ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. 2. ed. Tradução de Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p.

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Transcrição:

ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. 2. ed. Tradução de Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.190p. Renata Cristina da Cunha 1 Theodor W. Adorno, filósofo, sociólogo, musicólogo e compositor alemão, nascido em Frankfurt, em 1903, foi um dos principais expoentes da Escola de Frankfurt, contribuindo para o renascimento intelectual da Alemanha após a II Guerra Mundial. Juntamente com Max Horkheimer, elaborou a teoria da importância do desenvolvimento estético para a evolução histórica. A filosofia de Adorno é considerada uma das mais complexas do século XX e fundamenta-se na perspectiva da dialética. As principais obras dele são Kierkegaard: a construção do estético (1933), A Idéia de História Natural (1932), Minima Moralia (1945), Dialética do Esclarecimento (1947), Dialética Negativa (1966) e Teoria Estética (1970), publicada postumamente. O autor, falecido na Suíça em 1969, é reconhecido como um dos grandes pensadores comprometidos com o trabalho social como alternativa possível para o capitalismo. O livro Educação e Emancipação, objeto desta resenha, é a segunda edição e reúne quatro conferências proferidas por Adorno e quatro debates entre o autor e Helmut Becker, transmitidas pela rádio Hessen da Alemanha, no período de 1960 a 1969. Os textos obedecem a uma seqüência cronológica, mas não linear, o que permite que cada um seja lido separadamente, de acordo com o interesse do leitor. No entanto, a leitura de todos é indicada por serem textos brilhantes, além de valorosos para se compreender, não apenas a significância que o autor atribui à educação como responsável pela emancipação humana, mas, sobretudo a influência dessas reflexões na história do pensamento educacional contemporâneo. O livro traz um Prefácio escrito por Gerd Kadelbach em 1970, uma Introdução escrita pelo próprio tradutor do livro Wolfgang Leo Maar, sendo que os textos propriamente ditos, quatro, todos na modalidade conferência e os quatro demais no estilo debate. Nas Referências, o livro traz informações úteis sobre os textos e por fim a cronologia de Theodor W. Adorno. Em um breve, mas claro Prefácio, Gerd Kadelbach, um dos interlocutores de Adorno em um dos debates transcritos no livro, ressalta duas das principais singularidades do autor: cético em relação aos meios de comunicação de massa e averso às organizações e instituições formadoras de opinião. A militância política de Adorno por uma educação política que leve à emancipação da sociedade também é ressaltada por Kadelbach. Em À guisa de introdução: Adorno e a experiência formativa, Wolfgang Leo Maar define autor como [...] um pensador comprometido com os problemas do trabalho social e da sociedade de classes [...] (p.13). As principais categorias e princípios filosóficos de Adorno trabalhados nos textos, como da compreensão do presente como histórico, idéias 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (UFPI), Especialista em Docência do Ensino Superior (UFPI) e Língua Inglesa (UESPI), Graduada em Pedagogia (UFPI) e Letras- Inglês (UESPI). E-mail: renatasandys@hotmail.com 95

do filósofo acerca da necessidade da crítica permanente à educação, da indústria cultural, das experiências formativas que devem levar à autonomia, da relação indissociável entre teoria e prática estudada pela Escola de Frankfurt, da relação entre o processo de trabalho social e processo de formação cultural, da semiformação da sociedade, são apresentadas por Maar de forma densa. Entretanto, constituem explicações preliminares para um melhor entendimento das discussões desenvolvidas nos textos, bem como para situar a posição do Autor em relação a alguns teóricos que influenciaram ou confrontaram seu pensamento, como Kant, Hegel, Marcuse, Benjamin, Horkhaimer, Freud, Marx, Lukács entre outros. Estes esclarecimentos contribuem também para situar alguns dos teóricos que instituíram a problemática central da Escola de Frankfurt, que, segundo Maar [...] é um reflexo teórico da crise do trabalho formador, em especial da questão da articulação entre processo de trabalho social e processo de formação cultural ( trabalho formador ou trabalho e interação?). É neste território teórico, político, histórico e cultural ao qual Adorno pertence que, os teóricos