Recensão de Os escritores e as Escrituras: retratos teológico-literários

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Transcrição:

Recensão de Os escritores e as Escrituras: retratos teológico-literários KUSCHEL, Karl-Josef. Os escritores e as Escrituras: retratos teológico-literários. Tradução Paulo Astor Soethe et al. Apresentação Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 1999. 230 p. [Indicações da obra em alemão: KUSCHEL, Karl- Josef. Vielleicht häut Gott sich einige Dichter Literarisch-theologische Porträts. Mainz: Matthias-Grünewald-Verlag, 1991.] Karl-Josef Kuschel nasceu em 1948 na Alemanha, onde atua como professor na Universidade de Tübingen. É titular das cátedras de Teologia do Diálogo Inter- Religioso e de Teologia da Cultura. A produção bibliográfica de Kuschel é ampla, mas pouco traduzida para a língua portuguesa: só alguns artigos e o livro ora recenseado. Quanto a este, pode ser considerado uma obra de referência para aqueles que estudam a interface entre teologia e literatura, ou ainda, de maneira mais abrangente, para aqueles que refletem sobre as possibilidades do diálogo entre religião e literatura. Nessa perspectiva, vale a pena registrar também outro escrito mais recente de Kuschel: Im Spiegel der Dichter: Mensch, Gott unt Jesus in der Literatur des 20. Jarhhunderts (1997), no qual o autor procura mostrar as várias representações de Jesus ao longo da literatura do século XX. Assim sendo, é oportuno sublinhar que o trabalho escolhido para recensão, embora seja uma produção menos recente do autor, apresenta várias características que o tornam de especial interesse, conforme poderá ser observado adiante. Em termos amplos, são duas as preocupações centrais do livro de Kuschel: a primeira delas é empreender uma crítica estético-literária à religião (p. 14); já a segunda é a contrapartida da primeira, isto é, levar a cabo uma crítica religiosa à estética (p. 14). Para alcançar esses objetivos, o autor passou em revista alguns dos principais expoentes da literatura alemã do século XX, especialmente Franz Kafka, Rainer Maria Rilke, Hermann Hesse e Thomas Mann. Esses escritores foram examinados minuciosamente dentro de uma perspectiva do diálogo entre religião e literatura (p. 9). Além disso, Kuschel não abriu mão de apresentar uma discussão sobre a questão teórico-metodológica envolvida nessa relação tensa e

crítica [caracterizada pelo entrecruzamento dos campos e também pela influência recíproca] como é a relação entre teologia e literatura (p. 230). E, mais do que apresentar tal interessante discussão, o autor vai eleger um método para esse tipo de estudo. Trata-se do método da analogia estrutural (p. 222). Segundo Kuschel, esse método teria como propósito alcançar uma síntese dos métodos principais utilizados até então: o método confrontativo e o método correlativo (p. 218). O primeiro deles na esteira de Sören Kierkegaard e de Karl Barth; e, o segundo no itinerário de Paulo Tillich e do Concílio Vaticano II. Assim, utilizando uma linguagem dialética hegeliana (tese, síntese e antítese), Kuschel fala da conquista de uma teopoética através de uma análise que passa por três momentos: o da negação, o da afirmação e o da superação (p. 222-223). Neste último, estaria alcançada uma qualidade nova para o diálogo envolvendo teologia e literatura (p. 223). No que diz respeito ao plano de obra adotado por Kuschel, ele vai desdobrar o seu livro em seis capítulos. O capítulo inicial é marcado pela tentativa do autor em situar o debate sobre a supracitada convivência nem sempre pacífica da experiência religiosa com a experiência estética (p. 9). Na verdade, esse debate vai permear todo o livro. E, Kuschel deixa muito claro o seu posicionamento nessa discussão: ele é um teólogo católico que se propõe a empreender um trabalho de teologia intercultural a partir da literatura. Em outras palavras, o ponto de partida dele para esse diálogo teológico com a literatura (p. 218) é a teologia cristã. Por outro lado, Kuschel não deixa de enfatizar que a sua tarefa é pensada, no âmbito de um comprometimento científico (p. 218). Os próximos quatro capítulos foram dedicados à apresentação dos autores de expressão alemã já mencionados acima: um capítulo para cada um deles. A apresentação é feita meticulosamente por Kuschel, principalmente às subdivisões desses capítulos que vão focando os aspectos principais que este encontrou nos trabalhos daqueles. Isso sem esquecer das ricas notas de rodapé e da maneira convincente que o autor relacionou vida e obra nas suas análises. Também não faltaram os comentários da crítica literária especializada nesses literatos em foco, enriquecendo e servindo de contraponto para o trabalho de Kuschel. Deste modo, o autor aborda Kafka no segundo capítulo, Rilke no terceiro capítulo, seguido por Hesse no quarto capítulo, a apreciação mais extensa, e Mann no quinto capítulo.

