Insuficiência cardíaca aguda associada ao uso de anti-tnf-α em paciente com doença de Behçet

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Transcrição:

Relato de caso Insuficiência cardíaca aguda associada ao uso de anti-tnf-α em paciente com doença de Behçet Acute heart failure associated with anti-tnf-alpha therapy in patient with Behçet s disease André Arantes Pereira 1, Clarissa Lima Vilela Moreira 1, Fabiana Santa Bárbara Fernandes 1, Guilherme Grossi Lopes Cançado 1, Igor Ferreira Garcia 1, Joana Chaves Maia 1, Lara Rodrigues Félix 1, Letícia Silveira Camargos 1, Gilda Aparecida Ferreira 2 RESUMO 1 Acadêmico(a) do 10º período da Faculdade de Medicina da UFMG. 2 Professora do departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG Todos os autores contribuíram igualmente para a realização deste trabalho. É apresentado neste trabalho o caso de adulto jovem, masculino, com doença de Behçet há nove anos, com alterações oftalmológicas graves, em que vários esquemas terapêuticos falharam ou representaram efeitos adversos inapropriados. Por último, o paciente recebeu infliximabe, tendo logo a seguir desenvolvido edema pulmonar e anasarca, com fração de ejeção de ventrículo esquerdo baixa ao ecocardiograma. Não existe associação significativa entre a administração de agentes anti-tnf-α e a insuficiência cardíaca, apesar da existência de vários relatos dessa associação na literatura. Este caso descreve associação mórbida grave que promoveu, inclusive, edema pulmonar capaz de provocar insuficiência ventilatória e necessidade de intubação orotraqueal, com suporte básico de vida. Estudos com maior coorte e/ou prospectivos são necessários para melhor elucidação dos efeitos adversos dos agentes anti-tnf-α, em especial a IC. Palavras-chave: Síndrome de Behçet; Insuficiência Cardíaca; Fatores de Necrose Tumoral; Infliximabe. ABSTRACT In the current work, we present the case of a male young adult who had the diagnosis of Behçet disease nine years ago and presented with severe ocular lesions, refractory to various therapeutic protocols. He was started on infliximab, immediately developing acute pulmonary edema and anasarca, as well as reduced left ventricular ejection fraction. Currently, there is not any significant association between TNF antagonists and acute heart failure, although many spontaneous reports try to depict this relationship. In present report, we describe this potential morbid association, which has led to pulmonary edema and respiratory insufficiency, requiring orotracheal intubation and basic life support measures. Large prospective studies are still necessary to elucidate the adverse events associated with anti-tnf-α therapy, especially regarding heart failure onset. Key words: Behcet Syndrome; Heart Failure; Tumor Necrosis Factors; Infliximab. Instituição: Hospital das Clínicas/ Faculdade de Medicina da UFMG Endereço para correspondência: Faculdade de Medicina da UFMG Av. Alfredo Balena, 190 Belo Horizonte/ MG CEP 30130-100 Email: gildap@terra.com.br introdução A doença de Behçet (DB) é uma vasculite inflamatória multissistêmica caracterizada por úlceras orogenitais recorrentes, lesões cutâneas (eritema nodoso, erupções acneiformes) e oculares (uveíte, vasculite retiniana) e outras manifestações, 112

inclusive acometimento cardiovascular (trombose venosa profunda), gastrointestinal e neurológico (meningoencefalite). Foi descrita por Hipócrates no século 5 a.c.; 1 entretanto, foi Hulusi Behçet quem atentou para várias de suas peculiaridades, em 1937. Por isso, a doença foi reconhecida com seu nome. 2,3 Sua etiologia é desconhecida, mas parece decorrer de causas autoimunes desencadeadas por algum agente infeccioso atuante em indivíduo geneticamente predisposto. 4-6 Sua manifestação inicial é geralmente variada, 7 acometendo principalmente adultos jovens, entre a terceira e quarta décadas de vida, raramente iniciando na pré-puberdade e após os 50 anos de idade. 8-10 O gênero masculino é predominantemente acometido, inclusive com pior prognóstico. 