AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE ÓLEO DE GIRASSOL COMERCIAL SUBMETIDO A PROCESSOS DE FRITURA S. M. SANTOS 1, T. TAHAM 1 1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro Campus Uberlândia, Departamento de Tecnologia de Alimentos E-mail para contato: thiago.taham@iftm.edu.br RESUMO O processo de fritura dos alimentos causa modificações físico-químicas nos óleos, afetando suas características sensoriais e produzindo efeitos tóxicos. Este trabalho objetivou estudar a degradação do óleo de girassol utilizado na fritura de batatas, considerando a concentração dos ácidos graxos livres, índice de peróxido e índice de refração, destacando os pontos críticos e ótimos do processo. Utilizou-se a ferramenta de planejamento experimental e superfícies de resposta; as variáveis consideradas foram a temperatura, o tempo total do processo e proporção entre batatas e o óleo. As três variáveis mostraram efeito significativo e linear na acidez (R² = 98,3 %). O valor do índice de peróxidos foi fortemente influenciado pela temperatura e, em menor proporção, pelas outras variáveis (R² = 98 %). O índice de refração sofreu influência linear e quadrática do tempo e da temperatura e apenas linear da proporção batatas/óleo (R² = 97,2 %). Estes resultados indicam que processos de fritura conduzidos em temperaturas mais amenas podem aumentar a vida útil do óleo, cujas características influenciam diretamente na qualidade do produto final. 1. INTRODUÇÃO O consumo de alimentos fritos e pré-fritos aumentou nos últimos anos, provocando uma maior ingestão de óleos e gorduras após terem sido submetidos a elevadas temperaturas em processo de fritura. Constata-se que este fato tem sido influenciado por razões sociais, econômicas e técnicas, pois as pessoas dispõem de menos tempo para preparação de seus alimentos e, assim, o processo de fritura fornece uma alternativa de sua preparação rápida ao mesmo tempo conferindo aos alimentos fritos características sensoriais agradáveis. O processo de fritura é, geralmente, realizado em recipientes abertos, à temperatura elevada (180 200 C), em contato direto com o ar. Estas condições provocam modificações físico-químicas nos óleos (termo-oxidação, rancificação, hidrólise), algumas das quais são visíveis como o escurecimento, aumento da viscosidade, formação de espuma e fumaça. Essas transformações afetam as características sensoriais do óleo em uso e influenciam na aceitabilidade do produto frito, além de produzirem efeitos tóxicos como irritação gastrointestinal, inibição de enzimas, destruição de
vitaminas e carcinogênese, quando da ingestão contínua e prolongada de produtos rancificados. Além disso, há evidências de que animais de laboratório, alimentados com óleos exaustivamente processados em fritura, podem apresentar alterações metabólicas que resultam na perda de peso, supressão do crescimento e aumento da taxa de colesterol no fígado (Stevenson et al., 1984). Durante o aquecimento do óleo no processo de fritura, uma complexa série de reações produz numerosos compostos de degradação. Com o decorrer das reações, as qualidades funcionais, sensoriais e nutricionais se modificam (Faria e Ionashiro, 2002). Quando o alimento é submerso no óleo quente em presença de ar, o óleo é exposto a três agentes que causam mudanças em sua estrutura: a água, proveniente do próprio alimento e que leva a alterações hidrolíticas; o oxigênio que entra em contato com o óleo e a partir de sua superfície leva a alterações oxidativas e, finalmente, a temperatura em que o processo ocorre, resultando em alterações térmicas, como isomerização (formação de ácidos graxos trans) e reações de cisão (aldeídos e cetonas), formando diversos produtos de degradação, como epóxidos e hidroperóxidos (Moretto e Fett, 1998). A estabilidade térmica dos óleos depende de sua estrutura química: óleos com ácidos graxos saturados são mais estáveis do que os insaturados. Como os óleos com ácidos graxos insaturados são muito utilizados na culinária e na indústria, tem-se exigido de pesquisadores e técnicos especializados, novos métodos analíticos capazes de avaliar as condições de processamento e estocagem. Segundo a German Society for Fat Research (DGF), o óleo de fritura é considerado deteriorado se a acidez estiver acima de 1%, conforme proposto por Lima e Gonçalves (1995). As formas de se determinar quando um óleo chegou ao ponto de descarte não são simples. Muitos alimentos diferentes são fritos em diferentes tipos de óleo, em diversos tipos de recipientes, em tempos prolongados e condições de operação muito distintas. A combinação de todas estas variáveis é que determina a taxa em que as reações de degradação ocorrem e, portanto, um método específico pode ser bom para avaliar em determinado sistema e não ser aplicável a outros (Stevenson et al., 1984). Portanto, é necessário dispor de métodos de controle para avaliar a alteração produzida, assim como, buscar critérios objetivos para definir quando os óleos devem ser descartados, sendo o presente trabalho mais uma ferramenta para o controle e medição de qualidade de óleos. 2. METODOLOGIA O material utilizado (óleo vegetal de girassol e batatas inglesas) foi adquirido em mercado local, na cidade de Uberlândia - MG. Todo o óleo vegetal adquirido foi homogeneizado em uma bombona de polipropileno para evitar diferenças de lote. 2.1. Planejamento Experimental Para avaliar o efeito das variáveis nas respostas foi executado um planejamento experimental 2³, totalizando 17 experimentos (3 pontos centrais). As variáveis independentes foram a temperatura X 1, que variou de 100 a 200 C; o tempo de fritura X 2, que variou de 1,25 a 12,75 h; e a proporção entre batata/óleo X 3, que variou de 0 a 0,5. As respostas de interesse foram a acidez (Y 1 ), o índice de peróxido (Y 2 ) e o índice de refração (Y 3 ). A Tabela 1 resume as condições experimentais utilizadas.
