IMPROVISAÇÃO, CONTRABAIXO ACÚSTICO E MÚSICA POPULAR BRASILEIRA INSTRUMENTAL: REFLEXÕES ATRAVÉS DA REVISÃO DE LITERATURA

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Transcrição:

702 IMPROVISAÇÃO, CONTRABAIXO ACÚSTICO E MÚSICA POPULAR BRASILEIRA INSTRUMENTAL: REFLEXÕES ATRAVÉS DA REVISÃO DE LITERATURA Bruno Rejan Silva Universidade Federal de Goiás UFG Mestrado em Música Bolsista do REUNI SIMPOM: Subárea de Teoria e Prática da Execução Musical Resumo Este presente artigo é parte da minha pesquisa de mestrado (revisão de literatura) que visa demonstrar algumas características sugestivas de brasilidade na improvisação ao contrabaixo. Este artigo reflete através da comparação, concordância e discordância das idéias de diferentes autores, temas que delineiam a minha pesquisa de mestrado: improvisação, contrabaixo e Música Popular Brasileira Instrumental. Apesar de improvisação conotar uma situação espontânea e sem prévia preparação, alguns autores como Haro (2006), Borém e Santos (2003), Nettl (2010) e Visconti (2005) afirmam que é resultado de preparação e pesquisa de uma dada linguagem estilística: ritmos, melodias e progressões harmônicas específicas, bem como as articulações e dinâmicas. A improvisação é conteúdo essencial da Música Popular Brasileira Instrumental (MPBI), e é principalmente através dela que observa-se relações de hibridismo, globalização e identidade cultural, como propõem Piedade (2005) e Cirino (2009). No contexto da improvisação na MPBI, o contrabaixo se destaca como um instrumento que apresenta diversas opções técnicas e tímbricas para para uma performance como uso de pizzicato, uso do arco e uso de técnicas expandidas (uso do instrumento como percussão, por exemplo). Dessa maneira, partindo dessas reflexões, espera-se integralizar esses três temas para que, posteriormente possam surgir novas elucidações, com enfoque na performance do contrabaixo. Palavras-chave: Música Popular Brasileira Instrumental; performance musical; improvisação; contrabaixo acústico. 1. Introdução A improvisação é um tema que obteve bastante atenção em pesquisas recentes (BORÉM, 2003; Visconti, 2005; PIEDADE, 2005; VALENTE, 2008 e CIRINO, 2009). Em diferentes contextos, observou-se enfoques complementares sobre este assunto, que é conceituado como ato de improvisar, aquilo que se improvisa, execução e criação realizadas sem prévia preparação (MINIDICIONÁRIO LAROUSSE DA LÍNGUA PORTUGUESA, 2009, p. 439). Na improvisação musical esse conceito apresenta algumas adaptações que serão apontadas posteriormente.

