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BRICS Monitor Para além da Conferência Ministerial: os desafios para a OMC na ordem global contemporânea Fevereiro de 2012 Núcleo de Desenvolvimento, Comércio, Finanças e Investimentos BRICS Policy Center / Centro de Estudos e Pesquisa BRICS

BRICS Monitor Para além da Conferência Ministerial: os desafios para a OMC na ordem global contemporânea Fevereiro de 2012 Núcleo de Desenvolvimento, Comércio, Finanças e Investimentos BRICS Policy Center / Centro de Estudos e Pesquisa BRICS

Autor: Leane Cornet Naidin e Manuela Trindade Viana Para além da Conferência Ministerial: os desafios para a OMC na ordem global contemporânea A 8ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) foi marcada pelo anúncio de decisões previamente conhecidas e pela ausência de negociações sobre os temas que compõem a agenda da Rodada de Doha. Se analisados sob uma perspectiva mais ampla, os debates travados explicitam os impasses à conclusão da Rodada, mas também os desafios que as transformações em curso no cenário internacional impõem aos países membros da OMC. As modestas decisões adotadas na Ministerial devem ser entendidas no contexto pós-crise no mercado internacional e das resistências políticas ao avanço do processo de liberalização comercial global. Evidenciam também algumas pressões pela redefinição de alguns dos princípios e procedimentos basilares da OMC, como a regra do consenso e o single undertaking. Por sua vez, do ponto de vista dos BRICS, os debates acerca do futuro do sistema multilateral de comércio são relevantes para a política internacional e frente aos desafios que se impõem sobre a governança multilateral. Os resultados dessa reunião Ministerial nos fornecem elementos para examinar um leque de questões com implicações para a discussão da relevância e do papel do sistema multilateral de comércio. A seguir, serão analisadas as principais decisões adotadas durante a 8ª Conferência Ministerial, de modo a identificar pontos de tangência com a Rodada Doha (que já se estende por mais de dez anos), bem como alguns dos limites observados em cada uma dessas decisões. Ainda, serão apresentadas algumas considerações a respeito do quadro de paralisia das negociações comerciais em nível multilateral, com o objetivo de esboçar desafios de ordem mais geral que se colocam aos países membros da OMC, de interesse para os países BRICS. 1. Uma Ministerial de decisões modestas Um dos poucos resultados concretos da 8ª Ministerial foi a conclusão da revisão do Acordo sobre Compras Governamentais (GPA, sigla em inglês), que estabelece regras de transparência e livre concorrência a produtores estrangeiros na participação nas licitações 3

governamentais. A nova versão, assinada por 15 membros 1 (considerando como bloco a União Europeia UE), amplia o escopo do acordo vigente desde 1996 em termos de bens e serviços cobertos na liberalização e de agentes governamentais contemplados, que passam a incluir as esferas subfederais. A representatividade do acordo em termos de fluxo de comércio depende, contudo, da participação de países desenvolvidos e em desenvolvimento. Dentre os países que assinaram o GPA na Conferência Ministerial, destacam-se Canadá, Cingapura, Coreia, Estados Unidos da América (EUA), Israel, Japão e UE. No caso dos BRICS, apenas China e Índia ensaiam, com status de países observadores, uma adesão ao tratado, preparando-se para ganhos de competitividade que podem advir da atração de investimento externo. Apesar de reconhecer as virtudes do GPA, o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Antônio Patriota, argumentou que o Brasil deseja manter seu policy space, uma margem de manobra na adoção de política públicas promotoras de desenvolvimento que privilegiem empresas nacionais e de países membros do Mercado Comum do Sul (Mercosul) em licitações públicas 2. De fato, desde 2010, o Brasil vem adotando medidas internas mais restritivas, de modo a aumentar a participação da produção nacional no produto industrial. O país também tem recorrido preferências para certos setores elegíveis, e não se esperava qualquer movimento em direção à adesão do país ao GPA. A posição brasileira encontra ressonância em outros países em desenvolvimento, que têm mantido o discurso de proteção à produção doméstica ou mesmo recorrido a políticas protecionistas de estímulo movimento observado especialmente em contextos de crise econômica. Vale notar um aspecto fundamental dessa negociação, qual seja: a revisão desse acordo na 8ª Conferência Ministerial só foi possível devido a seu caráter plurilateral, ou seja, trata-se de um acordo assinado por alguns membros e aberto à adesão posterior dos demais. Um dos princípios basilares da OMC é o single undertaking, segundo o qual todos os membros devem aderir simultaneamente a todos os acordos, em um só pacote. Os acordos plurilaterais constituem uma flexibilização excepcional, pois fatiar a OMC eliminaria um importante elemento do sucesso da Organização em promover a liberalização comercial ao longo das últimas décadas: o 4

