Aplicação de Recursos Obtidos com a Cobrança pelo Uso da Água Bruta: um Olhar para a Bacia do Paraíba do Sul



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Transcrição:

Aplicação de Recursos Obtidos com a Cobrança pelo Uso da Água Bruta: um Olhar para a Bacia do Paraíba do Sul Rogério Gutierrez Gama (ENCE/IBGE) Geógrafo, Mestrando da Escola Nacional de Ciências Estatística rogeriogeografia@uol.com.br Frederico Cavadas Barcellos (Fundação IBGE) Geógrafo, Mestre em Sistemas de Gestão do Meio Ambiente; pesquisador; professor da rede oficial de ensino do Estado do Rio de Janeiro. fredcavadas@ibge.gov.br Paulo Gonzaga M. de Carvalho (Fundação IBGE) Economista, Doutor em Economia; professor da ENCE e da UNESA. paulo.mibielli@ibge.gov.br Resumo A adoção do princípio de que água bruta é um bem econômico admite a existência de um valor econômico de uso e de troca. O valor de uso varia conforme a utilidade ou satisfação do usuário; o valor de troca depende das condições de oferta e demanda, sendo regulado por valores monetários. A Bacia do rio Paraíba do Sul abrange 180 municípios de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, onde são encontrados rios de domínio da União e dos estados. Desde o ano de 2003 efetua-se a cobrança pelo uso do recurso hídrico nesta bacia. O total dos valores arrecadados se aproxima dos 31 milhões de Reais. Informações obtidas pelo IBGE junto aos gestores ambientais dos municípios que compõe o recorte da bacia mostram que os problemas ambientais mais apontados, associados a recursos hídricos são, respectivamente, assoreamento e poluição. Considerando essas informações, o artigo analisa se as ações e projetos em andamento na dominialidade federal estão voltados ao enfrentamento desses problemas e de suas causas. Observa-se que, apesar de já terem sido empregados quase trinta milhões de Reais pelo CEIVAP, existe certo descompasso entre a relevância dada aos problemas/causas ambientais pelos gestores desses municípios e os projetos e ações desenvolvidos pelas prefeituras e pelo comitê de bacia que aí atua. Mas uma nova forma de gestão dos recursos arrecadados está sendo aplicada desde 2007 no intuito de diminuir este descompasso. Palavras-chave Poluição hídrica; Assoreamento; Gestão de recursos hídricos; Cobrança pelo uso da água O presente trabalho tomou como base o artigo Efetividade na aplicação de recursos obtidos com a cobrança pelo uso da água bruta na bacia do Paraíba do Sul, apresentado no VII Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, realizado em Fortaleza - CE no período de 28 a 30 de novembro de 2007.

1 - Introdução A cobrança pelo uso da água bruta é um dos instrumentos mais importantes na gestão dos recursos hídricos, sendo um importante fator de equilíbrio entre a oferta e a demanda. Objetiva racionalizar seu uso, melhorar a qualidade dos recursos hídricos e configura-se um mecanismo eficiente de redistribuição eqüitativa de custos sociais que propicia promover o desenvolvimento regional integrado na sua dimensão socioambiental. O reconhecimento de que a água é um bem econômico e, portanto, passivo de ser valorado, só se materializa através do instrumento de cobrança pelo seu uso. A partir da Constituição de 1988 foi extinto no Brasil o domínio privado da água, passando seu domínio para a esfera pública. Assim, passaram a ser de domínio da União rios que cruzam mais de um estado, fazem fronteiras entre estados, compartilhados com outros países, corpos hídricos decorrentes de obras da União ou situados em terrenos da União. Nesse contexto passou a ser de domínio dos estados as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito que banhem apenas um estado. Apesar de o modelo de gestão das bacias hidrográficas por comitês corresponder a um antigo anseio, a divisão dos rios entre os domínios estadual e federal tem suscitado conflitos, tendo em vista que a cobrança pelo uso da água bruta em rios de domínio estadual, inseridos em uma bacia de domínio federal, é tributada em certos estados e em outros não. Com isso, abrem-se brechas para a criação de regras diferenciadas que acabam desestimulando a participação daqueles que já estão sujeitos às regras definidas pelo comitê do rio principal, como é o caso da Bacia do Paraíba do Sul, onde o Rio de Janeiro já efetua a cobrança, São Paulo a implantou a partir de meados 2007 e Minas Gerais ainda não a implementou. Segundo CAMPOS (2005), com a configuração atual, os comitês não podem atuar com a autonomia necessária, o que pode comprometer o modelo de gestão das bacias fluviais. De fato, a Constituição de 1988 é ambígua, pois ao mesmo tempo em que propicia autonomia aos comitês, a Lei n.º 9.433/97, a Lei das Águas, mantém o domínio hídrico de estados e da União sobre os rios que pertencem à mesma bacia. O modelo de gestão ideal pressupõe que os comitês determinem os valores de cobrança sobre os usos das águas de cada bacia (captação, consumo e lançamento) assim como os projetos e ações que devem ser aplicados, prioritariamente, na recuperação e preservação dos recursos hídricos da região onde os mesmos foram arrecadados. O presente artigo pretende analisar de que forma a cobrança pelo uso da água bruta na Bacia do rio Paraíba do Sul e a conseqüente aplicação dos recursos obtidos podem se configurar em um eficaz instrumento econômico, no sentido de estimular programas e ações de políticas que possam responder aos problemas ambientais identificados pelos gestores ambientais locais. Nesse contexto, são analisados os dados obtidos em pesquisa do IBGE, sobre a existência de problemas ambientais nos municípios, suas prováveis causas e as ações e programas 2

