INCLUSÃO ESCOLAR NO BRASIL: UMA ANÁLISE DO CENSO ESCOLAR NO ÚLTIMO QUINDÊNIO RESUMO

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Transcrição:

114 ISBN 978-85-89943-23-9 INCLUSÃO ESCOLAR NO BRASIL: UMA ANÁLISE DO CENSO ESCOLAR NO ÚLTIMO QUINDÊNIO Raclene Ataide de Faria (IFG) raclene2@hotmail.com RESUMO Data da segunda metade dos anos 1990 o significativo aumento na quantidade de pessoas com deficiência matriculadas em escolas regulares e em classes comuns no Brasil. O objetivo aqui é observar o impacto dessas mudanças no número de matrículas de pessoas com deficiência em escolas regulares e em escolas especiais. A fonte de dados será o Censo Escolar do período entre 1998 e 2013. O referencial teórico é composto por documentos oficiais da educação básica brasileira, por declarações de acordos internacionais e, dentre outros, por teóricos como Dias e Silva (2014) e Mazzotta (2005). A análise evidencia que no período houve significativo aumento na quantidade de matrículas de pessoas com deficiência em escolas públicas regulares; a discrepância das esferas administrativas das escolas especiais em relação às escolas inclusivas; a quantidade exorbitante de pessoas declaradas no Censo Escolar como tendo deficiência intelectual. Palavras-chave: censo escolar; inclusão escolar; alunas/os com deficiência.

115 INTRODUÇÃO Estar na escola não é o suficiente, é necessário que as situações de aprendizagem criadas nos espaços escolares considerem a heterogeneidade como um fato (FARIA, 2014b, p. 191) Data da segunda metade dos anos 1990 o aumento significativo na quantidade de pessoas com deficiência matriculadas em escolas e em classes comuns no país. Essa recente mudança simboliza o rompimento com o modelo dicotomizado de organização escolar, no qual as escolas especiais destinavam-se às pessoas com deficiência e as escolas regulares destinadas às pessoas consideradas como normais (FARIA, 2014a). O intento aqui é apresentar, com base no Censo Escolar Brasileiro dos anos 1998-2013, o panorama educacional decorrente da adoção, na legislação educacional, do paradigma de inclusão escolar, observando, especialmente, a sua repercussão no número de matrículas e na composição das classes escolares nos últimos quinze anos no Brasil. INCLUSÃO ESCOLAR O paradigma de inclusão escolar foi se constituindo como uma proposta de educação plural, democrática e não segregadora para todas as pessoas desde o final da primeira metade do século XX. Sua origem é creditada aos movimentos iniciados nos anos 1940 na Europa por mães e pais de pessoas com deficiência (MAZZOTTA, 2005). A mobilização, que teve como propulsor inicial os direitos de pessoas com deficiência, se consolidou como um vigoroso movimento político educacional supranacional, cuja força se evidencia na realização de acordos e convenções internacionais sobre essa temática (FARIA, 2014b). A deficiência é definida pela Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência (CONVENÇÃO, 2001) como uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social (p. 3). O paradigma de educação inclusiva intenta acolher nas classes escolares regulares todo tipo de diversidade. A Declaração de Salamanca (UNESCO 1994, p.3) o expressa como: 3. O princípio que orienta esta Estrutura é o de que escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. Aquelas deveriam incluir crianças deficientes e super-dotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de

