36ª Reunião Nacional da ANPEd 29 de setembro a 02 de outubro de 2013, Goiânia-GO

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Transcrição:

A ONIPRESENÇA DO CINEMA NA FORMAÇÃO DOCENTE Luciana Azevedo Rodrigues UFLA Márcio Norberto Farias UFLA Agência Financiadora: FAPEMIG Este trabalho, ao entender o cinema como uma experiência formativa fundamental de nosso tempo, busca argumentar que à medida que os processos formativos docentes se fazem sobre o princípio cinematográfico de mudança de lugares e ângulos perdem a oportunidade de efetivamente experimentarem a potencialidade formativa do cinema. Dito de outro modo, quando os cursos de formação de professores se voltam para o assistir e ao produzir cada vez mais filmes, e se importam cada vez menos com experiências como a leitura, a escrita, o desenho, os gestos, a voz valorizando-as apenas quando são incorporados como elementos dos filmes, a própria experiência formativa com o cinema é prejudicada. Para desenvolver este argumento, este trabalho propõe uma volta a um dos principais textos que vem subsidiando os estudos sobre cinema A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, escrito por Walter Benjamin em 1935/1936. Neste retorno, destaca-se a compreensão benjaminiana da importante transformação operada pela reprodutibilidade técnica em relação às origens rituais da obra de arte. Em seguida, busca-se mostrar como o pensamento de Christoph Türcke (2010b), presente no livro Filosofia dos Sonhos, atribui maiores consequências àquela compreensão benjaminiana e, sobretudo, permite visualizar a continuidade do culto na contemporaneidade e de suas consequências negativas para formação humana. Por fim, o trabalho pontua a necessidade dos estudos e trabalhos com cinema na formação docente discutirem as consequências da onipresença das imagens em movimento para a percepção e para a força imaginativa das pessoas. Benjamin e sua crítica às origens cultuais da arte O filósofo berlinense, no texto A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica, desenvolve algumas teses sobre as tendências evolutivas da arte, de modo a ressaltar a expressão da luta do proletariado pela superação do capitalismo na esfera da cultura, especialmente na esfera da arte. As teses, defendidas por Benjamin, como tendo grande valor no combate político, [...] põem de lado numerosos conceitos tradicionais como criatividade e gênio, validade eterna e estilo, forma e conteúdo cuja

aplicação incontrolada, e no momento dificilmente controlável, conduz à elaboração dos dados num sentido fascista. (BENJAMIN, 1994, p.166). Com o objetivo de pôr tais conceitos de lado, as teses benjaminianas mostram que antes da obra de arte existir como tal, ela foi obra de magia e obra teológica, e que seu fundamento cultual a manteve, durante muito tempo, restrita a determinados espaços, tempos e ao usufruto de poucas pessoas. A reprodutibilidade técnica, conforme Benjamin, permitiu que a arte se destacasse do ritual, e se tornasse acessível à produção e à fruição de todas as pessoas em espaços e tempos diversos. Para ele, o primeiro abalo grave do fundamento teológico da arte foi provocado pelo advento da fotografia, e a resposta da arte à crise de seu fundamento teológico foi o movimento da arte pela arte. Tal crise, iniciada com a fotografia, teria aumentado ainda mais com o surgimento do cinema, cuja reprodutibilidade técnica [...] tem seu fundamento imediato na técnica de sua produção (BENJAMIN, 1994, p.172). Nesse sentido, a própria forma reprodutiva do cinema pôs fim às raízes cultuais da obra de arte, expressando na esfera da arte o processo econômico e social que daria fim às relações de produção capitalista. Pois, com a reprodutibilidade técnica, a obra de arte deixaria de ficar limitada a determinados espaços, de ser privilégio de determinadas pessoas e usos rituais, para se tornar objeto de fruição de todas as pessoas, nos mais diferentes momentos e lugares. A emancipação da obra de arte do universo ritual, de uma relação restrita com seus representantes, é reconhecida por Benjamin como uma conquista, que envolveu a liquidação tanto do seu aqui e agora quanto da sustentação dele na própria tradição. Diz Benjamin: A autenticidade de uma coisa é a quintessência de tudo o que foi transmitido pela tradição, a partir de sua origem, desde sua duração material até o seu testemunho histórico. [...] a técnica da reprodução destaca do domínio da tradição o objeto reproduzido. (BENJAMIN, 1994, p. 168, grifo do autor). Se de um lado, o pensador berlinense compreende que esse destaque permitiu a obra de arte abandonar a esfera do culto para ingressar na esfera política, superando sua condição parasitária para ter voz e ação próprias; de outro, reconhece que a multiplicação produzida

