FIXAÇÃO INTRAMEDULAR NAS FRATURAS DO COLO DOS METACARPIANOS ARTIGO ORIGINAL Fixação intramedular nas fraturas do colo dos metacarpianos * JEFFERSON BRAGA SILVA 1, GUSTAVO NORA CALCAGNOTTO 2, MONIK FRIDMAN 3 RESUMO As fraturas dos metacarpianos podem ser tratadas por múltiplos métodos, incluindo redução fechada e imobilização, fios de Kirschner, fios intramedulares, fixadores externos, placas e parafusos. Os autores apresentam os resultados do tratamento da fratura do colo dos metacarpianos em 22 pacientes (24 fraturas) com a técnica de fios intramedulares. Nesta série, a maioria dos pacientes era do sexo masculino (72,7%) com idade média de 24 anos. O mecanismo do trauma mais freqüente foi o frontal com flexão máxima do dígito (tipo boxer), sendo, por esta razão, o quinto metacarpiano o mais acometido. A angulação média no plano sagital no pré-operatório foi de 50º, variando de 35º a 70º. Em 91% dos casos não foi utilizada imobilização pós-operatória, sendo a mobilidade ativa iniciada precocemente. A fixação intramedular proporcionou consolidação em todos os casos, com angulação residual média de 8º (5º-11º), permitindo também uma reabilitação precoce e retorno do paciente às suas atividades o mais breve possível. Unitermos Fratura dos metacarpianos; fixação intramedular; fios de Kirschner * Trabalho realizado no Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital São Lucas Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Clínica SOS-Mão Porto Alegre. 1. Especialista pela Sociedade Brasileira de Cirurgia da Mão e Associação Médica Brasileira; Preceptor da Residência Médica do Hospital São Lucas PUCRS e Diretor da Clínica SOS-Mão, Porto Alegre. 2. Residente do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Cristo Redentor, Porto Alegre. 3. Chefe do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital São Lucas PUCRS. Endereço para correspondência: Dr. Jefferson Braga Silva, Clínica SOS- Mão, Av. Ipiranga, 6.690, conj. 216 90610-000 Porto Alegre, RS. Tels. (51) 315-6277/320-5040, fax: (51) 320-5039, E-mail: jeffmao@zaz.com.br Recebido em 17/8/99. Aprovado para publicação em 14/3/00. Copyright RBO2000 ABSTRACT Intramedullary fixation of metacarpal neck fractures Metacarpal fractures can be treated by multiple methods, including closed reduction and splitting, Kirschnerpin fixation, intramedullary wiring, external fixation, plates and screws. The authors report the results of metacarpal fracture treatment in 22 patients (24 fractures) with the intramedullary rods technique. 16 patients were male (72.7%), and 6 female. Mean age was 24 years (range 16-45). The mechanism of injury was the boxer type in 54.5% and blunt trauma in 31.8%. In 66.6% (16 cases) the fifth metacarpal was fractured. The mean preoperative angulation on sagital plane was 50 degrees (range 35º-70º). No postoperative splitting had been used in 91% of the fractures and active motion was started early. All the fractures healed with mean residual angulation of 8 degrees (5º-11º), allowing early rehabilitation and bringing the patient back to his/her activities as soon as possible. Key words Metacarpal fractures; intramedullary fixation; Kirschner wires INTRODUÇÃO Muitas técnicas têm sido descritas no tratamento das fraturas dos metacarpianos. Em 1905, Lambotte (1) utilizou placas de alumínio com cerclagem, e, em 1937, Bosworth (2) introduziu a utilização dos fios de Kirschner. Mais recentemente, têm sido utilizadas placas, parafusos, fios intramedulares e fixadores externos neste tipo de fraturas. Utilizada há mais de três décadas, a fixação intramedular para ossos longos é um método já consagrado (3-7). Por apresentar características essenciais como estabilidade e consolidação biológica, permitindo mobilidade precoce, Foucher (8) adaptou esta técnica para os ossos da mão, em 1988. Neste trabalho os autores apresentam os resultados do tratamento cirúrgico das fraturas do colo dos metacarpia- Rev Bras Ortop _ Vol. 35, Nº 4 Abril, 2000 137
J.B. SILVA, G.N. CALCAGNOTTO & M. FRIDMAN nos com fixação intramedular realizado em 22 pacientes (24 osteossínteses). CASUÍSTICA E MÉTODOS No período de janeiro de 1994 a julho de 1998 foram tratados cirurgicamente 22 pacientes com fraturas do colo dos metacarpianos, sendo dois casos com fraturas no IV e V metacarpianos, totalizando 24 fraturas. A maioria dos pacientes era do sexo masculino (72,7%) e a idade variou de 16 a 45 anos, com média de 24,2. A mão direita foi a mais acometida (86,3%). A atividade profissional era não-manual em 54,5%, manual pesada em 31,7% e manual leve em 13,7%. Foi considerada manual leve a de estudantes, trabalhadores do comércio e de secretariado; manual pesado, a de trabalhadores da construção civil e donas de casa. Pacientes sem profissão definida e sem prática esportiva com atividade manual foram classificados em atividade não-manual. Em 86,3% dos pacientes as fraturas ocorreram na mão dominante. O V metacarpiano foi o mais acometido (66,6%), seguido pelo quarto (29,2%). O mecanismo de trauma mais freqüente foi o frontal com flexão máxima do dígito (tipo boxer) em 54,5% e o trauma direto em 31,8%. A angulação sagital média foi de 51,68º, variando de 35º a 70º. A técnica cirúrgica utilizada foi a fixação intramedular com fios de Kirschner de 0,8mm. A abordagem é realizada na base do metacarpiano e, quando no V dedo, deve-se ter TABELA 1 Série de pacientes Nome Sexo Id. Prof. Mec. Mão dom. Mão Meta Angul. Dias Fios Imob. Cons. A.B. 1 23 1 1 1 1 D5 45 02 3 2 1 J.T. 1 34 3 1 1 1 D4 43 03 2 2 1 D.P. 1 17 3 1 1 1 D4-D5 44 02 3 2 1 E.K 1 16 3 1 1 1 D5 60 05 3 2 1 W.S. 1 19 3 1 1 2 D5 50 15 3 1 1 T.I. 1 20 2 1 1 2 D5 60 03 3 2 1 S.S. 2 45 3 3 1 2 D5 40 05 3 2 1 R.L. 2 40 3 3 1 1 D4-D5 45 07 3 2 1 A.H 1 23 2 2 1 1 D4 50 08 2 2 1 N.K. 1 18 2 2 1 1 D3 65 09 3 2 1 J.T. 1 17 1 3 1 1 D4 70 10 3 1 1 E.J. 1 19 2 2 2 1 D5 55 06 3 2 1 R.L. 2 20 3 2 2 1 D5 50 01 3 2 1 Z.B. 2 21 3 2 1 1 D5 35 00 3 2 1 X.V. 1 22 3 1 1 1 D5 60 03 2 2 1 W.K. 1 30 2 1 1 1 D5 55 02 2 2 1 R.T. 2 29 2 2 1 1 D4 60 00 3 2 1 S.S. 1 19 3 1 1 1 D5 55 02 2 2 1 V.I. 1 24 2 2 1 1 D5 45 05 2 2 1 P.O. 1 19 1 1 2 1 D5 50 10 2 2 1 R.A. 1 34 3 1 1 1 D5 60 02 2 2 1 R.U. 2 23 3 1 1 1 D4 40 00 3 2 1 Fonte: Hospital São Lucas (PUCRS) e Clínica SOS-Mão Porto Alegre, RS Nome Iniciais do primeiro e último nome. Sexo 1) Masculino; 2) Feminino Id. Idade em anos Prof. 1) Manual leve; 2) Manual pesado; 3) Não manual Mec. 1) Boxer; 2) Direto; 3) Indireto Mão dom. 1) Sim; 2) Não Mão 1) Direita; 2) Esquerda Meta. D3) Terceiro metacarpiano; D4) quarto metacarpiano; D5) quinto metacarpiano Angul. Angulação em pré-operatório Dias Diferença de dias do trauma ao tratamento cirúrgico Fios Quantidade de fios intramedulares Imob. 1) Sim; 2) Não Cons. Houve consolidação radiológica 1) Sim; 2) Não 138 Rev Bras Ortop _ Vol. 35, Nº 4 Abril, 2000