Em cada uma dessas análises, Kuschel procura estabelecer, primeiramente, a característica principal que permeia a obra. Tal característica é utilizada como linha mestra para o trabalho do teólogo. Na análise da obra de Kafka, ele coloca em destaque o ambiente lingüístico totalmente secularizado (p. 38) encontrado nas suas criações. A partir disso, Kuschel empreende sua busca pelo religioso observando atentamente os personagens criados pelo autor tcheco e a maneira como este narra as suas histórias. Sobre Rilke, Kuschel constata que ele está ao mesmo tempo muito próximo e muito distante do cristianismo, nas suas diversas fases literárias. Em vista disso, Kuschel procura uma identificação das diferentes apreensões religiosas de Rilke ao longo dessas fases, que são relacionadas pelo teólogo com as ricas vivências deste literato. Efetivamente, o teólogo alemão vai mostrar um processo singular de metamorfose da essência religiosa em sua obra (p. 63). No que se refere ao capítulo dedicado a Hesse, Kuschel focaliza, de início, a questão do autor ser considerado um clássico literário. Uma vez que, isso dificulta uma análise que precisa, metodologicamente, destruir esse quadro, para assim encontrar a grandiosidade verdadeira dele: na confissão de rupturas, abismos e contradições em sua vida e em sua obra (p. 129). De acordo com Kuschel, a característica mais marcante do escritor em pauta seria uma desconfiança radical sobre si e sobre os outros. Isto é, Hesse sempre procurou desmascarar tanto a si mesmo como ao outro (p. 131). Desse modo, Kuschel utilizou esse pressuposto como norte para interpretação do famoso escritor, também dividindo a vida e obra deste em fases religiosas. Todas elas vinculadas às múltiplas experiências de Hesse ao longo da vida. Por fim, no capítulo devotado a Mann, o teólogo alemão principia com uma reflexão sobre a necessidade de se estabelecer uma ética mundial diante dos problemas de âmbito global (p. 167). E tal reflexão para Kuschel não poderia prescindir de uma contribuição da literatura do século XX. Isso porque todas as grandes obras literárias dessa época contribuem para essa questão mostrando um diálogo entre cultura e religiões (p. 171). Em outras palavras, a contribuição [delas] está na tematização do ser humano (p. 171). Nesse sentido, no entender de Kuschel, os textos de Mann, um dos autores de maior estatura do século XX, pode contribuir especialmente para essa reflexão, além de revelar parte de seu

