTRACT Purpose: To investigate macular changes and retinal nerve fiber layer thickness in premature children com ages between 5 and 10 years. Methods: Prospective, controlled study involving premature children, recruited from Centro Hospitalar de Lisboa Central, from May to July 2011. Three groups were formed: children with no history of retinopathy of prematurity (ROP) - GP group, 40 eyes; group with previous ROP with spontaneous regression - GR group, 40 eyes; group with previously treated ROP - GT group, 20 eyes. Additionally 20 healthy and full-term children of the same age group were recruited and formed the control group. Group C (GC). All the children were submmited to spectral domain optical coherence tomography (Spectralis ) for determination of central and perifoveal macular thickness and nerve fiber layer thickness. Results: We found that premature children had significantly higher values of macula central thickness (GP, GR, GT, GC, 280.87 ± 18.65 ; 301.67 ± 24.19 ; 329.65 ± 29.35 ; 270.57 ± 10.74, respectively), and there were no differences concerning perifoveal internal and external thicknesses. Average thickness of retinal nerve fiber layer area was significantly lower in children born before term (GP, GR, GT, GC 95.72 ± 16.17; 80.97 ± 12.68 81.40 ± 24.63; 97.20 ± 8.01, respectively). These differences were most significant in children with ROP (treated and not treated), in which there was also a greater loss of foveal depression. Conclusion: This study has shown that premature children, especially those with previous retinopathy of prematurity, may present changes in foveal anatomy and nerve fiber layer thickness. Key-words Prematurity, retinopathy of prematurity, optical coherence tomography, macula, nerve fiber layer. INTRODUção A Retinopatia da Prematuridade (ROP) é uma patologia vasoproliferativa que se pode desenvolver em recém-nascidos prematuros, na ausência de maturação retiniana completa. Afecta os vasos em desenvolvimento e apresenta um largo espectro de gravidade e sequelas visuais, desde ligeira com regressão espontânea, a mais agressiva com formação de neovasos, descolamento da retina e, em última instância, cegueira. Com a melhoria dos cuidados neonatais a possibilidade de sobrevivência de grandes prematuros tem aumentado e com isso, a incidência de ROP tornou-se cada vez maior (1). Vários factores têm sido implicados no seu desenvolvimento: baixo peso à nascença, baixa idade gestacional e oxigenioterapia suplementar, entre outros, sendo que mais recentemente tem sido proposta uma importante influência de factores genéticos (2). O impacto da prematuridade no desenvolvimento ocular e na visão pode, por si só, ser significativo, mesmo sem o desenvolvimento de ROP, e a primeira sido associada a várias patologias desde miopia, estrabismo, ambliopia a anomalias do disco óptico (3,4). No que respeita ao desenvolvimento macular, sabe-se actualmente que termina algumas semanas após o nascimento (5) e estudos em animais têm sugerido que a prematuridade pode alterar este processo (6). Adicionalmente, dados recentes documentam a existência de uma disfunção macular subtil, em olhos com ROP, traduzida em alterações do electroretinograma multifocal (mferg) (7), bem como um comprometimento da visão cromática e sensibilidade ao contraste a longo prazo (8). Apesar do crescente interesse crescente pelo estudo da mácula e CFN em crianças prematuras (9-13), são ainda escassos os estudos incidindo numa faixa etária mais avançada, e que relacionem alterações da retina central e sobretudo da CFN com existência de ROP prévia. A Tomografia de Coerência Óptica (OCT) e mais recentemente a nova tecnologia Spectral-Domain (SD), de elevada resolução, permite obter dados relativos à área macular e CFN de forma altamente reprodutível, sendo actualmente um dos métodos mais utilizados na avaliação destas estruturas (14). 