11,12 As manifestações clínicas são mais graves quanto mais jovem for o paciente no momento em que é feito o diagnóstico. 10,13 É observada em todo o mundo, entretanto, é mais prevalente em países mediterrâneos, do Oriente Médio e no Japão. A DB pode acometer virtualmente qualquer sistema do organismo, sendo característica manifestar-se por recidivas e remissões imprevisíveis, inclusive com agravamento de suas manifestações durante sua evolução. 7,14 O comprometimento ocular e neurológico representa o principal marcador de pior prognóstico. Seu diagnóstico é clínico, uma vez que os achados laboratoriais e anatomopatológicos não são patognomônicos. Vários critérios tem sido definidos como quesitos para seu diagnóstico. Em 1990, o International Study Group for Behçet s Disease definiu como critério diagnóstico imprescindível a presença de aftose oral recorrente, sendo que esta deve estar associada a, pelo menos, dois dos seguintes critérios: aftose genital, uveíte ou vasculite retiniana, lesões cutâneas (pseudoacne, eritema nodoso, papulopústulas), ou teste de patergia positivo. O tratamento é direcionado aos órgãos acometidos, considerando a gravidade e a extensão das lesões. 15 Os objetivos do tratamento são: aliviar os sintomas, promover rápida resolução do quadro inflamatório, prevenir e limitar a lesão textural, reduzir a frequência e intensidade das recidivas e prevenir complicações. 16 Os agentes imunossupressores clássicos, bem como os novos imunomoduladores, são capazes de promover tratamento efetivo das manifestações clínicas. Alguns pacientes, entretanto, tornamse irresponsivos à terapêutica convencional, ou tem que reduzir ou até mesmo suspender as medicações, devido aos efeitos colaterais que apresentam. Para esses pacientes, está indicada a terapia anti-tnf-α. Relato do caso FCL, 25 anos de idade, masculino, procurou atendimento no Serviço de Oftalmologia do Hospital das Clínicas da UFMG há oito anos devido ao desenvolvimento de embaçamento visual biocular havia cinco meses, além de hiperemia e dor ocular à esquerda, seguido de sintomatologia mais branda em olho direito. Apresentou, simultaneamente, úlceras orais, foliculite em face e ulceração de aproximadamente 1 a 2 cm em região escrotal. A propedêutica realizada evidenciou panuveíte bilateral e vasculite retiniana ativa em olho esquerdo (figura 1). A pesquisa de doenças infecciosas mostrou-se negativa. Realizado o diagnóstico de DB, sendo administrados prednisona e clorambucil. Figura 1 - Imagens tipo fios de prata, sugerindo vasculite, e extravazamento difuso de contraste, demonstrando capilarite. Relatou, nessa época, história de úlceras orais recorrentes desde os cinco anos de idade e criptorquidia operada havia dez anos. Após dois meses, passou a ser acompanhado pelo Serviço de Reumatologia, onde foi observado o aparecimento de outra úlcera oral, além lesões acneiformes em tórax, dorso e face. Foi positiva a pesquisa do alelo HLA-B51 (antígeno leucocitário humano) do complexo principal de histocompatibilidade. O esquema terapêutico foi mantido com o acréscimo de colchicina. Esse esquema foi alterado um mês após 113

seu início, sendo o clorambucil substituído pela ciclosporina e, mais tarde, a colchicina suspensa em decorrência da melhora das lesões orais. O paciente evoluiu com recidivas de atividade ocular, artralgia inflamatória em joelho esquerdo e necessidade de doses persistentemente elevadas de prednisona, apesar do uso de ciclosporina, sendo então associada azatioprina ao esquema terapêutico. Foi necessária a realização de cirurgia de catarata no olho direito 18 meses após o início do tratamento. A ciclosporina foi substituída por tacrolimus, após três anos de uso ininterrupto, devido à progressão do acometimento ocular. Essa mudança terapêutica resultou em melhora parcial das lesões oculares. Persistiu com esse esquema por dois anos, quando surgiram diarreia e alteração da função renal, o que determinou a suspensão do