JARDIM PALMARES: MEMÓRIA HISTÓRICA NA HODONÍMIA JARDIM PALMARES: HISTORICAL MEMORY IN HODONYMY

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Transcrição:

JARDIM PALMARES: MEMÓRIA HISTÓRICA NA HODONÍMIA JARDIM PALMARES: HISTORICAL MEMORY IN HODONYMY SOUZA, Larissa Ferreira de 1 ; larissaferraso@hotmail.com BICALHO, Poliene Soares dos Santos 2 poliene.soares@gmail.com Resumo: Este artigo tem como finalidade realizar uma pesquisa acerca do bairro Jardim Palmares, localizado na região leste da cidade de Anápolis (GO). Apresenta um breve resumo sobre a Onomástica, campo linguístico responsável pelo estudo dos nomes próprios; com foco na Hodonímia, área de estudo responsável pelo estudo dos nomes próprios atribuídos a lugares públicos das cidades. O objetivo geral é investigar a estreita relação entre os hodônimos e alguns fatos e personalidades históricas, ligados aos Movimentos Quilombola e Abolicionista. Para isso, foi efetivada uma pesquisa em linha documental, na mapoteca da prefeitura de Anápolis (GO) e uma revisão bibliográfica sobre o tema, de onde foram extraídos dados para discussão. Palavras-Chave: Anápolis. Hodônimos. Movimento Quilombola. Movimento Abolicionista. Abstract: This article aims to conduct a research about the neighborhood Jardim Palmares, located in the eastern region of Anápolis, a city in the state of Goiás (GO). It presents a brief summary on the Onomastics, a linguistic field which studies proper names; focusing on Hodonymy, which is a field encharged with the study of proper names assigned to the cities public places. The main objective is to investigate the close relationship between the hodonyms and some facts and historical figures, which are linked to the Quilombo Movement and to the Abolitionism. For this, a documentary research was accomplished, in the Map Collection of the city of Anápolis (GO), as well as a literature review on the topic, where the data for discussion were collected from. Keywords: Anápolis. Hodonyms. Quilombo Movement. Abolitionist Movement. 1. Introdução Este artigo visa estudar a relação entre memória e hodonímia. Para tanto, se faz necessário explicar alguns conceitos. A escolha do termo memória histórica pode ser considerada problemática, pois, como afirma Halbawachs (2006), a expressão memória histórica não é muito feliz, pois associa dois termos que se opõem em mais de um ponto (p. 100. Grifo do autor). Ele alega, em seu estudo, que, 1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Territórios e Expressões Culturais no Cerrado (TECCER), da Universidade Estadual de Goiás (CCSEH), na linha de pesquisa Saberes e Expressões Culturais do Cerrado. Licenciada em Letras (habilitação em língua portuguesa e língua inglesa e suas respectivas literaturas) pela mesma Universidade. Bolsista da CAPES. 2 Doutora em História Social pela Universidade de Brasília (UnB), com Estágio Pós-doutoral em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente é professora titular da Universidade Estadual de Goiás (CCSEH) e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Territórios e Expressões Culturais no Cerrado (TECCER). 86