134 Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Avaliação da Mácula e Espessura da Camada de Fibras Nervosas Peripapilar em Crianças Prematuras O objectivo deste estudo é o de investigar alterações maculares e da espessura da camada de fibras nervosas peripapilar, através de OCT, numa população de crianças prematuras em idade escolar, de forma a melhorar a abordagem clínica nestas crianças. MATeRIAL e MéTOdOS Desenho do estudo Estudo prospectivo controlado. Amostra O presente estudo incluiu crianças com nascimento pré- -termo, entre os 5 e os 10 anos, seleccionadas na consulta de Oftalmologia Pediátrica do Centro Hospitalar de Lisboa Central no período de Maio a Julho de 2011. Foram excluídas crianças que apresentassem história de lesão cerebral, cirurgia ocular prévia, sequelas de ROP (prega macular, tracção vitreomacular, descolamento da retina envolvendo a mácula) ou outra patologia significativa do pólo posterior, nistagmos, ambliopia e miopia com equivalente esférico -3.0D. Os pais das crianças foram convidados por via telefónica a participar no estudo, tendo sido obtido um consentimento informado à data do exame. Seis crianças foram excluídas por falta de colaboração, 5 prematuras e 1 do grupo controlo. As crianças prematuras foram distribuídas em 3 grupos: Grupo P (GP) - sem história de retinopatia da prematuridade (ROP), 20 crianças entre 5 e 10 anos, (40 olhos); grupo R (GR) - história de ROP com regressão espontânea, 20 crianças entre 5 e 10 anos (40 olhos); grupo T (GT) história de ROP submetida a tratamento 15 crianças entre 5 e 6 anos (dos quais 20 olhos foram seleccionados, após análise dos critérios de exclusão). Foram ainda recrutadas 20 crianças saudáveis, na mesma faixa etária, com nascimento após gravidez de termo e sem patologia ocular, que formaram o grupo controlo grupo C (GC, 40 olhos). Todas as crianças foram submetidas a tomografia óptica computorizada spectral domain (SD-OCT, Spectralis ), pelo mesmo operador, numa sala com baixa iluminação e sem dilatação pupilar prévia. Para o estudo da mácula uma fonte de fixação interna foi centrada na fóvea do doente, com monitorização da sua estabilidade pelo operador, e as imagens obtidas após realização de seis scans maculares radiais com igual espaçamento angular, e 25 scans paralelos separados por 200 μm. As imagens foram analisadas através do software incorporado no aparelho. A espessura da retina foi dada automaticamente como a distância entre um plano ao nível da interface vitreoretiniana e outro ao nível do complexo membrana basal do epitélio pigmentar da retina membrana de Bruch. Foram obtidas os valores médios da espessura retiniana em cada uma das 9 áreas definidas pelo Early Treatment Diabetic Retinopathy Study (ETDRS), dispostos em 3 anéis concêntricos, com raios de 1.0, 2.22 e 3.45 mm, respectivamente. Analisou-se o valor central, perifoveal interno (soma dos 4 valores do anel intermédio ) e perifoveal externo (soma dos 4 valores do anel externo). Para o estudo da camada de fibras nervosas peri-papilar foi analisada uma área de disco óptico de 4 mm por 4 mm, com intervalos de 50 μm e obtidos os valores de espessura da camada de fibras nervosas total (CFN), determinados através do software do aparelho. Análise estatística Os resultados foram analisados estatisticamente utilizando o software SPSS versão 19.0 para o Windows (SPSS Inc, Chicago, IL). Todos os dados são expressos como média ± desvio padrão. O teste Mann-Whitney U foi utilizado para comparar os resultados entre os 4 grupos, para uma significância estatística de 5%. ResuLTAdOS As idades atuais das crianças incluídas nas