A VARIAÇÃO FONOLÓGICA: METAPLASMOS EM TIRAS DE HQs Ana Gabriela Caldeira da Cruz Julia Maranho de Moura Brunna Regina de Mello (Gdas CLCA-UENP/CJ) Luiz Antonio Xavier Dias (Orientador CLCA-UENP/CJ) 1 Introdução Partindo de pressupostos da gramática histórica da língua portuguesa, este artigo tem como objetivo explorar vários metaplasmos encontrados em diversas tiras de HQs. Segundo Mattos (2009) metaplasmo é o nome genérico de toda a mudança fonética que a língua sofre enquanto evolui com a passagem do tempo, além disso, as Hqs são uma forma de arte que conjuga texto e imagens com o objetivo de narrar histórias dos mais variados gêneros e estilos. São, em geral, publicadas no formato de revistas, livros ou em tiras publicadas em revistas e jornais e é também é conhecida por arte sequencial. Com vista no exposto, acreditamos que explorar metaplasmos através de tiras de Hq torna mais fácil a compreensão do leitor, e a assimilação do estudo mais prazeroso. A palavra 'metaplasmo', etimologicamente, significa 'mudança de forma'. Metaplasmo, também designado por metaplasma por alguns autores, é o nome que se dá às alterações fonéticas que ocorrem em determinadas palavras ao longo da evolução de uma língua, o que ajuda a compreender a etimologia de muitas dessas palavras. Os vocábulos ao passarem da língua latina para a língua portuguesa sofreram alterações que basicamente se encontram dentro de três leis, denominadas leis fonéticas. 2 Leis Fonéticas Há três leis fonéticas básicas que presidem a transformação dos vocábulos que deram origem à formação da língua portuguesa a partir do latim. Lei do menor esforço Tendência universal em que o falante simplifica a emissão dos sons, facilitando os órgãos do aparelho fonador. 672
Lei da permanência da consoante inicial A consoante inicial da palavra da língua em uso permanece igual a consoante inicial do vocábulo de origem. Lei da permanência da sílaba tônica A sílaba tônica da palavra em uso é igual àquela do vocábulo de origem. O metaplasmo pode ocorrer pela adição, supressão ou modificação dos sons. 2.1 Metaplasmos por adição de sons Prótese = acréscimo de fonema no início da palavra. Exemplo: latim vulgar stella, scutu > português "estrela", "escudo". Epêntese = acréscimo de fonema no interior da palavra. Exemplo: latim vulgar stella, registu > português "estrela", "registro". No português brasileiro contemporâneo, ocorre uma particularização da epêntese, chamada anaptixe, que consiste em se desfazer um encontro consonantal pela intercalação de vogal: pneu, advogado > p(i)neu ou p(e)neu, ad(i)vogado ou ad(e)vogado. Paragoge = acréscimo de fonema no final da palavra. Exemplo: latim ante > português "antes". Também ocorre nos casos de adaptação de estrangeirismos limitados posteriormente por consoante, como francês chic > português "chique", inglês lunch > português "lanche". 2.2 Metaplasmos por supressão de sons Aférese - supressão de fonema no início da palavra - Exemplo: latim vulgar acume > português "gume". Observe-se que a aférese só ocorreu depois de outro metaplasmo, a sonorização, ter alterado o /c/ interno a /g/. Síncope - supressão de fonema no meio da palavra - Exemplo: latim vulgar malu, opera > português "mau", "obra". Apócope - supressão de fonema no fim da palavra - Exemplo: latim mare > português "mar". Crase - fusão de duas vogais, desde que interna à palavra - Exemplo: português arcaico pee > português moderno "pé". Haplologia - entre duas sílabas de mesma estrutura e contíguas, consiste na supressão da menos saliente - Exemplo: português medieval "bondadoso" > português moderno "bondoso". 673
No português brasileiro contemporâneo falado, há vários dialetos em que se observam haplologias em palavras fonológicas: dente de leite > /dendjileits/, perto de casa > /perdjikaza/. Elisão (sinalefa) - fusão de vogais que limitam palavras adjacentes, tornando-as em um conjunto fonológico; verifica-se, por vezes, a atuação de metaplasmos secundários, como o deslocamento da sílaba tônica (q.v. 'Metaplasmos por transposição'). Exemplo: latim de ex de > português desde; português brasileiro contemporâneo falado ' o tempo inteiro ' > " o tempintero " 2.3 Metaplasmos por modificação de sons 2.3.1 Por transposição Neste caso, a modificação é observada depois que um elemento fonético (segmental ou supra-segmental, como é o caso da posição tônica) é deslocado do lugar que ocupa originalmente na palavra. Metátese - deslocamento interno à sílaba. Exemplo: latim pro > português "por"., semprer > "sempre", inter > "entre" Hipértese - transposição de um fonema de uma sílaba para outra. Exemplo: latim capio > português "caibo", primariu > primairo > "primeiro", fenestra > feestra > "fresta". Hiperbibasmo - em grego, relacionado ao verbo hyperbibázo, que compreende o deslocamento de fonema ou de acento; nas línguas modernas, abrange apenas a transposição de elementos supra-segmentais, dividindo-se, portanto, em sístole e diástole: Diástole - avanço do acento tônico. Exemplos: límite > "limite", pônere > "ponere", tênebra > "tenebra". Sístole - recuo do acento tônico. Exemplo: latim pantânu, eramus (paroxítonas) > português "pântano", "éramos", idólu > "ídolo". 2.3.2 Por tranformação Apofonia: Mudança de timbre duma vogal por influência de outra (I,U) 674
Assimilação: 2 consoantes diferentes viram 2 iguais, por exemplo: rs - persona > "pessoa", st - nostro > "nosso", rs - persicu > "pêssego". Dissimilação: Ao contrário da Assimilação, consiste em estabelecer uma diferenciação entre dois fonemas iguais, por exemplo: "liliu" > "lírio", "memorare" > "membrar" > "lembrar", "rotundu" > "rodondo" > "redondo". Consonantização: Transformação em uma consoante de uma (semi)vogal: iam > "já", Iesus > "Jesus", uita > "vida", iactum > "jeito" Vocalização: nocte > "noite", regnu > "reino", multu > "muito" Nasalização: passagem de um fonema oral a nasal:nec > "nem", bonu > "bom" Desnasalização: luna > lũa > "lua", bona > bõa > "boa", ponere > põer > poer > "pôr". Monotongação: Transformação de um ditongo numa vogal simples Ditongação: anu, ane, unt, adunt, anctu e one passam para ão. Metafonia: Mudança de timbre duma vogal tónica por influência de outra Palatização: tegula > "telha", folia > "folha", hodie > "hoje", pluvia > "chuva". Sonorização: passa de surda para sonora. t > d, k > g, f > v, s > z, p > b. Exemplos: lupu > "lobo", matiru > "marido", populu > "povo". Desvozeamento 3 Metaplasmos encontrados em algumas Tiras de HQs Nesse estudo levar-se-á em consideração não somente as mudanças que ocorreram pela passagem do latim para a formação da língua portuguesa, como também as mudanças que ocorrem dentro da própria língua pelos falantes, entre elas, parece ser a mais importante o ponto de articulação dos sons, ou seja, praticidade. Outra tendência para a formação desse tipo de metaplasmo é pelo uso da linguagem informal, principalmente entre as classes rurais, onde há pouco acesso à língua culta. Mostraremos como são utilizados os metaplasmos em tirinhas de HQ, escolhemos como exemplo as histórias em quadrinhos de Maurício de Souza, onde dois personagens são caracterizados pelo uso de metaplasmos, Cebolinha e Chico Bento. Analisaremos abaixo os seguintes quadrinhos O personagem Cebolinha comete metaplasmos por transposição, lambidacismo, ou seja, fenômeno fonético que consiste em trocar o /r/ pelo /l/. 675
CLALO, CASCÃO! CLARO, CASCÃO! FIGURA 01 Na figura 01, no segundo quadro pode-se observar o uso da palavra clalo, um metaplasmo que sofreu transposição, lambidacismo, ou seja, fenômeno fonético que consiste em trocar o /r/ pelo /l/. Sendo assim teríamos a palavra CLARO. OH. MEU ANJO DA GUALDA! ME AJUDE OH. MEU ANJO DA GUARDA! ME AJUDE FIGURA 02 Na figura 02 temos o exemplo do uso da palavra gualda, no primeiro quadro, que passou pela mesma transposição, lambidacismo, que o exemplo anterior, ou seja, a trocar do /r/ pelo /l/. Portanto, teríamos a palavra GUARDA. 676