efetivamente praticados pelas Prefeituras como resposta. Nessa pesquisa o IBGE levantou, dentre outras, informações a respeito da ocorrência de poluição hídrica e de assoreamento, no âmbito dos 180 municípios que fazem parte da Bacia do Paraíba do Sul. Essas informações são confrontadas com outras obtidas junto ao Comitê para Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul - CEIVAP, envolvendo a gestão e a aplicação dos recursos oriundos da cobrança pelo uso da água bruta no âmbito da Bacia do Paraíba do Sul. O objetivo é analisar a sua efetividade como instrumento capaz de responder aos problemas ambientais e suas causas, apontados pelos gestores ambientais dos municípios integrantes da bacia. Nesse sentido, além dessa Introdução o artigo apresenta as seguintes seções: a seção 2 aborda a cobrança pelo uso da água no contexto da aplicação de um instrumento econômico; a seção 3 discorre sobre alguns aspectos da Pesquisa de Informações Básicas Municipais - MUNIC, do IBGE; a seção 4 aborda os principais marcos regulatórios relativos a gestão dos recursos hídricos no Brasil; a seção 5 é dedicada à análise das principais características da bacia do Paraíba do Sul e do seu estado ambiental; a seção 6 trata dos principais aspectos da cobrança pelo uso da água bruta, os valores cobrados e arrecadados; a seção 7 é dedicada às considerações finais. 2 A cobrança pelo uso da água como um instrumento econômico As questões que levam a sociedade moderna a desenvolver instrumentos de controle econômico para certos recursos naturais, recorrem à racionalização de serviços ambientais essenciais. Para que a valoração ambiental seja um instrumento de gestão tendo em vista obter resultados positivos no enfrentamento dos problemas ambientais sendo, portanto, útil em políticas públicas, o conhecimento das potencialidades e limitações dessa ferramenta são fundamentais aos gestores. Em geral, os instrumentos econômicos são utilizados no sentido de alterar o preço de utilização de um recurso, internalizando as externalidades e objetivando alterar seu nível de demanda. Esses instrumentos conferem ao usuário de um recurso uma flexibilidade para selecionar a opção de produção que minimize o custo de uso. Nesta linha os serviços ambientais, como o uso da água, sofrem pressões pelo aumento de demanda especialmente quando externalidades como poluição e assoreamento, interferem no acesso ao recurso água. Assim, os instrumentos contribuem para a consolidação de políticas públicas voltadas à solução ou minimização dos problemas e conflitos ligados à utilização de recursos ambientais (SEROA da MOTTA, 2000; p. 2). O uso da água bruta aplica-se nesta conjuntura de planejamento e gestão. Os principais instrumentos de gestão dos recursos hídricos são a outorga e a cobrança pelo uso da água. Como instrumento econômico, a cobrança é recoberta por uma ampla discussão teórica. Uma primeira aproximação do conceito é dada por LANNA (2002, p.532): A cobrança atua economicamente, através do preço. Quando a propriedade é privada, este preço poderá ser a condição para que terceiros usem ou recebam a 3

transferência de propriedade do recurso. É interessante notar que a famosa lei da oferta e da procura determinará que o preço do recurso aumente quanto mais próximo do esgotamento ele estiver, pois a oferta estará diminuindo gradualmente. Com isto, os usuários serão compelidos a usar racionalmente este recurso, evitando desperdícios, retardando o seu esgotamento. É desta forma que o sistema de preços contribui para a sustentabilidade do recurso. Quando o recurso é público e inalienável, como é o caso do Brasil, a cobrança pode ter tanto o objetivo de racionalização econômica, quanto o de viabilização financeira. Este último é atingido pela arrecadação que o poder público obtém da cobrança. O montante arrecadado poderá ser utilizado para financiar o monitoramento do uso e o investimento em obras de controle e proteção do recurso, por exemplo. Neste contexto, a discussão sobre a cobrança pelo uso da água, no Brasil, é marcada pelo Princípio do Poluidor Pagador (PPP), objetivando alcançar a racionalização do uso através de instrumentos econômicos de eficiência. Neste caminho teórico SEROA da MOTTA (2000, p. 4) apresenta três tipos de preços econômicos que podem ser utilizados como critérios de definição da cobrança: preço da externalidade, preço de indução e preço de financiamento. Segundo o autor, Cada um gera um sobre-preço de cunho ambiental que deverá ser adicionado ao preço atual do recurso e, para tal, adotam critérios distintos. Preço da externalidade: adota o critério do nível ótimo econômico de uso do recurso quando externalidades negativas, como, por exemplo, os danos ambientais, são internalizados no preço do recurso. Uma vez que este sobre preço da externalidade é determinado e cobrado de cada usuário, os níveis de uso individual e agregado do recurso se alteram. (...) Preço de indução: na impossibilidade de adotar o preço da externalidade, aplica-se o critério de custoefetividade no qual o novo preço do recurso é determinado para atingir certo nível agregado de uso considerado política ou tecnicamente adequado. Ou seja, o nível agregado de uso não é determinado por otimização dos custos e benefícios econômicos do uso do recurso e sim exogeneamente pela sociedade com base em parâmetros ecológicos politicamente avaliados. Assim sendo, um sobre-preço é determinado de tal forma que induza variações no uso individual que, no agregado, resulte no nível de uso desejado. (...) Preço de financiamento: adota o critério de nível ótimo de financiamento no qual o preço é determinado para atingir principalmente certo nível de receita desejado. Assim, o preço de financiamento está associado a um nível de uso e orçamento predeterminado e não a um nível de qualidade ótimo ou permitido. Os três tipos de critérios estão diretamente relacionados ao Princípio do Poluidor Pagador na determinação da forma da cobrança. O Brasil em seus princípios legais tem a precificação do uso da água baseada no princípio do financiamento. Mas há algumas críticas onde se identificam conflitos de critérios onde o instrumento econômico da cobrança também está sendo feito por indução. Uma outra crítica na definição de critérios é feita por CANEPA & PEREIRA (2001, p. 6-7): 4