116 população nômade, crianças pertencentes a minorias lingüísticas, étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados. O efeito da mobilização mundial repercutiu na legislação brasileira. As Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961 e de 1971 (Leis 4.024/61 e 5.692/71) já expressavam que a educação de pessoas com deficiência deveria ocorrer, na medida do possível, no sistema geral de educação, com vistas a integrá-los na comunidade. A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 (Lei 9.394/96) reiteraram esses princípios (BRASIL, 1961; 1971; 1988; 1996). Contudo, na prática, pouco ou nada se alterou. A composição dicotômica das classes escolares perdurou de modo vigoroso até a primeira metade dos anos 1990, ocasião em que os compromissos assumidos pelo Brasil nas convenções supracitadas começaram a ter efeito prático nas turmas escolares. A INCLUSÃO ESCOLAR EM DADOS ESTATÍSTICOS OFICIAIS O Censo Escolar é realizado, anualmente, em colaboração com as secretarias municipais e estaduais de educação, e com todas as escolas públicas e privadas do país e é publicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) (BRASIL, 2011a). O INEP é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação. Sua principal atribuição é avaliar, pesquisar e promover estudos sobre o Sistema Educacional Brasileiro visando [...] subsidiar a formulação e implementação de políticas públicas para a área educacional a partir de parâmetros de qualidade e eqüidade, bem como produzir informações claras e confiáveis aos gestores, pesquisadores, educadores e público em geral (BRASIL, 2011b). O INEP é nacionalmente reconhecido por ser referência na realização de pesquisas sobre o Sistema Educacional Brasileiro. Em relação à Educação Básica o Censo Escolar é, sem dúvida, o principal instrumento de coleta de dados anuais das instituições escolares brasileiras. A sua abrangência é apresentada pelo próprio Instituto, para o qual, o Censo Escolar é um levantamento de dados estatísticos educacionais de âmbito nacional realizado todos os anos [...] feito com a colaboração das secretarias estaduais e municipais de educação e com a participação de todas as escolas públicas e privadas do país.

117 E complementa que, ele se presta a [...] traçar um panorama nacional da educação básica e servem de referência para a formulação de políticas públicas e execução de programas na área da educação, incluindo os de transferência de recursos públicos como alimentação e transporte escolar, distribuição de livros, implantação de bibliotecas, instalação de energia elétrica, Dinheiro Direto na Escola e Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Quanto ao recente processo de inclusão escolar na educação escolar brasileira o Censo Escolar apresenta informações interessantes. Iniciaremos observando a trajetória histórica da quantidade total de matrículas na educação básica e, dessas, a quantidade de alunas/os com necessidades educacionais especiais, do ano de 1998 ao ano de 2013. Veja a tabela 1 Tabela 1 - Matrículas gerais na educação básica e de alunas/os da educação especial no Brasil de 1998 a 2013 Ano Total de alunas/os na educação básica Alunas/os da Educação Especial 1998 51.768.862 337.326 1999 54.216.412 374.699 2000 54.258.759 382.215 2001 55.568.510 404.743 2002 54.716.609 448.601 2003 55.265.848 504.039 2004 56.174.997 566.753 2005 56.471.622 640.317 2006 55.942.047 700.624 2007 52.179.530 654.606 2008 52.321.667 657.272 2009 52.580.452 604.884 2010 51.549.889 702.603 2011 50.972.619 752.305 2012 50.545.050 820.433 2013 50.042.448 843.342 Tabela 1 Fonte: Elaboração própria a partir de dados apresentados por Dias e Silva (2014) e INEP, Censo Escolar 2013. Os dados da tabela acima evidenciam que houve oscilação na quantidade total de matrículas na educação básica, com a tendência de crescimento na quantidade total de alunas/os no período entre 1998 e 2005. O período posterior, entre 2006 e 2013, apresentou tendência inversa com decréscimo no total de matrículas realizadas na educação básica. Tendência inversa foi observada em relação à quantidade de matrículas de pessoas com deficiência, cuja tendência marcante, apesar das exceções representadas pelos anos de

