A RESPONSABILIDADE PELAS DESPESAS DE ACOMPANHANTE DE CRIANÇA E ADOLESCENTE EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA Mariana Elias Setúbal Advogada Pós Graduação em Processo Civil Recentemente foi veiculado nos meios de comunicação notícias que tratavam da aprovação de projeto de lei que exige dos planos de saúde cobertura das despesas de acompanhantes de recém-nascidos internados em UTIs. As matérias indicam que o Plenário do Senado aprovou o Projeto de Lei do Senado nº 174, de 2000, de autoria do Senador Luiz Pontes (PSDB-CE), que trata da obrigatoriedade dos planos privados de assistência à saúde em custear despesas com acompanhantes de recém-nascidos, lactentes e crianças internados em UTI. Primeiramente, insta destacar que o Projeto de Lei, como o próprio nome diz, ainda é uma fase preliminar a Lei, sendo que apenas pode ser oponível à população após e se for convertido em Lei. Pesquisamos junto ao Senado Federal acerca do PLS 174 (objeto da consulta) e verificamos alguns importantes aspectos que merecem destaque. Quando da propositura do Projeto de Lei, seu autor, o Senador Luiz Pontes, indicou que a alínea g do art. 12 da Lei 9.656/98 não estaria sendo interpretada pelos planos privados de assistência à saúde ampla, no sentido de que, atualmente, o entendimento é da obrigatoriedade em cobrir despesas com acompanhantes de crianças, exceto quando internadas em Unidade de Terapia Intensiva. Tal dispositivo assim rege: Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência de planos ou seguros privados de assistência à saúde que contenham redução ou extensão da cobertura assistencial e do padrão de conforto de internação hospitalar, em relação ao plano referência definido no art. 10, desde que observadas as seguintes exigências mínimas: II - quando incluir internação hospitalar: f) cobertura de despesas de acompanhante, no caso de pacientes menores de dezoito anos; A proposta do Senador é incluir no inciso II do art. 12 mais uma letra, a saber: g) cobertura de despesas de acompanhante de recémnascido, lactentes e crianças, enquanto esses
permanecerem internados em unidade de tratamento intensivo neonatal ou pediátrico.. Segundo o autor do Projeto de Lei, a letra f daquele inciso não vem sendo obedecida quando se trata de internação em UTI, mesmo quando se trata de criança que precisa de aleitamento materno. Segundo o Senador: Os planos e seguros privados de assistência à saúde, mormente nos hospitais privados, têm dado interpretação à norma no sentido de que, em caso de permanência em unidade de tratamento intensivo, não há a necessidade de permanência no Hospital dos pais ou responsáveis. Isso, notoriamente, constitui-se em excesso por parte daquelas instituições, pois, como ressalta a apreciação do bom senso, o paciente que permanece em UTI, encontra-se, induvidosamente, internado em regime hospitalar e, mantendo-se o vínculo com a família, está provado que o paciente alcança uma recuperação mais rápida. Cita o Senador que o Estado, consciente disso, implantou na rede pública de saúde o Projeto Canguru (que deixa os bebês prematuros juntos com a mãe) e o pagamento de estada do acompanhante do recém-nascido prematuro na unidade hospitalar. Indica, ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente para enfatizar a legitimidade do projeto de lei. Se antes a proposta era para possibilitar à mãe ficar perto do recém-nascido e até possibilitar a amamentação e habituais encontros, o projeto foi estendido aos menores de dezoito anos, sob argumentação da proteção regulada pelo ECA. O Projeto de Lei do Senado nº 174 foi aprovado em 04/07/2006, acrescido de emendas propostas pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) e Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). A redação final do Projeto, porém, apenas foi aprovada em 02/08/2006, de modo que a proposta é para alteração da letra f do inciso II do art. 12 da Lei 9.656/98, nos seguintes termos: f) cobertura de despesas de acompanhante, no caso de pacientes menores de dezoito anos, inclusive quando se tratar de internação em unidade de terapia intensiva ou similar, desde que haja prescrição médica. A alteração da proposta se deu em virtude de emendas sugeridas por aquelas Comissões, sob a defesa de que não apenas aos recém-nascidos deve ser assegurado a presença de acompanhante, mas a todos aqueles protegidos pelo ECA.
A Comissão de Assuntos Sociais destacou, em seu parecer: a) Não há questionamentos, entre os profissionais de saúde, quanto ao fato de que a presença dos pais durante o processo de atendimento a crianças gravemente enfermas é fator favorecedor da recuperação, por trasmitirlhes segurança e apoio; b) A presença do familiar no mesmo ambiente pode atrapalhar a realização de determinados procedimentos ou até mesmo traumatizar o acompanhante, razão pela qual o médico assistente deve indicar a necessidade do acompanhante; c) a indicação de quando e como permitir a presença de acompanhante deve ficar a critério do médico assistente; e d) os gastos com acompanhantes de crianças e adolescentes internados devem ser cobertos pelos planos de saúde desde que tenha aquiescência do médico assistente. A Comissão de Assuntos Econômicos destacou: a) a necessidade de aprovação do projeto para estancar o abuso que vem sendo cometido pelas operadoras de planos e seguros privados de saúde ; b) a importância da presença da mãe ou do pai de criança gravemente enferma mesmo que o acompanhante não possa estar em contato direto com a criança, pois sua presença confere tranqüilidade e segurança quanto aos procedimentos que estão sendo tomados, sentimentos que são transferidos para a criança e resultam em maior chance de recuperação ; c) a presença materna nos ambientes hospitalares de assistência tem sido fator decisivo na recuperação do recém-nato ou lactente jovem; e d) a intenção do legislador foi assegurar a presença de acompanhante a todos os menores de dezoito anos, e não somente aos recém-nascidos e lactentes, o que enseja adaptação do texto legal (letra f ) e não inclusão de nova alínea.