O estabelecimento de um preço para a utilização do meio receptor em sua capacidade assimilativa de resíduos, força os agentes poluidores a uma moderação no uso, racionando o recurso ambiental entre os diversos usos e possibilitando assegurar a sua utilização sustentável a longo prazo. Esta é a principal função do PPP: incitatividade. Mas, além disso, o PPP também pode exercer uma segunda função: a de financiamento à recuperação e melhoria quantitativa e qualitativa do meio receptor. A lógica de implementação da cobrança requer perpassar por estes conceitos com intuito de fomentar uma política pública eficiente. O PPP fomenta a prática do instrumento econômico no sentido de cobrar de fato do causador das externalidades que interferem na qualidade e quantidade de água bruta nas principais bacias hidrográficas do Brasil. Está incitatividade e o financiamento são dois conceitos que devem caminhar juntos nos ajustes finos dos critérios da cobrança, pois é necessário ter um empenho adicional para identificar os poluidores, mensurar a capacidade de poluição e o custo que trazem a lógica dos usos múltiplos da água na bacia. Com este cenário é possível avaliar metas de médio e longo prazo para financiar a solução dos problemas gerados e que afetam diretamente a demanda pela água. A cobrança pelo uso da água, como qualquer processo inicial de criação de um instrumento econômico, como identifica SEROA da MOTTA (2000, p.10), precede de condições básicas que envolvem condições políticas, legais e institucionais. Esses condicionantes mínimos já estão implantados no Brasil, mas ainda é alvo de difíceis e delicadas discussões. A Política Nacional de Recursos Hídricos foi instituída pela Lei Federal nº. 9.433 de 08 de janeiro de 1997. Nesse ambiente foi que se estabeleceu a necessidade de responder a algumas questões: Por que cobrar pelo uso da água bruta? Como cobrar? De quem cobrar? Essas questões já foram respondidas, embora nem sempre de forma satisfatória, pois alguns setores, que tem alta demanda pelo recurso água, ainda tem este tipo de questionamento. Essa dificuldade de entendimento sobre a aplicação do conceito justifica-se na medida em que há usos múltiplos do recurso água no país; daí a necessidade de se definir um modelo único de cobrança. Outro fator a ser considerado é a dimensão geográfica da unidade de planejamento; uma bacia hidrográfica com 180 municípios representa, por si só, um desafio na gestão dos recursos hídricos. A cobrança pelo uso da água bruta é, portanto, um dos instrumentos previstos para a execução da política, cabendo ao comitê da bacia estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso, sugerir os valores a serem cobrados e a sua aplicação. Há agora novas indagações importantes para reflexão e discussão: como estão sendo geridos os valores arrecadados? Esses recursos estão sendo bem aplicados? Assim, cabe a análise e a reflexão dos volumes arrecadados e como foram distribuídos entre os projetos que abrangem áreas de diferentes municípios da bacia. A cobrança pelo uso da água bruta ainda se encontra em 5

fase de aprimoramento como efetivo instrumento de gestão. Estas questões devem estar na agenda dos comitês de bacias que já se utilizam da referida cobrança. 3 - Aspectos Metodológicos da MUNIC A Pesquisa de Informações Básicas Municipais - MUNIC, do IBGE, divulgada em meados de 2005 realizou um diagnóstico ambiental nos 5.560 municípios brasileiros. Efetuou, entre outras, um conjunto de indagações ao gestor ambiental da prefeitura sobre o estado do meio ambiente no território municipal. Sempre que a ocorrência de alteração ambiental foi indicada, foi-lhe solicitada sua associação às suas possíveis causas. Em geral, a degradação ambiental levantada pela pesquisa diz respeito ao período de 24 meses anteriores à data da coleta dos questionários (a quase totalidade dela ocorreu no primeiro semestre de 2003) sendo que a orientação para o preenchimento destas informações foi a de que se assinalassem ocorrências de impactos, observados de forma freqüente no meio ambiente 1. A pesquisa permitiu ao gestor ambiental municipal a identificação, dentre aquelas apresentadas, de mais de uma provável causa para o impacto ambiental apontado. Além disso, pesquisou sobre os programas e ações de caráter ambientais, efetivamente praticados pelas Prefeituras (mesmo quando efetuados em conjunto com órgãos estaduais e federais, ONG, ou iniciativa privada), nos doze meses anteriores à coleta, com o intuito de prevenir ou como resposta ao problema ambiental informado. Os dados aqui apresentados para o recorte da Bacia do rio Paraíba do Sul foram obtidos a partir da agregação de resultados dos respectivos municípios que as integram. Ressalta-se que a freqüência com que um problema ambiental ou sua causa aparecem indica, principalmente, sua abrangência espacial, ou seja, que ele estava ocorrendo em número importante de municípios, neles se configurando como um problema, de acordo com a percepção dos gestores ambientais locais. 4 - Gestão de Recursos Hídricos no Brasil Baseada no modelo francês de gestão, a Política Nacional de Recursos Hídricos foi instituída pela Lei Federal n.º 9.433 de 08 de janeiro de 1997, que também criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, sendo conhecida como Lei das Águas, e representou um marco institucional no Brasil, pois trouxe avanços significativos na ordenação territorial, organização do planejamento e da gestão dos recursos hídricos com princípios, normas e padrões 1 Para maiores esclarecimentos a respeito da metodologia empregada na pesquisa ver Notas Técnicas do volume Perfil dos municípios brasileiros: meio ambiente 2002 / IBGE, Rio de Janeiro, 2005, 394p. 6

para a implementação de uma gestão democrática, descentralizada, integrada e planejada, envolvendo seus múltiplos usos e a gestão ambiental. Em seu trabalho sobre a atuação do Comitê e do Consórcio PCJ (bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí), DALTO (2005) observa que o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos promoveu significativa descentralização da gestão desses recursos com uma efetiva parceria entre o poder público e a sociedade civil organizada e estabeleceu um novo modelo institucional baseado em novos tipos de organizações para a gestão compartilhada do uso da água. Seus objetivos são: coordenar a gestão integrada das águas, arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos hídricos, implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos, planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos hídricos e promover a cobrança pelo uso da água bruta. Fazem parte desse sistema: o Conselho Nacional de Recursos Hídricos - CNRH; a Agência Nacional de Águas ANA; os Conselhos de Recursos Hídricos dos estados e do Distrito Federal; os Comitês de Bacias Hidrográficas; os órgãos dos poderes públicos federal, estaduais e municipais, cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos; e as Agências de Água. A cobrança pelo uso da água bruta é um dos instrumentos previstos para a execução da política, cabendo ao Comitê da Bacia estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso e sugerir os valores a serem cobrados. A cobrança pelo uso da água é um dos instrumentos previstos na Lei das Águas. O objetivo deste instrumento é estimular o uso racional da água e gerar recursos financeiros para investimentos na recuperação dos mananciais da região. Assim, o princípio do poluidor pagador, ou usuário pagador, de uma forma mais ampla, impõe o dever ao usuário com os custos da degradação dos bens ambientais. A cobrança não é um imposto, sendo seu preço fixado a partir de um pacto entre usuários, poder público e sociedade civil, no âmbito do Comitê de Bacia Hidrográfica. Para CAMPOS (2005), o comitê de bacia está na base do processo de gerenciamento, e dele devem emanar todas as decisões. Com relação à dupla dominialidade, o CNRH estabelece que os planos de recursos hídricos e as decisões tomadas por comitês de bacias hidrográficas e de sub-bacias deverão ser compatibilizadas com os planos e decisões referentes à respectiva bacia hidrográfica. Nesse contexto, os comitês instituídos para afluentes do rio principal não podem gozar de efetiva autonomia, pois, na prática, suas decisões dependem de compatibilizações no âmbito do comitê principal. Estão sujeitos à cobrança os usos de água localizados em rios de domínio da União. Os usos de recursos hídricos em rios de domínio dos estados estão sujeitos ao que estabelecem as leis estaduais: em São Paulo, o Decreto n.º 50.667, de 30/03/06; em Minas Gerais, Decreto n.º 44.046, de 13/06/05; e no Rio de Janeiro, à Lei n.º 4.247, de 16/12/03. 7

5 Bacia do Paraíba do Sul Com uma área de drenagem de mais de 55.000 Km 2, a Bacia do rio Paraíba do Sul localiza-se na região Sudeste e abrange áreas dos estados de São Paulo (39 municípios), Minas Gerais (88) e Rio de Janeiro (53). Em toda essa extensão, 36 dos 180 municípios estão parcialmente inseridos na bacia. A população estimada em 2002 foi de quase oito milhões de habitantes, sendo 3,7 milhões em São Paulo, 2,7 milhões no Rio de Janeiro e 1,6 milhões em Minas Gerais. Cerca de 87% desta população vive em áreas urbanas, sendo que esta tendência segue o mesmo padrão de outras regiões brasileiras, sendo um dos fatores de pressão do desmatamento e da poluição hídrica na bacia. Além desta população, dependem das águas da bacia quase nove milhões de habitantes da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, abastecida pelas águas transpostas para a Bacia do rio Guandu. 5.1 Características gerais da bacia A considerável expansão demográfica e o intenso e diversificado desenvolvimento ocorridos no Sudeste, refletem-se na qualidade ambiental da Bacia do Paraíba do Sul, podendo-se citar como potenciais fontes poluidoras as de ordem domésticas, agropecuárias e industriais, além daquelas decorrentes de acidentes, tendo em vista o intenso movimento de cargas perigosas que são transportadas pela malha rodo-ferroviário que corta o território da Bacia do Paraíba do Sul. O rio principal é o Paraíba do Sul, que é formado pela confluência dos rios Paraitinga e Paraibuna, que têm seus cursos orientados na direção Sudoeste, ao longo dos contrafortes interiores da Serra do Mar. Após essa confluência, e já denominado Paraíba do Sul, o rio continua seu curso para oeste, onde é barrado pela Serra da Mantiqueira, que o obriga a inverter completamente o rumo do seu curso, passando a correr para nordeste e, depois, para leste, até a sua foz no Oceano Atlântico (APA Paraíba do Sul, 2007). 8

