O papel do Brasil no período pós-conflito na Colômbia

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Transcrição:

O papel do Brasil no período pós-conflito na Colômbia Mariana Carpes Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (IREL-UnB) Introdução O presente artigo analisa qual papel o Brasil poderia desempenhar no período pós-conflito na Colômbia, argumentado que o conhecimento acumulado pelo país na superação de desafios sócio-econômicos coloca-o quase que naturalmente na posição de país-modelo para o vizinho andino. O artigo apresenta um breve histórico do conflito armado colombiano e o atual estado das negociações de paz entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) que se realizam em Havana, Cuba, observando que, apesar de este ser um conflito doméstico, suas repercussões são transnacionais envolvendo direta ou indiretamente os países de fronteira: Brasil, Equador, Peru e Venezuela. Dado o caráter transnacional dos efeitos do conflito, é de se compreender e esperar que sobretudo os países de fronteira mobilizem-se da forma como for possível, para buscar soluções para o tema. Nessa linha de argumentação, o Brasil destaca-se como a exceção a regra. De fato, as relações Brasil-Colômbia tem sido pautadas pela distância. Aspectos históricos, culturais e geográficos poderiam explicar parcialmente essa distância. Ainda, o perfil da política externa brasileira orientada pelo princípio da não-ingerência também pode ser creditado como parcialmente responsável pela baixa intensidade que tem marcado as relações entre os vizinhos. Nos últimos anos, entretanto, Brasil e Colômbia têm se aproximado, ainda que o tema do conflito armado não tenha sido o motor dessa aproximação, mas o comércio. De acordo com dados divulgados pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), entre 2009 e 2014 houve um incremento de 73% no comércio bilateral, tendo a corrente de comércio entre os dois países superado US$ 4 bilhões em 2014. Outros temas como ciência e tecnologia, segurança alimentar e agricultura familiar têm progressivamente entrado na agenda bilateral demonstrando o potencial de cooperação entre Brasil e Colômbia. Para além desses temas, o artigo pondera que a vasta experiência brasileira na superação de desafios sócio-econômicos dão ao Brasil a possibilidade de atuar como modelo, assistindo a Colômbia no período pós-conflito em que o país precisará reorganizar sua estrutura sócio-econômica a fim de reintegrar os ex-guerrilheiros desmobilizados. Ainda, o artigo considera que tal assistência vai ao encontro do interesse nacional brasileiro pela América do Sul, assim como reforça o seu compromisso com o desenvolvimento sócio-econômico da região. Breve histórico do confito armado colombiano e a situação atual das negociações de paz O conflito armado na Colômbia remonta à década de 1960 e foi inicialmente motivado pela questão agrária. No seu início, o conflito envolvia o governo e os grupos guerrilheiros FARC e o Exército de Libertação Nacional (ELN). Na década de 1980, o conflito interno assumiu nova feição ao vincular-se progressivamente ao narcotráfico que se instaurara na Colômbia nessa década. Ainda que os grandes cartéis da droga tenham sido derrotados na década de 1990, a relação da guerrilha com o narcotráfico manteve-se, sendo o cultivo, produção e venda de drogas uma importante fonte de financiamento da guerrilha desde

176 Mariana Carpes então. Ainda na década de 1990, um novo ator somou-se ao conflito: os grupos paramilitares criados com a anuência do Estado para combater a guerrilha. Os principais grupos paramilitares, sobretudo as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), foram desmilitarizados durante o governo Álvaro Uribe (2002-2006 e 2007-2010) num longo processo de paz que, todavia, não foi capaz de extinguir o fenômeno do paramilitarismo no país. Desde a desmilitarização das AUC, novos grupos paramilitares se formaram, muitas vezes sob o comando de ex-lideranças daquela organização. A partir dos anos 2000, o conflito armado e a guerra contra as drogas na Colômbia ganharam mais um ator: os EUA que se tornaram o principal financiador externo do Estado através do Plano Colômbia. Importante ressaltar que com a chegada do presidente Uribe ao poder em meio às repercussões internacionais dos atentados às Torres Gêmeas em Nova Iorque, EUA, a narrativa oficial construída em torno da situação interna da Colômbia mudou: de conflito armado, a situação passou a ser tratada como uma guerra contra a narcoguerrilha, definida como grupo terrorista. A resposta do governo Uribe a esse novo contexto foi a militarização como forma de combate à guerrilha. A ruptura com a lógica militarista para o alcance da paz na Colômbia ocorre com a eleição do atual presidente Francisco Santos (2010-2014 e 2014 até o momento). As atuais negociações de paz entre o governo colombiano e as FARC tiveram início oficial em agosto de 2012 e possui como países garantidores Chile, Cuba, Noruega, e Venezuela. Em que pesem os inúmeros reveses nos compromissos assumidos pelas partes em negociação desde que os diálogos tiveram início, o esforço, tanto do governo quanto das FARC em retornar à mesa de diálogo evidencia o mútuo interesse em encontrar uma solução negociada para o conflito. Se um acordo de paz for alcançado em Havana, não só a Colômbia mas toda a América do Sul adentrará a fase pós-conflito e precisará pensar em soluções para os potenciais problemas e desafios que virão: regresso da população refugiada, instabilidade na fronteira amazônica, aumento no tráfico de drogas e de armas. O Brasil, como potência regional precisa criar canais de aproximação com a Colômbia e ocuparse do tema não só como um problema de fronteira mas em toda a sua complexidade. Relações Brasil-Colômbia: de vizinhos distantes a países amigos De fato, ainda que Brasil e Colômbia dividam parte dos efeitos do conflito armado, a história das relações bilaterais entre esses vizinhos demonstra mais distanciamento do que aproximação. Aspectos geográficos, culturais e históricos ajudaram a definir as relações Brasil-Colômbia como sendo a de vizinhos distantes. Notadamente, o distanciamento entre eles repercutiu na não participação direta do Brasil como país mediador ou garantidor nos processos de paz entre o governo colombiano e a guerrilha neste século, apesar de algum interesse ter sido demonstrado pelo Brasil nesse sentido. Ainda durante o governo Andrés Pastrana na Colômbia (1998-2002), o então mandatário do Brasil, Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2003), colocou-se à disposição para mediar os tentativos acordos de paz daquele período. Posteriormente, com a ascensão de Uribe, o ainda presidente Cardoso apressou-se em reforçar a disposição brasileira em colaborar ativamente nas negociações de paz, sendo essa postura continuada por Luis Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010) após a sua posse. Em nenhuma dessas ocasiões o Brasil foi escolhido como

O papel do Brasil no período pós-conflito na Colômbia 177 mediador ou garantidor pela Colômbia. O exato motivo de cada recusa colombiana mereceria um estudo aprofundado de documentos primários e entrevistas que excede o escopo do presente artigo. Vale por hora observar, todavia, que a recusa colombiana em aceitar a assistência brasileira ilustra a distância entre vizinhos que, apesar de dividirem o ônus do conflito armado em suas fronteiras, não se perceberam como parceiros diretos na busca de soluções para o problema até então. A assimetria de poder que beneficia o Brasil, bem como as diferenças ideológicas, sobretudo durante os governos Uribe e Lula contribuiram em larga medida para o aprofundamento dessa distância. Assim, ao longo desse início de século as relações Brasil-Colômbia mantiveram-se no nível técnico, abarcando temas comerciais, de ciência e tecnologia e educação. Nos últimos anos, contudo, tem-se observado uma mudança progressiva e qualitativa nas relações Brasil-Colômbia. Como já foi mencionado, a ascensão do presidente Santos na Colômbia marcou uma ruptura no manejo dos processos de paz em relação às linhas adotadas até aquele momento pelo ex-presidente Uribe. Santos, apesar de ter sido eleito sob o signo da continuidade em relação a seu antecessor (do qual foi vicepresidente), afastou-se progressivamente da linha militarista de Uribe ao retornar à mesa de negociações de paz com a guerrilha. A opção por uma via negociada para a paz reconcilia, do ponto de vista discursivo, as diplomacias de Brasil e Colômbia. Isso porque a negociação é parte constitutiva da tradição diplomática brasileira desde o início da República. Assim, ainda que o Brasil não tenha participado ativamente nos diálogos iniciados em Havana em 2012, a reaproximação discursiva entre os dois vizinhos amazônicos pode ter desdobramentos positivos concretos para o período pós-conflito na Colômbia. Caso as atuais negociações de paz rendam um acordo entre governo e guerrilha e a consequente desmobilização desta, a Colômbia entrará numa fase de novos e difíceis desafios: reincorporar ex-combatentes (inclusive crianças), reestruturar o campo - atendendo, assim, às necessidades da população rural e deslocada pelo conflito - além de trazer justiça e reparação para as vítimas. É nesse contexto que um eventual aprofundamento das relações Brasil- Colômbia poderia se dar, já que o Brasil possui suficiente experiência no combate a desafios de natureza sócio-econômica. O interesse do Brasil em ser um modelo para o vizinho Para além dos reflexos concretos do conflito armado colombiano na fronteira, por que o Brasil teria interesse em desempenhar qualquer papel na restruturação da Colômbia pós-conflito? Ou seja, como a questão colombiana se insere no interesse nacional do Brasil? Grosso modo a América do Sul é o entorno estratégico do Brasil, tendo esse país historicamente demonstrado interesse pela região. Do ponto de vista teórico, dirse-ia que, sobretudo, a América do Sul é o espaço imediato de projeção de poder do Brasil já que a habilidade de um país em projetar poder declina com a distância geográfica. Essa relação se materializa, por um lado, na profunda e assimétrica interdependência econômica dos vizinhos com o Brasil e, por outro, no esforço diplomático brasileiro em se apresentar como o representante da América do Sul na política internacional. Concretamente, a Carta Constitucional Brasileira de 1988 expressa essa relação do Brasil com seu entorno regional. No documento, o Brasil compromete-se em promover o desenvolvimento sócio-econômico da região de modo amplo incluindo não apenas a América do Sul, mas toda a América