se a condição necessária para que exista a memória é que o sujeito que lembra, indivíduo ou grupo, tenha a sensação de que ela remonta a lembranças de um movimento contínuo, como poderia a história ser uma memória, se há uma interrupção entre a sociedade que lê essa história e os grupos de testemunhas ou atores, outrora, de acontecimentos que nela são relatados? (HALBWACHS, 2006, p. 101). Mesmo com todos esses empecilhos tal expressão será mantida. E ainda se pautando em Halbwachs (2006), a memória histórica, neste trabalho, será compreendida como ele a descreveu à revelia, ou seja, como uma outra memória, que se poderia chamar de histórica, contendo apenas acontecimentos nacionais que não poderíamos conhecer então (p. 78). Ou, como uma memória social que só representaria para nós o passado sob uma forma resumida e esquemática (p. 73). Portanto, neste artigo, a memória histórica poderá ser compreendida como uma reunião de fatos importantes da história de um país. Dito isso, acredita-se que na hodonímia de um dos bairros da cidade de Anápolis (GO) houve uma reprodução da memória histórica, ou seja, um resgate de nomes de personagens e acontecimentos da história nacional no processo denominativo dos hodônimos do bairro em questão. Alguns estudiosos, como o historiador da Mata (2005), acreditam que os nomes dos lugares se constituem em documentos históricos revelando acontecimentos ocorridos em outros períodos. Aliás, ele reconhece que os nomes consistem em uma forma interessante, ainda que pouco explorada, de fonte histórica. Antes de dar continuidade a hipótese levantada é necessário discorrer sobre a Linguística, ciência que se dedica ao estudo da linguagem e às Ciências do Léxico, dentre elas, a Lexicologia. A propósito, Seabra elucida que, tradicionalmente, o léxico é definido como o conjunto de palavras de uma língua, responsável por nomear e exprimir o universo de uma sociedade. Transmitidos de geração a geração como signos operacionais, é através dos nomes que o homem exerce a sua capacidade de exprimir sentimentos e idéias, de cristalizar conceitos. Assim, o patrimônio lexical de uma língua constitui um arquivo que armazena e acumula as aquisições culturais representativas de uma sociedade, refletindo percepções e experiências multisseculares de um povo. A essa ciência linguística, dá-se o nome de lexicologia. (SEABRA, 2006, p. 1953). Dentro da Lexicologia se insere a Onomástica, responsável por estudar os nomes próprios; os atribuídos a pessoas, cabe a Antroponímia; e os nomes próprios atribuídos a lugares, a Toponímia. Portanto, o topônimo é o nome atribuído a diferentes lugares, cidades, bairros, rios, entre outros. Quando essas nomeações são atribuídas ao microcosmo urbano recebem outra denominação, são conceituados hodônimos, ou seja, nomes de ruas, avenidas, praças. Sartori (2010) reforça que, assim como a Onomástica, a toponímia também apresenta subdivisões. Nela, um estudo específico cabe à Hodonímia, [...] (do grego, hodós via, estrada e ònoma, nome ) compreende o conjunto dos nomes das ruas e praças e de todas as áreas de circulação de um centro urbano. Um hodônimo, do mesmo modo que um topônimo, traz consigo a sua possibilidade de descrição: ele possui traços culturais que são compartilhados por todas as 87

pessoas que constituem esse específico grupo social, mesmo que, às vezes, tal sentido seja ignorado por alguns. (SARTORI, 2010, p. 32). A partir de tudo que já foi elucidado até o momento, cabe esclarecer que o foco privilegiado por este artigo está voltado a um bairro da cidade de Anápolis (GO), Jardim Palmares, cujos hodônimos foram organizados em referência a fatos e personagens da história oficial. A motivação para a escolha denota uma clara intenção, a de contar parte da história nacional por meio dos hodônimos. Seja dito de passagem, a prática de nomear locais públicos gerou uma tradição que ganhou importância fazendo com que os locais deixem de serem simplesmente equipamentos utilizados pela população, para tornarem-se monumentos, espaços de celebração e inscrição de uma dada memória, fabricada em certo período. (ARAÚJO, 2014, p. 5). Nesse sentido, o que sugerimos neste artigo é tomar os hodônimos do bairro Jardim Palmares como lugares de memória histórica. Pois, o referido bairro pode ser definido como um recanto de homenagens a personalidades históricas e expoentes da literatura nacional que lutaram pela libertação dos escravos. Portanto, a fim de comprovar a hipótese levantada, o próximo tópico trará informações sobre o bairro pesquisado e, em seguida, os hodônimos serão estudados a fundo, não só do ponto de vista linguístico, mas, enquanto fontes de memória e história. E, por fim, no último tópico, apresentam-se as considerações finais acerca do que foi desenvolvido no artigo. 2. Jardim Palmares De acordo com a documentação extraída da mapoteca de Anápolis, o bairro Jardim Palmares foi aprovado em 27 de julho de 1981, pela prefeitura, através do Decreto nº 2.531. O loteador foi a Mardocheu Diniz Incorporadora e Empreendimentos Imobiliários Ltda, e, supõe-se, que tal imobiliária foi a responsável pelo processo denominativo. Chegamos a essa conclusão pautadas na pesquisa realizada. As documentações referentes ao bairro, encontradas na mapoteca da prefeitura, já continham o topônimo e os hodônimos, ou seja, o nome do bairro e das suas respectivas ruas já haviam sido nomeados. E como o bairro não é resultante de leis e nem decretos da Câmara de vereadores, o que se verificou durante a referida pesquisa, concluímos que o denominador, no caso, denominadores, foram os responsáveis pelas nomeações. Denominadores, pois consta no Contrato de Sociedade por quotas ou de responsabilidade limitada, de 28 de março de 1980, extraído da mapoteca da prefeitura de Anápolis, que a Mardocheu Diniz Incorporadora e Empreendimentos Imobiliários Ltda era composta pelos seguintes sócios: Mardocheu Socrates Diniz, Edison Soares e Luiz Sergio Leyser Silva. Jardim Palmares é um bairro pequeno, composto por 9 ruas e 1 avenida: Rua Castro Alves, Rua Princesa Isabel, Rua da Abolição, Rua Jovina de Melo Oliveira, Rua José do Patrocínio, Rua Chica da Silva, Rua Quilombos, Rua Zumbi, Rua Maria Inês de Jesus e Avenida Patriarca. E ainda 88