Tabela 1- Planejamento Experimental Executado Ensaios X 1 X 2 X 3 T ( C) t (h) Proporção 1-1 -1-1 120 4 0,1 2 +1-1 -1 180 4 0,1 3-1 +1-1 120 10 0,1 4 +1 +1-1 180 10 0,1 5-1 -1 +1 120 4 0,4 6 +1-1 +1 180 4 0,4 7-1 +1 +1 120 10 0,4 8 +1 +1 +1 180 10 0,4 9 α 0 0 100 7 0,25 10 +α 0 0 200 7 0,25 11 0 α 0 150 1,25 0,25 12 0 +α 0 150 12,75 0,25 13 0 0 α 150 7 0 14 0 0 +α 150 7 0,5 15 0 0 0 150 7 0,25 16 0 0 0 150 7 0,25 17 0 0 0 150 7 0,25 A confiabilidade das respostas foi aferida pelos resultados da repetição dos experimentos no ponto central, pela comparação entre os resultados obtidos para as variáveis dependentes e pelo valor do coeficiente de regressão (R²). Os experimentos foram conduzidos em dias distintos e fora da ordem acima descrita, para não causar interferência na análise dos resultados e, principalmente, para mesclar os pontos centrais no meio do delineamento experimental. As variáveis e as respostas obtidas foram inseridas no software STATISTICA para estimativa dos efeitos, quadro de análise de variância, e construção das superfícies de respostas, em que apenas os efeitos significativos foram considerados.
As frituras foram conduzidas em fritadeira elétrica comercial de 5 litros com controle de temperatura, respeitando a tabela do planejamento experimental apresentada na Tabela 1. Sempre, ao início do experimento, foi coletada uma amostra do óleo para análises e verificação da qualidade inicial em termos de sua acidez, índice de peróxido e índice de refração. Durante a condução dos experimentos, a temperatura também foi aferida com termômetro manual para evitar erros de calibração do display digital da fritadeira elétrica. Ao final do experimento, amostras do óleo foram recolhidas em tubo de ensaio com tampa, devidamente identificados e armazenados no escuro sob refrigeração até a realização das análises. 2.2. Análises As análises foram realizadas tanto nas batatas quanto no óleo pré e pós-fritura. Nas batatas foi realizada análise de umidade segundo método de estufa a 105 C por 24h - método Ca 2c-5 da AOCS (1998) somente para garantir que a matéria-prima contivesse teor aproximado de umidade, não interferindo, assim, nas respostas. No óleo, foram realizadas as análises de acidez, índice de refração e peróxido. A concentração dos ácidos graxos livres foi determinada por titulação com hidróxido de sódio (NaOH) pelo método a frio 2201 da IUPAC (1979). A medição dos compostos de oxidação se deu por meio do método oficial Cd8-53 (American Oil Chemists' Society - AOCS, 1990). Este método determina todas as substâncias, em termos de miliequivalentes (meq) de peróxido por 1000 g de amostra que oxidam o iodeto de potássio nas condições do teste. Estas substâncias são geralmente consideradas como peróxidos ou outros produtos similares resultantes da oxidação da gordura. A medição do índice de refração das amostras se deu por meio do método oficial Cc7-25 (AOCS, 1990). Está relacionado com o grau de saturação das ligações, mas é afetado por outros fatores tais como: teor de ácidos graxos livres, oxidação e tratamento térmico, sendo um bom indicativo de degradação. A leitura foi feita em refratômetro utilizando como diluente o solvente éter de petróleo. 3. RESULTADOS As respostas experimentais estão apresentadas na Tabela 2. É possível observar que os mais altos valores encontrados para a resposta acidez (> 2 %) e para o índice de peróxidos (> 20 meq/kg) ocorreram nos experimentos 8 e 10. No experimento 8 pode ser observada uma combinação de altos valores (nível codificado + 1) nas 3 variáveis independentes, situação bastante não ideal para um processo de fritura. No experimento 10 houve a aplicação da mais alta temperatura de todo o planejamento experimental, o que mostra que esta variável apresenta uma forte interferência nas duas respostas acima mencionadas. Vários valores do índice de peróxidos apresentaram-se fora das margens permitidas pelas normas que regulam a qualidade de óleos vegetais para consumo no Brasil (RDC 270/05 - Anvisa), que estabelece que, para os óleos de algodão, girassol e palma, o valor máximo para o índice de peróxidos deve ser de 10 meq/kg. Esta variável estudada pode atuar como um parâmetro de qualidade que indica o momento de descarte do óleo, quando este alcança valores maiores do que 15 meq / kg (Monferrer e Vollalta, 1993).