703 Apesar de a discussão sobre contrabaixo acústico, suas possibilidades técnicas e seus recursos idiomáticos serem temas bastante discutidos por Ray, Borém, Negreiros, as publicações sobre contrabaixo no contexto da música popular ainda são escassas e recentes. Para este trabalho foram escolhidos trabalhos que abordassem esse contexto. Pode-se destacar, dentre poucos encontrados Borém e Santos (2003) e, Assis (2010). As discussões sobre Música Popular Brasileira Instrumental ou mesmo a Música Popular Brasileira são diversas e em sua maior parte, revelam aspectos sociais, de formação de povo e identidade de nação. Aquelas que relacionam tais aspectos aos musicais foram destacados neste trabalho, afim de direcionar este trabalho para a compreensão dos elementos musicais que estabelecem conexão. Este trabalho foi realizado através de consultas em livros, periódicos, anais, dicionários, websites, cds e dissertações. Espera-se associar estes três temas para que num momento futuro esta pesquisa possa ter continuidade, com enfoque na performance do contrabaixo acústico na MPBI, especificamente na performance de improvisação. 2. Improvisação e contrabaixo acústico Nettl (2010) afirma que a improvisação é um estado não finalizado da composição. Tal idéia permite relacionar composição e improvisação como partes uma da outra ou em alguns casos, como sinônimos. Borém e Santos (2003) corroboram esta idéia apontando que a estruturação prévia dos improvisos através do conhecimento da linguagem, das estruturas rítmicas e dos acordes é eficaz para a performance deste discurso aparentemente aleatório. O violinista de jazz Joe Venuti é um exemplo claro de que a composição dos improvisos é uma prática comum entre os improvisadores. Haro (2006) também corrobora com este assunto, demonstrando que ao elencar recursos úteis para a improvisação (grupos melódico-rítmicos, arpejos, escalas) o improvisador reduz a quantidade de decisões que precisam ser tomadas ao longo da performance. Neste caso pode-se afirmar que não é pre-requisito para o performer ter espontaneidade plena nos improvisos, mas é necessário que a criatividade, sensibilidade e outros termos subjetivos aliem-se à um trabalho pragmático e metódico de compreender ao menos a linguagem musical, a estrutura harmônica, a estrutura rítmica e as escalas necessárias para uma improvisação satisfatória. Os metódos de improvisação no jazz confirmam a idéia de que a improvisação é resultado de estudo e preparação. Autores como Baker (1985) e Aebersold (1992) apresentam métodos sequenciais de estudo: demonstração das escalas empregadas em diferentes situações harmônicas e exercícicios com frases musicais, utilizando play-a-longs com bateria, piano e contrabaixo para criar um ambiente

704 sonoro do jazz enquanto o improvisador executa os exercícios. Outros ainda, trazem transcrições de improvisos de grandes músicos como Charlie Parker (AEBERSOLD; SLONE, 1981). Apesar de serem práticos, métodos como esses facilitam a compreensão inicial da linguagem do jazz e a tornam acessíveis independente da distância do país de origem (EUA). Ainda são poucos os métodos que se destinam a fazer o mesmo com outras linguagens, como a música brasileira, música cubana, música africana e outras. Por outro lado, a pesquisa acadêmica no Brasil tem aumentado sua atenção para a improvisação brasileira. Visconti (2005) discute traços de brasilidade na improvisação de Heraldo do Monte, apresentando estruturas rítmicas utilizadas em estilos brasileiros como samba, baião e maracatu e, aponta algumas escalas utilizadas, como a dórica (escala muito utilizada nas melodias cantadas de baiões). As reflexões apresentadas por Visconti (2005) concordam com vários outros autores, principalmente em características estilísticas que apontam para uma improvisação idiomática. A improvisação idiomática é inerente à várias propostas, como a improvisação na Música Popular Brasileira Instrumental (MPBI), a improvisação no jazz, a improvisação no choro e outros. Ao contrário de Costa (2007), que discute a improvisação livre, partindo de quaisquer pressupostos, sem depender de nenhum deles, os autores que refletem sobre a improvisação idiomática estabelecem critérios preliminares para a preparação de uma performance. Valente (2008) utiliza a expressão improvisação idiomática para determinar a característica da improvisação no choro. A autora analisa dois improvisos de músicos importantes na linguagem do choro, Pixinguinha e KXimbinho, demonstrando aspectos do estilo improvisado. Haro (2006) também compartilha desta idéia ao apontar elementos iniciais para preparar uma performance de improvisação em música contemporânea de concerto. O autor utiliza a expressão improvisação contextualizada. O contrabaixo acústico teve e ainda tem grande representatividade na improvisação, principalmente na linguagem jazzística. Pode-se citar nomes como Ray Brown, Charles Mingus, John Patitucci, Christian McBride, Avishai Cohen, Brian Broomberg e outros. No contexto da música brasileira apresentam-se também vários nomes, como: Paulo Russo, Paulo Paulelli, Célio Barros, Luís Chaves, dentre outos. A maioria dos contrabaixistas utilizam a técnica de pizzicato para improvisação, porém há aqueles que utilizam também o arco. A utilização do arco promove novas opções técnicas e tímbricas. Sobre o arco, Assis (2010) discute seu uso em improvisação na MPBI. O autor aborda estratégias de estudo para uma performance satisfatória, observando critérios da linguagem da MPBI e, principalmente das maneiras de friccionar o arco sobre as cordas para obter um som próprio para a linguagem popular no momento da improvisação, como por exemplo usar a