amostras, bem como as idades (semanas) e pesos gestacionais (gramas) são descritos na tabela 1. Todos os olhos do grupo Tabela 1 Resultados relativos à idade atual, idade gestacional e peso à nascença nos diferentes grupos de crianças prematuras. Parâmetros GP GR GT Idade (anos) 7.29 ± 1.49 7.55 ± 1.28 5.74 ± 0.51 Idade gestacional (semanas) 31.70 ± 2.31 28.28 ± 1.49 25.50 ± 0.55 Peso à nascença (gramas) 1536.23 ± 440.54 902.50 ± 306.87 740 ± 95.29 Os valores são mostrados como média ± DP. GP = grupo de crianças prematuras sem ROP; GR = grupo de crianças prematuras com ROP com regressão espontânea; GT = grupo de crianças prematuras com ROP tratada com laser. Vol. 36 - Nº 2 - Abril-Junho 2012 135

Ana Filipa Duarte, Rita Rosa, Arnaldo Santos, Rute Lino, Ana Bettencourt, Cristina Brito, José Nepomuceno, Alcina Toscano, Pinto Ferreira GR apresentaram história de ROP de estádio 1 ou 2 na fase aguda, com posterior regressão espontânea documentada, e os olhos do grupo GT foram submetidos a tratamento de coagulação a laser para doença estádio 3 limiar. No que respeita à espessura central da mácula observámos valores significativamente superiores nos grupos de crianças prematuras (sem ROP, com ROP de regressão espontânea e com ROP tratada) face às crianças controlo (tabelas 2 e 3), com excepção do grupo de prematuros (GP), onde a espessura macular central foi superior ao grupo controlo mas não de forma significativa. As diferenças foram igualmente significativas e com valores crescentes ao compararmos os 3 grupos de crianças prematuras entre si (GP vs GR vs GT, tabela 4). Os valores de espessura das áreas perifoveais foram similares entre os 4 grupos. As figuras 1 a 4 (imagens da esquerda e centro) correspondem a 4 casos que exemplificam os resultados obtidos em cada grupo. De salientar que nas imagens de scans maculares das crianças prematuras, e de forma mais evidente no GR e GT, as depressões foveais apresentaram-se menos evidentes, definindo-se uma camada contínua entre a lâmina limitante interna e a camada de fotoreceptores, correspondente às camadas internas da retina. De forma mais precisa, no GP tal como no GC, 40/40 olhos (100%) apresentaram depressões foveais visíveis, sendo no GR 13/40 olhos (32,5%) e no GT 20/20 (100%) não. Tabela 2 Resultados relativos à espessura macular central e perifoveal nos diferentes grupos de crianças. Parâmetros GP GR GT GC Espessura mácula central (μm) 280.87 ± 18.65 301.67 ± 24.19 329.65 ± 29.35 270.57 ± 10.74 Espessura peri-foveal int. (μm) 337.87 ± 16.67 332.55 ± 12.11 345.20 ± 15.11 340.30 ± 11.85 Espessura peri-foveal ext. (μm) 298.24 ± 20.34 291.24 ± 15.02 311.43 ± 13.76 302.81 ± 11.16 Os valores são mostrados como média ± DP. GP = grupo de crianças prematuras sem ROP; GR = grupo de crianças prematuras com ROP com regressão espontânea; GT = grupo de crianças prematuras com ROP tratada com laser; GC = grupo de crianças com nascimento após gravidez de termo. Tabela 3 Resultados do teste de Mann-Whitney, utilizado na comparação de pares de grupos. Parâmetros GP vs GC GR vs GC GT vs GC Espessura mácula central (μm) 0.06 0.001 0.001 Espessura peri-foveal int. (μm) 0.648 0.53 0.62 Espessura peri-foveal ext. (μm) 0.67 0.43 0.52 GP = grupo de crianças prematuras sem ROP; GR = grupo de crianças prematuras com ROP com regressão espontânea; GT = grupo de crianças prematuras com ROP tratada com laser; GC = grupo de crianças com nascimento após gravidez de termo. Tabela 4 Resultados do teste de Mann-Whitney, aqui utilizado para comparar os diferentes grupos de crianças prematuras. Parâmetros GP vs GR GP vs GT GR vs GT Espessura mácula central (μm) 0.001 0.001 0.001 GP = grupo de crianças prematuras sem ROP; GR = grupo de crianças prematuras com ROP com regressão espontânea; GT = grupo de crianças prematuras com ROP tratada com laser. Tabela 5 Resultados do teste de Mann-Whitney, utilizado na comparação de pares de grupos. Parâmetros GP vs GC GR vs GC GT vs GC Espessura CFN (μm) 0.63 0.001 0.001 GP vs GR GP vs GT GR vs GT Espessura CFN (μm) 0.001 0.001 0.65 GP = grupo de crianças prematuras sem ROP; GR = grupo de crianças prematuras com ROP com regressão espontânea; GT = grupo de crianças prematuras com ROP tratada com laser; GC = grupo de crianças com nascimento após gravidez de termo. 