A favela e o meio ambiente na recuperação ambiental executada pelo Mutirão de Reflorestamento ( ).

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Transcrição:

A favela e o meio ambiente na recuperação ambiental executada pelo Mutirão de Reflorestamento (1986-2009). O mutirão nasce não apenas como forma de intervir na melhoria das áreas de favelas, mas também como um instrumento para o desenvolvimento da responsabilidade coletiva na perspectiva do respeito ao meio ambiente e sua interação com a cidade (FUJIWARA, 1998:4). O fragmento acima é um depoimento de Celso Junius engenheiro florestal que foi o primeiro coordenador do projeto do Mutirão de Reflorestamento feito nas favelas da cidade do RJ. Este projeto é executado pela Prefeitura, especificamente pela parte de recuperação ambiental desse órgão público, cujo principal objetivo é a recuperação ambiental da Mata Atlântica. No RJ, as moradias precárias instaladas próximas ao centro urbano, em grande maioria, são casas instaladas nos morros. Focando na geografia histórica e na configuração do espaço geográfico, podemos atender Maurício Abreu (ABREU,1987) quando ele fala que a ocupação do espaço passa pela perspectiva do ambiente físico e o desenvolvimento da cidade. Ele aplica essa tese ao RJ, analisando a formação a cidade entre o mar e a montanha, ou seja, ocasionado, no século XX, as ocupações dos morros. Essa recuperação ambiental é focada nas áreas desmatadas ao redor das favelas do RJ. Os moradores ou novos moradores vão desmatar ao redor da comunidade para expandir sua área urbana. Tendo como decorrência o desmatamento e a exposição do solo fazendo com que este se torne mais suscetível à infiltração da chuva ocasionando algumas vezes o deslocamento de blocos e de terra podendo algumas vezes fazem vítimas desse problema ambiental. As favelas 1 do RJ passaram por várias reformas urbanísticas. No governo de Lacerda teve a política de remoção de favelas que removeu a Praia do Pinto e a Catacumba e seus moradores enviados para o subúrbio. Depois veio a Constituição de 1988 que previu a não remoção das favelas consagrada pelas legislações urbanísticas, mesmo aquelas mais progressistas como é o caso do Plano Diretor do RJ, admite-se 1 Nesse trabalho as palavras favela e comunidade serão usadas como sinônimos no texto.

a possibilidade de remoção no caso de se encontrarem em unidades de conservação ambiental ou áreas de risco. O Plano Diretor da cidade do RJ (1992 Prefeito Marcelo Alencar) propôs a ideia de um programa global de integração das favelas à cidade. Este plano traz para as favelas uma nova identidade, a de bairros populares (BURGOS,1998), além da vila urbanizadora. O artigo 147 deste plano define a favela como: Área aproximadamente habitacional, caracterizada por ocupação da terra por população de baixa renda, precariedade da infraestrutura urbana e de serviços públicos, vias estreitas e de alinhamentos irregulares, lote de forma e tamanho irregular e construção não licenciada, em desconformidade com os padrões legais(burgos,1998). Esse artigo de definição e a delimitação dos perímetros destas áreas tornam-se um elemento crucial para o destino das comunidades de favelas localizadas em encostas ou em margens de corpos hídricos. Isso porque essa definição pode determinar a permanência ou remoção da favela, já que ela está fora dos padrões legais. Já no final da década de 1980, com o fim da ditadura, as políticas para as favelas tornaram-se mais democráticas e com parcerias entre moradores e Estado. Um exemplo disso é o projeto Favela Bairro, que promoveria serviços de urbanização para os moradores das comunidades, como a construção de escolas, praças, escadarias e principalmente o recolhimento de lixo que foi muito solicitado pelos moradores no início do projeto. Essa aparência de bairro é tão solicitada por causa da dualidade da natureza infecta, com seus mosquitos e doenças, com o urbano estão no cotidiano dos moradores das comunidades do RJ. Eles precisam conviver com suas casas apinhadas de gente dentro de um ambiente biológico, convivem com mosquitos, ratos, a falta d água, com lixo, esgoto inapropriado e gases contaminantes no ar. Assim vemos a história ambiental associada à história urbana e a grande complexidade da natureza urbana presente dentro dos morros cariocas. Esta perspectiva, entrelaçada está presente na vida dos moradores cotidianamente. Outra política recente de urbanização da cidade do RJ, incluída no projeto Favela Bairro. Foi o Projeto de Mutirão de Reflorestamento, iniciado em 1986

(SALGADO, 1998:1), que está em vigor até os dias atuais. Neste trabalho, o meu recorte temporal é de 1986 até 2009, que irá abranger os desdobramentos desse projeto no âmbito trabalhista e da produção de mudas das áreas reflorestadas dentro das comunidades onde o programa foi implantado. Desde o início dos anos 80, a cidade do RJ utilizava, na execução de obras públicas, mão de obra das comunidades carentes em regime de mutirão. O Projeto Mutirão Reflorestamento nasce do Projeto Mutirão implementado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social através do Favela Bairro. Até 1985, as obras estavam limitadas ao esgotamento sanitário, à drenagem e à construção de escadarias em favelas, porém o Mutirão de Reflorestamento se modifica e começa a se preocupar com as questões ambientais. O Mutirão de Reflorestamento (1986) é um programa onde se começa a existir cooperação entre Estado e os moradores das favelas. O projeto foi colocado em prática a partir de um requerimento para o início do projeto junto a um abaixo assinado que a Associação de Moradores irá mandar pra Prefeitura. Dessa forma ele fornece além da colaboração e uma identificação da favela como parte da sociedade criando uma identidade para a favela através do contato entre o Estado e os moradores durante a execução do projeto. Inicialmente o Mutirão, em 1986, era realizado através do trabalho voluntário que os próprios moradores de suas respectivas comunidades executavam apenas nos fins de semana a plantação de mudas nas encontas da comunidade, em áreas consideradas com risco de deslizamento e em ambientes públicos de lazer como praça. Por este trabalho ser executado de forma voluntária e essas pessoas não recebiam o treinamento adequado para tal execução de tarefa o resultado final era um baixo rendimento e baixa qualidade das plantações. Dessa forma o projeto não conseguia atingir suas metas de cobertura vegetal reflorestada por hectare nessa primeira fase do projeto (SALGADO,1998:1). Através dessa constatação que Silvia Salgado fez sobre os baixos resultados do Mutirão voluntário em novembro de 1986, o Mutirão passa a ser remunerado utilizando a mão de obra das próprias comunidades beneficiadas pelo projeto. Isso deu vantagens

na agilidade da contratação de pessoal. A proximidade do local de trabalho da moradia desses mutirantes ajuda a reduzir os custos com a logística de transporte e tempo de deslocamento e assim amplia a oferta de trabalho do programa nessas áreas favelizadas. Os técnicos da Prefeitura são responsáveis pela orientação técnica e coordenação das equipes de campo. Existiam 516 trabalhadores nas frentes de implantação do projeto, 338 trabalhadores nas frentes de manutenção tendo um total de 854 trabalhadores no ano de 2000 (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE,2015) e esse número se apresentou estável até 2009. Esse trabalhador (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE,2015) não cria vínculos empregatícios com a Prefeitura do RJ por causa do caráter temporário do trabalho proposto pelo Mutirão. Junius (JUNIUS,2000) explica que projeto foi desenvolvido em caráter de mutirão em virtude disso não dá direitos trabalhistas. Porque o reflorestamento da comunidade é realizado em benefício do próprio morador e por isso ele não necessita da carteira assinada, já que ele mesmo é beneficiado pelo projeto. Podemos analisar que dentro dessa ótica do conceito de mutirão, Junius defende que o morador não tem direito a nenhum direito trabalhista mesmo trabalhando para um órgão público como a Prefeitura, já que ele está se beneficiando indiretamente com o reflorestamento. E dentro desse conceito, o Projeto Mutirão de Reflorestamento vai beneficiar só a prefeitura que vai conseguir reflorestar as comunidades e irá economizar com os mutirantes por eles serem contratados não tendo acesso aos seus benefícios trabalhistas porque não tem a carteira assinada e trabalham por contrato. Fany Davidovich (DAVIDOVICH,2000) faz uma crítica, com a qual concordamos, a esse caráter não empregatício que existe entre prefeitura e mutirante dentro do projeto. Segundo ela essa jornada de trabalho é penosa e quase sempre associada a atividades informais como a de biscate 2 resultando em um grande desgaste físico feito pelo mutirante, sem que este usufrua de benefícios empregatícios como FGTS, 13º salário. 2 Biscate é a pessoa que trabalha em bicos.

Além disso, segundo a autora, uma pessoa ter carteira assinada dentro da comunidade significa um status diferenciado, pois a maioria dos moradores de comunidade vivem através de bicos 3 ou do trabalho informal 4. Isso é o resultado da falta de um grau de instrução pedido e muitas das vezes exigido pelo mercado de trabalho dos grandes centros onde se localizam a maioria dessas comunidades. Uma consequência do mutirão não ter vínculo empregatício é que leva o mutirante a seu trabalho como mais um bico dento da favela, mesmo ele trabalhando para uma instituição pública. O público alvo para o recrutamento nesse projeto é uma mão de obra em uma faixa etária da população economicamente ativa que está desempregada, principalmente do setor da construção civil. Também há trabalhadores aposentados, que querem complementar a sua renda, e alguns jovens de família de baixa renda que veem no curso de Programa de Treinamento em Produção de Mudas uma oportunidade de especialização e inserção no mercado de trabalho ou complementação de renda. 3 Bicos é uma atividade temporária que a pessoa que trabalha não tem benefício trabalhista nenhum e também não se estabelece nenhum contrato escrito para essa atividade, porque a pessoa trabalha e recebe por seu trabalho logo em seguida a conclusão do trabalho. 4 O trabalho informal é um trabalho sem vínculos registrados na carteira de trabalho ou documentação equivalente, sendo geralmente sem benefícios como remuneração fixa e férias pagas.

Figura 2: Mutirantes do Morro da Formiga 5 A partir de 1995 o mutirão adotou um sistema de pagamento baseado na produtividade do trabalhador com o objetivo final de aumentar tanto o desempenho das equipes de campo como as áreas reflorestadas nos morros cariocas. Com esse novo sistema criou-se o salário básico, que tem como principal pilar o salário médio dos operários da construção civil, base de 194 horas trabalhadas por mês. Nesse novo sistema (JUNIUS,2000), o salário básico é multiplicado pelo Fator Produtividade (FP), como a fórmula abaixo representa, e esse cálculo é valor da remuneração (VR) dada ao mutirante dependendo da função que ele exerça dentro do programa. VR = SB FP Já o Fator Produtividade (FP) apresentado na fórmula acima é calculado em função do somatório dos rendimentos tidos pela equipe e o rendimento mínimo esperado para cada operação realizada em campo. E o somatório dos Resultados Obtidos ( RO) é dividido pelo somatório dos Resultados Médios Esperados ( RME) derivando o Fator de Produtividade (FP). FP = RO / RME O resultado máximo do Fator de Produtividade (FP) (JUNIUS,2000) é no máximo 2, porém o resultado de uma equipe pode ser um valor inferior a 1 e essa equipe será considerada pouco produtiva e com isso o valor da remuneração pode ser menor do que o salário básico. 5 Fonte: imagem retirada do site do Governo do Rio de Janeiro no dia 07 de Dezembro de 2015. http://www.upprj.com/index.php/acontece/acontece-selecionado/programa-de-reflorestamentoequilibra-paisagem-do-morro-da-formiga/formiga

Portanto o salário básico pode ser reduzido. Isso significa que não existe valor mínimo, o trabalhador precisa manter um fator de produtividade na média para ganhar, pelo menos, o salário básico. Esse cálculo da produção das equipes de campo é medido mensalmente pelos engenheiros responsáveis em relação às áreas reflorestadas. A tabela abaixo mede os Rendimentos Mínimos esperados em relação Homem/Hora e em relação Homem/Hora por Hectare (JUNIUS,2000) para cada operação na fase de implantação nos mostra a média do valor da remuneração recebida por cada mutirante dependendo da função a qual exerce dentro do projeto. Assim, quanto maior o cargo e a proximidade com os técnicos da prefeitura, mais altos será o cargo e, consequentemente o salário desse trabalhador. O Salário Médio (SM) é de 136 reais por mês dos operários do mutirão. FUNÇÃO SALÁRIO BÁSICO SALÁRIO BÁSICO VALOR/hora MENSAL - em sal. mín. MENSAL (194 horas 6 ) trabalhada (SM) R$ R$ Encarregado 3,4 SM 462,40 2,38 Oficial 2,2 SM 299,20 1,54 ½ Oficial 1,55 SM 210,80 1,09 Servente 1,5 SM 204,00 1,05 Vigia 1,5 SM 204,00 1,05 A partir dessa tabela podemos analisar que o trabalhador Encarregado, ele é o intermediário entre os técnicos da prefeitura e a comunidade, ganha 163,20 reais a mais que o cargo de Oficial, ele é o mutirante que fiscaliza diretamente as áreas reflorestadas, e isso convertido para Salário Médio (SM) essa média vai para um SM e 6 194 horas contatas por semana.

¼ de SM e essa diferença salarial é muito grande, já que o mutirão é uma atividade comunitária de remuneração com parceria entre Estado e comunidade. Só existe essa disparidade grande entre o cargo de encarregado e o de oficial porque o encarregado é eleito pela Associação de Moradores. Ele é a ponte entre os técnicos da prefeitura e a comunidade. Os técnicos são uma representação do poder público dentro dessas comunidades. Portanto, estes necessitam de um intermediário para que esta entrada aconteça de modo seguro para os técnicos, principalmente por causa da criminalidade. Devido a esse fator os encarregados recebem mais que os outros trabalhadores. Um risco muito grande para a equipe técnica e os trabalhadores no campo são os conflitos relacionados à criminalidade e também ameaças que eles podem sofrer por causa do crime organizado. O tráfico de drogas pode ver o mutirão como uma atividade que tira os jovens que podem entrar para o tráfico e por isso em situações extremas existe risco de vida enfrentado pelos técnicos da Prefeitura e pelos mutirantes. Em relação às áreas reflorestadas podemos ver no gráfico abaixo, de Produção Anual de Áreas Implantadas (JUNIUS,2000) do mutirão, que o Fator Produtividade (FP) implantado em 1995 faz com que nos anos seguintes, até o ano de 1998, as áreas de reflorestamento tivessem um crescimento por hectare muito maior que a média dessas áreas em relação aos anos anteriores, quando essa variável da produção não tinha sido ainda implantada.

No gráfico acima podemos analisar que, após a implantação do sistema de pagamento baseado na produtividade do trabalhador em 1995, as áreas reflorestadas dos anos seguintes até o ano de 1998 tem um crescimento muito acima da média em relação aos anos anteriores. Tal crescimento se dá em virtude desse sistema de pagamento que coloca o fator produtividade em primeiro plano em relação ao trabalhador fazendo com que o resultado seja segundo o gráfico de uma quantidade maior de área reflorestada. O resultado máximo do Fator de Produtividade (FP) é no máximo 2, porém o resultado de uma equipe pode ser um valor inferior a 1 então essa equipe será considerada pouco produtiva e com isso o valor da remuneração pode ser menor do que o salário básico. Uma forma de medir o fator de produção na prática é através do documento de Recebimento de Mudas que é dado pela prefeitura para os mutirantes que fazem a retirada das mudas da Fazenda Modelo, que é o viveiro matriz. Este documento, em conjunto com a extensão de área reflorestada, atesta o Fator de Produção (FP) do trabalhador. Portanto o salário básico pode ser reduzido fazendo com que não exista um valor mínimo resultando que esse trabalhador tenha que manter um fator de produtividade ao menos na média para ganhar, pelo menos, o salário básico. Esse cálculo da produção

das equipes de campo é medida mensalmente pelos engenheiros responsáveis em relação às áreas reflorestadas. Percebemos também que o ano de 1999 há uma queda no aumento das áreas reflorestadas. Isso se acontece porque as áreas desmatadas dentro das comunidades do RJ começam a se tornar menores. Assim o fator produtividade das equipes de campo caiu e o que aumenta é a manutenção dessas áreas reflorestadas. Um objetivo inovador do projeto Mutirão de Reflorestamento no campo do trabalho era que os mutirantes remunerados, durante ou no final do processo do reflorestamento, estejam preparados para o mercado de trabalho. Assim essas frentes de trabalho que atuam no projeto poderiam, através da parceria entre elas, a Prefeitura e a comunidade evoluir para um trabalho coorporativo (SALGADO,1998) após as comunidades serem reflorestadas. Portanto o Mutirão de Reflorestamento é um programa de atividade comunitária que estabelece uma relação de interação entre Estado e os moradores das favelas. Essa relação junto com a cobertura vegetal estabelecida nos morros vai fazer com que grande parte das pessoas vejam que o reflorestamento beneficia a própria favela a tornando um local mais seguro e também irá impedir a expansão da comunidade que é o principal objetivo do programa. Bibliografia: ABREU, Maurício de. A evolução urbana no Rio de Janeiro. RJ: IPLANRIO; Zahar,1987. BURGOS, Mario, Dos Parques Proletários ao Favela-Bairro: As políticas públicas nas favelas do Rio de Janeiro. In: ZALUAR,A e ATILIO,M. Um Século de Favelas. Rio de Janeiro. Ed Fundação Getúlio Vargas. 1ºed.1998. DAVIDOVICH, Fany, Programa favela: bairro e tendências de reestruturação da metrópole o caso do RJ In Apresentação no Congresso: VII Encontro Nacional da ANPUR na área temática Urbanização e Regionalização, 2000.

FUJIWARA, Luis Mario, ALESSIO, Neloson Luiz Nouvel and FARAH Marta Ferreira Santos (Org.), Experiências Gestão Pública e Cidadania, SP,1998(p.4). JUNIUS, Celso Ferreira Santos. RESTAURAÇÃO ECOLÓGICA ASSOCIADA AO SOCIAL NO CONTEXTO URBANO : O PROJETO MUTIRÃO REFLORESTAMENTO, Conservação e Recuperação Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro, Ed. Prefeitura do Rio de Janeiro, 2000. SALGADO, Silva. Mutirão de Reflorestamento Luis Mario Fujiwara, Neloson Luiz Nouvel Alessio e Marta Ferreira Santos Farah (Org.), Experiências Gestão Pública e Cidadania, SP,1998(p.1). MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE em conjunto com a Prefeitura do Rio de Janeiro disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/processos/2c87c7cf/seminappconamamarcel o.pdf> acesso em:07 de dezembro de 2015.