consta como um de seus logradouros a Rodovia BR-153. Por esta listagem fica claro o esforço sistemático do fundador, ou fundadores, do loteamento em nomear a maior parte hodônimos a partir de personagens históricos ligados aos Movimentos Quilombola e Abolicionista, com exceção das ruas Jovina de Melo Oliveira, Maria Inês de Jesus e Patriarca. O último hodônimo, aliás, não consta nos documentos originais, possivelmente a nomeação veio do circunvizinho Bairro de Lourdes. Vale ressaltar que, no âmbito toponímico, tudo é motivado. A intenção do denominador na seleção do nome derruba a célebre noção saussureana de arbitrariedade do signo linguístico. Aliás, essa é uma das principais características do topônimo. Outra característica do topônimo, hodônimo, qual seja, é que ele passa de substantivo comum a substantivo próprio. Fica evidente, então, que as ruas Castro Alves, Princesa Isabel, Abolição, José do Patrocínio, Chica da Silva, Quilombos e Zumbi obedecem a certo planejamento, seguindo determinada temática. Até mesmo o nome do bairro, Jardim Palmares, remete a essa temática. Esse topônimo e os últimos dois hodônimos se referem ao Movimento Quilombola, movimento de negros rebeldes contra a escravização que teve início no século XVIII. Os hodônimos anteriores a esses, com exceção de Chica da Silva, se referem a outro movimento, o Abolicionista, movimento político-social da segunda metade do século XIX, que combateu o fim da escravidão no Brasil. Abaixo segue uma ficha toponímica com informações adicionais do bairro. Esse modelo de ficha foi inspirado na ficha lexicográfico-toponímica criada pela estudiosa Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick. Topônimo: Jardim Palmares Localização: Leste da cidade, área total do perímetro: 172.067,00m²; limites e confrontações: situado entre seus diversos lados pelo loteamento Parque Residencial Ander I, através de quadra de lotes; Bairro de Lourdes, através da Avenida Patriarca; Setor Tropical, através de quadra de lotes; Rodovia BR 153, através de área pública; área não loteada de propriedade particular, através da Rua da Abolição e quadras de lotes. ANÁPOLIS. Lei complementar nº 218, de 28 de dezembro de 2009. Elemento Geográfico: bairro Jardim Ano de loteamento: 1981 Taxionomia: Historiotopônimo. De acordo com o Dick (1990b, p. 33), historiotopônimos sem topônimos relativos aos movimentos de cunho histórico-social e aos seus membros, assim como às datas correspondentes. Histórico: O bairro Jardim Palmares foi aprovado em 27 de julho de 1981 pela prefeitura em decreto nº 2.531. O loteador foi Mardocheu Diniz Incorporadora e Empreendimentos Imobiliários Ltda. Sociedade composta pelos seguintes integrantes: Mardocheu Socrates Diniz, Edison Soares e Luiz Sergio Leyser Silva. ANÁPOLIS. Processo n. 2.531, de 27 de julho de 1981. Aprovação do loteamento Jardim Palmares. In: 89