FIXAÇÃO INTRAMEDULAR NAS FRATURAS DO COLO DOS METACARPIANOS Fig. 1 Curvatura dos fios Fig. 2 Disposição dos fios nos três planos do espaço (x,y,z) gessada por dez dias e a reabilitação foi iniciada logo após este período. Todos os pacientes foram avaliados quanto à consolidação clínica e radiológica, angulação sagital residual e complicações (tabela 1). Fig. 3 Caso 1: Fratura do IV e V metacarpiano cuidado especial em preservar o ramo sensitivo dorsal do nervo ulnar. Com o auxílio de um trocarte é perfurada a base do metacarpo e, após a redução da fratura, os fios são introduzidos. O foco de fratura não foi abordado cirurgicamente. Na maioria dos casos (63,4%) foram utilizados três fios de Kirschner e, no restante, dois fios, conforme a estabilidade obtida. As extremidades dos fios são encurvadas (fig. 1) para que no término se possa obter uma distribuição nos três planos do espaço (x,y,z) (fig. 2). O fio é cortado próximo ao osso. No pós-operatório a mobilização ativa digital foi iniciada precocemente e não se utilizou imobilização gessada de rotina. Os pacientes foram instruídos a evitar atividade manual pesada. Somente em dois casos foi utilizada tala RESULTADOS Em todos os casos foi obtida a consolidação das fraturas. Clinicamente, o tempo médio de consolidação foi de quatro semanas. Não houve caso de retarde de consolidação. Não houve diferença, quanto à consolidação, entre a utilização de dois ou três fios de Kirschner na estabilização da fratura (caso 1, figs. 3 e 4; caso 2, figs. 5 e 6) A angulação sagital média residual foi de 8º, com extremos de 5º a 11º (caso 3, figs. 7, 8 e 9). Não houve nenhum caso de infecção ou outra complicação pós-operatória. DISCUSSÃO O objetivo da fixação interna no tratamento das fraturas é obter alinhamento e estabilidade, propiciando mobilização ativa precoce pós-operatória. Isto se torna mais importante ainda nos casos de fraturas da mão, uma vez que suas articulações toleram muito mal a imobilização e o desuso (9). A indicação do tratamento cirúrgico depende da angulação dos fragmentos e do metacarpiano acometido. Limites aceitáveis para o tratamento não-cirúrgico são angulações menores que 40º no V metacarpiano, 30º no IV e 15º para o III e II (10). Quanto à redução incruenta, sabe-se que, quanto maior a deformidade, mais fácil é a redução, mas menor será a estabilidade. Imobilizações com flexão máxima das articulações metacarpofalângica e interfalân- Rev Bras Ortop _ Vol. 35, Nº 4 Abril, 2000 139
J.B. SILVA, G.N. CALCAGNOTTO & M. FRIDMAN Fig. 4 Caso 1: Fixação intramedular Fig. 5 Caso 2: Fratura do V metacarpiano Fig. 6 Caso 2: Fixação intramedular Fig. 7 Caso 3: Fratura V metacarpiano gica levam a complicações como lesões de pele e deformidades fixas em flexão (11). Estudos experimentais de Black et al. (12), Fyfe e Mason (13), Vanik et al. (14) e, recentemente no Brasil, com Ohara et al. (15) demonstram que as osteossínteses com placa e parafusos apresentam maior resistência e rigidez, comparados com outros métodos, mas alertam para a necessidade de acesso cirúrgico maior, maior volume de material, assim como de uma segunda intervenção para retirada da síntese. Fambrough et al. (16) e Stern et al. (17) salientam que a localização da placa sob o mecanismo extensor pode interferir com o deslizamento dos tendões e relatam casos de ruptura de tendão extensor. 140 Rev Bras Ortop _ Vol. 35, Nº 4 Abril, 2000