118 2007 e 2009, é de crescimento. No quindênio observado houve um aumento de quase cento e cinquenta por cento na quantidade total de alunas/os com deficiência matriculadas/os na educação básica, evidenciando um rápido crescimento desse público nas instituições escolares brasileiras. O movimento das matrículas na Educação Especial pode ser observado, também, numa delimitação temporal menor e mais detalhado. A tabela 2 evidencia a série de matrículas discriminadas por etapa de ensino no período entre 2007 e 2013. Tabela 2 - Número de matrículas na Educação Especial por etapa de Ensino - Brasil 2007-2013 Ano Educação Infantil Classes Especiais e Escolas Exclusivas Ensino Fundamental Ensino Médio EJA Educação Profissional Educação Infantil Classes Comuns (Alunos Incluídos) Ensino Fundamental Ensino Médio EJA Educação Profissional 2007 64.501 224.350 2.806 49.268 7.545 24.634 239.506 13.306 28.295 395 2008 65.694 202.126 2.768 44.384 4.952 27.603 297.986 17.344 32.296 546 2009 47.748 162.644 1.263 39.913 1.119 27.031 303.383 21.465 34.434 718 2010 35.397 142.866 972 38.353 683 34.044 380.112 27.695 41.385 1.096 2011 23.750 131.836 1.140 36.359 797 39.367 437.132 33.138 47.425 1.361 2012 18.652 124.129 1.090 55.048 737 40.456 485.965 42.499 50.198 1.659 2013 16.977 118.321 1.233 57.537 353 42.982 505.505 47.356 51.074 2.004 Tabela 2 Fonte: Produção própria a partir de dados do Censo Escolar de 2013. A tabela 2 evidencia a concomitância da tendência de diminuição da quantidade de matrículas de pessoas com deficiência em classes especiais, e em escolas exclusivas com o aumento progressivo e generalizado de matrículas em classes comuns. Esta tendência está generalizada na educação básica uma vez que predomina em praticamente todas as etapas de ensino. Em relação às matrículas em classes especiais, e em escolas exclusivas destaca-se que na Educação Infantil e no Ensino Fundamental a redução do número de matrículas no período de 2007 a 2013 foi constante e expressiva. No tocante ao Ensino Médio, à EJA e à educação profissional a tendência de queda do número do número de matrículas também está evidente, especialmente no período entre 2007-2010. Contudo, nessas três etapas de ensino há períodos de oscilação em que o número de matrículas apresenta elevação em relação ao ano anterior.

119 Destaca-se que essa oscilação ocorre apenas entre os anos de 2011-2013 e que a EJA é a única etapa em que a quantidade total de matrículas em 2013 é superior à quantidade de matrículas em classes especiais e em escolas exclusivas em 2007. O aumento da quantidade de matrículas de pessoas com deficiência em turmas mistas foi uma tendência generalizada e acentuada em toda a Educação Básica e em todas as suas etapas como a Educação Infantil, o Ensino Fundamental, o Ensino Médio, a EJA e a educação profissional. Na Educação Infantil houve a redução mais significativa na quantidade de matrículas em classes especiais. Em 2007 a Educação Infantil registrou quantidade de matrícula em escolas ou classes especiais e/ou escolas exclusivas, se comparadas às matrículas em escolas regulares, superior a quarenta mil estudantes, evidenciando o predomínio das escolas e das classes especiais no início do processo de escolarização de pessoas com deficiência. Tendência que a partir de 2010 se inverteu com a predominância de matrículas em classes comuns. A EJA e a educação profissional, assim como a Educação Infantil, também possuíam, em 2007, maior quantidade de matrículas em classes e em escolas exclusivas. O ano de 2010 representou, igualmente, o período de inversão dessa predominância. A discrepância na quantidade de matrículas da Educação Infantil em 2007 não se repetiu, nem no Ensino Fundamental, nem no Ensino Médio, que em 2007 apresentavam quantidade superior de alunas/os com deficiência matriculadas/os em classes comuns do que em classes ou escolas exclusivas. No Ensino Fundamental, em 2007, a quantidade de estudantes em classes e escolas especiais era similar à quantidade de pessoas com deficiência matriculadas em escolas comuns. Contudo, de 2007 a 2013 houve crescente tendência de aumento de matrículas nas classes comuns, paralela à constante diminuição de matrículas em classes especiais e/ou escolas exclusivas. Em 2013, 23% das/os aluna/os com deficiência estavam matriculados em classes especiais ou em escolas inclusivas, enquanto que 77% estavam matriculadas em classes comuns. No que tange à localização, se urbana ou rural, nota-se que no ano de 2013 houve proporcionalidade no atendimento realizado no campo em relação ao da cidade. A quantidade de pessoas com deficiência matriculadas em 2013, nas duas localidades, equivaleu a pouco menos que 2% do total, ou seja, apesar do aumento vertiginoso na quantidade de matrículas de pessoas com deficiência o seu alcance quantitativo ainda é muito baixo, principalmente se considerado o último censo demográfico da população brasileira, no