Mapoteca de Anápolis, 2016. ANÁPOLIS. Contrato de Sociedade por quotas ou de responsabilidade limitada, de 28 de março de 1980. In: Mapoteca de Anápolis, 2016. Designações anteriores: - Causa da designação: Motivação histórica. Palmares se refere a Grande agrupamento de negros fugidos do cativeiro, em Pernambuco, durante a guerra holandesa, e estabelecidos no interior de Alagoas, onde formaram uma república, chefiada por Ganga Zumbi; após muitas lutas, foram destroçados por Domingos Jorge Velho. (DICIONÁRIO MICHAELIS, online, 2009). O que nos remete ao Quilombo dos Palmares e a esse movimento negro brasileiro do período colonial. Podendo, assim, ser classificado como um historiotopônimo. E Palmares pode ainda se referir ao Zumbi, um dos grandes líderes desse quilombo. (SOUZA, L., 2015, p.18. Grifos da autora) Imagem do mapa: Imagem de Satélite: Disponível em: <https://www.google.com.br/maps/ Disponível: <https://www.google.com.br/maps/pla place/jardim+palmares,+an%c3%a1polis++go/ ce/jardim+palmares,+an%c3%a1polis+-+go/@ @16.3469689,48.9251764,17z/data=!3m1!4b1!4m 16.3469689,48.9251764,764m/data=!3m2!1e3!4 5!3m4!1s0x935ea4de2a5bcb59:0x630ed104e2aaffc b1!4m5!3m4!1s0x935ea4de2a5bcb59:0x630ed104e2aaffc d!8m2!3d-16.3472766!4d-48.9221719?hl=pt-br>. d!8m2!3d-16.3472766!4d-48.9221719?hl= Acesso em: 29 jun. 2016 pt-br>. Acesso em: 29 jun. 2016. Tabela 1 Ficha Toponímica No próximo tópico, os hodônimos supracitados serão analisados enquanto memória histórica, ou seja, a memória de personagens e fatos da história nacional que podem ser encarados como uma forma de homenagem aos mesmos pela história de resistência e luta contra a escravidão. 3. Memória Histórica na Hodonímia 90

Personagens históricos ligados ao abolicionismo, cada um a seu modo, serviram de inspiração para a nomeação das ruas do bairro Jardim Palmares, como é o caso da Rua Castro Alves, Rua José do Patrocínio e Rua Princesa Isabel. Castro Alves foi um poeta brasileiro do período da terceira geração romântica, denominado Romantismo político-social ou Condoreirismo. De acordo com Abdala Jr. (1987, p. 75), figuraram neste agrupamento poetas preocupados com a questão político-social. Suas produções [...] tiveram a intenção de intervir no processo histórico do país uma literatura engajada, a favor da República e da Abolição da escravatura. Castro Alves era conhecido como o poeta dos escravos. A propósito, a literatura foi um importante propagador na difusão do pensamento pró- Abolicionismo, evidenciando o papel do poeta Castro Alves, como nos confirma o seguinte excerto: Também a literatura seria um veículo de importância na questão: o negro velho, o quilombola, o cativo açoitado, a bela e virtuosa escrava perseguida pelo senhor inspiram agora os romances que criam um clima de simpatia para com as figuras retratadas. E se também o teatro acolhe os dramas sociais sugeridos pelo cativeiro, o movimento de opinião que se esboçava encontraria em Castro Alves o seu maior poeta. (QUEIROZ, 1999, p. 56). Outra personalidade do mundo das letras preocupada com tal questão política foi José do Patrocínio, jornalista, escritor e abolicionista. Souza (2013) o descreve como, um dos eminentes abolicionistas e jornalistas na campanha abolicionista do século XIX, José do Patrocínio também foi escritor, com três romances publicados. Em um deles, Motta Coqueiro ou a pena de morte (SIC), escrito em 1877, Patrocínio narra, por meio da personagem Balbina, a aflição da mulher negra, rememorando assim o sofrimento de Justina do Espírito Santo, mãe do abolicionista. É nesse momento que Historiografia e Literatura se confundem e se aproximam; e mostram José do Patrocínio como um abolicionista na ficção e na vida. (SOUZA, M., 2013, p. 1. Grifo do autor). Queiroz (1999), aliás, relata que A escravidão é um roubo! era o emblema predileto de José do Patrocínio em seus ataques à escravidão. Filho de padre, dono de escravos, e de uma preta vendedora de frutas, move-o a solidariedade para com seus iguais de cor. (p. 54). Faz-se necessário, ao dar continuidade à análise das personalidades que motivaram o processo de nomeação, saber que Princesa Isabel foi à segunda filha do imperador Pedro II do Brasil. Foi quem assinou a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, decretando o fim da escravidão no Brasil. A figura da Princesa Isabel é um pouco contraditória, pois parte da historiografia afirma que a Princesa assinou a Lei Áurea devido a pressões internas e externas, e não porque partilhava dessa vontade. Aliás, A maioria dos movimentos de consciência negra prefere celebrar Palmares e Zumbi e criticar o 13 de maio e a Lei Áurea. (DIAS, 2000, p. 111). Daibert Junior, em um de seus livros, tenta remontar a figura da Princesa Isabel enquanto a Redentora dos escravos. Mas, ele confirma que, na década de 1970, ativistas negros passaram a rejeitar o 13 de maio, entendendo-o como uma data que retratava a passividade dos negros que teriam recebido a liberdade das mãos de uma 91