Figura 1: Bacia do Paraíba do Sul, cidades e rio principais Fonte: http://www.ana.gov.br/gestaorechidricos/cobrancauso/baciapbs-arrecadacao.asp 5.2 - Estado ambiental dos recursos hídricos Para a análise do estado ambiental dos recursos hídricos do conjunto dos 180 municípios que fazem parte da Bacia do rio Paraíba do Sul, nos detivemos em duas questões prioritárias: a ocorrência de poluição hídrica e a ocorrência de assoreamento de corpo de água. Conforme dito, esses dados referem-se à pesquisa efetuada pelo IBGE, divulgada em 2005. Com relação à ocorrência de poluição de recursos hídricos, observa-se que 46,1% dos municípios da bacia informaram o problema. Como já era de se esperar, a causa mais apontada está associada ao despejo de esgoto doméstico em corpos de água (86,7% dos municípios que informaram a ocorrência de poluição hídrica); em seguida observamos a disposição inadequada de resíduos sólidos (44,6%). As demais causas (despejo de resíduos industriais, criação de animais e uso de agrotóxicos e fertilizantes) obtiveram resultados próximos de 30%. Já a ocorrência de corpo de água assoreado foi apontada por 57,2% dos municípios. Três causas prioritárias foram atribuídas ao assoreamento: degradação da mata ciliar (67,0%), erosão e/ou deslizamento de encostas (62,1%) e desmatamento (59,2%). O Gráfico 1 mostra os percentuais de municípios da Bacia do Paraíba do Sul que informaram a ocorrência de poluição hídrica e de assoreamento de corpo de água, e de suas prováveis causas 2. 2 Os percentuais sobre as causas de poluição hídrica e de assoreamento foram calculados considerando o conjunto de municípios que informou a ocorrência de cada um dos problemas ambientais. Nos Gráficos 1 e 2 foram listadas apenas as causas mais apontadas pelo conjunto de municípios. 9

Gráfico 1: Causas para a ocorrência de recurso hídrico poluído e assoreamento de corpo de água nos municípios da Bacia do Paraíba do Sul (em %) Recurso hídrico poluído 46,1 por despejo de esgoto dom éstico 86,7 por despejo de resíduos sólidos por despejo de resíduos industriais por criação de anim ais por uso de agrotóxicos e fertilizantes 44,6 36,1 30,1 30,1 Assoream ento por degradação da m ata ciliar por erosão e/ou deslizam ento de encostas por desm atam ento 57,2 67 62,1 59,2 por expansão da ativ. agrícola/pecuária por aterro nas m argens 33 29,1 por m ineração 18,4 0 20 40 60 80 100 Fonte: IBGE, Pesquisa de Informações Básicas Municipais 2002. 6 - Cobrança pelo uso da água bruta A cobrança pelo uso da água bruta da Bacia do Paraíba do Sul, em rios de domínio da União, teve início em março de 2003 e foi pioneira no Brasil. Ela resultou de um grande pacto entre os poderes públicos, os setores usuários e as organizações civis representadas no âmbito do Comitê para Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul - CEIVAP (Decreto nº. 1.842/96), tendo sido possível após a aprovação da Lei Federal nº. 9.433/97, da Política Nacional de Recursos Hídricos. Estão sujeitos à cobrança os usos de água localizados em rios de domínio da União da bacia, como os rios Paraíba do Sul, Muriaé e Pomba. Segundo o Relatório sobre a Cobrança pelo Uso dos Recursos Hídricos da Bacia do Rio Paraíba do Sul, o maior uso da água é para abastecimento público correspondendo a 64 1000litros/s, onde 17 1000litros/s para abastecimento da população residente na Bacia e mais 47 1000litros/s, por transposição que abastece a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Para uso industrial, a captação é estimada em 14 1000litros/s, e para uso agrícola 30 1000litros/s (ANA, 2007). O Quadro 1 mostra os valores cobrados pelo uso da água bruta na Bacia do Paraíba do Sul, segundo setores, de acordo com a metodologia que vigorou até 31 de dezembro de 2006. Observa-se que os setores de agropecuária e aquicultura são os que pagam os menores valores pelo uso dá água. 10

