Luís de Camões (1524?-1580?)

Documentos relacionados
Quando eu, senhora...

QUANDO EU, SENHORA...

A arte de escrever um soneto


Prof. Eloy Gustavo. Aula 4 Renascimento

Aula 6 A lírica camoniana

Luís de Camões (Sonetos)

1) Soneto: Enquanto quis Fortuna que tivesse

Luís Vaz de Camões Retrato pintado em Goa, 1581.

LÍNGUA PORTUGUESA ENSINO MÉDIO PROF. DENILSON SATURNINO 1 ANO PROF.ª JOYCE MARTINS

ARTES VISUAIS E LITERATURA

Literatura 1º ano João J. Classicismo

( ) A literatura brasileira da fase colonial é autônoma em relação à Metrópole.

Soneto a quatro mãos

AULA 03 LITERATURA. Classicismo

DATA: 26 / 09 / 2014 II ETAPA AVALIAÇÃO DE RECUPERAÇÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA 1.º ANO/EM ALUNO(A): Nº: TURMA:

Uma grande parte dos sonetos incluídos nesta

1) (Mack) Textos para as duas próximas questões: Texto I

Síntese da unidade 4

O texto poético Noções de versificação

Se nela está minha alma transformada, que mais deseja o corpo de alcançar? Em si somente pode descansar, pois consigo tal alma está liada.

Ler. Hoje. Luís de camões. poesia lírica e épica OS CLÁSSICOS MARIA ALMIRA SOARES

Desde sempre presente na nossa literatura, cantado por trovadores e poetas, é com Camões que o Amor é celebrado em todo o seu esplendor.

Por. Raphael Hormes. Monitor: Bruna Basile

LETRAS PORTUGUÊS BACHARELADO/LICENCIATURA

*O Amor é o principal tema de toda a lírica camoniana - como é n'os Lusiadas, uma das grandes linhas que movem, organizam e dão sentido ao universo,

Sonetos de Luís Vaz de Camões I

FORMAÇÃO CONTINUADA EM LÍNGUA PORTUGUESA

Primeiro dia Jogando eu aprendo a ser feliz

Cantigas Medievais. Cantadas pelos trovadores, as can0gas chegaram a. cancioneiros (coleções) de diversos 0pos. Séc. XII a XIV

"Bem-vindos ao melhor ano de suas vidas #2018"

Fabiana Medeiros Júlio Balisa

A REPRESENTAÇÃO DO AMOR NA LÍRICA CAMONIANA

Orientação de estudos

Luís Vaz de Camões. 1º Abs Joana Santos nº2486

UMA ESPÉCIE DE INTRODUÇÃO PARA QUE POSSAMOS ENTENDER-NOS MELHOR

HISTÓRIA DA ARTE E DA LITERATURA

Classicismo. Literatura brasileira 1ª EM Prof.: Flávia Guerra

ROTEIRO DE RECUPERAÇÃO ANUAL DE LITERATURA

MEU JARDIM DE TROVAS

FORMAÇÃO CONTINUADA EM LÍNGUA PORTUGUESA

Biblioteca. Educação literária. Poesia - 8o ano

Classicismo em Portugal

ミ Trabalho de Literatura 彡. Tema: Classicismo e Humanismo.

Roteiros Mensais para Grupos

Introdução à Literatura

Solução Comentada Prova de Língua Portuguesa. Texto 1

Exercícios Revisionais de Língua Portuguesa e Literatura Para 15/06/2015

A tristeza. A tristeza

LITERATURA ROTEIRO DE RECUPERAÇÃO

Prova Escrita de Literatura Portuguesa

Colégio XIX de Março Educação do jeito que deve ser

LITERATURA PROFª Ma. DINA RIOS

Professor: Luiz Romero Disciplina: Literatura Conteúdo: Arcadismo Aula: 01

luís de camões Sonetos de amor Prefácio de richard zenith

DEIXA-ME SENTIR TUA ALMA ATRAVÉS DO TEU CALOROSO ABRAÇO

CLÁSSICO O QUE SIGNIFICA ESSA PALAVRA PARA VOCÊ?

Jovens estão perdendo audição por causa de fones de ouvido

Arcadismo / Neoclassicismo

LITERATURA CONCEITOS GERAIS

Trovadorismo e Humanismo Literatura Portuguesa

FORMAÇÃO CONTINUADA EM LÍNGUA PORTUGUESA

4.3.1 Introdução às Opções

LITERATURA: GÊNEROS E MODOS DE LEITURA - EM PROSA E VERSOS; - GÊNEROS LITERÁRIOS; -ELEMENTOS DA NARRATIVA. 1º ano OPVEST Mauricio Neves

FORMAÇÃO CONTINUADA EM LÍNGUA PORTUGUESA

Soneto Serás sempre o mais belo. rosto no meio do nevoeiro. que orla a duna do medo. em ser a copa do pinheiro. Com sabor a sal na brisa

Cifras de Beth Carvalho por André Anjos

FACULDADE SUMARÉ PLANO DE ENSINO. Componente Curricular: Literatura Portuguesa I. Professor(es):

Português 11º ano PLANIFICAÇÃO ANUAL Ano letivo 2016/2017

Em síntese Camões Lírico. Maria Serafina Roque

FORMAÇÃO CONTINUADA EM LÍNGUA PORTUGUESA

MODERNISMO 2ª GERAÇÃO. Por Carlos Daniel S. Vieira

Unidade 3 Por mares nunca dantes navegados. Escola EB2,3 do Caramulo 2.008_

PRINCIPAIS OBRAS DE LEODEGÁRIO A. DE AZEVEDO FILHO

Mensagem do dia Insistir

Colégio Santa Dorotéia

Camões (1525? 1580) Sobre a Obra e os Sonetos Camões

ENSINO SECUNDÁRIO 10º ANO PLANIFICAÇÃO ANUAL

FIGURAS DE LINGUAGEM

MANEIRISMO NA POESIA DE JOSÉ ALBANO

Teste de Avaliação n.º 2 - Correção

ESCOLAS LITERÁRIAS / ESTILOS DE ÉPOCA UMA INTRODUÇÃO. 1 TROVADORISMO [séculos XII XV]

AS FACES DA LÍRICA CAMONIANA

FORMAÇÃO CONTINUADA EM LÍNGUA PORTUGUESA

3) As primeiras manifestações literárias que se registram na Literatura Brasileira referem-se a:

Amor. Amor Livre. Amor Livre

Leia os textos a seguir, que servirão de base para a sua Redação. I. 10 -

Page 1 of 5. Amor & Sociologia Cultural - Caetano Veloso & Cazuza

O primeiro suspiro de um poeta insano!

FORMAÇÃO CONTINUADA EM LÍNGUA PORTUGUESA

INSTRUÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DA PROVA LEIA COM MUITA ATENÇÃO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS:

FERNANDO PESSOA Heterônimos

Texto Meu Bebê pequeno:

Projeto Pedagógico Qual caminho deve seguir para obter uma infância feliz? Como fazer para compreender a vida em seu momento de choro e de riso?

Considera, meu amor, até que ponto

2 Em que data começou o Trovadorismo em Portugal, e que fato marcou essa data?

FORMAÇÃO CONTINUADA EM LÍNGUA PORTUGUESA

Meu bem querer. Ao Único. 02 ME Bené Carlos Gomes

Transcrição:

Prof. André de Freitas Barbosa Análise literária Luís de Camões (1524?-1580?) SONETOS (1595)

Aspectos da lírica camoniana Luís de Camões é o maior expoente do Classicismo literário e, por extensão, do Renascimento em Portugal (século XVI). A adoção do soneto, herdado do Humanismo italiano (séculos XIII e XIV) comprova a marca renascentista, em especial pela influência de Francesco Petrarca (1304-1374), maior divulgador da mais popular forma fixa do Ocidente. Camões se aproxima de Petrarca tanto pela forma quanto pelo conteúdo lírico (elogio da amada e celebração do amor após a morte). Ao fazer inúmeras referências mitológicas, Camões se aproxima, ainda, da cultura erudita de matriz clássica.

Camões dominou vários gêneros: teatro, poesia épica (Os Lusíadas, 1572) e numerosa obra lírica, da qual se destacam cerca de 200 sonetos. Até hoje ninguém sabe com segurança quantos sonetos foram escritos por Camões. Na 1ª edição (1595), há 65 sonetos; na 2ª edição (1598), aparecem 105; na edição de 1685, há 264; na edição de 1860, 352. Após 1900, o número de sonetos seguiu caminho inverso, pois começou a decrescer: ao longo do século XX, há edições que ultrapassam 200 sonetos, com recuos e avanços nem sempre justificáveis. Nesta aula usamos como base a coletânea do Dr. Álvaro Júlio da Costa Pimpão, que compreende 166 sonetos.

O soneto é uma forma poética fixa, isto é, com regras claramente definidas e invariáveis. O modelo mais consagrado, conhecido como soneto italiano, possui 14 versos distribuídos em duas estrofes de quatro versos (quadras) seguidas de duas estrofes de três versos (tercetos). A maior novidade formal do Classicismo era a adoção de versos decassílabos (possuidores de 10 sílabas poéticas). Francesco Petrarca (1304-1374), mestre da poesia lírica humanista

O principal tema da lírica camoniana em medida nova é o amor, concebido tanto em sua dimensão racional (busca de definição, tentativa de compreensão de seus efeitos), quanto em sua manifestação mais sofrida (desilusão do eu lírico e morte da amada).