universo pessoal no que diz respeito à religião (p. 170). Em suma, é partindo dessa acentuada preocupação ética nos escritos de Mann, que Kuschel vai tentar identificar um certo tipo de religiosidade. E, como nas interpretações dos capítulos anteriores, o teólogo também divide essa religiosidade em vários estágios, que acompanham a trajetória de vida do escritor. Especificamente no que se refere ao sexto e último capítulo, ele pode ser desmembrado em duas partes. Isso para fins esquemáticos. A maior dessas partes seria composta pelas primeiras quatro subdivisões, excetuando-se a primeira, e abrangendo também a sétima e oitava. Nelas a proposta mais perceptível de Kuschel é alcançar uma espécie de resumo conclusivo dos capítulos anteriores. Contudo, não se configuram apenas simples resumos. Estes parecem ser uma crítica daquelas apreciações anteriores. Talvez, um exercício crítico na direção da síntese hegeliana apregoada por ele, na sua defesa do método da analogia estrutural (p. 222). Em suma, o teólogo alemão apresenta os elementos que parece considerar mais fundamentais nas suas análises anteriores. Isso, juntamente com novas observações a respeito dos literatos focalizados. Com certeza objetivando proporcionar melhor compreensão do pensamento dos escritores à luz do diálogo entre religião e literatura. Mas não é só isso que Kuschel quer. Essas sínteses também são pensadas para dar conta das várias temáticas teológicas que ele traz à baila nesse sucinto capitulo derradeiro. Essas temáticas são enunciadas ao longo de todo o capítulo e em cada um dos títulos das subdivisões. Em especial, no parágrafo que encerra a primeira subdivisão, na qual o autor declara as temáticas teológicas que norteiam o capítulo em foco: a crítica a Deus feita pelos poetas, a crítica à literatura feita em nome de Deus, e a tarefa da literatura e [itálico no original] da teologia de colaborar com a apreensão mais densa da realidade (p. 210). Com relação a essa primeira subdivisão, ela formaria, ao lado da quinta, da sexta e da nona subdivisões, uma segunda parte, ou segundo tipo, de subdivisão desse capítulo que encerra o livro. Nessas subdivisões, a atenção do autor está quase toda direcionada para a questão metodológica, a qual já foi apresentada, em linhas gerais, no segundo e no terceiro parágrafos desta recensão. E a esta altura, cumpre esclarecer porque foi escolhido esse formato para a apresentação do livro de Kuschel. Em primeiro

lugar, para evidenciar desde o início a singularidade desse escrito, mostrando que ele traz no seu bojo uma preocupação teórico-metodológica. Uma preocupação que não fica tão evidente antes da leitura do último capítulo. Em segundo lugar, para permitir ao leitor ou leitora da recensão pensar na possibilidade de fazer a leitura do capitulo final antes dos outros. Aliás, parece que essa alteração da ordem dos capítulos na obra de Kuschel, apresentando a mencionada discussão teórico-metodológica no capítulo inicial, poderia ser muito interessante. Inclusive para os leitores avaliarem como e até que ponto Kuschel utilizou o método que ele elegeu nas análises empreendidas no decorrer do seu proveitoso trabalho. Para encerrar esta recensão, é importante apresentar de modo simplificado os comentários conclusivos de Kuschel sobre as formas próprias de religiosidade atribuídas por ele aos escritores estudados: são formas das quais as categorias [religiosas] clássicas não conseguem dar conta (p. 215). Assim, o teólogo alemão destaca a experiência permanente de insondabilidade e estranheza da realidade humana nos escritos de Franz Kafka; ressalta o elemento religioso que sofre reiteradas metamorfoses nos trabalhos de Rainer Maria Rilke nos quais as substâncias espirituais manuseadas formam sempre novas ligas ; aponta uma síntese muito peculiar dos pensamentos oriental e ocidental, em particular, o universo espiritual ocidental e indiano, nos textos da última fase espiritual de Hermann Hesse; e, fala do caminho trilhado por Thomas Mann em busca de um novo humanismo, no qual estaria presente uma confiança na força espiritual e ética das pessoas (p. 215-216). Como se vê, o empreendimento de Kuschel pode ser de grande valia para os futuros trabalhos de pesquisadores interessados nas formas múltiplas de aproximação entre religião e literatura. Paulo Roberto Cardinelli Webler Doutorando no PPCIR-UFJF [pauloweb@uol.com.br]