705 região central do arco, com arcadas para cima e para baixo. Borém e Santos (2003) também sugerem maneiras de executar música popular com arco propondo a emulação de sons de outros instrumentos como o violão, ou mesmo da voz. O uso da técnica expandida também é um recurso utilizado por alguns contrabaixistas no momento da performance de improvisação. Um exemplo evidente é o grupo L Orchestre de Contrebasses (YOUTUBE, 2010). O contrabaixista Célio Barros também utiliza esta técnica. Ele ainda adiciona equipamentos ao contrabaixo como pregadores de roupa, criando um contrabaixo preparado (BARROS, 1999). A improvisação é um tema amplo que pode ser abordado sob a forma idiomática ou livre. Ela apresenta relação com a composição, podendo ser explorado momentos anteriores à performance, de forma que o performance se situe em relação às progressões harmônicas, ritmos, melodias, dinâmicas e articulações típicas da linguagem trabalhada. A improvisação ao contrabaixo permite a utilização de diversos recursos: pizzicato, com arco, e com técnicas expandidas. Essa diversidade possibilita ao performance não só uma execução coerente com a linguagem, mas criativa e de nível técnico elevado. 3. Música Popular Brasileira Instrumental (MPBI) O termo MPBI é usado recentemente por autores como Piedade (2005) e Cirino (2009) para dar conta do imenso espaço geográfico e estilístico que tem a música instrumental brasileira. Segundo Cirino (2009) o termo origina-se da sigla MPB, que pode ser entendida como gênero musical que abarca o mundo cancional urbano que se delineia pelo século XX. Piedade (2005) apresenta relações sociais e musicais que constituem esse tipo de linguagem musical. Segundo ele, na MPBI é possível visualizar traços da globalização e do imperialismo cultural norte-americano. Ele comenta que esses traços, essas relações, se concretizam numa fricção de musicalidades. Musicalidade é uma espécie de memória musical-cultural que os nativos compartilham, um conjunto de elementos musicais e simbólicos, profundamente imbricados, que dirige tanto a atuação quanto a audição musical de uma comunidade de pessoas. Essa fricção se dá principalmente na improvisação, em que o músico ora apresenta idéias musicais que remetem ao idioma do jazz (escalas de blues, swing feel), ora ignora essa linguagem norte-americana para dar espaço aos elementos brasileiros (melodias nordestinas, ritmos de estilos brasileiros como samba, maracatu e baião). (PIEDADE, 2005).