Princesa bondosa. Em seu lugar, invocaram o 20 de novembro, dia da morte de Zumbi, líder guerreiro do Quilombo de Palmares que simbolizava a luta negra contra a opressão da escravidão. (DAIBERT JUNIOR, 2004, p. 250). Por vez, o hodônimo Rua Chica da Silva refere-se à ex-escrava que frequentava a elite mineira durante o século XVIII. Embora ela não tenha se dedicado ao Movimento Abolicionista, não deixa de ser uma homenagem a sua denominação, uma vez que propicia um trabalho de construção da memória dos escravos do Brasil. Enquanto o hodônimo Rua da Abolição remete diretamente a Abolição da Escravatura, os hodônimos Rua Quilombos e Rua Zumbi, junto com o topônimo Jardim Palmares, fazem referência a outro fato, ao Movimento Quilombola. Baiocchi (2013) afirma que, a história brasileira registra dois movimentos sociais que se expandiram em todo o território nacional e tornaram-se permanentes. Trata-se do Movimento pela Independência do Brasil (1822) e do Movimento Quilombola, que se inicia no século XVIII, com Palmares, e somente fecha seu ciclo de lutas nas últimas décadas do século XIX, com a Abolição da Escravatura (1888). O quilombo como forma organizacional Movimento Quilombola registra-se como o mais longo fato histórico brasileiro, com duração de 258 anos: de 1630 (Palmares) a 1888 (Abolição). (BAIOCCHI, 2013, p. 42). Os termos Quilombos, Zumbi e Palmares, quando aplicados nesses hodônimos e topônimo, se convertem em símbolos da liberdade daqueles tempos. Esse processo denominativo demonstra que essa parte da história não deve ser apagada, pelo contrário, deve ser rememorada. Porque, desse modo, reafirma o pertencimento a cultura negra, além de promover traços da ascendência escravizada na memória coletiva: O Quilombo dos Palmares representou o maior e mais duradouro núcleo de resistência negra à opressão colonial. Por mais que a historiografia oficial tentasse apagá-lo da memória coletiva negra, o que se deu foi o seu renascimento como referência de luta dos afro-brasileiros na contemporaneidade. A partir da década de 1970, o movimento negro inaugura um calendário popular, empenhado em desviar o foco das atenções do dia 13 de maio para o dia 20 de novembro, data em que Zumbi foi assassinado. Esse dia será conhecido como Dia Nacional da Consciência Negra, a mais expressiva afronta às datas e heróis oficiais que se tem notícia no Brasil. Zumbi está no imaginário dos afrodescendentes. (SILVA, 2001, p. 107). Isso leva a seguinte reflexão: será que os transeuntes do bairro em questão têm conhecimento de que e de quem se tratam os hodônimos supracitados. Possivelmente sim, porém, cabe a outra pesquisa verificar in loco se a população local percebeu a intenção do responsável ou responsáveis pelo processo denominativo. Por isso, Dias (2000) elucida: para que não se perca o sentido que moveu a nomeação, é imprescindível o acompanhamento permanente de outros processos de informação e educação, como o ensino de história e as festas cívicas (PINSKY, 1988; BITTENCOURT, 1988). Se o conteúdo histórico do nome da rua não é conhecido pelo transeunte, é porque esses outros mecanismos não estão sendo eficientes. (DIAS, 2000, p. 103-104). Dando seguimento a análise, os termos Palmares e Zumbi, símbolos de resistência negra à escravidão, se referem a um mesmo líder, Zumbi dos Palmares, o que nos leva também ao termo Quilombos, vocábulo este que merece um aprofundamento teórico. 92