Quadro 1: Valores cobrados na Bacia do Paraíba do Sul pelo uso da água bruta segundo setores, vigentes até 2006 Setor Unidade Valor (R$) Saneamento e Indústria R$/m 3 0,02 Agropecuária R$/m 3 0,0005 Aqüicultura R$/m 3 0,0004 Mineração de Areia R$/m 3 0,02 Fonte: ANA A partir da deliberação do CEIVAP n.º 65/2006, que estabeleceu novos mecanismos e valores para a cobrança pelo uso de recursos hídricos na Bacia, um novo processo de aprimoramento se estabeleceu na busca de ajustes conforme as características dos usuários da bacia. A formatação deste novo mecanismo para definição de novos valores foi dividida nas seguintes etapas: bases de cálculo, preços unitários, coeficientes multiplicadores e critérios específicos. A principal mudança em relação à base de cálculo anterior é que não se considera mais por setor produtivo (Saneamento e Indústria, Agropecuária, Aqüicultura e Mineração de Areia). A base neste novo mecanismo é por tipo de usos da água: captação, consumo, lançamento, transposição de bacias e o aproveitamento de potencial hidrelétrico. Assim, estabelece para cada uso da água uma base de cálculo diferenciada. A segunda etapa são os valores dos Preços Públicos Unitários - PPU que estão presentes nas equações para cada tipo de uso e estão indicados na Tabela 1. Tabela 1: Preços Públicos Unitários Tipo Uso PPU Unidade Valor (R$) Captação de água bruta PPU cap R$/m 3 0,01 Consumo de água bruta PPU cons R$/m 3 0,02 Lançamento de carga orgânica DBO 5,20 PPU DBO R$/kg 0,07 Fonte: ANA, 2007 Na terceira etapa são estimados os coeficientes multiplicadores, que são aplicados com a finalidade de alterar os valores da cobrança de acordo com a qualidade da água no ponto de captação, ou seja, pelo enquadramento de qualidade definido pela classe do corpo de água em que o usuário capta. Os critérios específicos estão relacionados aos Mecanismos Diferenciado de Pagamento pelo Uso de Recursos Hídricos, que estão definidos pela deliberação n 70/2006. Os Artigos 2 e 3 desta deliberação definem critérios para os usuários que se utilizam de lançamentos de carga orgânica (DBO) e captação e consumo, respectivamente. O texto para os dois artigos abre a possibilidade de o valor calculado ser pago por meio de investimentos em ações de redução da carga orgânica lançada ou de melhoria da quantidade de água ou do regime fluvial, mas que 11

resultem efetivamente na melhoria da qualidade ou da disponibilidade da água. Há a definição de critérios para os dois artigos: Em ambos os investimentos têm que ser pré-aprovados pelo CEIVAP; e o pagamento diferenciado está limitado em até no máximo 50% do valor de cálculo a ser pago pelo usuário; No Artigo 2 os investimentos nas ações previstas deverão ter a seguinte finalidade: obras de construção, ampliação ou modernização de Estações de Tratamento de Efluentes e respectivos Sistemas de Transporte de Efluentes. Portanto, o CEIVAP veta investimentos destinados somente à construção de redes coletoras; No Artigo 3 define-se a finalidade das ações: obras que promovam a melhoria da quantidade de água ou do regime fluvial da bacia. Portanto, o CEIVAP veta investimentos feitos em estudos, programas e projetos. Uma outra exigência que o CEIVAP faz para estes critérios é que este tipo de pagamento não poderá exceder a 15% do montante total cobrado pelo uso dos recursos hídricos na Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul. Outro ponto importante são os critérios de escolha dos projetos que serão definidos pela AGEVAP. Outro marco importante desta nova fase da gestão dos recursos da cobrança na bacia é a criação do Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos CNARH, que vai dar um melhor suporte no reconhecimento de todos os usuários de recursos hídricos nas bacias. O comitê paulista do PCJ, que faz parte da Bacia do Paraíba do Sul, já vem fazendo um trabalho sistemático de cadastramento de seus usuários. A ANA também desenvolveu o Sistema Digital de Cobrança DIGICOB e o Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos CNARH, onde estarão disponibilizados os dados necessários para o cálculo da cobrança pelo uso de recursos hídricos dos usuários. O total dos recursos arrecadados em rios de domínio da União atingiu o montante de R$ 34.453.922,37 milhões em janeiro de 2008 (Quadro 2), sendo repassados à associação Prógestão das Águas da Bacia do Rio Paraíba do Sul AGEVAP, entidade delegatária de funções de Agência de Água do CEIVAP, e vêm sendo aplicados na recuperação e preservação dos recursos hídricos da região com base nos programas, projetos e obras previstos no Plano da Bacia. Ressalta-se, entretanto, que a estimativa de arrecadação (valor nominal do boleto lançado) com todos os usuários na Bacia para o mesmo período, supera os R$50 milhões. Os valores arrecadados pelo uso da água bruta na Bacia do Paraíba do Sul desde o início da cobrança, em 2003, até março de 2008 estão discriminados por unidades da federação no Quadro 2. Observa-se que, que no período de mais de cinco anos (2003-março2008), o valor arrecadado com a cobrança pelo uso da água no âmbito do Estado do Rio de Janeiro (47,2%) foi o que prevaleceu, seguido de São Paulo (40,1%) e Minas Gerais (12,7%). 12