136 Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Avaliação da Mácula e Espessura da Camada de Fibras Nervosas Peripapilar em Crianças Prematuras No que respeita à espessura de CFN podemos igualmente observar valores significativamente inferiores no grupo de crianças com ROP prévia (não tratada e tratada, entre os quais a diferença não foi estatisticamente significativa) face aos grupos de crianças prematuras sem ROP e crianças controlo (gráfico 1 e tabela 5). Mais uma vez as figuras 1 a 4 (imagens à direita) correspondem a 4 casos que exemplificam os resultados obtidos em cada grupo. DISCUSSão Neste estudo investigámos a estrutura macular e camada de fibras nervosas em crianças prematuras, distribuindo-as em 3 grupos: GP, prematuros sem ROP; GR, prematuros com ROP; e GT, prematuros com ROP tratada com laser. Procurámos determinar o efeito de cada um destes aspectos comparativamente a um grupo de crianças com nascimento de termo. Tal como Recchia et al. (12) e Ecsedy et al. (13) haviam verificado, também nos nossos grupos de crianças prematuras foram evidentes valores significativamente superiores de espessura macular central, acompanhados por depressões foveais menos pronunciadas, com manutenção, na maioria dos casos, de acuidades visuais normais (aspecto este que não foi determinado de forma exaustiva por não fazer parte do âmbito deste estudo). Em muitas destas crianças, sobretudo no GR e GT os scans maculares mostraram a persistência de camadas internas da retina a nível Gráf. 1 Resultados relativos à espessura da camada de fibras nervosas nos diferentes grupos de crianças. GP = grupo de crianças prematuras sem ROP; GR = grupo de crianças prematuras com ROP com regressão espontânea; GT = grupo de crianças prematuras com ROP tratada com laser; GC = grupo de crianças com nascimento após gravidez de termo. central sendo de salientar que os valores de espessura foram crescentes do grupo de crianças prematuras para o grupo de crianças com ROP e daí para as crianças com ROP tratada a laser, todos eles com valores significativamente Fig. 1 Imagens de scans maculares, mapas de espessura e camada de fibras nervosas de criança de 7 anos pertencente ao GP (prematuros sem ROP prévia). Vol. 36 - Nº 2 - Abril-Junho 2012 137

Ana Filipa Duarte, Rita Rosa, Arnaldo Santos, Rute Lino, Ana Bettencourt, Cristina Brito, José Nepomuceno, Alcina Toscano, Pinto Ferreira Fig. 2 Imagens de scans maculares, mapas de espessura e camada de fibras nervosas de criança de 6 anos pertencente ao GR (prematuros com ROP com regressão espontânea). Fig. 3 Imagens de scans maculares, mapas de espessura e camada de fibras nervosas de criança de 6 anos pertencente ao GT (prematuros com ROP tratada a laser). diferentes entre si. O teste de Mann- Whitney demonstrou mais especificamente que as crianças com ROP prévia (tratada e não tratada, GT e GR) mas não as prematuras sem ROP (GP) apresentaram valores de espessura macular central significativamente superiores às crianças controlo. Já as espessuras das camadas internas e externas da mácula foram similares entre todos os grupos. Estes resultados fazem-nos propor que a retinopatia pode causar uma disrupção no normal desenvolvimento da fóvea, contudo, não podemos