Augusto Teixeira de Freitas e o Registro Geral de Imóveis no Império



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Transcrição:

ANPUH XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA Fortaleza, 2009. Augusto Teixeira de Freitas e o Registro Geral de Imóveis no Império Pedro Parga Rodrigues Trata-se de apresentar as concepções de Augusto Teixeira de Freitas acerca da transcrição da propriedade e inscrição das hipotecas. Freitas foi um jurisconsulto do Brasil Império. Em 1854 foi contratado pelo governo para codificar a legislação civil, então presente de forma esparsa nas Ordenações e Alvarás Ibéricos. Sob contrato, propôs uma nova forma de ordenamento jurídico da legislação a Unificação do Direito Civil Pátrio. Pretendia, orientado por sua concepção positivista do Direito, acabar com a existência de diversas interpretações das leis referentes à propriedade. Para ele, isto eliminaria os litígios territoriais e possibilitaria a hipoteca sobre os imóveis. Suas propostas gozaram de grande dose de aceitação no governo, pelo menos até o regresso liberal da década de 1860. Ao ser contratado, Augusto Teixeira de Freitas enfatizou a necessidade de se revogar o Código Comercial e a Lei de Terras de 1850, no momento em que as Leis Civis fossem promulgadas. Para o advogado, estas leis não se adequavam à realidade do Império e - no caso das leis referentes ao comércio - teriam, inclusive, invadido os domínios da legislação civil. Mesmo assim, o seu contrato foi formalizado. Embora a posição do autor no debate sobre a construção e aplicação do Registro Geral de Imóveis criado pela Lei Hipotecária 1.237 de 1864 ainda seja intocada pelos historiadores, está não é a primeira vez que a concepção de propriedade do autor é apresentada. A historiadora Márcia Motta (MOTTA, 2005) apresentou recentemente o assunto, demonstrando a relação entre o fracasso de se construir um Código Civil para o Império e as imprecisões da definição da propriedade. Tais imprecisões eram criticadas, segundo ela, por Augusto Teixeira de Freitas. Segundo a constituição de 1824, o direito à propriedade deveria ser garantido em toda a sua plenitude. Mas a legislação sobre este assunto encontrava-se avulsa em vários alvarás e cartas régias. Segundo a mentalidade positivista dos jurisconsultos do IAB, instituto do qual Teixeira de Freitas fazia parte, esta era a causa da existência de interpretações discordantes sobre a questão, impedindo que o direito de propriedade fosse pleno. De fato, diferentes partes em processos de disputas de terras, realizados no Tribunal da Relação do Rio, recorriam aos mesmos textos e práticas jurídicas e provavam ter o direito sobre mesma área, através de interpretações discordantes. Mas enquanto estas críticas era uma novidade oitocentista, as Mestrando no Programa de Pós Graduação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Bolsista do Capes. 1

práticas jurídicas criticadas vinham e longa data. A forma dos juristas encararem o direito e a propriedade que vinha se transformando, com o divulgar das idéias liberais. A CONCEPÇÃO DE PROPRIEDADE DE FREITAS Márcia Motta apresentou muito bem a concepção de propriedade de Augusto Teixeira de Freitas. Na década de 1850, quando defendera um pequeno posseiro, chamado Antônio Pascoal, em um processo movido pelo Barão de Entre Rios com a intenção de embargar a posse do primeiro, o jurisconsulto já manifestava seu posicionamento. Na ocasião, ele (...) acionava um dos dispositivos do regulamento [da Lei de Terras de 1850] que reconhecia a primazia do cultivo em relação a um título, no caso à carta de sesmarias (...) (MOTTA, 2005: 258). Assim, opunha-se a concepção de propriedade absoluta defendida por alguns fazendeiros, na qual esta passava a ser encarada como parte da realidade agrária ignorando a primazia do cultivo e outros costumes favoráveis aos homens pobres livres das regiões rurais. Este posicionamento também aparece, como demonstra a autora na obra do jurisconsulto. (...) Quando elaborara a Consolidação das Leis Civis, Teixeira de Freitas expressava sua discordância contra a utilização dos Registros de Terra como prova de domínio (...) (MOTTA, 2005: 258). Márcia Motta apresenta as críticas do pensador sobre o Registro Paroquial, criado pelo Regulamento da Lei de Terras em 1854. Este era um cadastro das terras possuídas, realizado através de declarações daqueles que se diziam os possuidores das terras declaradas, com o fim de separar as terras públicas das privadas e delimitar os domínios. Cabe lembrar, que as declarações não foram feitas em todas as regiões e em algumas províncias em que onde o cadastro foi feito, as terras declaradas como possuídas extrapolavam a própria extensão provincial. Isto se devia ao fato dos fazendeiros, grandes possuidores de terras, terem operado com o cadastro de acordo com os seus interesses e com o seu posicionamento na rede de conflitos de sua região (MOTTA, 1998). Augusto Teixeira de Freitas sendo permeado pela mentalidade dos estadistas do Império 1, e tendo adotado uma concepção de Direito positivista, não podia aceitar a utilização do Registro Paroquial como prova de propriedade. Assim, (...) buscava - apoiando-se no 1 A definição de Estadista Imperial é feita por Ricardo Salles (SALLES, 1996 & 2008). Estes buscaram neutralizar as exagerações dos fazendeiros, fortalecendo a esfera pública, mesmo que em alguns momentos tenham precisado fazer concessões aos interesses localistas para garantir o sucesso do projeto de centralização administrativa. Havia uma diferença no interior do Estado entre alguns fazendeiros que exerciam funções na burocracia e estadistas, muitas vezes descendentes de fazendeiros, mas cuja experiência esteve muito mais ligada à realidade do Estado. Ambos eram escravistas, mas a forma de experimentar a escravidão se diferenciavam, fazendo com que os segundos algumas vezes se opusessem aos exageros da casa. 2