Quadro 2: Valores arrecadados na Bacia do Paraíba do Sul pelo uso da água bruta em rios de domínio da União, segundo unidades da federação - 2003-2008 Estado Valores arrecadados (R$) 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Total São Paulo 2.569.017,45 2.762.721,48 2.545.063,76 2.436.987,80 2.784.581,79 708.544,27 13.806.916,55 Rio de Janeiro 3.283.114,08 2.837.074,24 3.071.602,24 3.782.775,55 2.532.210,14 766.269,81 16.273.046,06 Minas Gerais 683.298,13 825.539,00 881.542,19 855.688,01 879.644,25 253.815,98 4.125.711,58 Total 6.535.429,66 6.425.334,72 6.498.208,19 7.075.451,36 6.196.436,18 1.474.814,08 34.205.674,19 Fonte: Balanço da Arrecadação por setor Exercício 2003-2008, ANA 3 Considerando o valor estimado para a cobrança pelo uso da água bruta até fins de 2007, os municípios da bacia com maiores destaques na arrecadação são Volta Redonda e Campos dos Goytacases, no Estado do Rio de Janeiro (38,6% do total previsto para a Bacia como um todo) Jacareí, São José dos Campos e Pindamonhangaba, em São Paulo (19,8%) e Juiz de Fora, em Minas Gerais (0,5%) 3. Juntos a arrecadação oriunda desses seis municípios atingirão 63,8% de toda a arrecadação prevista para o ano de 2007. Anteriormente à delegação de competência a associação Pró-gestão das Águas da Bacia do Rio Paraíba do Sul - AGEVAP pelo CNRH para o exercício de funções de Agência de Água da Bacia do Paraíba do Sul, em 2004, a própria ANA executou a aplicação dos recursos oriundos da cobrança em ações definidas pelo CEIVAP. Quando a AGEVAP recebeu a delegação de competência e passou a gerir e aplicar os recursos, repassados por meio do Contrato de Gestão firmado com a ANA, com interveniência do Comitê da Bacia, a aplicação passou a ser feita pela própria AGEVAP. De 2003 a 2007, foram aplicados na região da Bacia do Paraíba do Sul cerca de R$ 29.373.246,01 oriundos da cobrança federal, totalizando investimentos da ordem de R$ 52.905.599,17, se forem contabilizadas as contrapartidas. A partir do Quadro 3 pode-se verificar que os setores saneamento e indústria são responsáveis por 99,4% de toda a arrecadação. Quadro 3: Recursos arrecadados em rios de domínio da União pelo uso da água bruta na Bacia do Paraíba do Sul, segundo setores. 2003-2008 Setor Arrecadação* R$ % Saneamento 19.802.076,91 64,2 Indústria 10.856.646,64 35,2 Irrigação, criação animais, mineração e outros 183.321,61 0,6 Total 30.842.045,16 100,0 Fonte: ANA Nota: (*) Valores arrecadados até março de 2008. 3 Informação obtida em http://www.ana.gov.br/gestaorechidricos/cobrancauso/baciapbs-arrecadacao.asp 13

As informações sobre a aplicação dos recursos obtidos com a cobrança pelo uso da água bruta na Bacia do Paraíba Sul, referentes ao período 2003-2008, podem ser verificadas no Quadro 4. Observa-se que há uma priorização na aplicação dos recursos pela AGEVAP em ações e programas envolvendo saneamento (75,3%) e controle da erosão (19,4%). A erosão é um problema que ocorre com freqüência em solos desnudos, o que contribui para o assoreamento dos corpos hídricos. De acordo com a pesquisa do IBGE, a erosão como causa para a ocorrência de assoreamento foi apontada por 62,1% dos gestores ambientais municipais. Já a poluição hídrica por esgoto doméstico foi apontada por 86,7% dos municípios que informaram a ocorrência de recurso hídrico poluído. Quadro 4: Recursos aplicados pela AGEVAP na Bacia do Paraíba do Sul, segundo setores. 2003 a 2005 Ações/Programas Valor da cobrança aplicado (R$) % Planejamento e Infra-Estrutura em Saneamento 22.117.587,01 75,3 Planejamento e Infra-Estrutura em Controle de erosão 5.700.234,90 19,4 Custeio e apoio à gestão 1.555.424,10 5,3 Total 29.373.246,01* 100,0 Fonte: ANA - http://www.ana.gov.br/gestaorechidricos/cobrancauso/baciapbs-recursos.asp Nota: (*) Valores sem contrapartida A AGEVAP é responsável pelo processo de seleção e hierarquização dos projetos, serviços e obras a serem beneficiados com os recursos da cobrança, para posterior deliberação final do Comitê para Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul - CEIVAP, assim como o repasse dos recursos e a fiscalização da execução das ações. 7 Considerações finais A cobrança pelo uso da água bruta é um instrumento importante de gestão e que, aprimorado, pode induzir comportamentos e alavancar outros recursos para projetos de recuperação e conservação das águas da bacia hidrográfica. Para isso é fundamental a superação de falhas de coordenação institucional entre políticas públicas dos governos estaduais e municipais, bem como a efetiva implantação dos comitês de bacia e a elaboração de seus respectivos planos, conforme previsto em lei, tendo em vista incrementar a capacidade técnica para pleitear recursos da cobrança e de outras fontes de financiamento. Para a Bacia do Paraíba do Sul o confronto entre problemas ambientais e suas possíveis causas, apontados pelo IBGE, e os programas e projetos desenvolvidos no âmbito dos municípios, mostram que as ações ainda são tímidas para fazerem frente à dimensão dos problemas a partir de suas causas. Por outro lado às ações de respostas de iniciativa das Prefeituras e dos comitês 14