excluir a questão da prematuridade, dado que as crianças que desenvolvem ROP são também aquelas de menores idades e pesos gestacionais, sendo que podem ser 138 Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Avaliação da Mácula e Espessura da Camada de Fibras Nervosas Peripapilar em Crianças Prematuras Fig. 4 Imagens de scans maculares, mapas de espessura e camada de fibras nervosas de criança de 7 anos pertencente ao GC (grupo controlo). esses factores os responsáveis pelas alterações estruturais observadas. Uma limitação deste estudo, e que poderá ser colmatada numa análise futura, é precisamente a correlação entre esses distintos parâmetros (idade gestacional, peso à nascença, ROP, ROP tratada) com os resultados obtidos. Um estudo prévio sobre alterações angiográficas em crianças prematuras (15) demonstrou a existência de uma zona avascular central inferior ao normal, sugerindo que o processo normal de regressão vascular que ocorre nesta zona estará comprometido em crianças nascidas antes das 30 semanas. Vários outros autores descreveram igualmente as alterações maculares que decorrem nas últimas semanas de gestação, como o afastamento progressivo das células internas da retina e dos núcleos dos cones dos segmentos externos dos últimos, que se organizam de forma compacta no centro da fóvea (16). A prematuridade e/ou ROP podem condicionar este processo e justificar os achados nos scans maculares, com a persistência das camadas internas e redução da depressão foveal. Outras possíveis limitações deste estudo dizem respeito por um lado, ao tamanho das amostras, e por outro ao facto de termos tido apenas acesso aos dados de crianças entre 5 e 6 anos, para inclusão no grupo de ROP tratada (GT). O aumento das amostras e a inclusão de crianças de idades superiores no último grupo poderiam auxiliar a obtenção de conclusões definitivas. Também de referir a possibilidade de existência de erros na aquisição de imagens em crianças com fracas colaborações, com a obtenção de scans parafoveais e valores falsamente elevados de espessuras. Contudo, a realização deste exame por um técnico experiente terá minimizado este fonte de erro. No que respeita à espessura da camada de fibras nervosas peripapilar, mais uma vez os grupos de crianças prematuras apresentaram diferenças significativas entre si e comparativamente ao grupo controlo, sendo os valores decrescentes do grupo de crianças prematuras para o grupo de crianças com ROP e daí para as crianças com ROP tratada a laser. Samarawickrama CB (11) determinou previamente que o baixo peso à nascença e outros marcadores de um mau desenvolvimento intra-uterino relacionavam-se com alterações dos parâmetros da papila, nomeadamente com uma maior relação escavação/disco, numa população de crianças de 12 anos. Mais recentemente Tariq et al (9) demonstrou as associações entre baixo peso à nascença e prematuridade com o espessamento da fóvea, e entre baixo peso e a redução da espessura de CFN. Contudo, em nenhum destes estudos foi tida em conta a existência ou não de ROP. Os nossos resultados, juntamente aos já publicados, suscitam questões que podem ser relevantes na avaliação do nervo óptico destes doentes: serão estas alterações uma particularidade destes indivíduos? Essa verificação poderia evitar diagnósticos erróneos de neuropatias (p.e.glaucomatosa) na idade adulta. Por outro lado, terão estes olhos um risco acrescido de desenvolvimento de glaucoma? Para responder a esta questão seriam úteis estudos longitudinais incidindo nesse aspecto, devidamente Vol. 36 - Nº 2 - Abril-Junho 2012 139