tacrolimus. Há dois anos, devido à refratariedade do acometimento ocular, foi iniciado infliximabe, sendo administradas duas aplicações com espaçamento de dois meses. Quatro dias após a última dose do infliximabe, o paciente evoluiu com edema em membros inferiores e dispneia leve, seguido de piora progressiva, resultando, um mês após, na necessidade de atendimento em Pronto Socorro devido ao desenvolvimento de dispneia, anasarca, febre e hipertensão arterial sistêmica. Foram diagnosticadas insuficiência renal e pneumonia, e realizadas medidas anticongestiva, hipotensora e antibioticoterpiça. Evoluiu com melhora, tendo recebido alta em uso de antibiótico e com proposta de realização de biópsia renal em nível ambulatorial. Foi readmitido no Pronto Socorro cerca de duas semanas após a alta anterior, em insuficiência respiratória aguda, sendo necessária a intubação orotraqueal, que se seguiu de parada cardiorrespiratória, revertida após cinco minutos de manobras de suporte básico de vida. Apresentou nessa eventualidade edema agudo de pulmão cardiogênico e condensação pulmonar (figura 2). O ecocardiograma evidenciou disfunção sistólica grave, hipocinesia difusa do ventrículo esquerdo, com fração de ejeção de 33%. A evolução foi para piora da função renal e pneumonia associada à ventilação mecânica. A alta hospitalar ocorreu dois meses após, com terapêutica para insuficiência cardíaca otimizada e uso de prednisona. O acompanhamento do paciente por dois anos revelou comprometimento ocular associado à oligoartrite e dispneia classe II NYHA. A biópsia renal evidenciou glomerulonefrite intersticial por IgA (imu- noglobulina A). O último ecocardiograma mostrou fração de ejeção do ventrículo esquerdo de 30%, aumento moderado do átrio esquerdo e leve do ventrículo esquerdo e disfunção diastólica do ventrículo esquerdo grau III. Figura 2 - Radiografia do tórax evidenciando congestão pulmonar e aumento da área cardíaca Discussão O fator de necrose tumoral (TNF-α) é uma citocina pró-inflamatória fundamental para o estabelecimento e manutenção da resposta imune. Acredita-se que o TNF-α se relacione com a patogênese da DB, já que observam-se níveis séricos elevados dessa citocina em pacientes com DB ativa, 17 além de concentrações elevadas de TNF-α serem detectadas no humor aquoso de pacientes com uveíte. 18,19 Estão disponíveis, atualmente, três inibidores de TNF-α: infliximabe (anticorpo monoclonal quimérico humano/murino); adalimumabe (anticorpo monoclonal humanizado) e etanercepte (proteína de fusão que é receptor solúvel). 20 O uso de anti-tnf-α não está indicado em todos os pacientes com DB, apesar de que parecem ser superiores à terapia convencional em eficácia e segurança. 21 Sua indicação deve ser individualizada, baseada na gravidade das manifestações e nos potenciais efeitos colaterais. Os critérios de elegibilidade para esse tratamento são: (a) diagnóstico de DB; (b) presença de doença ativa; (c) falha da terapêutica convencional; (d) contraindicações ou intolerância ao regime convencional; e (e) ausência de contraindicações à terapia anti-tnf-α. 21 114

É consenso que o infliximabe seja a melhor escolha no tratamento de manifestações graves de DB, principalmente das manifestações oculares refratárias, 21 apesar da inexistência de estudos controlados comparando diretamente os agentes anti-tnf-α disponíveis. É também difícil de avaliar a eficácia isolada do infliximabe, uma vez que é frequentemente associado a outros medicamentos. 21 As contraindicações absolutas e relativas ao uso de agentes inibidores de TNF-α são: infecções agudas ou crônicas, câncer, doença desmielinizante, insuficiência cardíaca, gravidez e lactação. 22,23 Seus efeitos adversos variam desde reações leves até choque anafilático. As reações alérgicas são vistas em 5% dos pacientes após o uso de infliximabe. 22,23 Kolho, Ruuska e Savilahti observaram 30% de reações durante a infusão de infliximabe, sendo 50% delas caracterizadas como anafilaxia e urticária leve. 24 A maior frequência de reações alérgicas ocorre nas primeiras quatro infusões de infliximabe. 