compromisso de todos os países em empreender esforços de liberalização em todos os temas de interesse de seus parceiros comerciais, ainda que em posições e convergências ou clivagens de interesses variadas, conforme o tema de negociação em questão. Contudo, a constatação de que não seria possível concluir a Rodada de Doha em 2011 levou os membros a considerar, em encontro de balanço das negociações realizado em abril desse ano, alternativas ao single undertaking que permitissem preservar alguns trabalhos avançados sob a agenda de Doha. Foi nesse contexto que se logrou a revisão de ampliação do GPA, que desde sua concepção original foi negociado de forma plurilateral. Assim, embora tenha promovido alguma ampliação da liberalização nos regimes de compras governamentais, a conclusão da renegociação do único tema da Rodada ter sido a de um acordo plurilateral, o GPA expõe um limite da capacidade de negociação dos membros e, de certo modo, do próprio regime da OMC. Outro tema que visou a dinamizar as negociações comerciais consistiu na negociação de um minipacote com ênfase nos países de menor desenvolvimento relativo (PMDRs). Reconhecendo a importância do tratamento especial e diferenciado para esses países, os membros da OMC decidiram conceder preferências adicionais aos PMDRs no setor de serviços 3 e recomendaram que o Conselho de Aspectos de Direito da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS, sigla em inglês) estendesse o período de isenção para a aplicação das regras do Acordo de TRIPS nos PMDRs, que expira em julho de 2013 4. Associadas à continuidade do programa Aid for Trade com níveis de auxílio anteriores à crise de 2008 5, as decisões de flexibilização em favor dos PMDRs buscam reforçar o pilar de desenvolvimento atrelado não somente ao mandato da Rodada Doha, mas a própria OMC. Por outro lado, foram travadas negociações contenciosas em torno das políticas comerciais para o algodão tema recorrente da agenda dos PMDRs 6. Diante da falta de consenso a respeito da reforma nos subsídios concedidos pelos EUA aos seus produtores de algodão, os países da coalizão Cotton-4 (que reúne Benin, Burkina Faso, Chade e Mali) aceitaram que o texto final da Conferência se limitasse a repetir o mandato da declaração ministerial de Hong Kong, segundo a qual esse tema deve ser tratado de forma ambiciosa, rápida e específica. Por 5

outro lado, o referido texto não estabelece qualquer compromisso quanto a fixar os subsídios ao algodão em níveis historicamente baixos. Outro tópico relevante para os PMDRs cuja definição foi adiada diz respeito à adesão de outros países dessa categoria à Organização. No encontro de dezembro, os ministros decidiram definir, até julho de 2012, marcos de referência para a abertura do mercado de bens e serviços, de forma a facilitar o processo para os PMDRs os quais serão submetidos à avaliação do Conselho Geral 7. Como esse tema foi mantido em compasso de espera, a oficialização da adesão à OMC de Montenegro e Samoa países inscritos na categoria PMDR foi negociada dentro dos padrões atualmente questionados pelos PMDRs. A aprovação do protocolo de adesão da Rússia, por sua vez, foi celebrada por constituir a última grande potência a ingressar na Organização. Aqui, é pertinente indagar qual será o posicionamento desse país na OMC, considerado o caráter ambíguo que permeia várias características da Rússia: um país euroasiático, de economia e regime político com traços peculiares, ainda em processo de transição para uma economia plenamente de mercado e, sobretudo, uma grande potência, que compõe o G-8 e o G-20, mas cuja atividade diplomática mais intensa tem, focado ais recentemente, sobre o agrupamento dos BRICS. A título ilustrativo, dentre os documentos de posição circulados anteriormente à Conferência Ministerial 8, a única declaração conjunta assinada pela Rússia embora não desfrutasse do status formal de membro da OMC nesse momento envolveu os países BRICS 9. Também, a Cúpula dos BRICS em Nova Déli, a ser realizada em finais de março, será acompanhada de um encontro envolvendo os ministros de Comércio, ocasião que poderá resultar em iniciativas de coordenação desses países no âmbito da OMC. Cabe ressaltar, ainda, as condições especiais na negociação do protocolo de acessão da Rússia, o qual, ao final, permitiu a manutenção de restrições à exportação de produtos russos de relevância para o mercado internacional, como alimentos, matérias primas agrícolas e minerais. 2. Para além da Conferência Ministerial À luz do cenário descrito e de uma nova decisão de adiamento do prazo de conclusão da Rodada 6