com a reprodução técnica substituiu a existência única do objeto por uma existência serial e impactou fortemente a percepção humana. Segundo ele, as modificações desta percepção não podem ser consideradas simplesmente naturais, mas movidas por mudanças do modo de existência das coletividades humanas. Nesse sentido, com a reprodutibilidade técnica, a forma humana de perceber passou a extrair das coisas o seu invólucro de unicidade, passou a captar o único como semelhante no mundo. Dito com outras palavras, aquilo que tem se colocado diante dos olhos das pessoas, e que é único, é cada vez mais percebido como apenas mais uma manifestação do mesmo. Tendo isso em vista, Benjamin (1994) considera que a sociedade cuja técnica estava inteiramente fundida com o ritual seria a antítese da sua, assim como podemos dizer, da nossa, que conquistou a técnica mais emancipada que já existiu. Vale destacar, apesar disso, que para o pensador, a técnica na sociedade moderna assume a forma de uma segunda natureza não menos elementar que a das sociedades primitivas, e que tal como estas, precisa aprender a controlar aquilo que inventou. Nesse sentido, Benjamin (1994) aponta como tarefa histórica do cinema servir para o exercício das percepções humanas, de modo que as pessoas consigam construir uma relação não cultual com a tecnologia, que elas possam reconhecê-la como algo que precisa ser por elas controlado. Assim, da mesma maneira que a obra de magia e a teológica, no interior do culto, foram transformadas pelos seres humanos em obra de arte, a técnica de reprodução alcançada na sociedade moderna, que assume a forma de segunda natureza, precisa ser assimilada pelos seres humanos como sua própria invenção. Benjamin argumenta que a arte precisa mais uma vez conduzir ao aprendizado do controle da técnica, do estabelecimento de uma relação não cultual com ela. Christoph Türcke e a crítica do culto no cinema A percepção benjaminiana do caráter revolucionário da emancipação da arte de seus fundamentos teológicos parece ser atualizada, de outro modo, no pensamento de C. Türcke, quando este expressa muito claramente em seu livro Filosofia do Sonho (2010b), que a vivência intensificada de espírito com o cinema depende da interrupção dos choques de imagens e da relação das pessoas com experiências não formadas de imagens em movimento. Uma interrupção que se torna difícil quando o cotidiano ocupa as pessoas, cada vez mais, com