178 Mariana Carpes Latina. Seguindo esse argumento, em almoço com Embaixadores do Grupo de Países Latino-Americanos e do Caribe (GRULAC) no dia 25 de abril de 2015, o chanceler brasileiro Mauro Vieira observou que não há nada mais imediato para o interesse nacional do Brasil em política externa do que seu entorno regional e que a América Latina e o Caribe são e continuarão sendo a prioridade da política externa brasileira. Finalmente, numa perspectiva pragmática, o desenvolvimento econômico dos países vizinhos e sua consequente estabilidade política são de interesse do Brasil, pois significam aumento da segurança em sua extensa fronteira. É nesse sentido, que a assistência aos vizinhos e a cooperação com os mesmos insere-se no interesse nacional do Brasil. Temas da agenda bilateral e as possibilidades para os próximos anos No contexto de reaproximação progressiva, os temas examinados por Brasil e Colômbia envolvem o comércio bilateral, investimentos, ciência e tecnologia, cooperação fronteiriça, segurança alimentar; bem como tópicos da agenda de integração latino-americana, como a aproximação entre o MERCOSUL e a Aliança do Pacífico e a atuação da UNASUL e da CELAC, além do processo de paz na Colômbia. Dois temas são destaques promissores da agenda bilateral: cooperação em temas relacionados a ciência, tecnologia e inovação (CTI) e temas relacionados à terra e em especial à segurança alimentar, que simultaneamente fortalece a agricultura familiar. No que se refere à cooperação em CTI, em novembro de 2014 os dois países assinaram no Palácio do Itamaraty em Brasília uma agenda de trabalho para avançar na cooperação bilateral. Entre os temas definidos para a agenda a ser implementada no biênio 2015-2016 estão o aproveitamento sustentável da biodiversidade amazônica, a energia renovável (biocombustíveis e biorrefinarias) e a cooperação geoespacial. Além disso, compõe a agenda as ações pela mobilidade acadêmica e a formação de pessoal de nível superior. Na ocasião da assinatura do compromisso, o secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil Armando Milioni, observou que o Brasil tem tradição de cooperação na área de ciência, tecnologia e inovação com outros países da América do Sul e que, portanto, o que se espera da cooperação assinada com a Colômbia é a criação de uma nova tradição de parceria. Já o tema da terra foi destaque no encontro entre os chanceleres Mauro Vieira, do Brasil; e María Ángela Holguín, da Colômbia, por ocasião da visita do chanceler brasileiro à Colômbia em abril de 2015. No evento, a chanceler colombiana destacou o interesse de seu país em aprimorar os já existentes projetos colombianos de estímulo à agricultura familiar a partir da experiência brasileira Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). O PAA tem por objetivo assegurar o acesso aos alimentos às populações em situação de insegurança alimentar e nutricional, tais como as populações atendidas por programas sociais, quilombolas, indígenas, acampados da reforma agrária e atingidos por barragens. Simultaneamente o PAA promove a inclusão social no campo por meio do fortalecimento da agricultura familiar, já que os produtos distribuídos são comprados pelo governo direto do produtor familiar e distribuídos diretamente aos que necessitam. Conclusão O presente artigo debateu as relações entre Brasil e Colômbia observando seu caráter até então distante. A atual fase a

O papel do Brasil no período pós-conflito na Colômbia 179 qual a Colômbia atravessa representa uma oportunidade para que Brasília e Bogotá aprofundem a amizade entre as nações e avancem suas relações para além do nível técnico. O artigo argumenta que o ônus do conflito armado colombiano é transnacional assim como o serão as dificuldades na etapa pós-conflito. Ainda, dado o interesse brasileiro pela América do Sul, considerada seu entorno estratégico, o Brasil não pode se furtar de assumir um papel pró-ativo e de maior engajamento com o vizinho andino. É nesse contexto que as experiências brasileiras de luta contra mazelas sócioeconômicas colocam o Brasil quase que naturalmente como um país-modelo para a Colômbia. O Brasil tem expertise em programas de erradicação da fome e redução da miséria (Fome Zero), facilitação de crédito para a aquisição de moradia popular (Minha Casa, Minha Vida), empoderamento da mulher como responsável financeira no seio familiar (Bolsa Família), programas para a reestruturação do campo com base na agricultura familiar (Programa de Aquisição de Alimentos), além de programa para levar saúde às populações que vivem em regiões mais remotas do país (Mais Médicos). Cada uma dessas experiências de sucesso no Brasil vão ao encontro de desafios que a Colômbia enfrentará após a desmobilização da guerrilha e poderiam ser incorporadas pela Colômbia no período pós-conflito. Nesse cenário, o Brasil assumiria uma posição de país-modelo e a Colômbia se apropriaria das experiências brasileiras, inclusive aprendendo e evitando os erros ou dificuldades que o Brasil enfrentou pelo pioneirismo.