Doha 10, os resultados da 8ª Conferência Ministerial podem ser vistos como uma prévia do que poderá ser o desfecho à referida Rodada de negociações: todas as decisões tomadas constituem passos tímidos frente aos enormes desafios que se impõem à conclusão da longa Rodada de Doha. Nesse sentido, o recurso ao arranjo plurilateral ainda que permita avanços em matéria de liberalização comercial não resolve o impasse observado nas negociações há mais de dez anos. Preocupa sobretudo os países em desenvolvimento 11 a mudança de foco da negociação multilateral para a plurilateral e a capacidade dos países de progredir nessa negociação, o que motiva também a discussão acerca do enfraquecimento que esse enfoque pode trazer para o sistema. Na verdade, a previsibilidade quanto aos resultados esperados para essa Conferência corrobora a tese de paralisação da função negociadora da OMC, conforme alertou Pascal Lamy 12. Mas a paralisia das negociações comerciais dos temas de Doha pode não configurar um alerta: como último recurso para salvar algo dos trabalhos empreendidos em mais de dez anos de tratativas, a negociação de um pacote para os PMDRs explicita os limites que a OMC vem depositando sobre a liberalização comercial como via para atingir o bemestar e a prosperidade. Segundo estudo publicado em 2005 pelo Banco Mundial, os ganhos advindos da liberalização são distribuídos desigualmente entre o mundo desenvolvido e em desenvolvimento: estima-se que a liberalização do comércio renderá US$ 96 bilhões em 2015, sendo menos de 20% desse montante destinado aos PEDs 13. Mais do que isso, os PEDs questionam os custos da liberalização comercial, os quais se concentram em seus mercados 14. Como defende Gallagher, sob essa perspectiva, talvez a paralisação das negociações não deva ser interpretada como um fracasso: trata-se de uma oportunidade para que os atores no sistema mundial de comércio reflitam sobre alguns dos novos desafios que se apresentam à OMC 15. A dificuldade no aprofundamento da liberalização comercial está, em muitos aspectos, relacionada às transformações na política internacional: tanto a crise econômica quanto a maior voz ativa das economias emergentes explicam os conflitos presentes que travam os temas da Rodada de Doha. O fato é que o embate entre a posição de alguns países na preservação de seu policy space versus um stand still em 7

