Efeito da embalagem em atmosfera modificada sobre a conservação de sardinhas (Sardinella brasiliensis)

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Transcrição:

Efeito da embalagem em atmosfera modificada sobre a conservação de sardinhas (Sardinella brasiliensis) Effect of modified atmosphere packaging in sardine (Sardinella brasiliensis) preservation Márcia M. Lopes, Eliane T. Mársico, Leila G. Sobreiro, Leonardo P. Silva, Carlos A. Conte-Júnior, Henrique S. Pardi e Sérgio B. Mano* Depto. de Tecnologia dos Alimentos, Faculdade de Veterinária, Universidade Federal Fluminense Rua Vital Brazil Filho, 64, 24.230-340, Niterói/RJ Resumo: O trabalho teve como objectivo avaliar o efeito da embalagem de sardinhas (Sardinella brasiliensis) em atmosfera modificada. As amostras foram divididas em 5 lotes, embaladas com aproximadamente 1,5 L de a) ar (100%), b) N 2 (100%), c) CO 2 (100%), d) CO 2 40/60 ou e) CO 2 80/20 e termo-seladas. Durante 18 dias de armazenamento, tomaram-se amostras determinando o ph, as bases voláteis totais (BVT), a concentração de histamina e as contagens totais de microrganismos heterotróficos aeróbios, mesófilos e psicrotróficos. Os valores de ph aumentaram durante o tempo de armazenamento, com excecção das amostras armazenadas em 100% CO 2. A evolução de BVT foi idêntica em todas as amostras, não apresentando diferenças significativas (p>0,1) entre as atmosferas estudadas. O início da produção de histamina foi observado em todas as amostras entre o 8 o e 11 o dia de estocagem, com exceção das amostras mantidas em 100% de CO 2. Os microrganismos mesófilos, nas atmosferas enriquecidas com CO 2, apresentaram fases de latência e tempos de duplicação semelhantes. Sob o ponto de vista microbiológico, as embalagens com CO 2 demonstraram ser o melhor método de conservação. Entretanto, os resultados de BVT foram decisivos para definir a vida útil, já que o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal, Brasil, refere como limite o valor de 30 mg/100 g. Palavras-chave: sardinha; atmosfera modificada; vida útil Summary: The objective of the work was to evaluate the effect of modified atmosphere packaging on the shelf life of sardine (Sardinella brasiliensis). The samples were divided in 5 groups, filled with approximately 1.5 L of a) air (100%), b) N 2 (100%), c) CO 2 (100%), d) CO 2 40/60 or e) CO 2 80/20, and heatsealed. During 18 days of storage, samples were taken and the ph, the total volatile bases (TVB), the histame concentration and the total counts of heterophilic aerobic mesophilic and psycrophilic microorganisms were determined. The ph values increased during the storage period, except for the samples stored under 100% CO 2. The changes on TVB were identical in all samples; significant differences (p>0.1) were not found among the studied atmospheres. The beginning of the histamine production was observed in all samples between the 8 th and the 11 th day of storage, except in samples maintained under 100% CO 2. The mesophylic microorganisms, in enriched CO 2 atmosphere, * Correspondência: Telef.: 0 55 21 26299529, e-mail: MTASBM@VM.UFF.BR presented similar lag phases and duplication times. Under the microbiological point of view, the packagings enriched with CO 2 demonstrated to be the best preservation method. However, the results of BVT were decisive to define the shelf life, since a limit of 30 mg/100 g was defined by the Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal, Brazil. Keywords: sardine; modified atmosphere; shelf life Introdução De uma forma geral, o peixe fresco ou refrigerado apresenta uma vida útil bastante inferior aos demais tipos de tecidos musculares, podendo variar entre as diferentes espécies. Quando mantido sob refrigeração, a vida útil do mesmo