de bacia hidrográfica, também estão aquém das necessidades apontadas pelos gestores ambientais. Um outro ponto na forma da arrecadação é da aplicação positiva do PPP, onde os usuários que mais poluem, saneamento e indústria, são os usuários que mais contribuem na arrecadação. Mas o que se percebe é que os mecanismos de precificação ainda não atingem o nível ótimo de financiamento, nem a incitatividade para que diminua a carga poluidora e a demanda pelo recurso, pois estes são os principais pontos a serem atingidos pelo instrumento econômico da cobrança. Para elucidar a crítica do descompasso apontamos como forma de comparação a efetividade da abrangência do volume total investido em relação aos problemas apontados pelos gestores municipais. A primeira consideração sobre os investimentos são para os projetos voltados a ações de gestão para a mobilização e capacitação. Do volume total investido, não considerando os volumes de contrapartida, 5,3% foram investidos neste fim. Deste montante 2,5% são de projetos aplicados a bacia com um todo ou aplicados a municípios de um estado. Os 2,8% restantes foram divididos entre 11 municípios da bacia, o que corresponde a 6,1% de todos os municípios da bacia. Investimentos em ações de gestão para a mobilização e capacitação fazem parte do fortalecimento sócio-político da governança dos comitês de bacias, com objetivos de fortalecimento dos atores que compõe o comitê gestores municipais, estaduais, federais e da sociedade civil. Em relação aos principais problemas apontados na pesquisa do IBGE, poluição e assoreamento, as alocações de recursos também tiveram um descompasso. Em relação ao primeiro, poluição, observa-se o montante de investimento realizado em Planejamento e Infra-Estrutura em Saneamento, que é de 75,3% do total, nota-se que eles foram distribuídos entre 25 municípios da bacia, que corresponde 13,9% do total de municípios, sendo que a pesquisa do IBGE, mostra que 88 municípios tem problemas de poluição por esgotamento doméstico. Considera-se que nestes cinco anos de alocação em projetos foram dadas prioridades a solução de problemas no curto prazo. O segundo problema e o mais apontado pelos gestores na pesquisa está relacionado a erosão e assoreamento, onde cerca de 103 municípios apontam para existência destes problemas. Mas observando os investimentos feitos em Planejamento e Infra-Estrutura para o controle de erosão do total investido (19,4%), foram alocados ao longo destes cinco anos de cobrança em apenas 11 municípios da bacia. Assim, demonstra-se o descompasso entre os problemas levantados e o compasso de investimento feito na bacia. Mas surge mais questões para reflexão: Por quê o montante arrecado ainda não reflete a totalidade dos problemas existentes na bacia? Quais são os ajustes necessários, no mecanismos de cobrança, para atingir os níveis ótimos de financiamento para gestão dos recursos hídricos na bacia? Algumas respostas podem ser encontradas em alguns ajustes que estão sendo feito na gestão e no planejamento pelo CEIVAP. Um primeiro ajuste foi 15

realizado na base dos cálculos, onde agora são feitos a partir do tipo de uso do recurso hídrico e não mais por tipo de usuário. Outro ajuste está na criação de um sistema de cadastro de usuários mais eficiente. Está nova ferramentas permitirá a AGEIVAP mapear com mais eficácia a gênese dos principais problemas e conflitos dos usos dos recursos hídricos na bacia. Um terceiro ponto são os novos mecanismo para o usuário realizar parte dos pagamentos provenientes da cobrança na forma de projetos que visem a melhoria efetiva dos recursos hídricos da bacia. A pesquisa do IBGE, ao considerar a percepção do gestor ambiental municipal, pode constituir-se em fonte importante de informações para o acompanhamento da situação ambiental dos municípios que compõem a Bacia do Paraíba do Sul. Referências Bibliográficas ANA. Cobrança pelo uso de recursos hídricos. Disponível em: http://www.ana.gov.br/gestaorechidricos/cobrancauso/baciapbs.asp. Acesso em 22/10/2007. Arrecadação. Disponível em: http://www.ana.gov.br/gestaorechidricos/cobrancauso/baciapbs-arrecadacao.asp. Acesso em 15/10/2007.. Relatório Cobrança pelo Uso de Recursos Hídricos Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. Disponível em: http://www.ana.gov.br/gestaorechidricos/cobrancauso/baciapbs- Estudos.asp. Acesso em 15/02/2008. APA Paraíba do Sul. Disponível em: http://sigam.ambiente.sp.gov.br/sigam2/repositorio/etmc/apa_paraiba_sul.htm. Acesso em 15/10/2007. BARCELLOS, F. C., ACSELRAD, M. e COSTA, V. G. Efetividade na aplicação de recursos obtidos com a cobrança pelo uso da água bruta na bacia do Paraíba do Sul. Trabalho apresentado VII Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica. Fortaleza, 28 a 30 de novembro de 2007. BRASIL, Lei Federal n.º 9.433, de 08 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do artigo 21 da Constituição Federal, e altera o artigo 1.º da Lei n.º 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei n.º 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Publicação no Diário Oficial da União, Brasília, 09 de janeiro de 1997. BROCHI, D. F. Análise entre o Comitê PCJ Federal e o Consórcio PCJ. Artigo apresentado no XVI Simpósio da ABRH, João Pessoa, PB, nov. de 2005. 16

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