Ana Filipa Duarte, Rita Rosa, Arnaldo Santos, Rute Lino, Ana Bettencourt, Cristina Brito, José Nepomuceno, Alcina Toscano, Pinto Ferreira acompanhados pela avaliação dos campos visuais. O mesmo acontece na avaliação da mácula, dado ser o OCT um método auxiliar de diagnóstico frequentemente utilizado em quadros de baixa visão. Concluindo, este estudo demonstrou que crianças prematuras sem patologia macular aparente na oftalmoscopia podem apresentar alterações na anatomia desta zona (aumento da espessura central, perda da depressão foveal e persistência das camadas internas da retina) e menor espessura da camada de fibras nervosas peripapilar. Essas variações são mais pronunciadas em crianças que desenvolveram retinopatia da prematuridade. BIBLIOGRAfIA 1. Palmer EA, Flynn JT, Hardy RJ, et al. Incidence and early course of retinopathy of prematurity. The Cryotherapy for Retinopathy of Prematurity Cooperative Group. Ophthalmology. Nov 1991;98(11):1628-40. 2. Csak K, Szabo V, Szabo A, et al. Pathogenesis and genetic basis for retinopathy of prematurity. Front Biosci. Jan 1 2006;11:908-20. 3. Gallo JE, Lennerstrand G. A population based study of ocular abnormalities in premature children aged 5 to 10 years. Am J Ophthalmol. 1991; 111:539-547. 4. Snir M, Nissenkorn I, Sherf I, Cohen S, Sira IB. Visual acuity, strabismus and amblyopia in preterm babies with and without retinopathy of prematurity. Ann Ophthalmol 1988;20:256-258. 5. Hendrickson AE, Yuodelis C. The morphological development of the human fovea. Ophthalmology. 1984;91 (6): 603-12. 6. Hendrickson AE. Primate foveal developmen : a microcosm of current questions in neurobiology. Invest Ophthalmol Vis Sci. 1994; 35:3129-3133. 7. Fulton AB, Hansen RM, Moskowitz A. Multifocal ERG in subjects with a history or retinopathy of prematurity. Doc Ophthalmol 2005; 111:7-13. 8. Dobson V, Quinn GE, Abramov I. Color vision measured with pseudoisochromatic plates at five and a half years in eyes from the Cryo-Rop Study. Invest Ophthalmol Vis Sci. 1996; 37: 2467-2474. 9. Tariq YM, Pai A, Li H, Afsari S, Gole GA, Burlutsky G, Mitchell P. Association of birth parameters with OCT measured macular and retinal nerve fiber layer thickness. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2011 Mar 25;52(3): 1709-15. 10. Akerblom H, Larsson E, Eriksson U, Holmström G. Central macular thickness is correlated with gestational age at birth in prematurely born children. Br J Ophthalmol. 2011 Jun;95(6):799-803. 11. Samarawickrama C, Huynh SC, Liew G, Burlutsky G, Mitchell P. Birth weight and optic nerve head parameters. Ophthalmology. 2009 Jun;116(6):1112-8. 12. Recchia FM, Recchia CC. Foveal dysplasia evident by optical coherence tomography in preterm and full- -term children. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2007;48: 5207-5211. 13. Ecsedy M, Szamosi A, Karkó C, Zubovics L, Varsányi B, Németh J, Récsán Z A comparison of macular structure imaged by optical coherence tomography in preterm and full-term children. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2007 Nov;48(11):5207-11. 14. Pierro L, Giatsidis SM, Mantovani E, Gagliardi M. Macular thickness interoperator and intraoperator reproducibility in healthy eyes using 7 optical coherence tomography instruments. Am J Ophthalmol. 2010 Aug;150(2):199-204. 15. Mintz-Hittner HA, Knight-Nanan DM. A small avascular zone may be an historic mark of prematurity. Ophthalmology. 1999; 106:1409-1413. 16. Springer AD. New role for the primate fovea: a retinal excavation determines photo receptor deployment and shape. Vis Neurosci. 1999; 16 (4):629-978. CONTACTO anaf.duarte@hotmail.com Trabalho apresentado no 54º Congresso Português de Oftalmologia, em Dezembro de 2011. Os autores não têm qualquer interesse comercial no equipamento utilizado. Este trabalho não foi publicado e os direitos de autor são cedidos à SPO. 140 Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia