NEOPLASIA CÍSTICA DO PÂNCREAS: ANÁLISE DE 24 CASOS



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REV. HOSP. CLÍN. FAC. MED. S. PAULO 49(5): 208-212, 1994 NEOPLASIA CÍSTICA DO PÂNCREAS: ANÁLISE DE 24 CASOS Marcel Cerqueira Cesar Machado, André L. Montagnini, Marcel Autran C. Machado, Roberto Falzoni, Paula Volpe, José Jukemura, Emilio E. Abdo, Sonia Penteado, Telesforo Bacchella, José E. Monteiro-Cunha e Henrique W. Pinotti. MACHADO, M.C.C. e col. - Neoplasia cística do pâncreas: análise de 24 casos. Rev. Hosp. Clín. Fac. Med. S. Paulo 49(5): 208-212, 1994 RESUMO: Os autores estudaram 24 pacientes portadores de neoplasia cística do pâncreas tratados no Serviço de Cirurgia das Vias Biliares e Pâncreas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo no período entre 1982 e 1993. A idade dos pacientes variou entre 21 e 80 anos, com média de 53,5 anos. O sintoma mais freqüente foi dor abdominal incaracterística, presente em 71% dos pacientes. Emagrecimento, aumento de volume abdominal e peso pós-prandial estiveram presentes em 29%, 25% e 8% dos pacientes, respectivamente. O diagnóstico pré-operatório foi feito através de ultrassonografia e tomografia computadorizada. Todos pacientes foram submetidos a exploração cirúrgica. O diagnóstico histopatológico foi de cistadenoma seroso em 12 doentes, cistadenoma mucinoso em dez e cistadenocarcinoma em dois doentes. As dimensões dos cistos variaram de 2,3 a 15 cm de diâmetro, sendo o cistadenoma mucinoso o que apresentou maior diâmetro. Não houve mortalidade pós-operatória. É apresentada análise do presente material e da literatura com discussão dos métodos diagnósticos e terapêuticos. DESCRITORES: Neoplasias de pâncreas. Cistadenoma. Cistadenocarcinoma As neoplasias císticas constituem um grupo incomum dentre as neoplasias pancreáticas. Estas lesões têm sido vistas e tratadas com maior freqüência nas últimas décadas, provavelmente devido aos avanços tecnológicos no diagnóstico e na técnica cirúrgica. Representam cerca de 9% a 13% de todas lesões císticas do pâncreas, cerca de 1% das neoplasias pancreáticas e são predominantes em pacientes do sexo feminino. O quadro clínico é constituído de sintomas vagos de pressão ou dor em região epigástrica na maioria dos pacientes 8. O objetivo deste trabalho é analisar os aspectos clínicos, diagnósticos, anátomopatológicos e terapêuticos de 24 pacientes portadores de neoplasia cística do pâncreas tratados no Serviço de Cirurgia das Vias Biliares e Pâncreas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo no período entre 1982 e 1993. MATERIAL E MÉTODOS Foram estudados 24 pacientes portadores de tumores císticos do pâncreas e atendidos no Serviço de Cirurgia das Vias Biliares e Pâncreas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo no período entre 1982 e 1993. Foram analisados: sexo, idade, quadro clínico, exames laboratoriais, diagnóstico, tamanho do cisto, exames complementares, tratamento realizado e evolução pós tratamento. RESULTADOS A idade dos pacientes variou entre 21 e 80 anos, com média de 53,5 anos, sendo 22 (91,7%) do sexo feminino e dois (8,3%) do sexo masculino. O sintoma mais freqüente foi dor abdominal incaracterística, presente em 71% dos pacientes. Emagrecimento, aumento de volume abdominal e peso pósprandial estiveram presentes em 29%, 25% e 8% dos pacientes, respectivamente. O tumor cístico de pâncreas foi achado ultrassonográfico em dois pacientes (8%) durante exame de rotina. O diagnóstico de lesão cística foi feito em quatorze de dezoito pacientes submetidos a ultrassonografia (Fig.1), enquanto que este diagnóstico foi sugerido em dezoito dos dezenove pacientes que realizaram tomografia computadorizada (Figuras 2 e 3), com sensibilidade de 77,8% e 94,7%, respectivamente (Tabela 1). Trabalho realizado na Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo do Hospital das Clínicas da FMUSP. Todos os pacientes foram submetidos a cirurgia. Doze pacientes tiveram diagnóstico de cistadenoma seroso (Fig.4), dez apresentavam diagnóstico de cistadenoma mucinoso (Fig.5) e dois cistadenocarcinoma mucinoso (Fig.6). Um paciente, com diagnóstico de pseudocisto de pâncreas Fig 1. Ultrassonografia de paciente portador de cistadenoma mucinoso do pâncreas. através de biópsia de congelação, posteriormente mostrou tratar-se de cistadenoma mucinoso com evolução para cistadenocarcinoma com carcinomatose cerca de um ano após a cirurgia, que se constitui de anastomose cisto-jejunal. O tamanho das lesões císticas variou de 2,3 cm a 15 cm de diâmetro, sendo que o cistadenoma mucinoso tinha diâmetro estatisticamente maior

Fig 2. Tomografia computadorizada de paciente portador de cistadenoma seroso do pâncreas. Observa-se área de calcificação central estrelada (seta) - sugestivo de cistadenoma seroso. Fig 4. Exame histológico de paciente portador de cistadenoma seroso do pâncreas. Observa-se parte interna do cisto com revestimento de células serosas (HE 100x) que o seroso (p<0,01). Devido ao pequeno número de casos com cistadenocarcinoma, o estudo estatístico referente a este grupo não pode ser realizado. A dosagem de CA 19-9 e CEA no líquido do cisto foi feita em apenas três pacientes, dois com cistadenoma seroso e um mucinoso, estando o CA- 19-9 aumentado e CEA normal em todos eles. Os achados operatórios, conduta cirúrgica e diagnóstico histológico estão resumidos na Tabela 2. O tratamento dos pacientes com cistadenoma seroso consistiu em biópsia em seis pacientes (cinco com localização cefálica e um com cisto em corpo de pâncreas); pancreatectomia distal em dois pacientes com lesão em cauda de pâncreas; duodenopancreatectomia com preservação do piloro em um paciente com lesão em cabeça de pâncreas, gastroduodenopancreatectomia em um paciente com lesão cefálica; pancreatectomia subtotal em um (lesão em colo pancreático) e excisão local em doente com lesão cefálica pequena. Fig 3. Tomografia computadorizada de paciente portador de cistadenoma mucinoso multiloculado. A conduta cirúrgica nos pacientes com cistadenoma mucinoso foi pancreatectomia distal em cinco pacientes (quatro com lesão em corpo de pâncreas e um com lesão em corpo e cauda), em um deles com preservação do baço; pancreatectomia subtotal em um paciente com tumor em colo de pâncreas; duodenopancreatectomia em um com lesão cefálica; biópsia em um doente com lesão em cabeça de pâncreas irressecável e anastomose cisto-jejunal em paciente com lesão cística em colo de pâncreas cuja biópsia de congelação (ausência de revestimento epitelial) foi considerada compatível com pseudocisto de pâncreas. Este paciente retornou com quadro de carcinomatose cerca de um ano após a cirurgia. Revisão histológica da biópsia efetuada na cirurgia mostrou tratar-se de cistadenoma mucinoso. Além disso, três outros pacientes haviam sido submetidos à derivação cistodigestiva previamente, sendo dois com derivação cisto-jejunal e um com derivação cisto-gástrica. Dos dois pacientes com diagnóstico de cistadenocarcinoma na ocasião da cirurgia, um era irressecável e já apresentava metástase ganglionar sendo realizada apenas biópsia do tumor. O segundo paciente havia sido submetido a anastomose cisto-jejunal em outro serviço cinco anos antes, posteriormente convertida a drenagem externa por infecção do cisto. Durante acompanhamento tomográfico foi notado crescimento sólido intra-cístico e crescimento tumoral no trajeto fistuloso da drenagem externa. Foi então reoperado e submetido a pancreatectomia distal associada a ressecção do trajeto fistuloso com margem adequada. O primeiro teve evolução fatal em seis meses, enquanto o segundo estava sem sinais de recidiva tumoral dois anos após a cirurgia, com níveis séricos de CA 19-9 normais.

Fig 5. Exame histológico de paciente portador de cistadenoma mucinoso do pâncreas. Parede interna do cisto - revestimento uniestratificado de células mucinosas (HE 100x) Os pacientes operados por cistoadenoma seroso evoluíram bem, estando assintomáticos dez pacientes com seguimento de três meses a três anos. Uma paciente que foi submetida a biópsia da lesão cística, apresenta massa palpável três anos após a cirurgia mas está assintomática. Dos pacientes com cistadenoma mucinoso, todos estão assintomáticos em seguimento de quatro meses a quatro anos. DISCUSSÃO As neoplasias císticas constituem um grupo incomum dentre as neoplasias pancreáticas. Estas lesões têm sido relatadas com maior freqüência nas últimas décadas, provavelmente devido aos avanços tecnológicos no diagnóstico e na técnica cirúrgica. Embora as neoplasias císticas do pâncreas tenham sido tradicionalmente separadas em cistadenoma e cistadenocarcinoma, uma classificação mais adequada foi feita por Compagno e Oertel 2 em 1978, que dividiram os cistadenomas em dois grupos: serosos e mucinosos. O tipo mucinoso exibe um potencial de maior malignidade estando relacionado ao cistadenocarcinoma mucinoso, enquanto os cistadenomas do tipo seroso são considerados como benignos sem tendência à malignização. Este conhecimento permite uma maior racionalização na conduta terapêutica nestas situações. Representam cerca de 9% a 13% de todas as lesões císticas do pâncreas e cerca de 1% das neoplasias pancreáticas sendo predominantes em pacientes do sexo feminino. O quadro clínico é constituído de sintomas vagos de pressão ou dor abdominal em região epigástrica em cerca de 95% dos pacientes 8. Por este motivo, o diagnóstico é difícil de ser feito e muitas vezes estes tumores podem crescer e atingir grandes proporções. Em algumas séries, encontra-se massa palpável em até 47% dos pacientes. Na presente série, o sintoma principal foi dor epigástrica incaracterística na maioria dos pacientes (71%). Localiza-se igualmente na cabeça, corpo e cauda do pâncreas. Na nossa casuística houve predominância discreta de cistos de localização cefálica. A duração dos sintomas é menor nos pacientes com doença benigna do que naqueles com lesão maligna sendo o tamanho médio dos tumores benignos cerca da metade do encontrado nos cistadenocarcinomas. Isto sugere que os tumores benignos talvez tenham sido detectados em um estágio mais precoce 8. O diagnóstico do tipo específico do tumor, seroso ou mucinoso é difícil de ser feito no período pré-operatório pois as características de ambos se sobrepõem: a maioria ocorre em mulheres de meia-idade, têm diâmetro médio de 5 a 6 cm e apresentam-se clinicamente com dor, pancreatite ou são assintomáticos 11. Na presente série, observamos que os cistadenomas mucinosos apresentavam tamanho estatisticamente superior aos serosos. Não observamos, na nossa casuística, nenhum paciente com pancreatite, embora dois pacientes apresentassem hiperamilasemia pré-operatória. O diagnóstico diferencial de uma lesão cística do pâncreas inclui uma variedade de neoplasias, particularmente quando não há antecentes de fatores ou eventos que poderiam gerar um pseudocisto. Algumas características físicas das lesões císticas são úteis no diagnóstico. Localização e tamanho da lesão não tem valor na diferenciação, enquanto a loculação e presença de componente sólido na tomografia computadorizada são indicadores confiáveis de neoplasia, mas podem estar ausentes. Observamos ser a tomografia computadorizada exame diagnóstico mais sensível que a ultra-sonografia, embora esta Fig 6. Exame histológico de paciente portador de cistadenocarcinoma mucinoso do pâncreas. Parede interna do cisto - revestimento pseudoestratificado e complexo de células mucinosas (HE 400x)

TABELA 1. Dados dos pacientes e achados radiológicos dos pacientes com neoplasia cística do pâncreas. N. Idade Sexo USG TC 1 49 F lesão cística lesão policística 2 61 F lesão sólida - 3 34 F lesão cística lesão sólido-cística 4 73 F lesão cística lesão cística 5 47 M lesão cística - 6 58 F sólido-cística lesão policística 7 55 F - lesão sólido-cística 8 43 F lesão cística lesão cística 9 71 F - lesão policística 10 32 F - lesão cística 11 56 F - lesão cística 12 61 F - lesão cística 13 49 F sólido-cística lesão sólido-cística 14 80 F lesão sólida sólida 15 72 F lesão cística lesão cística 16 47 F lesão sólida lesão sólido-cística 17 48 F lesão cística lesão cística 18 37 F lesão cística lesão cística 19 63 F lesão sólida lesão sólido-cística 20 71 M - lesão sólido-cística 21 74 F sólido-cística - 22 21 F lesão cística - 23 45 F lesão cística - 24 38 F lesão cística lesão policística última, por ser mais acessível, possa fazer o diagnóstico em pacientes assintomáticos em exames de rotina. A possibilidade diagnóstica de cistadenoma deve estar sempre presente frente a paciente com lesão cística do pâncreas, principalmente quando se trata de pacientes de meia idade e do sexo feminino 10. Com efeito, na nossa casuística, apenas dois eram do sexo masculino. A diferenciação diagnóstica com o pseudocisto é importante de ser feito, pois um erro no diagnóstico pode levar a conduta errônea de derivação cisto-entérica, podendo ter conseqüências desastrosas como em um dos pacientes da nossa casuística. Os pseudocistos de pâncreas incidem mais freqüentemente no sexo masculino (93%) e na faixa etária de 30 a 40 anos de idade 7. Aproximadamente 50 a 75% dos pacientes portadores de pseudocisto tem elevação de amilase sérica 7,9, enquanto que isto raramente ocorre em pacientes com cistadenoma, embora na nossa série dois pacientes apresentassem elevação discreta da amilase. O exame tomográfico e ultrassonográfico podem não mostrar componente sólido do tumor, característico de neoplasia cística, mas o aspecto multiloculado e calcificação da parede do cisto, presentes nestes exames de imagem sugerem a presença de neoplasia cística do pâncreas, uma vez que estes achados são infreqüentes nos pseudocistos 4. A pancreatografia endoscópica retrógrada mostrando comunicação entre a lesão cística e o ducto pancreático principal (presente em até 60% dos casos de pseudocisto), obstrução ou alterações características de pancreatite crônica sugerem o diagnóstico de pseudocisto pois não são encontradas nas neoplasias císticas 1, a não ser muito raramente 6. O aspecto de hipervascularização visto na arteriografia é outro sinal indicativo de neoplasia, enquanto hipovascularização é característica dos pseudocistos 3. No intraoperatório, os achados macroscópicos são de grande importância. A parede do pseudocisto é, em geral, espessa, opaca e aderente a vísceras adjacentes, principalmente ao estômago, enquanto que o parênquima pancreático mostra-se freqüentemente endurecido e nitidamente anormal. Por outro lado, os cistos neoplásicos têm parede fina e transparente sendo o restante do parênquima pancreático, em geral, normal 5. Recentemente Lewandrowski e col. 6 estudaram o conteúdo de 26 cistos pancreáticos. Analisaram marcadores tumorais (CEA, CA 125 e CA 19-9), amilase, viscosidade relativa e citologia. Verificaram que o antígeno carcinoembrionário (CEA) estava elevado nos cistadenomas mucinosos e cistadenocarcinomas, enquanto que nos cistos serosos e pseudocistos os níveis deste marcador estavam baixos. Verificaram que o valor 24,7 ng/ml (média mais três desvio padrão) produz sensibilidade e especificidade de 100% no diagnóstico de cistadenomas mucinosos e cistadenocarcinomas, distinguindo-os dos pseudocistos e cistadenomas serosos. Os outros marcadores tumorais não foram tão eficientes no diagnóstico diferencial destes cistos. Assim níveis elevados de CEA no líquido do cisto indicam ou um tumor maligno (cistadenocarcinoma) ou cistadenoma mucinoso, ambos com indicação cirúrgica. Estes autores sugerem que além do CEA, a viscosidade do líquido do cisto, a citologia, a amilase e lipase são elementos úteis no diagnóstico diferencial destes tumores. Punção percutânea guiada pelo ultrassom ou pela tomografia poderiam efetuar o diagnóstico no pré-operatório. Warshaw 11 alerta para o risco desta prática pois a punção de um cistadenoma com degeneração maligna poderia espalhar células cancerosas, causando disseminação neoplásica, mudando o estadiamento da doença e o prognóstico do paciente. O risco potencial da disseminação tumoral nos cistadenocarcinomas é, no entanto, desconhecida. A TABELA 2. Achado, conduta cirúrgica e histologia dos pacientes com neoplasia cística do pâncreas. N. Localização Tamanho Cirurgia Realizada Histologia do cisto (cm) 1 cabeça 6 biópsia cistadenoma seroso 2 cabeça 10 biópsia cistadenoma mucinoso 3 cauda 8,2 pancreatectomia corpo-caudal cistadenoma seroso 4 colo - pancreatectomia sub-total cistadenoma mucinoso 5 cabeça 3 excisão local cistadenoma seroso 6 colo 3,6 pancreatectomia sub-total cistadenoma seroso 7 corpo e cauda 10 pancreatectomia corpo-caudal cistadenocarcinoma mucinoso 8 cabeça 4 biópsia cistadenoma seroso 9 cabeça - biópsia cistadenoma seroso 10 cauda - pancreatectomia corpo-caudal cistadenoma seroso 11 cabeça 7 duodenopancreatectomia cistadenoma mucinoso 12 cabeça - biópsia cistadenoma seroso 13 cabeça 6,6 duodenopancreatectomia cistadenoma mucinoso 14 corpo 4 biópsia cistadenoma seroso 15 cabeça 3,1 biópsia cistadenoma seroso 16 cabeça 2,3 duodenopancreatectomia cistadenoma seroso 17 corpo 15 pancreatectomia corpo-caudal cistadenoma mucinoso 18 corpo 6,5 pancreatectomia corpo-caudal cistadenoma mucinoso 19 corpo e cauda 13 biópsia cistadenocarcinoma mucinoso 20 colo 4,5 anastomose cisto-jejunal cistadenoma mucinoso* 21 cabeça 7 duodenopancreatectomia cistadenoma seroso 22 corpo 12 pancreatectomia corpo-caudal cistadenoma mucinoso 23 corpo 8,5 pancreatectomia corpo-caudal cistadenoma mucinoso 24 corpo e cauda 10 pancreatectomia corpo-caudal cistadenoma mucinoso * biópsia de congelação - pseudocisto de pâncreas

decisão de quando puncionar depende basicamente do julgamento clínico. O encontro de áreas de adenoma na mesma peça de cistadenocarcinoma mucinoso, sugere a possibilidade de degeneração maligna do adenoma cístico do tipo mucinoso 12. Alguns autores 11 sugerem que a neoplasia cística do tipo mucinoso permanece em estado de latência por muitos anos, mas mantém a capacidade de se transformar em câncer agressivo e de alto grau de malignidade. Por este motivo todas as lesão císticas mucinosas devem ser ressecadas, mesmo em pacientes assintomáticos. O achado, durante biópsia de congelação, de cisto sem epitélio poderia sugerir o diagnóstico de pseudocisto. Uma vez que os cistadenomas mucinosos podem apresentar áreas extensas sem epitélio, a biópsia de congelação não afasta totalmente o diagnóstico de neoplasia cística. Um fragmento simples pode induzir ao erro, conforme ocorreu em um dos pacientes da presente série. Desta maneira, o aspecto macroscópico, a história clínica e os exames de imagem são fundamentais na suspeita diagnóstica de cistadenoma, levando à conduta correta que é a ressecção total da