todas as formas de protecionismo vem dificultando a adoção de medidas concretas além de discursos políticos que dão o tom do cenário mundial atual. Vale notar que esses desafios não se apresentam apena no âmbito da OMC. As negociações para a mitigação das mudanças climáticas, por exemplo, enfrentam dificuldades relacionadas ao aumento do poder emissor de gases-estufa das economias emergentes, as quais relutam em assumir compromissos multilaterais, aspecto recorrentemente evocado em defesa da revisão do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Algo similar pode ser observado no fortalecimento do G-20 como fórum de interlocução sobre o quadro econômico e financeiro global, bem como dos BRICS, como coalizão de articulação das economias emergentes em variados temas. Assim, a fluida e incerta configuração da política mundial nos fornece a chave analítica para o entendimento dos limites e dos debates sobre o futuro do sistema mundial de comércio. O que alguns consideram ser uma crise existencial da OMC, explicita, na verdade, que a paralisia por que passa o potencial de negociação da Organização constitui um sintoma das implicações das amplas transformações em curso no cenário econômico e na política internacional. 1 São membros do GPA: Armênia, Bulgária, Canadá, Cingapura, Coreia, EUA, Holanda, Islândia, Israel, Japão, Liechtenstein, Noruega, Suíça, Taipei e UE. Disponível em: min11_e/brief_gpa_e.htm. Acesso em: 02 fev. 2012. 2 Ver: http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastro s/noticias/2011/12/16/omc-revisa-acordo-decompra-governamental-brasil-prefere-nao- aderir/. Acesso em: 02 3 Ver documento WT/L/847. Ver: min11_e/official_doc_e.htm. Acesso em: 03 4 Segundo o documento WT/L/845, a decisão a respeito dessa matéria será definida somente na 9ª Conferência Ministerial, a ser realizada em 2013. Ver: min11_e/official_doc_e.htm. Acesso em: 03 5 O documento resultante da Conferência Ministerial afirma que os ministros concordam em manter, para além de 2011, níveis de auxílio no âmbito do Aid for Trade que ao menos reflitam a média referente ao período 2006-2008. Ver: min11_e/official_doc_e.htm. Acesso em: 02 6 Embora também constitua tema de interesse de PEDs como o Brasil, a eliminação de barreiras e práticas distorcivas com relação ao comércio de algodão figura como um dos temas prioritários dos PMDRs que compõem a coalizão Cotton-4 (Benin, Burkina Faso, Chade e Mali) desde a Conferência Ministerial de Hong Kong, realizada em 2005. Nessa ocasião, os ministros definiram o ano de 2006 como prazo para que os países desenvolvidos (PDs) eliminassem os subsídios à exportação de algodão. Ver: http://ictsd.org/downloads/2008/04/35984888.p df. Acesso em: 03 7 Os eixos em que o Sub-comitê para os PMDRs deverá desenvolver os trabalhos são especificados no documento WT/L/846. Ver: min11_e/official_doc_e.htm. Acesso em: 03 8 Foram divulgados documentos de posição dos seguintes agrupamentos: União Africana, Associação do Sul da Ásia para a Cooperação Regional (SAARC, sigla em inglês), PMDRs, Amigos do Desenvolvimento, BRICS, G-20 8

(agrícola), Grupo das Economias Pequenas e Vulneráveis (SVEs, sigla em inglês), Grupo dos PEDs, Grupo dos Membros Recém Aderidos (RAMs Group, sigla em inglês), G-33 e Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, sigla em inglês), além da declaração assinada pelos países árabes. Cabe destacar que nenhum desses grupos envolve países desenvolvidos. 9 Ver documento WT/MIN(11)/18. Ver: min11_e/official_doc_e.htm. Acesso em: 03 10 A estipulação do ano de 2012 como prazo para a conclusão da Rodada Doha foi a principal decisão adotada pelos países membros da OMC na 7ª Conferência Ministerial, realizada em 2009, em Genebra. Disponível em: min09_e/min09_e.htm. Acesso em: 02 fev. 2012. 11 Todos os documentos de posição circulados por coalizões de países em desenvolvimento e PMDRs enfatizam o single undertaking, em detrimento de arranjos plurilaterais. 12 Ver: http://www.wto.org/english/news_e/news11_e/t nc_infstat_26jul11_e.htm#statement. Acesso em: 02 13 Ver: World Bank. Global Economic Prospects. Washington D.C.: World Bank, 2005. 14 Ver: Gallagher, Kevin. The Challenging Opportunities for the Multilateral Trade Regime. Paper apresentado no Trade and Development Symposium: perspectives on the multilateral trading system, em dez. 2011, p. 2. http://www.ictsdsymposium.org/sites/default/file s/book_15_gallagher.pdf. Acesso em: 02 fev. 2012. 15 Ver: http://www.ictsdsymposium.org/sites/default/file s/book_15_gallagher.pdf, p. 2. Acesso em: 02 9