A VIOLÊNCIA NA ESCOLA SOB O OLHAR DOS EDUCADORES ESTEVES, Michelly Rodrigues 1 - EERPUSP SCATENA, Liliana 2 - EERPUSP FERRIANI, Maria das Graças Carvalho 3 - EERPUSP Grupo de Trabalho: Violências nas Escolas Agência Financiadora: O estudo foi realizado enquanto integrante do Programa de Educação Tutorial da Universidade Federal de Alfenas (PET-UNIFAL/MG). Resumo A violência constitui um tema constante nos debates acerca dos fenômenos sociais e a sua manifestação é crescente. Embora acometa todas as faixas etárias, são as crianças e os adolescentes os que se apresentam em situação de maior vulnerabilidade, sofrendo maiores danos a sua saúde. Cientes da importância de ampliar a produção científica na área da saúde, em especial, da Enfermagem a respeito da violência escolar que acomete a infância e a adolescência, percebemos a necessidade de desenvolver um estudo, o qual fosse capaz de compreender a percepção dos educadores sobre a violência no ambiente escolar. A presente pesquisa teve como objetivo compreender por meio dos sentimentos e das experiências dos educadores do ensino médio o significado da violência na escola. Trata-se de uma pesquisa com a abordagem qualitativa, utilizando a Trajetória Fenomenológica segundo Heidegger, com o propósito de investigar de forma direta as vivências humanas e compreendê-las, sem se prender a explicações causais ou a generalizações. Os sujeitos do estudo foram 14 professores do ensino médio de Alfenas-MG. Foram seguidos os três momentos da Trajetória Fenomenológica: descrição, redução e compreensão, sendo que a saturação dos dados foi indicada a partir da repetição dos relatos. A convergência das unidades de significado originou três categorias: Fragilidade na estrutura familiar; Violência verbal; Dificuldades em lidar com a violência x soluções. A comunidade, a sociedade e as autoridades governamentais têm uma parcela de responsabilidade quanto ao desenvolvimento de crianças e de adolescentes. A solução para a violência tão presente em nosso cotidiano encontra se na integração dos setores da população com as classes profissionais, ressaltando a relevância dos 1 Doutoranda em Ciências pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP- USP), Mestre em Ciências pela EERP-USP, Departamento de Enfermagem Materno-Infantil Saúde Pública (DEMISP), São Paulo, Brasil, email: misscheelly7@yahoo.com.br. 2 Doutoranda em Ciências pela EERP-USP, Programa Interunidades de Doutoramento em Enfermagem, São Paulo, Brasil, email: lilis@usp.br. 3 Docente Titular e Chefe do DEMISP, EERP-USP, São Paulo, Brasil, email: caroline@eerp.usp.br. 4 Agradecimento a Lana Ermelinda da Silva dos Santos e Maria Betânia Tinti de Andrade, docentes da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), pela orientação e coorientação deste trabalho.
28887 educadores na detecção de casos. Palavras-chave: Adolescentes; Família; Violência escolar; Educadores. Introdução A violência tem sido um tema constante nos debates acerca dos fenômenos sociais, a sua manifestação é crescente e incide, de forma direta e indireta, nos distintos domínios da convivência social (SILVA, 2010). Embora a violência acometa todas as faixas etárias, são as crianças e os adolescentes os que se apresentam em situação de maior vulnerabilidade e que sofrem maiores repercussões que causam danos a sua saúde (SILVA, 2010). A Constituição da República Federativa do Brasil garante que, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988). O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) acrescenta que o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, das ideias e das crenças (BRASIL, 1990). A violência deve ser estudada a partir da sua percepção pelos atores sociais que a vivenciam, em contextos diferenciados. Cabe ressaltar a expressão desse fenômeno no contexto escolar, cujas discussões ganharam maior amplitude no final da década de 1980 e no início dos anos 1990 (SILVA, 2010). Por ser um problema da sociedade como um todo, a violência repercute no meio escolar, de várias maneiras e por várias razões. Dentre tais razões, é possível lembrar que, a instituição escolar traduz em si mesma, em maior ou menor grau, os processos e mecanismos históricos de exclusão social das crianças e dos jovens das classes populares. Não é de se admirar então que a instituição estranhe esses alunos, que em algumas escolas são maioria absoluta, e que esses alunos também estranhem a instituição, abrindo-se assim no interior da
28888 escola o caminho para ações predatórias internas e para a emergência de formas com características aberta ou veladamente violentas (PINO, 2007). A escola é um lugar privilegiado para refletir sobre as questões que envolvem crianças e jovens, pais e filhos, educadores e educandos, bem como as relações que se dão na sociedade. Os professores têm buscado meios para compreender os processos sociais na sala de aula e as alternativas que os auxiliem a proporcionar um clima de convivência propício ao desenvolvimento da aprendizagem (LOPES; GOMES, 2012). Dessa forma, faz-se necessário buscar cuidados apropriados, que favoreçam a recuperação física, social e psicológica da criança e do adolescente, reconhecendo a relevância de integração dos profissionais de educação e de saúde nesse processo. Realizamos revisão da literatura no mês de fevereiro de 2012, no banco de dados PubMed, buscando a produção compreendida nos últimos dez anos, utilizando as palavras chaves: teenagers, family, school violence, educators, combinadas com a palavra and. A revisão constatou cinco trabalhos. Desses, por meio da leitura dos títulos, seguida da leitura dos resumos e, finalmente, da leitura dos artigos na íntegra, foi selecionado apenas um artigo, o qual analisou as formas de violência observadas nas escolas do Líbano, sendo constatada a prevalência das violências física, verbal e emocional. Cientes da importância de ampliar a produção científica na área da saúde, em especial, da Enfermagem a respeito da violência escolar que acomete a infância e a adolescência, percebemos a necessidade de desenvolver um estudo, o qual fosse capaz de compreender a percepção dos educadores sobre a violência no ambiente escolar. Diante do exposto, esta pesquisa teve por objetivo fornecer subsídios para que os sentimentos e as experiências dos educadores fossem exteriorizados, levando à compreensão do significado da violência na escola. Trajetória metodológica Trata-se de uma pesquisa com a abordagem qualitativa, utilizando a Trajetória Fenomenológica segundo Heidegger (1993) que tem como propósito investigar de forma direta as vivências humanas e compreendê-las, sem se prender a explicações causais ou a generalizações.
28889 O estudo foi realizado na cidade de Alfenas, que abrange seis escolas estaduais de ensino médio. Os sujeitos da pesquisa foram professores das referidas escolas, identificados como: S1, S2 e assim, consecutivamente, totalizando 14 sujeitos. As entrevistas foram gravadas e os professores foram abordados com a questão norteadora: O que significa, para o Sr./Srª., a violência na escola? A Trajetória Fenomenológica é constituída de três momentos: a descrição, a redução e a compreensão. 6 Na descrição, os sujeitos expuseram suas percepções e por meio de seus discursos, o fenômeno foi se revelando. A redução visou a selecionar nos discursos o que poderia ser considerado essencial e que constituiria momentos das experiências dos sujeitos, obtendo-se as unidades de significado. No momento da compreensão, elaboramos a construção final dos resultados, com o propósito de nos apropriarmos do objeto de estudo em sua intenção total. Repetições nos relatos indicaram que o fenômeno se manifestou, sendo os significados essenciais apreendidos de forma esclarecedora, tal fato representou a saturação dos dados. Após a transcrição dos discursos, realizamos sucessivas leituras com o propósito de compreendermos a essência de cada fala, respeitando os sentimentos manifestados e as experiências descritas pelos entrevistados. Retiramos as unidades de significado e a convergência das mesmas originou três categorias: Fragilidade na estrutura familiar; Violência verbal e Dificuldades em lidar com a violência x soluções. Os princípios éticos da pesquisa com seres humanos foram atendidos de acordo com as especificações da Resolução 196/96 (BRASIL, 1996). Houve apreciação e aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alfenas, protocolo nº 23087.003711/2007-11. Análise compreensiva Fragilidade na estrutura familiar Desde o surgimento da escola como instituição social e sistema de educação formal, suas raízes encontram-se entrelaçadas às da família, numa relação que se constitui de maneira complexa e, por vezes, conflituosa (ESTEVES, 2012).
28890 A família desempenha o importante papel de atribuir limites às crianças e aos adolescentes sem, contudo, negar-lhes o direito de explorar as suas potencialidades. O afeto, a dedicação, a presença e o companheirismo são fundamentais no processo de construção humana. Até certo ponto, a imposição do adulto é necessária, a fim de se ensinar os padrões de conduta aceitos pela sociedade. Trata-se do processo de socialização, que deve ser realizado de forma prioritária pela família. Atualmente, discute-se muito a desresponsabilização da família pela educação e pela criação de seus filhos, com consequente atribuição dessa função à escola (BARBOSA; PEGORARO, 2008). Analisando a violência pela óptica dos sujeitos da pesquisa, verificamos que os mesmos mencionaram a estrutura familiar fragilizada como a principal responsável pela violência que se manifesta na escola. Os discursos também apontaram a ausência dos pais na realidade diária dos filhos, o que representa agravante no que diz respeito à formação dos valores, ao convívio familiar harmônico e à inserção social do indivíduo. Há famílias que falham em termos de suprir as necessidades dos filhos por falta de condições para tal e há casos que, mesmo dispondo de condições, não o fazem e podem ser ditas negligentes. Nas famílias negligentes, são visíveis os comportamentos que refletem a carência de cuidados voltados às crianças, aliados ao reduzido acesso à educação e à informação. A negligência e a fragilidade da estrutura familiar possibilitam tornar a criança vítima e criam problemas no ambiente escolar, aumentando a violência, constituindo uma preocupação dos profissionais da educação explicitada nos discursos. Violência verbal São inúmeros os tipos de violência, dessa forma, considerá-la apenas como agressão física constitui um grave erro. Dentre os maus tratos à criança e ao adolescente, a violência verbal pode resultar em futuros problemas de saúde mental. Os professores afirmaram a ausência de violência física na escola e o predomínio de agressões verbais, principalmente provenientes de aluno para aluno ou de aluno para professor.
28891 A visão dos educadores com relação à violência reforçou a importância da discussão dessa temática na formação do profissional de educação e demais áreas que se dedicam aos cuidados de crianças e de adolescentes. A implementação de estudos nessa área pode envolver os educadores mais profundamente na análise da violência para melhorar a compreensão de suas diferentes manifestações. A violência possui diferentes tipos e é importante conceituá-los para a prevenção e para o manejo do problema que geralmente é identificado com dificuldade. A violência verbal precisa ser considerada como um comportamento inadequado no ambiente escolar já que deste comportamento podem surgir outras formas de violência, comprometendo o ajuste social da criança ou do adolescente bem como aumentando o número e a gravidade de casos de violência. Dificuldades em lidar com a violência x soluções São muitos os fatores de risco para problemas como repetência, evasão escolar e violência. A questão dos pais que saem para trabalhar e que não se integram com a vida escolar dos filhos, bem como a questão socioeconômica em que determinados alunos não podem adquirir os mesmos bens materiais que os demais colegas, foram mencionados como dificuldades em lidar com a violência. Muitos elementos fazem a violência ser um fenômeno de difícil abordagem; a violência afeta existências pessoais e coletivas e é de responsabilidade da família juntamente com a comunidade e com as autoridades governamentais. Desse modo, também foi destacado o aumento do consumo de drogas e as imagens inadequadas transmitidas pelos meios de comunicação, tais como internet e televisão, os quais levam as crianças e os adolescentes a terem uma visão distorcida da realidade. Os profissionais devem estar preparados para identificar e atuar adequadamente diante de casos onde há suspeitas de maus-tratos, o que pode contribuir de forma significativa para a redução do problema. O setor da saúde tem no sistema de proteção à criança e ao adolescente as funçõeschave de identificar e notificar casos suspeitos; implementar serviços para diagnóstico e tratamento; interagir com agências de proteção; atender às demandas judiciais; fornecer informações aos pais sobre necessidades, cuidados e tratamento de seus filhos; identificar e
28892 prover suporte para famílias de risco para maus-tratos; desenvolver e conduzir programas de prevenção primária; providenciar treinamentos e participar de equipes multidisciplinares (FERREIRA, 2005). Embora os professores tenham reconhecido em suas falas o quanto são relevantes na detecção de problemas existentes no cotidiano dos alunos, apontaram o despreparo para lidarem com tais situações. Uma das alternativas para minimizar a situação referida pelos educadores foi a participação em congressos locais e internacionais sobre a violência para ampliar a discussão a respeito do problema nas diferentes áreas e aprofundar o debate também nos aspectos legais de proteção à criança e ao adolescente. Na formação de educadores, a participação nos eventos científicos possibilita melhores condições para que adquiram conhecimento atualizado sobre a temática. Nos discursos, os sujeitos não citaram somente as dificuldades relacionadas à violência, mas também, propuseram soluções para sua prevenção ou minimização. Interessante observar que os professores refletiram sobre a questão da violência e não foram insensíveis diante da mesma. Ficou perceptível que não é possível atribuir toda culpa à família uma vez que a comunidade, a sociedade e as autoridades governamentais têm sua parcela de responsabilidade quanto ao desenvolvimento de crianças e de adolescentes. Portanto, a solução para a violência tão arraigada em nosso cotidiano, encontra-se na integração dos setores da população e diferentes classes profissionais, ressaltando a relevância dos educadores na detecção de casos. A violência se torna invisível quando os serviços de escuta (disque-denúncia, delegacias, serviços de saúde e de assistência social, escolas, conselhos tutelares e a própria comunidade) não estão preparados para o acolhimento e o atendimento da criança e do adolescente (BRASIL, 2009). A complexidade do fenômeno traz a necessidade de integrar diferentes profissionais em programas de prevenção, detecção e acompanhamento de vítimas. Cabe ressaltar o setor de saúde, o qual assumiu, a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente, um mandato social para atuar na prevenção, diagnóstico e notificação de casos de violência. Criou-se, assim, um espaço privilegiado para a identificação, acolhimento e atendimento de crianças e
28893 de adolescentes em situação de violência, bem como a orientação às famílias (BRASIL, 2009). É fundamental a existência de uma equipe multiprofissional no ambiente escolar, composta por Assistente social, Enfermeiro e Psicólogo para o planejamento e para a implementação de programas de prevenção da violência escolar. Considerações finais A família atua de forma imprescindível na formação do indivíduo e nesse contexto a fragilidade na estrutura familiar tem se manifestado como fator primordial para a violência uma vez que os valores não estão sendo adequadamente transmitidos. Todavia, comunidade, sociedade e autoridades governamentais têm uma parcela de responsabilidade quanto ao desenvolvimento de crianças e de adolescentes, ou seja, atribuir toda culpa à família constitui um erro. A solução para a violência tão presente em nosso cotidiano encontra-se na integração dos setores da população e classes profissionais, ressaltando a relevância dos educadores na detecção de casos. A prevenção, estratégia de combate à violência, pode ser facilitada por meio da parceria família-escola. Para tanto, os profissionais necessitam de conhecimentos básicos que lhes garantam a capacidade de reconhecer e de diagnosticar situações de maustratos, sabendo como proceder em tais ocasiões. REFERÊNCIAS BARBOSA, P. Z.; PEGORARO, R. F. Violência doméstica e psicologia hospitalar: possibilidades de atuação diante da mãe que agride. Saúde e sociedade, São Paulo (SP), v. 17, n. 3, p.77-89, 2008. BRASIL. Ministério da Saúde. Impacto da violência na saúde das crianças e adolescentes. Brasília (DF): Ministério da Saúde, 2009. BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996 - sobre pesquisas envolvendo seres humanos. Informe Epidemiológico do SUS. Brasília, DF, v. 5, n. 2, p. 13-41, abr./jun. 1996. Suplemento 3. BRASIL. Lei nº 8.069, de 1990. Estatuto da criança e do adolescente. Brasília, DF, 1990.
28894 BRASIL. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. ESTEVES, M. R. Um olhar sobre a rede social no enfrentamento da violência escolar nas instituições de ensino médio de Alfenas-MG. 2012. 88f. Dissertação (Mestrado) Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2012. FERREIRA, A. L. Acompanhamento de crianças vítimas de violência: desafios para o pediatra. Jornal de pediatria, Rio de Janeiro (RJ), v. 81, n. 5, p. 173-180, 2008. Suplemento. HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante. 4.ed. Petrópolis: Vozes; 1993; v. 6. p. 51. LOPES, R. B; GOMES, C. A. Paz na sala de aula é uma condição para o sucesso escolar: que revela a literatura? Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação, Rio de Janeiro (RJ), v. 20, n.75, p. 261-282, abr./jun. 2012. MARTINS, J; BICUDO, M. A. V. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. 2. ed. São Paulo: Morais; 1994. p. 110. PINO, A. Violência, educação e sociedade: um olhar sobre o Brasil contemporâneo. Educação e sociedade, São Paulo (SP), v. 28, n. 100, p. 763-785, out. 2007. SILVA, J. O.; RISTUM, M. A. Violência escolar no contexto de privação de liberdade.psicologia: Ciência e Profissão, Brasília (DF), v. 30, n. 2, p. 232-247, 2010.