frankfurtianos também estão presentes. Assim, a leitura dos textos proporciona ao leitor entrar em contato com o pensamento de outros filósofos da Escola de Frankfurt, bem como o estimula a aprofundar seus conhecimentos sobre seus principais parceiros intelectuais. O primeiro texto do livro traz a palestra O que significa elaborar o passado proferida por Adorno em 1959. Foi publicada no mesmo ano e transmitida pela rádio Hessen em 1960. Segundo o próprio autor, o texto ressalta aspectos sombrios sobre a elaboração do passado; a razão para isso talvez sejam as constantes referências ao nazismo de Hitler, que aterrorizou todo o mundo até 1945. Ao apresentar suas idéias de forma inteligente, Adorno relaciona democracia, alienação, nacionalismo, abdicação do eu, pedagogia da reeducação e psicanálise, recorrendo com freqüência a Freud, ao defender a elaboração do passado como um esclarecimento em direção ao sujeito, reforçando sua autoconsciência, pois segundo ele [...] o passado só estará plenamente elaborado no instante em que estiverem eliminadas as causas do que passou. O encantamento do passado pôde manter-se até hoje unicamente porque continuam existindo suas causas (p. 49). Em outras palavras, o autor afirma que os fatores determinantes de uma época instituem uma realidade e que, caso eles persistam, esta época continua presente, de forma explícita ou implícita, o que desperta no leitor um sentimento de responsabilidade em relação à sobrevivência da humanidade. Assim, ressalta a tomada de consciência por parte do sujeito a fim de esclarecer o que aconteceu no passado e não o esquecimento do que passou, é o que realmente significa elaborar o passado. O segundo texto, A filosofia e os professores, é um dos mais interessantes do livro. Também foi transcrito de uma palestra proferida por Adorno, publicada em 1962 e transmitida pela rádio Hessen em 1961. Demonstrando conhecimento de causa e experiência por participar dos processos seletivos para professores, o autor se reporta aos exames orais e escritos de filosofia aos quais os candidatos a professor se submetem para adentrar nas escolas superiores na Alemanha. O principal alvo das críticas do autor é a mentalidade dos examinados que, segundo ele, não compreendem o verdadeiro sentido do exame, mas que, mesmo assim, são aprovados na seleção. Nesse sentido, Adorno alerta que [...] a mera falta de professores não deveria favorecer aqueles que pela sua própria formação provavelmente acabarão prejudicando a própria demanda de docente (p. 52). A boa vontade e o respeito aos alunos, a relação entre filosofia e ciência, a 96

falta de formação cultural dos candidatos, a coisificação da consciência, a importância do domínio da linguagem pelos examinados e provocativas considerações sobre a profissão professor são pontos que merecem a reflexão do leitor porque, segundo Adorno, [...] os futuros professores devem ter uma luz quanto ao que eles próprios fazem, em vez de se manterem desprovidos de conceitos em relação à sua atividade (p. 69). Ao dialogar com filósofos como Hegel, Kant e Descartes, o autor proporciona ao leitor a oportunidade de refletir sobre a real contribuição da filosofia, por ele definida como autoconsciência do espírito, para a formação de professores. Nesse sentido, a leitura do texto ressalta que os professores devem se assumir como verdadeiros profissionais intelectuais, portadores de um espírito que deve ser formado através da auto-reflexão e do esforço crítico, sendo assim privilegiados pela autonomia do pensar. O texto Televisão e formação é a transcrição de um debate promovido pela rádio Hessen em 1963 e publicado no mesmo ano. O mediador do debate é Gerd Kadelbach e os debatedores são Adorno e Becker, este último presidente das escolas superiores populares da Alemanha. O debate gira em torno da relação entre a televisão, objeto de pesquisa de Adorno nos Estados Unidos, e sua utilização como veículo de formação, informação e alienação na formação de adultos nas escolas superiores. Os estudos de Adorno sobre a televisão são mundialmente reconhecidos e estudados até hoje. Nesse sentido, alerta para o poder da televisão, principalmente em suas novelas, ao divulgar ideologias e manipular a consciência dos expectadores, promovendo assim uma falsa consciência e o ocultamento da realidade. Ambos, Becker e Adorno, concordam quanto ao caráter de esclarecimento que a tevê deve ter e alertam para o perigo de sedução desse veículo que age de modo imperceptível, sutil e refinado, causando sérios danos à formação cultural das pessoas. A necessidade de ensinar aos expectadores a assistirem à televisão é defendida por ambos. Em suas considerações finais, Adorno é contundente ao afirmar que [...] a televisão deve representar um avanço e não um retrocesso do conceito de formação cultural (p. 95). O quarto texto, Tabus acerca do magistério, é a transcrição de uma palestra proferida por Adorno em 1965. A referida palestra foi transmitida pela Rádio Hessen e publicada no mesmo ano. O autor discute o problema da aversão à profissão professor, baseado em suas impressões e experiências pessoais vivenciadas nas escolas superiores para a formação docente na Alemanha. A fim de ilustrar seu pensamento, Adorno afirma que, no seu entendimento, tabus são representações inconscientes ou pré-conscientes que não apenas os eventuais candidatos ao magistério possuem, mas também outras pessoas, principalmente as próprias crianças, que vinculam esta profissão a uma interdição psíquica. Em outras palavras, afirma que tabus são preconceitos psicológicos e sociais que, por terem perdido a base real, devem ser combatidos com rigor, sobretudo por contribuírem para o possível retorno da barbárie, não só na Alemanha, mas no mundo todo. Trata-se de um texto instigante e provocativo, no qual apresenta algumas justificativas para a existência desses tabus, como: o magistério visto como uma profissão de fome, o poder docente exercido sobre crianças, o professor como responsável por castigos físicos, a hierarquização oficial e não-oficial vigentes nas escolas, e o fato de o professor ser agente da alienação imposta às crianças, são, na realidade, alguns exemplos ilustrativos. Embora Adorno reconheça que o objetivo maior de sua palestra é apresentar um problema sério e recorrente, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, que necessita de maiores pesquisas para ser explicado, ele afirma que 97

a solução para esse problema é a mudança no comportamento do professor. Nesse sentido, a conscientização do professor, o aprendizado psicanalítico para o magistério e uma sólida formação profissional do professor podem superar a deformação psicológica docente. Ao traçar uma perspicaz retrospectiva histórica dos tabus acerca do magistério desde a Idade Média e, de certa forma, relacioná-la à realidade da docência no século XX, Adorno demonstra a força da sociedade em perpetuar práticas tão arcaicas. Simultaneamente, ele (re) afirma a necessidade do esclarecimento da sociedade para a liberdade intelectual e a formação do espírito do indivíduo, acrescentando que a escola a deve ser o lócus privilegiado para a desbarbarização da sociedade, pois a chave da transformação decisiva reside na sociedade e em sua relação com a escola (p.116). Com a afirmação A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas as educações (p. 119), Adorno sintetiza e, simultaneamente, inicia de forma sensível e brilhante a palestra Educação após Auschwitz proferida em 1965, quinto texto do livro. A princípio, o autor discorre sobre as razões para o acontecimento da barbárie: a preservação da defasagem cultural da sociedade, o poder cego dos coletivos, o caráter manipulador dos indivíduos, a consciência coisificada das pessoas, a frieza e falta de amor das pessoas, a exigência (quase uma necessidade) de autoridade para definir os modos de agir, são algumas delas. Dar atenção especial à educação infantil, estabelecer vínculos de compromisso e tentar conhecer as condições pessoais internas e externas das pessoas que se envolvem em práticas que executaram esse horror são sugestões apontadas por ele em um diálogo inteligente com a Sociologia e a Psicologia. Assim, Adorno ressalta que A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma auto-reflexão crítica (p. 121), enquanto fortalece a formação política, proporcionando subsídios objetivos e subjetivos para o confronto com as instâncias de poder socialmente instituídas a família, a escola, o sindicato, o Estado, entre outras. O debate acalorado Educação...para quê? entre Adorno e Becker, o sexto texto, foi transmitido em 1967 pela rádio Hessen e publicado no mesmo ano. É um texto profundo e provocativo que estimula o leitor a refletir sobre aqueles que deveriam ser os verdadeiros objetivos da educação. As discussões acerca do modelo educacional vigente, modelagem de pessoas e transmissão de conhecimentos, condenado