Ah! minha Dinamene! Assi deixaste Quem não deixara nunca de querer-te! Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te, Tão asinha esta vida desprezaste! Como já pera sempre te apartaste De quem tão longe estava de perder-te? Puderam estas ondas defender-te Que não visses quem tanto magoaste? Nem falar-te somente a dura Morte Me deixou, que tão cedo o negro manto Em teus olhos deitado consentiste! Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte! Que pena sentirei que valha tanto, Que inda tenha por pouco viver triste. (Soneto 101)

O poeta tratou também dos desencontros entre o indivíduo e o mundo, de que resulta uma poesia marcada pelo pessimismo e pela angústia existencial. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança: Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades, Diferentes em tudo da esperança: Do mal ficam as mágoas na lembrança, E do bem (se algum houve) as saudades. O tempo cobre o chão de verde manto, Que já coberto foi de neve fria, E em mim converte em choro o doce canto. E afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto, Que não se muda já como soía. (Soneto 92)

O eu lírico camoniano consegue ser, ao mesmo tempo, intimista (na referência a um conjunto de experiências particulares) e universal (atribuindo a essas experiências uma reflexão mais ampla):

Sete anos de pastor Jacob servia Labão, pai de Raquel, serrana bela; mas não servia ao pai, servia a ela, que a ela só por prémio pretendia. Os dias, na esperança de um só dia passava, contentando-se com vê-la; porém o pai, usando de cautela, em lugar de Raquel lhe dava Lia. Vendo o triste pastor que com enganos lhe fora assi negada a sua pastora, como se a não tivera merecida; começa de servir outros sete anos, dizendo: Mais servira, se não fora para tão longo amor tão curta a vida. (Soneto 30)

Camões e o neoplatonismo amoroso O neoplatonismo é a base filosófica da maioria dos sonetos camonianos. Trata-se da retomada das ideias de Platão (428-348 a.c.), que imaginava dois planos distintos da experiência humana: o mundo sensível (onde o homem vive ligado à matéria) e o mundo ideal (atingido após um processo de ascensão espiritual). Segundo Platão, a experiência ideal seria a do amor espiritualizado o amor platônico. Em Camões, a temática do amor espiritual convive com a do amor carnal. Essa tensa coexistência permite perceber o que há de maneirista na poesia camoniana.

Muitos sonetos expõem o conflito entre as expectativas e realizações humanas. Dele advém o difundido Maneirismo de Camões, característica entendida como a expressão dramática das contradições humanas (expressão que está na origem da arte barroca).

Amor é um fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer; é um andar solitário entre a gente; é nunca contentar-se de contente; é um cuidar que ganha em se perder. É querer estar preso por vontade; é servir a quem vence, o vencedor; é ter com quem nos mata, lealdade. Mas como causar pode seu favor nos corações humanos amizade, se tão contrário a si é o mesmo Amor? (Soneto 5)

Há muito de maneirista também no reconhecimento das limitações da razão no esforço de definição do amor: Busque Amor novas artes, novo engenho, para matar-me, e novas esquivanças; que não pode tirar-me as esperanças, que mal me tirará o que eu não tenho. Olhai de que esperanças me mantenho! Vede que perigosas seguranças! Que não temo contrastes nem mudanças, andando em bravo mar, perdido o lenho. Mas, conquanto não pode haver desgosto onde esperança falta, lá me esconde Amor um mal, que mata e não se vê. Que dias há que n alma me tem posto um não sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei porquê. (Soneto 3)

EXERCÍCIO (Unicamp) Leia o seguinte soneto de Camões: Oh! Como se me alonga, de ano em ano, a peregrinação cansada minha. Como se encurta, e como ao fim caminha este meu breve e vão discurso humano. Vai-se gastando a idade e cresce o dano; perde-se-me um remédio, que inda tinha. Se por experiência se adivinha, qualquer grande esperança é grande engano. Corro após este bem que não se alcança; no meio do caminho me falece, mil vezes caio, e perco a confiança. Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança, se os olhos ergo a ver se inda parece, da vista se me perde e da esperança.

a) Na primeira estrofe, há uma contraposição expressa pelos verbos alongar e encurtar. A qual deles está associado o cansaço da vida e qual deles se associa à proximidade da morte? O cansaço da vida está associado ao verbo alongar, e a proximidade da morte está associada ao verbo encurtar. b) Por que se pode afirmar que existe também uma contraposição no interior do primeiro verso da segunda estrofe? Porque existe uma contraposição evidente entre gastar (no sentido de diminuir) e crescer ; além disso, em certo sentido pode-se contrapor a idade (a maturidade) como um bem e a palavra dano entendida como um mal ou desgraça. c) A que termo se refere o pronome ele da última estrofe? O elemento a que se refere o ele da última estrofe é o termo bem da estrofe anterior.

E assi darei vida a meu tormento; que, enfim, cá me achará minha lembrança sepultado no vosso esquecimento. (Soneto 29, terceto final) Até a próxima aula! Prof. André