pode ser estabelecida em torno de 2 a 5 dias, considerando-se, entre outros factores, a sua carga microbiana inicial e temperatura de armazenamento (Parry, 1993). Este tempo pode ser considerado suficiente para a distribuição local do produto, porém, ao pensar-se em transportá-lo por longas distâncias, a associação de outros processos de conservação à refrigeração pode mostrar-se mais eficaz. Além da aplicação do frio, outros métodos de conservação são utilizados para o pescado, como a desidratação, a defumação, o calor, o ultra-som, o uso de conservantes, a fermentação, e mais recentemente, a irradiação e a atmosfera modificada. Vários estudos têm sido realizados em produtos de origem animal, visando avaliar o efeito da embalagem em atmosfera modificada (MAP) sobre a sua conservação. Esta consiste em substituir o ar que rodeia o produto que se pretende conservar, por um gás ou mistura de gases que ofereça as melhores condições para a manutenção da qualidade do produto por um período de tempo maior. Em peixes, o estudo de misturas gasosas mais convenientes para a conservação e optimização do armazenamento ainda não está totalmente realizado, assim como as modificações na caracterização sensorial e nos pa- 207

râmetros físico-químicos e microbiológicos de várias espécies quando embaladas em MAP. Alguns estudos demonstram a eficiência do uso de baixas concentrações de CO 2 na conservação do pescado. Porém, na maioria dos casos, consideram-se necessários níveis de CO 2 superiores a 25% (Parkin et al., 1982). López-Gálvez et al. (1995) propõem uma combinação de 40% O 2 com 60% CO 2 como uma alternativa para o pescado, enquanto que Stiles (1990) revela a necessidade de uma mistura de CO 2 e N 2, assegurando ausência total de O 2 na embalagem. O objectivo do presente trabalho foi avaliar a evolução do crescimento microbiano e as características físico-químicas de sardinhas (Sardinella brasiliensis) embaladas em diferentes atmosferas gasosas, procurando avaliar as misturas mais adequadas para a conservação sob refrigeração, assim como diversificar as possibilidades de conservação na indústria pesqueira. Material e métodos As amostras de sardinha (Sardinella brasiliensis) inteira foram obtidas directamente num entreposto pesqueiro situado em Niterói - RJ, sendo, posteriormente, encaminhadas para o laboratório de Tecnologia de Alimentos da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal Fluminense, no Rio de Janeiro. O transporte e acondicionamento das amostras foram efectuados em condições de temperatura e higiene adequadas, assegurando-se assim a manutenção das suas características. No momento da recepção, os peixes inteiros foram lavados em água corrente, durante 5 a 10 minutos, para promover uma homogeneização do lote e introduzidas em embalagens plásticas de baixa permeabilidade, divididas em cinco lotes, de aproximadamente 1,5 L de a) ar (100%), b) N 2 (100%), c) CO 2 (100%), d) CO 2 40/60 ou CO 2 80/20 e termo-seladas. As amostras foram armazenadas a 4 ± 1 o C durante 18 dias. Durante este período, tomaram-se amostras determinando o ph, as bases voláteis totais (BVT), a concentração de histamina e a contagem total de microrganismos heterotróficos aeróbios mesófilos e psicrotróficos. Os parâmetros de crescimento (fase de latência e tempo de duplicação) dos microrganismos foram determinados mediante a equação de Baranyi (Baranyi e Roberts, 1994). A análise de ph foi realizada pelo método potenciométrico segundo técnica descrita no Manual do Laboratório Nacional de Referência Animal - LANARA (Anónimo, 1981b). Para a análise de bases voláteis totais, utilizou-se o método de microdifusão em placa de Conway, segundo o mesmo manual. A concentração de histamina foi determinada pelo método fluorimétrico (AOAC, 1980) após