pelos debatedores, leva-os a refletirem sobre a seguinte questão: Para onde a educação deve conduzir. Dialogando novamente com teóricos como Hegel, Kant e Freud, Adorno defende que a educação deve ocupar-se em produzir indivíduos portadores de consciência verdadeira, autônomos e emancipados. Enquanto Becker, acredita que a prática educacional deve, além de equipar o indivíduo para orientar-se no mundo, visar o esclarecimento da consciência do homem, em um procedimento dialético que deve ser iniciado nos primeiros anos de vida do indivíduo. Para ambos, Adorno e Becker, a finalidade da educação deve ser a emancipação do indivíduo, articulada à imaginação e à experiência. A afirmativa [...] a tentativa de superar a barbárie é decisiva para a sobrevivência da humanidade (p. 156), é instigante e introduz mais um debate entre Adorno e Becker: A educação contra a barbárie, o sétimo texto, transmitido pela Rádio Hessen em 1968. Embora esses debates tenham ocorrido no intervalo de um ano, fica clara a forte relação entre ambos os debates, o atual e o anteriormente destacado: Educação...para quê?. Nesse sentido, a leitura de ambos proporciona ao leitor a oportunidade de compreender a tênue relação entre educação e 98

barbárie, tão presente nos escritos de Adorno. Baseado em seus estudos sociológicos e recorrendo mais uma vez à Psicologia, o autor reforça que a educação deve servir para formar indivíduos contra a barbárie. A inadequada formação dos jovens e dos professores, a falência da cultura, o autoritarismo dos pais e a competitividade como princípio educativo, são apontados por ambos, Adorno e Becker, como potencializadores da barbárie no mundo administrado. As reflexões de ambos acerca da relação entre competição e barbárie são esclarecedoras, merecendo, portanto uma maior reflexão crítica do leitor. O oitavo e último texto do livro traz mais um debate entre Adorno e Becker, transmitido pela Rádio Hessen em 1969 e tem o mesmo título do livro: Educação e emancipação. Com a assertiva A exigência de emancipação parece ser evidente numa democracia (p. 169), Adorno inicia a conversa sobre o conceito de emancipação, dialogando mais uma vez com as idéias de Kant, filósofo iluminista, referência para seu pensamento filosófico. Baseados na realidade Alemã, onde segundo eles, as pessoas não são educadas para a emancipação, Adorno e Becker apontam razões e soluções para exterminar esse mal. Ao refletirem sobre o papel da autoridade na formação de indivíduos emancipados, os debatedores recorrem às idéias de Freud, discutindo inclusive a autoridade do professor. A dialética do esclarecimento, categoria filosófica de Adorno, é apontada novamente, por ambos, como necessária e fundamental à educação para a emancipação. Nesse sentido, Becker mostra-se preocupado com a estrutura escolar vigente na Alemanha e acrescenta que [...] a questão da emancipação é, a rigor, um problema mundial (p. 174). Adorno, por sua vez, é enfático ao afirmar que a educação para a emancipação deve voltar-se para a contradição e para a resistência, mesmo correndo o risco de formar indivíduos não-emancipados. Ao ler Educação e emancipação, o leitor é apresentado através de palestras e debates ao mundo das idéias de Adorno, onde são recorrentes palavras como emancipação, autonomia, barbárie e alienação. As expressões educação política, consciência coisificada, desbarbarização da educação, esclarecimento racional e indústria cultural também estão presentes nos discursos complexos, ousados e provocativos do autor. No entanto, talvez por terem sido transcritos a partir da fala, os textos das palestras têm parágrafos muito extensos, o que exige maior atenção do leitor, ao passo que, os textos dos debates, provavelmente por serem diálogos, são menos extensos e, por conseguinte, mais fáceis de serem acompanhados e melhor compreendidos, de natureza filosófica e política com que o autor analisa a educação, atribuindo-lhe papel fundamental para a emancipação humana, é um aspecto bastante significativo para o leitor. Assim, o livro é indicado não só para profissionais da educação, sociologia e filosofia, mas também para pessoas interessadas em conhecer o pensamento alemão sobre educação e emancipação, visto que [...] a questão da emancipação é, a rigor, um problema mundial. (p.174). Ademais, o livro oferece ao leitor a oportunidade de inteirar-se com a postura filosófica do Autor e dos demais participantes das discussões. 99