120 qual estima-se, que cerca de 24% da população tenha algum tipo de deficiência (DIAS e SILVA, 2014). No que se refere às dependências administrativas, percebe-se que o atendimento escolar ofertado em escolas e em classes especiais é realizado, predominantemente, por instituições privadas, inversamente ao que se observa em relação ao atendimento escolar inclusivo ofertado, predominantemente, por instituições públicas. Esses dados revelam a manutenção de uma característica brasileira no atendimento escolar às pessoas com deficiência, que é a predominância de instituições particulares e filantrópicas dedicadas à escolarização de pessoas com deficiência, sobretudo, no atendimento em escolas especiais, contrariamente ao atendimento das instituições públicas que o faz, prioritariamente, de modo inclusivo. Observe os gráficos 1 e 2. Gráfico 1 - Proporção de Classes Especiais e Escolas Exclusivas por dependência administrativa - Brasil 2013 Estadual Municipal Privada Gráfico 2 - Proporção de Classes Comuns (Alunas/os incluídas/os por dependência administrativa - Brasil 2013 Estadual Municipal Privada 10% 18% 6% 33% 72% 61% Gráfico 1 Gráfico 2 Fonte: Produção própria a partir de dados do Censo Escolar de 2013. A DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: NOVO CONTEXTO, VELHOS PROBLEMAS Os dados apresentados não evidenciam a problemática condição em que o processo de inclusão escolar tem transcorrido. A prática de rotulação de estudantes, pela escola, como pessoas com deficiência intelectual, continua vigorosa. Até o início dos anos 1990, a rotulação poderia embasar o encaminhamento automático de estudantes às escolas especiais, imprimindo marcas negativas e definitivas em sua identidade social uma vez que não era necessário haver laudo que a atestasse. A percepção docente era suficiente. Atualmente, não é mais possível fazer o encaminhamento de alunas/os com deficiência exclusivamente para as escolas especiais, já que atualmente elas/es, mesmo que recebendo

121 Atendimento Educacional Especializado em escolas especiais, são responsabilidade da escola regular. O censo demográfico de 2010 apresenta que cerca de 23,9% das pessoas no país tem alguma deficiência. A incidência decrescente das deficiências é: visual 14,4%, física 9,7%, intelectual 5,7% e auditiva 4,7% 13 (DIAS e SILVA, 2014). No Censo Escolar de 2012, a deficiência intelectual aparece em quantidade muito maior do que o que fora observado na população brasileira como um todo, correspondendo a 67% do total de pessoas com deficiência matriculadas. Parte desse problema deriva da não obrigatoriedade do laudo para que alunas e alunos sejam lançados no Censo Escolar como tendo alguma deficiência, isso pode ser feito a partir da percepção da escola. Observe a tabela 3. Tabela 3 - Número de alunas/os da Educação Básica por tipo de deficiência - Brasil 2012 Tipo de Deficiência Visual Auditiva Física Mental Total (Intelectual) 31.405 53.108 81.704 337.488 503.705 6,20% 10,50% 16,20% 67% 99,9% Tabela 3 Fonte: Adaptado de Dias e Silva (2014). A prevalência da deficiência intelectual, em relação às demais deficiências, se mantém em todas as dependências administrativas públicas ou privadas. O reconhecimento da deficiência intelectual mediante algum laudo também é problemática, embora, ela geralmente seja mais eficiente em diferenciar a deficiência intelectual, da dificuldade de aprendizagem e que não é, necessariamente, indicador da existência da deficiência. A deficiência intelectual [...] se refere, grosso modo, a associação entre o funcionamento intelectual e a condição adaptativa do sujeito às situações da vida cotidiana. No geral, caracterizase por um processo de aprendizado muito mais lento que o normal e a algumas dificuldades em relação a vida diária (FARIA, 2014a). A deficiência intelectual pode tornar o processo de aprendizagem mais difícil ou, pelo menos, mais lento, contudo, ela difere e muito da dificuldade de aprendizagem. É possível 13 O somatório do percentual das deficiências não corresponde aos 23,9% da população estimada pelo Censo Demográfico porque há pessoas que possuem mais de uma deficiência e que são computadas em mais de uma categoria de deficiência.