O termo Quilombo, embora de origem africana, próprio dos africanos bantos, foi conceituado pela primeira vez em 2 de dezembro de 1740, pelo Conselho Ultramarino, como toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles (MOURA, 1987, p. 11) Com o tempo esse conceito foi ressignificado, tornando hoje usual a sua nomeação às localidades de remanescentes quilombolas. Aliás, o Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, em seu artigo 2º, considera remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnico-raciais segundo critérios de autoatribuição, com trajetória própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra, relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. (ALMEIDA, 2010. p. 117-118). Atualmente, o termo Quilombo não faz referência apenas ao agrupamento de negros fugidos, mas se refere àqueles que querem, por um sentimento de pertencimento e de identidade, fazer parte desse grupo. Clemente e Silva (2014, p. 101) comentam em seu trabalho que a diacronia é submetida à sincronia, assim, quilombo, favela, hip-hop, grafite, periferia, entre outros elementos simbólicos se posicionam lado a lado. A pesquisa toponímica vai além do estudo etimológico e classificatório dos nomes, como vimos acima, porém, ela também se faz necessária. Portanto, segue abaixo uma tabela com os hodônimos pesquisados e suas respectivas etimologias e taxionomias. Hodônimo Etimologia Taxionomia Rua Castro Alves Castro: do latim castrum 3 : castelo, fortaleza, forte. Forma arcaica: Crasto. (GUÉRIOS, 1981, p. 88) + Alves: sobrenome português, abreviação do patronímico Álvares. < Álvares: sobrenome português, em vez de Álvarez, patronímico de Álvaro. < Álvaro, -A: étimo controverso. Segundo uns, nome masculino baseado no feminino germânico Alawara: o que tudo e completamente (al) vigia, cuida, preserva, defende (wara). Outros étimos germânicos Altwar: casa (war) velha (alt); Alfhari: guerreiro (hari) dos elfos (alf, alp) ; o que se defende de todos (alls). (GUÉRIOS, 1981, p. 54) Antropotopônimo Rua José do Patrocínio Rua Princesa José: hebraico Iosseph, Iehussef: Ele (Deus) dê aumento, ou (Deus) aumente (com outro filho). (Gênesis 30:24).( GUÉRIOS, 1981, p. 152) + Patrocínio: (do) sobrenome português de origem cristã, da expressão: Maria do Patrocínio. Pode também referir-se ao patrocínio de São José, donde o nome José do Patrocínio. (GUÉRIOS, 1981, p. 197-198) Princesa: do francês princesse. (DICIONÁRIO MICHAELIS, online, 2016) + Isabel: do hebraico Elishaba, significa, juramento de Deus, Deus é fiel ou Deus é juramento, Deus é meu Antropotopônimo Axiotopônimo 3 Todos os grifos presentes nessa seção foram realizados pelos autores citados. 93