reacção com o-ftaldeído. Para a contagem de microrganismos heterotróficos aeróbios mesófilos viáveis, seguiu-se o método preconizado pelo Manual LANARA (Anónimo, 1981a), utilizando o meio de cultura ágar-ágar padrão para contagem (PCA), com incubação a 32 ± 2 C e leitura em 24/48 h. Para a contagem de microrganismos heterotróficos aeróbios psicrotróficos viáveis, utilizou-se o mesmo meio de cultura, mantendo-se as placas a 7 ± 2 C e leitura em 7 a 10 dias. Os resultados obtidos nas contagens bacterianas foram tratados estatisticamente pelo método dos quadrados mínimos para obtenção de uma regressão linear, utilizando-se a equação de Baranyi e Roberts (1994) para a determinação dos parâmetros de crescimento dos microrganismos (fase de latência e tempo de duplicação). Resultados e discussão Em relação ao ph, pode-se observar que os valores, conforme demonstrado na Figura 1, aumentaram durante o tempo de armazenamento, com excecção das amostras armazenadas em 100% CO 2, que mantiveram o ph inicial (~6,65). Estes resultados estão de acordo com diversos autores (Stiles, 1990; Hood e Mead, 1993; Mano et al., 1995) que descrevem que as altas concentrações de CO 2 mantêm o ph inicial do músculo bovino armazenada por mais tempo, possivelmente pela transformação deste CO 2 em ácido carbónico (H 2 CO 3 ) ao solubilizar-se na parte aquosa do alimento. Outra explicação para esta manutenção do ph, conforme explicam alguns autores (Banks et al., 1980; Ogrydziak e Brown, 1982), seria o crescimento predominante de Lactobacillus, os quais acidificam o meio através da produção de ácido lático. A evolução das bases voláteis totais (BVT) foi idêntica em todas as amostras, não apresentando diferenças significativas (p>0,1) entre as atmosferas estudadas, como pode ser observado na Figura 2. Todas as amostras atingiram 30 mg BVT/100 g em aproximadamente 6 dias. Debevere e Boskou (1997) observaram que filetes de bacalhau refrigerados, armazenados em CO 2 ph 7,1 7,0 6,9 6,8 6,7 6,6 6,5 6,4 Ar 100% N2 40% CO2 80% CO2 100% CO2 Figura 1 - Valores de ph de amostras de sardinha (Sardinella brasiliensis) armazenadas em diferentes atmosferas durante dezoito dias, à temperatura de 4 ± 1 o C. 208

mg BV T/1 00 g 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Ar N2 40%CO2 80%CO2 100%CO2 Figura 2 - Valores de bases voláteis totais obtidos nas amostras de sardinha (Sardinella brasiliensis) armazenadas em diferentes atmosferas, durante dezoito dias, à temperatura de 4 ± 1 o C. Log UFC/g 9 8 7 6 5 4 3 2 1 Ar 100% N2 40% CO2 80% CO2 100% CO2 0 Figura 3 - Valores médios da contagem de microrganismos heterotróficos aeróbios mesófilos viáveis de amostras de sardinha (Sardinella brasiliensis) armazenadas em diferentes atmosferas durante dezoito dias, à temperatura de 4±1 o C. (60/30), CO 2 /O 2 (60/20/20), CO 2 /O 2 (60/30/10) e CO 2 /O 2 (60/40) atingiram, após 4 dias de armazenamento a 6 ºC, valores elevados de BVT, considerandose o alimento impróprio para o consumo. Estas análises mostraram que, mesmo nos tratamentos onde houve inibição do crescimento microbiano, ocorreram alterações degradativas, possivelmente devido a processos enzimáticos autolíticos. Özogul et al. (2004) testando o efeito da embalagem de atmosfera modificada e vácuo, sobre as mudanças químicas, sensoriais e microbiológicas em sardinhas mantidas a 4 C, determinaram que a vida comercial da sardinha embalada em atmosfera modificada foi de 12 dias, 9 dias no vácuo e 3 dias em ar. O crescimento bacteriano foi mais acelerado nas amostras mantidas em ar, seguido pelas mantidas em vácuo e embalagem modificada, respectivamente. A formação de BVT cresceu com o decorrer da estocagem. Quando a contagem total atingiu 10 6 UFC/g, o valor do BVT foi de aproximadamente 15 mg/100 g de músculo