706 Cirino (2009) concorda com Piedade (2005), expandindo a idéia de que a formação e constituição da MPBI, além da relação com o jazz, apresenta marcas de outros estilos e países. Através de um breve panorama histórico, o autor afirma que as orquestras dos circos, das rádios e as bandas de música foram fundamentais para a consolidação desse gênero. Cirino ainda aponta que uma das marcas fundamentais da formação da MPBI é o hibridismo, em que elementos brasileiros, populares, tradicionais, estrangeiros, eruditos e modernos se articulam, desenvolvendo uma identidade nacional. Esta identidade, segundo o próprio autor é caracterizada pela forma como o músico, na performance articula os vários elementos que englobam a dita Música Popular Brasileira Instrumental. Gomes (2003) corrobora os argumentos anteriores ao demonstrar que na constituição do samba como gênero nacional brasileiro, estão presentes aspectos de hibridismo, como a mescla das culturas portuguesa e africana. Em algumas gravações de MPBI, pode-se perceber traços musicais que foram refletidos pelos autores anteriormente. No trabalho de Visconti (2005) encontra-se transcrições de improvisos do guitarrista Heraldo do Monte com características jazzísticas tais como uso de escalas simétricas nos acordes dominantes (escala de tons inteiros e escala dominante diminuta). Por outro lado, no mesmo improviso ele não utiliza a articulação tipicamente jazzística (swing feel), o guitarrista executa as semicolcheias com a exatidão real acentuando o primeiro tempo de cada compasso (2/4). Ele também utiliza staccato e notas repetidas, recursos esses que, segundo Piedade (2005) simulam as melodias cantadas de músicas populares e folclóricas brasileiras. A MPBI é formada de vários estilos tais como maracatu, frevo, baião, samba, choro, etc, porém o jazz também aparece de forma friccionada, principalmente nos improvisos. As duas musicalidades são distinguíveis, pois não se misturam. Assim a forma como é manipulada diferentes linguagens, numa espécie de jogo, determina a característica marcante da MPBI. 4. Conclusão A reflexão dos temas improvisação, contrabaixo e MPBI sugere uma nova discussão que é o tema central da minha pesquisa de mestrado: improvisação ao contrabaixo acústico na MPBI. Através das reflexões anteriores pode-se aferir que a improvisação na MPBI é idiomática, pois abrange uma linguagem específica. Essa linguagem porém é pluralista e tem estreitas relações com o jazz. Para executar uma performance de improvisação neste gênero é necessário compreender a linguagem do jazz e a linguagem de estilos brasileiros como baião, frevo, maracatu, samba, choro, etc. Deve-se pesquisar através de cds, vídeos e referências textuais, aspectos que caracterizem cada

707 um desses estilos, bem como do jazz, para que possa desenvolver o jogo de aproximação usando elementos como swing feel e distanciamento usando melodias da canções populares e ritmos de estilos brasileiros do jazz. O contrabaixo, por ser um instrumento versátil em técnicas e sonoridades, permitirá diferentes maneiras de explorar os elementos musicais, com texturas sonoras diferentes tornando a performance coerente e criativa. Esta pesquisa além de apontar os próximos caminhos da minha pesquisa de mestrado, vem contribuir com novas pesquisas na área de música popular, bem como na área da improvisação, que é um tema discutido na música barroca e em outros gêneros não-populares. Assim como Visconti (2005) apresentou as particularidades da improvisação à guitarra na MPBI, esse trabalho inicia a pesquisa que abordará as especifidades da improvisação ao contrabaixo na MPBI. Referências bibliográficas AEBERSOLD, Jamey. How to play and improvise Jazz. New Albany: Jamey Aebersold, 1992. ; SLONE, Ken. Charlie Parker Omnibook: For All Bass Clef Instruments. Van Nuys: Alfred Publishing Company, 1981. ASSIS, Paulo Dantas de Paiva. Improvisação ao contrabaixo acústico com uso de arco na Música Popular Brasileira Instrumental (MPBI): estratégias de estudo e performance. 2010. 62 f. Artigo (Mestrado em Música) Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Federal de Goiás, Goiás, 2010. BAKER, David. The Bebop Scales and Other Scales in Common Use. Van Nuys: Alfred Publishing Company, 1985. BORÉM, Fausto; SANTOS, Rafael dos. Práticas de performance "erudito-populares" no contrabaixo: técnicas e estilos de arco e pizzicato em três obras da MPB. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA, 14, 2003, Porto Alegre. Anais Porto Alegre: ANPPOM, 2003, p. 1-20. BARROS, Célio. Célio barros/ Fábio Freire/ Thomas Rohrer. CD PMC 003. Brasil, 1999. COSTA, Rogério Luiz Moraes. Improvisação musical livre, expressionismo abstrato e surrealismo: aproximações. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓSGRADUAÇÃO EM MÚSICA, 17, 2007, São Paulo. Anais... São Paulo: ANPPOM, 2007, p. 1-9. CIRINO, Giovanni. Narrativas Musicais: performance e experiência na música popular instrumental brasileira. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2009. GOMES, Marcelo Silva. O samba na Música Popular Instrumental Brasileira de 1978 a 1998. 2003. 121 f. Dissertação (Mestrado em Educação, Artes e História da Cultura) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2003.

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