Isabel juramento. (MORAES, 2010, p. 220) Outros fazem-no provir do hebraico Izebel: casta. (GUÉRIOS, 1981, p. 147) Rua Chica da Silva Rua da Abolição Chico, - A: hipocorístico de Francisco, por influência dos negros africanos. (GUÉRIOS, 1981, p. 91) < Francisco, -A: latim medieval, Franciscus, derivação germânica. Frank com o sufixo germânico -isk (alemão Fränkisch): frâncico, franco, francês (GUÉRIOS, 1981, p. 123) + Silva: sobrenome português silva: selva, floresta, e nome de várias plantas. (GUÉRIOS, 1981, p. 226) Abolição: [do latim abolitione] substantivo feminino 1. Ação ou efeito de abolir; extinção. (FERREIRA, 2009, p. 12) Antropotopônimo Historiotopônimo Rua Quilombo: [do quimbundo, quicongo e umbundo lumbu, muro, paliçada, donde kilumbu, recinto murado, campo de guerra, Sociotopônimo Quilombos povoação ou do umbundo kilombo, associação guerreiro ] (FERREIRA, 2009, p. 1679) Rua Zumbi Zumbi: [do quimbundo nzumbi, duende ] (FERREIRA, 2009, p. 2097) Mitotopônimo/ Antropotopônimo Tabela 2. Etimologia e Taxionomia Toponímica dos Hodônimos A classificação utilizada nessa pesquisa foi baseada na proposta da pesquisadora Dick (1990b). A Taxionomia Toponímica parte do conteúdo semântico dos nomes em junção com as motivações envolvidas no processo da nomeação. As taxes são 27 no total e são divididas em 2 grupos: o primeiro de natureza física; o segundo de natureza antropocultural. Dos sete hodônimos estudados quatro são antropotopônimos, ou seja, topônimos relativos aos nomes próprios individuais. O termo Zumbi, além de antropotopônimo, pode ser entendido como mitotopônimo, quer dizer, topônimo relativo às entidades mitológicas. Isso porque, a crença no zumbi é muito difundida entre os negros brasileiros. Na crença popular, o zumbi é um fantasma que vagueia altas horas da noite. Não deve ser confundido com Zambi, deus. O nosso zumbi, assim, seria muito semelhante ao zombie haitiano, fantasma com aparência de vida. (RAMOS, s/d, p. 361-365, 471 apud DICK, 1990b, p. 349. Grifos da autora). O hodônimo Princesa Isabel não é categorizado como um antropotopônimo, embora se refira a um nome, isso porque se deve considerar o título que precede certo nome. Uma vez que, os axiotopônimos são os topônimos relativos aos títulos e dignidades de que se fazem acompanhar os nomes próprios individuais. (DICK, 1990b, p. 32). O hodônimo Abolição é um topônimo relativo a um movimento de cunho histórico-social, o Movimento Abolicionista, portanto, é um historiotopônimo. Já o hodônimo Quilombos é classificado como um sociotopônimo, por esse ser um topônimo relativo ao ponto de encontro dos membros de uma comunidade. 94

Concluímos neste tópico, que, sendo reflexo de uma memória histórica ou de uma memória recente, o fato é que os Movimentos Quilombola e Abolicionista foram resgatados na hodonímia desse bairro; o que pode ser encarado como algo positivo, devido a constante discriminação vivida pelos negros no Brasil. 4. Considerações finais Em síntese, esse batismo trata-se de uma vontade de recuperação da história, é uma forma de preservar a memória dessas lutas. O valor semântico atribuído a essas nomeações na contemporaneidade, ou seja, século XX, lembrando que o bairro foi fundado em 1981, permite que essa parte da história nacional persista, de algum modo, na memória coletiva. A hodonímia estudada buscou o significado histórico, e não só linguístico, dos nomes. Podemos dizer que a memória se inscreve, através desses nomes, no espaço e, assim, se tornam históricos, já que guardam a memória de fatos ou de pessoas ligados à história nacional. Os negros e sua história de luta são, por vezes, recorrentemente submetidos ao apagamento e à invisibilidade. Entretanto, é a possibilidade do contrário que se averigua e observa a partir da pesquisa sobre a hodonímia do bairro Jardim Palmares. O período escravocrata, o desejo de liberdade, as personagens históricas e algumas das figuras mais proeminentes dos Movimentos Quilombola e Abolicionista foram, de fato, homenageados; e são atitudes como estas que costumam surgir, intencionalmente ou não, importantes lugares de memória (NORA, 1993). Os lugares de memória podem ser compreendidos como a forma extrema onde subsiste uma consciência comemorativa numa história que a chama, por que ela a ignora (NORA, 1993, p. 12), ou seja, é o passado, que ainda é presente, sobre o qual pouco se conhece e menos ainda se deseja falar ou lembrar. Assim, os museus, os monumentos, as festas etc. e por que não, o bairro Jardim dos Palmares, são lugares que reforçam a necessidade de olhar para o passado a fim de melhor compreender o presente. Fundamentais para que haja efetivamente o conhecimento da história do nosso passado escravocrata, mais que uma homenagem, os hodônimos do Jardim Palmares realizam o importante papel de elucidar personagens e fatos da memória histórica que são imprescindíveis no processo de reconhecimento da história e da resistência dos povos africanos, escravizados por um período de longuíssima duração no Brasil; assim como a luta de seus descendentes, que perdura no presente e que ainda carece de lugares de memória que, efetivamente, contribuam para a realocação social, política e cultural dos brasileiros de origem africana na sociedade nacional; estes, de diferentes maneiras, ainda são alvos de preconceitos e injustiças neste país tão diversificado étnico e culturalmente. 95