enorme prestígio que detinha junto ao governo interferir (...) (MOTTA, 2005: 267-268) na questão. Mas não obteve sucesso, pois: (...) seus esforços eram, por si só, ameaçadores de uma ordem que se firmou exatamente pela desordem da estrutura fundiária do país, que permitiu que os fazendeiros continuassem a invadir terras devolutas pelas portas dos fundos de suas enormes fazendas. (MOTTA, 2005: 267-268) TEIXEIRA DE FREITAS E O REGISTRO GERAL DE IMÓVEIS Sobre o Registro Geral de Imóveis, os leitores provavelmente sabem que nele são registradas as alienações de propriedades imóveis. Quando vamos vender ou hipotecar nossa casa, transcrevemos o contrato de compra e venda neste documento oficial. Mas este registro que conhecemos hoje é um pouco diferente daquele criado pela Lei Hipotecária 1.237 de 1864. Embora ambos sejam obrigatórios para que o contrato tenha validade jurídica, o existente hoje serve como prova de propriedade para o adquirente do imóvel ou credor que recebera a propriedade arrematada para sanar um empréstimo. O registro de outrora era diferente; A formalidade da transcrição do contrato de compra e venda no XIX assegurava que os contratantes tinham estabelecido obrigações recíprocas, mas não servia de prova da propriedade para o adquirente ou credor. Muitos foram os desacordos sobre o caráter de comprovação do Registro Geral de Imóveis no momento de sua construção e aplicação. Augusto Teixeira de Freitas, enquanto jurisconsulto encarregado de construir o Código Civil do Império, não podia deixar de se manifestar sobre o assunto. Sua posição mais direta sobre a questão foi apresentada na Consolidação das Leis Civis, trabalho no qual buscava reunir os costumes e práticas jurídicas ligadas ao direito civil, como forma de possibilitar a construção do Código do qual fora encarregado. Vejamos seu posicionamento: Coube ao laborioso ministro da justiça o Sr. Nabuco de Araújo a glória de propagar no país as novas idéias que dominam a matéria das hipotecas em harmonia com os progressos da ciência. Seu relatório de 1854 lançou as primeiras sementes, fez compreendera urgência da reforma hipotecária, a necessidade de fundar o crédito territorial sobre a base da hipoteca. O pensamento cardeal do seu Projeto apresentado ao corpo legislativo na sessão de 25 de julho do mesmo ano foi a publicidade das hipotecas e com ela a de todas as transmissões de imóveis por título entre vivos, e constituições de direitos reais. Uma comissão especial da câmara dos deputados examinou esse projeto e seu parecer abundou nas mesmas idéias e até excedeu-as, opinando que a transcrição 3

no registro público dos títulos de transmissão dos imóveis devia ter um valor ainda maior do que se lhe dera no Projeto. A transcrição (Segundo o Projeto) não induz a prova do domínio, que fica salvo a quem for. A transcrição (disse a comissão) deve importar prova da propriedade e não uma presunção. Logo que ela é recomendada e obrigatória. Parece de lógica rigorosa, e ao mesmo tempo conveniente, para afastar meios de fraude, que sempre a má fé procura, e consegue descobrir, que se lhe dê a importância de justo título. (FREITAS, 1865: CXIX CC) Na citação acima o autor começa elogiando o Projeto de Reforma da Legislação Hipotecária apresentado por Nabuco de Araújo na Câmara dos Deputados em 1864. Concorda com ele em dois pontos, dentre outros: 1) Obrigatoriedade do registro, ou em outras palavras, (...) a publicidade das hipotecas e com ela a de todas as transmissões de imóveis por título entre vivos, e constituições de direitos reais (...) ; 2) a não atribuição do caráter de prova para a transcrição das transferências de propriedade em registro público. No segundo ponto, diverge da Comissão da Câmara dos Deputados que analisara o projeto. Sendo um Estadista do Império e, por isso, bastante imbuído do espírito público, o autor não podia permitir que, em um país onde o domínio era incerto, no qual não havia ocorrido nenhuma forma de regularização fundiária, e onde a prescrição existia enquanto um costume jurídico, que o registro viesse a servir de prova de propriedade. Sabia que isto podia vir a ser uma fonte de fraudes e uma forma dos grandes fazendeiros ampliarem suas terras, a despeito dos interesses de homens pobres livres. Vejamos como o autor prossegue em seu pensamento: Não é estranho que, pelo empenho de fundar o crédito territorial, os espíritos tanto propenderam para a idéia da certeza legal da propriedade. Se a simples transcrição dos títulos de domínio, e dos constitutivos de direitos reais, fosse suscetível de tranqüilizar perfeitamente o credor hipotecário, como não desejar que tal solenidade importe a prova irrecusável do estado da propriedade imóvel? Eis como as aspirações manifestadas nas sessões legislativa de 1854, 1855, e ainda outra razão as justifica. (...) Sendo feita a inscrição ou transcrição por meros oficiais públicos, - funcionários inteiramente passivos-, não passará de um ato puramente material, de uma simples cópia literal ou por extrato dos títulos de transmissão de domínio entre vivos, ou de constituição de direitos reais. Ora, adotada esta providencia, os registros públicos farão sempre as alienações que se forem realizando, e os encargos consentidos por aquele que reputa-se proprietário; mas não fornecerão provas do estado certo da propriedade; não serão o sinal infalível, por onde os mutuantes e adquirentes possam conhecer a legitimidade do domínio, e a disponibilidade dos imóveis. Um ato de alienação não constitui a prova do direito de quem aliena, nem, por conseguinte, do direito de quem adquire, pois que ninguém transmite mais direitos do que tem. Como saber se o vendedor do imóvel é seu legitimo e verdadeiro proprietário? Investigando-se a genealogia da propriedade, sua filiação de título em título, pode-se chegar a grande probabilidade, e raras vezes à certeza completa. Além disso, os títulos podem conter vários encargos, podem ser anulados por vícios intrínsecos do consentimento dos contratantes, pela sua incapacidade civil e por vícios de forma. (...) (FREITAS, 1865: CCI CCIV ) 4

Seguindo este raciocínio, o autor apresentava sua condição para o Registro Geral de Imóveis ter peso de prova de domínio, tendo em mente que esta dificilmente seria aceita pelos grandes possuidores de terras, os detentores de sesmarias caídas em comisso e outros fazendeiros: O registro das mutuações futuras não poderia consistir somente em uma transcrição material por intermédio de um oficial público, mera testemunha instrumentária; mas deveria ser o efeito de um exame preliminar e muito rigoroso dos direitos que se apresentassem. (FREITAS, 1865: CCV) Assim, de acordo com Freitas, para que o registro viesse a assumir este papel, este não poderia ser apenas uma transcrição; Mas deveria ocorrer junto a uma depuração para descobrir a quem este domínio realmente pertencia e se o transmitente realmente era o proprietário da coisa que visava alienar. Junto ao processo de instituição da publicidade das transmissões, precisaria ocorrer uma regularização fundiária. Mas as dificuldades de legalizar o domínio, através deste processo, e os conflitos em torno da propriedade eram conhecidos pelo jurisconsulto. Assim, na tentativa de coibir as exagerações dos fazendeiros, ele acabava por se aproximar dos pequenos posseiros. Ele considerava a posse um título débil, por defender a consolidação da lógica da propriedade absoluta, mas não aceitava que sua implantação viesse a prejudicar interesses legitimamente reconhecidos pelos costumes pátrios. BIBLIOGRAFIA FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das Leis Civis. 2ª ed. Mais aumentada. Typ Universal de Laemmert: Rio de Janeiro 1865. MOTTA, Márcia Menendes. Nas fronteiras do poder: conflitos e direito à terra no Brasil do século XIX. Vicio de leitura:rio de Janeiro, 1998 MOTTA, Márcia Mendes. Teixeira de Freitas: da posse e do direito de possuir. IN: Revista da Faculdade de Direito de Campos. Ano VI, n 7, dezembro- 2005. SALLES, Ricardo. Nostalgia Imperial: A formação da identidade nacional no Brasil do Segundo Reinado. Topbooks Editora, Rio de Janeiro, 1996. SALLES, Ricardo. E o Vale era o escravo. Vassouras - Século XIX. Senhores e escravos no coração do Império. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2008. 5