Tabela 2- Resultados do Planejamento Experimental Ensaio Acidez (%) Índice de Peróxidos (meq/kg) Índice de Refração 1 0,34 8,01 1,4634 2 1,10 12,01 1,4680 3 0,75 8,00 1,4666 4 1,60 15,01 1,4790 5 0,75 8,00 1,4690 6 1,40 14,01 1,4730 7 1,16 12,01 1,4685 8 2,01 20,00 1,4850 9 0,46 7,00 1,4625 10 2,10 20,01 1,4820 11 0,71 6,00 1,4685 12 1,63 15,01 1,4750 13 0,74 10,00 1,4676 14 1,50 14,00 1,4720 15 1,23 10,54 1,4670 16 1,29 10,15 1,4690 17 1,12 10,01 1,4685 Os valores mais baixos de acidez, por sua vez, foram obtidos nos experimentos 1 e 9. No experimento 1, pode-se observar uma combinação de baixos valores (níveis codificados -1) para as 3 variáveis estudadas. No experimento 9, foi aplicada a mais baixa temperatura de todo o planejamento experimental, o que ratifica a análise anterior que indica uma forte influência desta variável nas respostas. Os valores de índice de peróxido foram menores nos experimentos 9 e 11, em que foram aplicados, respectivamente, a mais baixa temperatura (9) e o menor tempo de processo (11). Os valores de índice de refração mostraram pouca ou nenhuma variação. George e Del Ré (2007) estudaram o comportamento do índice de refração do óleo de girassol, após a fritura de hambúrgueres; os resultados foram semelhantes, com pouca variação deste parâmetro de qualidade. As variáveis e respostas experimentais foram incluídas no software STATISTICA, a fim de
avaliar os efeitos das variáveis nas respostas de interesse, conforme mostrado na Tabela 3. Tabela 3. Efeito das variáveis sobre a resposta acidez (5% significância) Acidez Ind. Peróxidos Ind. Refração Variável Codificada Efeito p-valor Efeito p-valor Efeito p-valor média 1,216 0,000 10,317 0,000 1,468 0,000 X 1 (T) 0,862 0,000 6,887 0,000 0,010 0,000 X 1 ² 0,020 0,751 2,280 0,004 0,003 0,014 X 2 (t) 0,492 0,000 4,055 0,000 0,005 0,000 X 2 ² -0,030 0,586 0,183 0,707 0,002 0,015 X 3 (prop) 0,412 0,000 2,605 0,001 0,004 0,002 X 3 ² -0,095 0,156 1,198 0,059 0,001 0,216 X 1 X 2 0,072 0,334 1,250 0,083 0,005 0,002 X 1 X 3-0,027 0,706 0,750 0,266 0,001 0,450 X 2 X 3 0,027 0,706 0,027 0,7060-0,001 0,557 A temperatura foi a variável com maior influência na acidez, seguida pelo tempo e pela proporção entre batatas e o óleo. A influência linear de todas as variáveis foi maior, indicando um caráter linear da superfície de respostas e o coeficiente de determinação (R²) foi de 98,3 %. A temperatura e o tempo de processo foram as variáveis com maior influência no índice de peróxidos, seguidos pela proporção. Neste caso, mais termos foram estatisticamente significativos, dando maior complexidade à equação ajustada, que apresentou alto coeficiente de correlação (98,0%). O Índice de refração, apesar de pouca variação, mostrou-se também mais afetado pela temperatura e tempo de processo, sendo também a interação entre estas variáveis um termo estatisticamente significativo. O coeficiente de correlação, neste caso, foi igual a 97,2%. A Figura 1 (a,b,c) mostra as superfícies de resposta de cada variável, combinada com um par de variáveis. Para a construção das curvas, foram excluídos do modelo os termos estatisticamente não significativos.