5. Referências ABDALA JR., Benjamin. CAMPELLI, Samira Youssef. Tempos da literatura brasileira. São Paulo: Ática, 1987. ALMEIDA, Maria Geralda de. Dilemas territoriais e identitários em sítios patrimonalizados: os Kalunga de Goiás. In: PELÁ, Márcia; CASTILHO, Denis (Orgs). Cerrados: perspectivas e olhares. Goiana: Editora Vieira, 2010, p. 113-129. ANÁPOLIS. Contrato de Sociedade por quotas ou de responsabilidade limitada, de 28 de março de 1980. In: Mapoteca de Anápolis, 2016. ANÁPOLIS. Lei complementar nº 218, de 28 de dezembro de 2009. Disponível em: <http://anapolis.go.gov.br/leis/leis_pdf/21828122009.pdf>. Acesso: 29 de maio de 2016. ANÁPOLIS. Processo n. 2.531, de 27 de julho de 1981. Aprovação do loteamento Jardim Palmares. In: Mapoteca de Anápolis, 2016. ARAÚJO. Cláudia Medeiros de. História, Memória e a Toponímia Feminina da Cidade de Caicó/ RN. História, imagem e narrativas, n. 19, out. 2014. Disponível em: <http://www.historiaimagem.com.br/edicao19outubro2014/toponimia-claudia.pdf> Acesso em: 18 jul. 2016. BAIOCCHI, Mari de Nasaré. Kalunga: povo da terra. 3 ed. Goiânia: Editora UFG, 2013. CLEMENTE, Claudelir Correa; SILVA, José Carlos Gomes da. Dos quilombos à periferia: Reflexões sobre territorialidades e sociabilidades negras urbanas na contemporaneidade. Crítica e Sociedade: revista de cultura política. v. 4, n.1, Dossiê: Relações Raciais e Diversidade Cultural, jul. 2014. DAIBERT JUNIOR, Robert. Isabel, a Redentora dos Escravos: uma história da Princesa entre olhares negros e brancos (1846-1988). Bauru: EDUSC, 2004. DIAS, Reginaldo Benedito. A história além das placas: Os nomes de ruas de Maringá (PR) e a Memória Histórica. Hist. Ensino, Londrina, v. 6, p. 103-120, out. 2000. DICIONÁRIO MICHAELIS, online, Editora Melhoramentos, 2016. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/>. Acesso em: 18 jul. 2016. DICK, Maria Vicentina de Paula do Amaral. A motivação toponímica e a realidade brasileira. São Paulo: Edições Arquivo do Estado, 1990a., Maria Vicentina de Paula do Amaral. Toponímia e antroponímia no Brasil. Coletânea de Estudos. 2. ed. São Paulo: FFLCH/USP, 1990b. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Coordenador: Marina Baird Ferreira, Margarida dos Anjos. 4 ed. Curitiba: Editora Positivo, 2009. GUÉRIOS, Rosário Farâni Mansur. Dicionário etimológico de nomes e sobrenomes. 3 ed. São Paulo: Ave Maria Ltda, 1981. HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução: Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2006. MATA, Sérgio da. O desencantamento da toponímia. In: Zeny Rosendahl; Roberto Lobato Corrêa. (Org.). Geografia: temas sobre cultura e espaço. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2005. p. 115-140. MORAES, Elias Soares. Dicionário etimológico de nomes bíblicos. São Paulo: Beit Shalom, 2010. MOURA, Clóvis. Quilombos: resistência ao escravismo. São Paulo: Ática, 1987. 96

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ANEXOS ANEXO A - Mapa do bairro Jardim Palmares extraído da Mapoteca da Prefeitura de Anápolis. ANEXO B - ANÁPOLIS. Processo n. 2.531, de 27 de julho de 1981. Aprovação do loteamento Jardim Palmares. In: Mapoteca de Anápolis, 2016. ANEXO C Loteamento Jardim Palmares. Resumo Geral. In: Mapoteca de Anápolis, 2016. ANEXO D - ANÁPOLIS. Contrato de Sociedade por quotas ou de responsabilidade limitada, de 28 de março de 1980. In: Mapoteca de Anápolis, 2016. 98

ANEXO A 99

ANEXO B 100

ANEXO C 101

ANEXO D 102

103