dados e imagens nas telas dos seus computadores, celulares e televisores. Nesse sentido, à medida que o dia-a-dia das pessoas é cada vez mais constituído por imagens reproduzidas tecnicamente, pode-se falar na técnica pela técnica como forma atual de culto. C. Türcke, tanto em seu livro Sociedade Excitada (2010a) quanto em sua obra Filosofia do Sonho (2010b), fundamenta-se na compreensão benjaminiana de que a percepção humana é um produto histórico e social. É justamente por concordar com Benjamin, que Türcke não deixa de mostrar que o filósofo berlinense, assim como outros pensadores da sua época, não considerou que o modo como a sua época produzia e assistia o cinema ainda se fundamentava nas obras de arte e produtos culturais não reproduzidos tecnicamente. Nas palavras do filósofo de Lüneburg: Uma coisa [...] escapava aos portadores da esperança nos novos meios de comunicação: o grau de comprometimento da sua própria força de imaginação ainda com o mundo de ontem; a medida de dependência da sua própria formação ainda por meios de comunicação e espetáculos tradicionais comparativamente tranquilos: carta, jornal, livro; festa popular, concerto, teatro- de acordo com a posição social e preferência. (TÜRCKE, 2010b, p. 306, grifo nosso). Além de não se atentarem para as formas dos meios que constituíram a força de imaginação direcionada ao cinema, Benjamin e seus contemporâneos entusiastas com ele acabaram tratando a capacidade de imaginação humana, historicamente formada a partir de meios não reproduzidos tecnicamente, como algo para sempre assegurado, o qual diante do cinema seria tão somente ampliado, sem prejuízo algum. Apesar de direcionar essa crítica a Benjamin e a outros pensadores de sua época, Türcke (2010b) reconhece que a compreensão da capacidade de imaginação humana como uma posse segura se apoiava no próprio contexto vivido pelos pensadores, onde o filme, o cinema ainda não tinha se tornado um acontecimento cotidiano como hoje. Ou seja, sendo um momento especial de fins de semana ou de noites festivas, as pessoas dispunham de tempo para digerir o vivenciado. Türcke (2010b) compreende que algo muito diferente acontece hoje, quando as pessoas permanecem sob o fluxo ininterrupto de outras imagens, entre um filme e outro, junto

às telas de seus computadores, televisores e celulares, no tempo livre ou no tempo de trabalho. Para ele: Somente quando o filme se inflacionou pelo seu rasante cortejo triunfal e decaiu da Highlight para o cotidiano, ele alcançou aos poucos o estágio no qual sua dinâmica maquinal podia retroagir completamente sobre os seus receptores. (TÜRCKE, 2010b, p. 306, grifo nosso). Em outras palavras, quando o filme inflaciona o cotidiano das pessoas realiza um movimento que restaura a esfera do culto, a mesma tão criticada por Benjamin. À medida que se torna onipresente, a própria forma fílmica passa a ser cultuada. Esse cortejo triunfal do filme é a multiplicação da sua forma mesma, da sua mudança intermitente, que não permite a formação daquele comportamento persistente aprendido [...] no trabalho artesanal infantil e nos jogos de habilidade, na contemplação e na pintura de imagens, na leitura e escrita de textos. (TÜRCKE, 2010b, p. 307). Considerações finais Ao dar continuidade à crítica benjaminiana em nosso tempo, Türcke não nega a experiência formativa do cinema, mas destaca que ela precisa se apoiar no cultivo de outras experiências culturais não orientadas pelo princípio da mudança constante dos cenários como é o caso do próprio filme. Tais experiências propiciariam, conforme o filósofo não só o desenvolvimento de um comportamento que se detém e que persiste sobre algo, mas interromperiam o fluxo de imagens consumido pelas pessoas. Para Türcke, isso seria a condição para que as imagens recebidas pudessem ser transformadas na força daquele que as recebeu, e como num golpe sensório de judô a força das imagens seria utilizada de tal modo que se tornaria a força dos sujeitos que as recebem. Desse modo, Türcke não apenas permite continuar pensando o cinema como uma obra emancipadora, mas leva a compreender que ele só pode servir à sua tarefa histórica de exercitar os sentidos humanos se não for cultuado. Nesse sentido, nos faz pensar que a pratica pedagógica de formação docente que compreender esse processo pode pôr-se de guarda com relação a si mesma, especialmente com relação a assumir o culto ao cinema. Referências bibliográficas

BENJAMIN, Walter. "A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica". (Trad. S. P. Rouanet) In: Obras Escolhidas (vol. 1) Magia e técnica arte e política: ensaios sobre literatura e historia da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. TÜRCKE, C. Sociedade Excitada: filosofia da sensação. (Trad. A. Zuin, F. Durão, F. Fontanella & M. Frungillo). Campinas: Editora da UNICAMP, 2010a.. Filosofia do sonho. (Trad. P. R. Schneider). Ijuí: Editora Unijuí, 2010b.