FIXAÇÃO INTRAMEDULAR NAS FRATURAS DO COLO DOS METACARPIANOS Fig. 9 Caso 3: Resultado com consolidação da fratura Fig. 8 Caso 3: Fixação intramedular Na fixação intramedular o foco de fratura não é abordado cirurgicamente, sendo os fios introduzidos por uma pequena incisão na base do metacarpiano. Isto permite uma consolidação biológica, diminui o risco de infecção e evita aderências tendinosas. Mais importante, entretanto, é a estabilidade obtida com esta técnica, permitindo mobilidade precoce. Nesta série não houve nenhum caso de perda da redução inicial, fato também relatado em outras séries da literatura (10,18). A imobilização pós-operatória somente foi utilizada em dois pacientes neste estudo, os quais se apresentaram para tratamento tardiamente (10 e 15 dias) com angulações de 50º e 70º. Utilizaram-se três fios de Kirschner em 86% dos casos e, no restante (oito pacientes), dois fios. Esta escolha foi determinada pela possibilidade da colocação dos três fios conforme o diâmetro do osso e pela estabilidade obtida no momento da fixação. Não houve diferença na consolidação ou angulação residual nas fraturas tratadas com dois ou três fios. Gonzales et al. (10) citam como principal desvantagem da técnica intramedular a infecção na extremidade proximal dos fios. Este fato pode ser minimizado tornando romba a extremidade do fio e cortando-o próximo à superfície do osso. Com este cuidado não foi observado nenhum caso de infecção no presente estudo. CONCLUSÃO A fixação intramedular é mais uma opção no tratamento das fraturas dos metacarpianos. Os resultados desta técnica em 22 pacientes foram satisfatórios. A consolidação foi obtida em todos os casos com boa recuperação funcional da mão, uma vez que a reabilitação pode ser iniciada precocemente. Outro fator importante foi a ausência de complicações pós-operatórias no presente estudo. Convém salientar que a técnica cirúrgica é reproduzível e o material necessário, de fácil acesso. REFERÊNCIAS 1. Lambotte A.: Chirurgie Opératoire des Fractures. Paris, Masson, 1913. 2. Bosworth D.M.: Internal spliting of fractures of the fifth metacarpal. J Bone Joint Surg [Am] 19: 826-827, 1937. 3. Pankovich A.M.: Flexible intramedullary nailing of femoral shaft fractures. Instr Course Lect 36: 324-338, 1987. 4. Hall Jr. R.F.: Flexible intramedullary nailing of long bones. Part 6: Flexible intramedullary fixation of humeral shaft fractures. Instr Course Lect 36: 349-358, 1987. 5. Epps C.H.: Fractures of shaft of the humerus in Rockwood C.A., Green D.P.: Fractures in adults. Philadelphia, J.B. Lippincott, vol. 1, 653-674, 1994. 6. Segal D.: Fracture healing of long bones in the presence of flexible intramedullary nails. Instr Course Lect 36: 307-308, 1987. 7. Dobozi W.R.: Flexible intramedullary nailing of long bones. Instr Course Lect 36: 307-308, 1987. 8. Foucher G.: L Osteosyntese des Fractures des Phalanges et des Metacarpiens. Cahiers d enseignment de la SOFCOT, conferences d enseignment, 213-231, 1988. 9. Lewis Jr. R.C., Nordyke M., Duncan K.: Expandable intra-medullary device for treatment of fractures in the hand. Clin Orthop 214: 85-92, 1987. Rev Bras Ortop _ Vol. 35, Nº 4 Abril, 2000 141
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