para todas as formas de estocagem. Concluiu-se que a estocagem de sardinhas em atmosfera modificada diminuiu a produção de derivados do ATP, inibindo o crescimento bacteriano e a formação de BVT. Molin et al. (1983) observaram um aumento da vida útil de filetes de arenque armazenados em CO 2 (100%), o que está de acordo com os resultados obtidos no presente trabalho, onde as amostras armazenadas em CO 2 (100%) apresentaram os menores valores na contagem total de microrganismos mesófilos. A eficiência do CO 2 na conservação do pescado também foi verificada por Killefer (1930), que observou um aumento de 2 a 3 vezes na vida útil do pescado fresco. As amostras mantidas em ar (100%) e N 2 (100%) apresentaram um aumento progressivo na contagem total de microrganismos mesófilos a partir do 5º dia de armazenamento, atingindo valores de 10 7 UFC/g no 11º dia (Figura 3). Resultados semelhantes foram encontrados por Morales e Negron (1996), que observaram um aumento considerável na contagem de microrganismos mesófilos em filetes de tilápia armazenados em N 2 (100%), mantidos sob refrigeração. Também trabalhando com filetes de tilápia (Tilapia rendali), Kuang et al. (1998), constataram que as amostras mantidas em ar Log UFC/g 9 8 7 6 5 4 3 Ar 100%N2 40% CO2 80% CO2 100% CO2 mg/100g 2,0 1,6 1,2 0,8 Ar 100% N2 40% CO2 80% CO2 100% CO2 2 0,4 1 0 0,0 Figura 4 - Valores obtidos na contagem de microrganismos psicrotróficos de amostras de sardinha (Sardinella brasiliensis) armazenadas em diferentes atmosferas durante dezoito dias, à temperatura de 4 ± 1 o C. Figura 5 - Evolução da produção de histamina em amostras de sardinha (Sardinella brasiliensis) armazenadas em diferentes atmosferas durante dezoito dias, à temperatura de 4±1 o C. 209

(100%) a 0ºC apresentaram uma vida útil de 10 dias. Os microrganismos mesófilos, nas atmosferas enriquecidas com CO 2, apresentaram fases de latência (~5,5 d) e tempos de duplicação (~59 h) semelhantes e superiores aos obtidos nas atmosferas de ar e N 2 (aproximadamente 4,0 d e 11,5 h). Reddy et al. (1995) também evidenciaram um aumento da fase de latência e tempo de duplicação para os microrganismos mesófilos em estudo realizado com filetes de salmão armazenados a 4 ºC em CO 2 (75/25). Estes mesmos parâmetros (fase de latência e tempo de duplicação) demonstraram, no estudo da flora psicrotrófica (Figura 4), um aumento progressivo e de acordo com o aumento da concentração de CO 2. O início da produção de histamina foi observado em todas as amostras entre o 8 o e 11 o dia de armazenamento (Figura 5), com excecção das amostras mantidas em CO 2 (100%), onde não foi detectada, o que está de acordo com a temperatura de armazenamento e a inibição do crescimento microbiano. Pode-se concluir, de acordo com os resultados obtidos, que sob o ponto de vista microbiológico as embalagens enriquecidas com CO 2 demonstraram ser o melhor método de conservação. Entretanto, apesar da inibição do crescimento microbiano ocorrido nas amostras armazenadas em atmosferas enriquecidas com CO 2, os resultados de BVT foram decisivos para definir o prazo de vida comercial, já que o RIISPOA (Anónimo, 1997) descreve como limite o valor de 30 mg/100 g. Porém, é importante salientar que apesar da inibição sob o ponto de vista microbiológico, e conseqüente aumento de vida útil, devem ser realizados novos estudos visando avaliar o efeito da atmosfera modificada sob o aspecto sensorial do produto, já que este é um fator decisivo no consumo. Bibliografia Anónimo (1981a). Ministério da Agricultura, Secretaria Nacional de Defesa Agropecuária. Laboratório de Referência Animal (LANARA). Métodos analíticos oficiais para controle de produtos de origem animal e seus ingredientes I. 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