lesão. Alguns autores acreditam que o aspecto tomográfico de multiloculação e calcificação central estrelada são muito sugestivos de cistadenoma seroso (adenoma microcístico) e estes pacientes, se fossem de alto risco cirúrgico, poderiam ser observados clinicamente com segurança11. Apesar dos achados de Lewandrowski e col.6 que necessitam ser confirmados, não existe ainda possibilidade de distinguir em todos os casos preoperativamente, com certeza, o cistadenoma seroso (benigno) do cistadenoma mucinoso (maligno ou potencialmente maligno). Enquanto os cistadenomas serosos possuem epitélio seroso uniforme, o mesmo não ocorre com os cistadenomas mucinosos, que podem conter, ao mesmo tempo, áreas serosas e mucinosas, embora a malignização ocorra sempre na área mucinosa11. Isto significa que o diagnóstico exato, em muitos casos, não pode ser feito até que se obtenha a peça cirúrgica completa para análise histológica. A inspeção cirúrgica e biópsia podem, portanto, não serem suficientes para distinguir o cistadenoma seroso do mucinoso. Desta maneira todas as neoplasias císticas devem ser ressecadas. Desde que atualmente devido aos avanços tecnológicos, somente em pacientes muito idosos ou de risco cirúrgico muito alto, portadores de cistadenoma seroso (diagnóstico de congelação) de localização cefálica, que necessitariam portanto de duodenopancreatectomia, a não ressecção seria conduta aceitável. Se os achados de Lewandrowski e col. forem confirmados e não houver risco de disseminação tumoral pela punção percutânea, este método poderia ser empregado para facilitar o diagnóstico diferencial dos cistadenomas que necessitam de intervenção cirúrgica. SUMMARY Cystic neoplasms of the pancreas: report on 24 cases Cystic neoplasms are an uncommun group among pancreatic tumors. These lesions are seen more frquently in recent surgical practice, probably because of advances in diagnostic and surgical techniques. We report our findings in 24 patients with cystic tumors of the pancreas, including twelve patients with serous cystadenoma, ten with mucinous cystadenoma and two patients with mucinous cystadenocarcinoma. Twenty-two patients were women and two were man. The median age of patients was 53.5 years (range, 21 to 80 years). Mild abdominal pain was the main symptom in 71% of patients and weight loss in 29%. The lesions were incidental finding in 8% of patients. The mean size of the cysts was 7.8 (range, 2.3 to 15 cm). Eleven cystic neoplasms were located in the head, three in the neck, five in the body, two in the tail of the pancreas and three in the body and tail. All patients underwent surgical exploration. There was no perioperative mortality. Total tumor resection provides the the best chance of cure and may remove the risk of malign transformation of the cystadenomas, particularly of the mucinous type. DESCRIPTORS: Pancreas. Cystic neoplasm REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. BYNUM, T.E. - Endoscopic retrograde cannulation of the pancreatic duct. In: BROOKS, J.R. - Surgery of the Pancreas. Philadelphia: W.B. Saunders, p. 118-121, 1983. 2. COMPAGNO, J. & OERTEL, J.E. - Microcystic adenomas of the pancreas (glycogen-rich cystadenomas): A clinicopathologic study of 34 cases. Am. J. Clin. Pathol. 69:289-298, 1978. 3. FREENEY, P.C.; WEINSTEIN, C.J.; TAFT, D.A. & ALLEN, F.H. - Cystic neoplasms of the pancreas: angiographic and ultrasonographic findings. Am. J. Roentgenol. 131:795-802, 1978. 4. FRIEDMAN, A.C.; LICHTENSTEIN, J.E. & DACHMAN, A.H. - Cystic neoplasms of the pancreas. Radiological-pathological correlation. Radiology 149:45-50, 1983. 5. 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