25, 26 Ohno et al. observaram em seu estudo que todos os pacientes tratados com infliximabe desenvolveram efeitos colaterais: 53% infecções e 7,89% reativação de tuberculose pulmonar. 27 Há vários relatos na literatura de desenvolvimento ou piora de insuficiência cardíaca (IC) prévia após o uso de infliximabe. Kwon et al. consultaram as bases de dados do Food and Drug Administration (FDA) e observaram que 38 pacientes desenvolveram, enquanto nove exacerbaram a IC após o uso de infliximabe ou etanercepte. Desses pacientes, dez tinham menos de 50 anos e, após a interrupção da terapêutica anti-tnf-α, houve melhora ou resolução das manifestações clínicas, evidenciando possível relação causal. 28 Em estudo populacional com pacientes menores de 50 anos de idade, portadores de artrite reumatoide e doença de Crohn, Curtis et al. observaram a IC em nove pacientes, sendo que seis estavam em uso de anti-tnf-α. Foi observado em pacientes com artrite reumatoide maior risco relativo na incidência de IC associada ao uso de anti-tnf-α, entretanto, estatisticamente não significativo. 29 O comprometimento cardíaco na DB é incomum. 20 Essa possibilidade é ainda mais frágil ao se considerar que o paciente estava em uso de imunossupressores. Por isso, no presente caso, foi considerada a ocorrência de IC secundária ao uso de infliximabe. A DB não possui terapêutica curativa, entretanto, pode ser obtida resposta clínica significativa com o uso de agente biológicos imunomodulares. 20 Não existe associação significativa entre a administração de agentes anti-tnf-α e IC, apesar de existirem muitos relatos na literatura dessa associação. Conclusão Este relato descreve o surgimento de insuficiência cardíaca grave após o uso de infliximabe, com edema pulmonar, anasarca e fração de ejeção de ventrículo esquerdo baixa ao ecocardiograma, que promoveu, inclusive, edema pulmonar capaz de provocar insuficiência ventilatória e necessidade de intubação orotraqueal com suporte básico de vida. Estudos com maior coorte e/ou prospectivos são necessários para melhor elucidação dos efeitos adversos dos agentes anti-tnf-α, em especial a IC. Referências 1. Feigenbaum A. Description of Behçet s syndrome in the Hippocratic third book of endemic diseases. Br J Ophthalmol. 1956; 40:355-7. 2. Behcet H. Uber rezidivierende, aphthose durch ein virus verursachte geschwure am mund, am auge und an der genitalen. Dermatologische Wochenschrift. 1937; 105:1152. 3. Behcet H. Considerations sur les lesions aphteuses de la bouche et des parties genitals, ainsi que sur les manifestations oculaires d origine probablement virutique et observations concernant leur foyer d infection. Bull Soc Fr Dermatol Syphiligr. 1938; 45:420-33. 4. Yazici H, Akokan G, Yalçin B, Müftüoglu A. The high prevalence of HLA-B5 in Behcet s disease. Clin Exp Immunol. 1977; 30(2):259-61. 5. Pay S, Simsek I, Erdem H, Dinç A. Immunopathogenesis of Behçet s disease with special emphasize to the possible role of antigen presenting cells. Rheumatol Int. 2007; 27:417-24. 6. Kulaber A, Tugal-Tutkun I, Yentür SP, Akman-Demir G, Kaneko F, Gül A, et al. Pro-inflammatory cellular immune response in Behçet s disease. Rheumatol Int. 2007; 27:1113-8. 7. Mendes D, Correia M, Barbedo M, Vaio T, Mota M, Gonçalves O, et al. Behçet s disease a contemporary review. J Autoimmun. 2009 May-Jun; 32(3-4):178-88. 8. Zouboulis CC. Epidemiology of Adamantiades-Behçet s disease. Ann Med Interne. 1999; 150:488 98. 9. Zouboulis CC, Kotter I, Djawari D, Kirch W, Kohl PK, Ochsendorf FR, et al. Epidemiological features of Adamantiades-Behcet s disease in Germany and in Europe. Yonsei Med J. 1997; 38:411 22. 10. Yazici H, Tüzün Y, Pazarli H, Yurdakul S, Ozyazgan Y, Ozdagan H, et al. Influence of age of onset and patient s sex on the prevalence and severity of manifestations of Behçet s syndrome. Ann Rheum Dis. 1984; 3:783 9. 115

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