Outro metaplasmo muito comum hoje em dia e principalmente no interior do país, nas zonas rurais é o representado pelo personagem Chico Bento, ele faz uso de metaplasmos de aumento como Suarabact (acréscimo de uma vogal para desfazer grupo consonantal advogado > adevogado), Paragogue (acréscimo de um fonema no final da palavra variz > varize) e Prótese (acréscimo do fonema no início da palavra voar > avoar); metaplasmos por supressão como Aférese (supressão no inicio da palavra você > cê), Apócope (suprime um fonema no final da palavra bobagem > bobage), Síncope (supressão fonética no meio da palavra licença > cença) e outras mais. Veremos a analise da fala de Chico Bento a seguir. SORRIAM QUI EU VÔ TIRÁ O RETRATO! SORRIAM QUE EU VOU TIRAR O RETRATO! FIGURA 03 No exemplo acima destacamos os metaplasmos no primeiro quadro, qui é um metaplasmo que passou por processo de transformação, dissimilação, que consiste na troca do /e/ por /i/. Tendo assim, a intenção de dizer a palavra QUE. As palavras vô e tirá, são metaplasmos que passaram por processo de supressão, chamada de apócope - omissão do fonema final. Teríamos então VOU e TIRAR. 677
Ô PAI! NUM CONTA MAIS HISTÓRIA PR EU DRUMI! Ô PAI! NÃO CONTA MAIS HISTÓRIA PARA EU DORMIR! FIGURA 04 A figura 04, o metaplasmo num, se deu através do processo de transformação, nasalização, outra tranformação em se tratndo de metaplasmos ocorreu em pr eu, o fenômeno de crase, que se dá pela supressão de fonemas ao mesmo passo que une ou junta duas palavras. Portanto teríamos consecutivamente NÃO e PARA EU. Já em drumi temos metaplasmos por transposição, a metátese, que trata do deslocamento do fonema na mesma sílaba, e por supressão, a apócope, que trata da supressão do fonema final. Ficando então DORMIR. Ainda no primeiro quadrante da figura 04, agora na fala do pai do personagem temos: PRU QUE, FIO POR QUE, FILHO O metaplasmo pru passou pela transposição, metátese, considerando o deslocamento do fonema na mesma sílaba. Sendo assim teríamos POR. Fio por sua vez passa por processo de supressão, síncope que é a omissão do fonema no meio da palavra. Teríamos então FILHO. O segundo quadro da figura 04 temos a fala do personagem Chico Bento. EU SEMPRE ACABO DRUMINDO NA METADE! EU SEMPRE ACABO DORMINDO NA METADE! Na palavra drumindo ocorre o mesmo processo de transposição, metátese, que trata do deslocamento do fonema na mesma sílaba. Portanto teríamos DORMINDO. 678
FICO SEM SABE DOS FIM FICO SEM SABER DO FIM Em sabe, ocorre o fenômeno de supressão do fonema final, conhecido como apócope, parte integrante dos metaplasmos por supressão. Ficando assim SABER. Dos é um metaplasmo que sofreu aumento, também chamado de paragogue, que é o acréscimo de fonema no final da palavra. Sendo assim teríamos DO. 4 Considerações Finais Para que fosse realizada essa pesquisa, buscamos em vários meios de comunicação fontes e inpirações, e a partir dai pudemos perceber como os metaplasmos fazem parte e como estão presentes em nosso cotidiano. A evolução que sofreu e ainda sofre a língua, desde o Latim até hoje, nos deu a exata noção de quão importantes são esse fenônemos linguísticos. A partir daí pudemos observar essa evolução faz parte de nosso vocabulário, e como ainda evoluem, mesmo na fala do falante da língua culta brasileira. Muitos personagens de livros, programas de televisão, usam com humor essa variação, porém passa quase desapercebido ess fenômeno na fala do brasileiro. Para nós estudantes da língua é de profunda importância ter esse tipo de conhecimento da evolução e desenvolvimento da língua materna. 5 Referências ARAÚJO, Ruy Magalhães de. Metaplasmos: um paralelo diacrônico e sincrônico. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/cluerjsg/anais/ii/completos/palestras/ruymagalhaesdearaujo.pdf > Acesso em: 10 08 2010. MATOS, Geraldo. Fundamentos históricos da língua portuguesa. Curitiba: IESDE Brasil, 2009. TURMA DA MÔNICA. Disponível em: <http://www.monica.com.br/comics/tirinhas.htm > Acesso em: 10 07 2010. 679
Para citar este artigo: CRUZ, Ana Gabriela Caldeira da; MOURA, Julia Maranho de; MELLO, Bruna Regina de. A variação fonológica: metaplasmos em tiras de hqs. In: VII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA SÓLETRAS - Estudos Linguísticos e Literários. 2010. Anais... UENP Universidade Estadual do Norte do Paraná Centro de Letras, Comunicação e Artes. Jacarezinho, 2010. ISSN 18089216. p. 672 680. 680