Figura 1 Superfícies de respostas para Acidez (a), Índ. de Peróoxidos (b) e Índ. de Refração (c) A Figura 1a mostra que as altas temperaturas combinadas com um grande tempo de exposição são prejudiciais para a qualidade do óleo de girassol, em termos de sua acidez. As temperaturas mais amenas, por sua vez, podem aumentar sua vida útil, ainda que este seja exposto a um maior tempo de processo. Resultados similares foram obtidos por Silvani e Taham (2013). Na Figura 1b pode ser observada a relação entre a resposta índice de peróxidos e as variáveis temperatura e proporção entre óleo e batatas. Nesta, aparece um pico de degradação na região em que se aumentam os valores das variáveis e que a temperatura afeta mais o processo de fritura do que a proporção do alimento em si. Na Figura 1c, mais uma vez se observou que a combinação entre altas temperaturas e tempos de processo prolongados pode ser muito prejudicial ao óleo utilizado para este fim, o que corrobora a análise anterior de que temperaturas mais amenas ou tempos mais curtos de processo auxiliam na manutenção da qualidade do óleo e, por consequência, do produto final.
4. CONCLUSÃO Neste trabalho foi estudada a fritura de batatas em óleo de girassol, com o foco na qualidade do óleo após o processo. As variáveis escolhidas foram a temperatura, o tempo do processo e a proporção entre óleo e batatas e as respostas analisadas foram a acidez, o índice de peróxidos e de refração após a fritura. A temperatura se mostrou a mais significativa dentre as variáveis, seguida pelo tempo e pela proporção óleo/batatas. Equações empíricas foram extraídas dos dados experimentais, mostrando bons coeficientes de ajuste. Pode-se concluir que o processo de fritura realizado em menores temperaturas, apesar de tornar o processo mais longo, contribui para aumentar a vida útil do óleo utilizado, impactando diretamente a qualidade do produto final. 5. AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de agradecer à FAPEMIG (EV/PCE/00068-16), pelo apoio financeiro dado a este trabalho. 6. REFERÊNCIAS AOCS - Official Methods and Recommended Practices of the American Oil Chemist s Society, 3 ed., Champaign, vol.1 2, 1990. BRASIL, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC 270/05. Disponível em <http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/82d8d2804a9b68849647d64600696f00/rdc _n_270.pdf?mod=ajperes> DEL RÉ, P. V.; JORGE, N. Comportamento dos óleos de girassol, soja e milho em frituras de produto cárneo empanado pré-frito congelado. Ciência e Agrotecnologia, v. 31, n.6, p. 1774-1779, 2007. FARIA, A. A.; LELES, M. I. G.; IONASHIRO, M. Estudo da Estabilidade Térmica de Óleos e Gorduras Vegetais por TG/DTG e DTA. Ecl. Quím, São Paulo, v. 27, p. 111-119, 2002. IUPAC. Standard methods for the analysis of oils, fats and derivatives, 6th ed., Part 1, sections I and II). In: PAQUOT, C., Pergamon Press, 1979. LIMA, J.R.; GONÇALVES, A.G. Avaliação analítica de óleos utilizados em processos de fritura. Bol. SBCTA, n.29, v.2, p.186-192, 1995. MONFERRER, A.; VILLALTA, J. La fritura desde un punto de vista práctico. I. Alim. Equipos y Tecnol., v. 21, n.3, p.85-90, 1993. MORETTO, E.; FETT, R. Tecnologia de Óleos e Gorduras Vegetais. São Paulo: Varela, 1998. SILVANI, V. A. C. ; TAHAM, T.. Influência de Parâmetros Operacionais na Qualidade de Óleos vegetais Submetidos a Processos de Fritura. In: SBOG 20 anos- Sociedade Brasileira de Óleos e Gorduras, 2013, Florianópolis. Anais do XX SBOG, 2013 STEVENSON, S.G.; VAISEY GENSER, M.; ESKIN, N.A.M. Quality Control in the Use of Deep Frying Oils. JAOCS, v.61, n.6, 1984.