122 deduzir que estão sendo enquadradas, sob a rubrica de deficiência intelectual, todas as pessoas que apresentam dificuldades mais notórias de aprendizagem, sem a devida distinção e problematização de ambos no contexto escolar, no processo de ensino-aprendizagem, na relação docentes alunas/os, na organização do trabalho escolar, dentre outras dimensões que se relacionam à possibilidade de aprendizagem efetiva. O aspecto mais perverso e temível dessa rotulação é que ela repita a estereotipação, a estigmatização e o abandono de estudantes como ocorreu no passado com alunas/os que, mesmo sem qualquer deficiência, foram encaminhados às escolas especiais, e que não conseguiram retornar às salas comuns impedidos de trilharem a sua trajetória escolar com acesso à aprendizagem, à interação e à sociabilidade possíveis. REFERÊNCIAS BRASIL; Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo Escolar da Educação Básica 2013: resumo técnico. Brasília: MEC/INPE, 2013. Disponível em http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_ escolar/resumos_tecnicos/resumo_tecnico_censo_educacao_basica_2013.pdf. Acesso em 28/10/2015. ; Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo Escolar. Brasília: MEC/INPE, 2011a. Disponível em http://portal.inep.gov. br/basicacenso. Acesso em 30/10/2015. ; Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Conheça o Instituto. Brasília: MEC/INPE, 2011b. Disponível em http://portal.inep. gov.br/conheca-o-inep. Acesso em 30/10/2015. ; Presidência da República, Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm>. Acesso em 01/05/2013. ; Presidência da República, Casa Civil. Lei Nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4024.htm>. Acesso em 11/04/2013. ; Presidência da República, Casa Civil. Lei Nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5692.htm. Acesso em 11/04/2013. ; Presidência da República, Casa Civil. Lei Nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l9394.htm Acesso em 23/04/2013. CONVENÇÃO INTERAMERICANA para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência. 2001. Disponível em <http:// portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/guatemala.pdf> Acesso em 24/01/ 2008. DECLARAÇÃO DE SALAMANCA Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais.1994. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/seesp/ arquivos/pdf/salamanca.pdf. Acesso em 20/05/2013.

123 DIAS, P. J. de O. e SILVA, M. M. P. Indicadores sociais da deficiência no Brasil: uma análise do censo demográfico e do censo escolar. In: X ANPED SUL, 2014, Florianópolis. Disponível em http://xanpedsul.faed.udesc.br/arq_pdf/288-0.pdf. Acesso em 23/06/2015. FARIA, R. A. de. Auto-representação de estudantes com deficiência intelectual: a imagem de si na escola pública regular em Goiânia. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2014a.. Educação Inclusiva: fundamentos e possibilidades para o trabalho docente. Poíesis Pedagógica, Catalão-GO, v. 12, n. 1, p. 173-196, jan/jun 2014b. MAZZOTTA, M. J. S. Educação Especial no Brasil: História e políticas públicas. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2005.