Com as considerações daquelas Comissões, chegou-se a aprovação do texto final do Projeto de Lei para que as despesas com acompanhantes de menores de dezoito anos sejam asseguradas pelos planos privados de assistência à saúde, inclusive em UTIs, desde que assim se manifeste o médico assistente. Sobre o assunto, dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente: Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, são obrigados a: (...) V - manter alojamento conjunto, possibilitando ao neonato a permanência junto à mãe. Art. 12. Os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente. Como se percebe, apesar de haver uma imposição legal, a ordem é mais voltada aos estabelecimentos hospitalares do que aos planos de saúde. Aliás, seria deveras ilógico apesar de alguns entendimentos contrários que os planos privados de assistência à saúde fossem obrigados a custear despesas de acompanhantes de crianças e adolescentes em quarto ou local distante do menor. Pesquisando acerca do assunto junto a internet, pudemos verificar que as despesas com acompanhantes se referem não a um quarto no hospital, mas a um plus nas despesas da criança e do adolescente, uma vez que deverá o hospital possuir cadeira de acompanhante ou alojamento próprio para tais acompanhantes. Assim sendo, o acompanhante permanecerá, via de regra, ao lado do paciente, e não em outro cômodo do hospital. Temos, então, que para que se torne obrigatória a cobertura de tais despesas, os hospitais particulares devem se adaptar à norma. Por esta razão, entendemos que não deve ser apenas dirigida aos planos e seguros privados de assistência à saúde, mas também e principalmente - aos hospitais privados. Entendimento contrário levaria a crer que, em não tendo o hospital adaptado sua UTI para receber acompanhante, teria o plano de saúde que arcar com as despesas de alojamento do mesmo no próprio hospital, o que gera gasto absurdo e despropositado, além de utilizar leito que se encontra preparado para atender enfermos e não acompanhantes (hotelaria).
Neste sentido, importante destacar problema que ainda não foi levantado: o Projeto de Lei visa alterar dispositivo da Lei 9.656/98, que trata dos Planos e Seguros Privados de Assistência à Saúde. A Lei dispôs acerca da criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar ANS, que regula e fiscaliza o setor. No entanto, a ANS não tem competência para fiscalizar e impor condutas e sanções aos prestadores de serviços médico-hospitalares, o que dificulta o cumprimento de normas. Em síntese: a Lei se aplica aos planos e seguros privados de saúde e não aos hospitais e clínicas de saúde. Em havendo alteração na Lei 9.656/98, a obrigação não é capaz de alcançar os prestadores de serviços, vez que não se submetem àquela norma legal. Entendemos, então, que, aprovado o Projeto de Lei e sancionado pelo Presidente da República, deverá haver regulamentação específica voltada para os hospitais e casas de saúde para que se adaptem às exigências do Projeto de Lei. Vale destacar, ainda, que a medida certamente impactará no valor das mensalidades ou contribuições dos planos de saúde, vez que se trata de aumento de gastos não previstos. Por óbvio, mesmo que indiretamente, será o próprio usuário quem suportará tais despesas extraordinárias. Lembramos, porém, que ainda de trata de Projeto de Lei aprovado apenas no âmbito do Senado Federal. O texto final do Projeto de Lei nº 174, de 2.000 será, então, submetido à Câmara dos Deputados para, se lá também aprovado, ser encaminhado à sanção (ou veto) do Presidente da República. Apenas no caso do Projeto ser sancionado pelo Presidente da República é que se tornará Lei. Por todo o exposto, temos que o Projeto de Lei do Senado Federal nº 174, de 2000, foi aprovado pelo Senado Federal para alteração da redação do art. 12, II, f da Lei 9.656/98, passando a ter a seguinte redação: f) cobertura de despesas de acompanhante, no caso de pacientes menores de dezoito anos, inclusive quando se tratar de internação em unidade de terapia intensiva ou similar, desde que haja prescrição médica. A norma ainda não tem vigência, visto que será submetida à apreciação da Câmara dos Deputados e, se aprovada, ao crivo do Presidente da República, para veto ou sanção. Enquanto a Lei não é aprovada, resta-nos torcer para que a norma tenha regulamentação mais clara no sentido de expor que tipo de despesas deverão ser cobertas, bem como para que haja também regulamentação da matéria que alcance os hospitais e clínicas de saúde.
Importante destacar, ainda, que a tendência, jurisprudencial é de que o dispositivo alterado se estenda aos pacientes idosos. Isso porque o Estatuto do Idoso também protege a assistência à saúde e, assim como o ECA, trata do acompanhante. Vejamos: Art. 16. Ao idoso internado ou em observação é assegurado o direito a acompanhante, devendo o órgão de saúde proporcionar as condições adequadas para a sua permanência em tempo integral, segundo o critério médico. Parágrafo único. Caberá ao profissional de saúde responsável pelo tratamento conceder autorização para o acompanhamento do idoso ou, no caso de impossibilidade, justificá-la por escrito. Em sendo sancionado o Projeto de Lei ora estudado da forma como apresentado pelo Senado Federal, somos que, a menos que haja outra regulamentação tratando da matéria, as despesas a serem cobertas são aquelas asseguradas no regulamento ou contrato do plano de saúde (até porque o animus da norma é equiparar os direitos em UTI àqueles em internação comum) e deverão ser asseguradas aos menores de dezoito anos.