Fascículo 5 MANUTENÇÃO DE EDIFICAÇÕES. Da intenção de projeto ao uso do edifício: a Busca da Excelência Profissional



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Fascículo 5 MANUTENÇÃO DE EDIFICAÇÕES Da intenção de projeto ao uso do edifício: a Busca da Excelência Profissional

Programa de Excelência em Projetos CREA-PR 3 Programa de Excelência Projetos, Execução e Manutenção Engenharia, Arquitetura, Agronomia e Geociências Da intenção de projeto ao uso do edifício: a busca da excelência profissional CREA-PR E ENTIDADES DE CLASSE Arquiteta Patricia Bruder Barbosa Colaboração: Arquiteto Jaime Pusch Curitiba 2011

EXPEDIENTE Gestão 2011 PRESIDENTE: Engenheiro Agrônomo Álvaro José Cabrini Júnior 1º VICE-PRESIDENTE: Engenheiro Civil André Luis Gonçalves 2º VICE-PRESIDENTE: Engenheiro Agrônomo Orley Jayr Lopes 1º SECRETÁRIO: Engenheiro Civil José Rodolfo de Lacerda 2º SECRETÁRIO: Engenheiro Eletricista Aldino Beal 3º SECRETÁRIO: Técnico em Edificações Márcio Gamba 1º TESOUREIRO: Engenheiro Mecânico Silmar Brunatto Van Der Broocke 2º TESOUREIRO: Engenheira Agrônoma Adriana Baumel DIRETOR ADJUNTO: Arquiteta Ana Carmen de Oliveira Programa de Excelência em Projetos CREA-PR 5 Produção e Edição Arq. Patricia Bruder Barbosa Colaboração Arq. Jaime Pusch Publicação CREA-PR Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado do Paraná Assessoria de Apoio às Entidades de Classe do CREA-PR aaec@crea-pr.org.br Jornalista Responsável: Anna Preussler; Projeto gráfico e diagramação: Cesar Stati; Revisão ortográfica: Lia Terbeck; Tiragem: 1.000 exemplares

Programa de Excelência em Projetos CREA-PR 7 INTRODUÇÃO Uma goteira em cima de uma máquina de um milhão de dólares! Esbravejava um empresário para seu engenheiro de manutenção no filme. Era uma propaganda de uns trinta anos atrás sobre determinado material de construção de coberturas industriais. A indignação perceptível na voz do ator expressava a preocupação que o cidadão tem com a correta manutenção do edifício, desde a escolha dos materiais e técnicas ainda na sua concepção e execução, até em seu uso posterior. Que dizer então de Uma goteira em cima de minha cama? O problema não é só daquele empresário da propaganda. É de todos nós. Quando foi lançado o Programa de Excelência Profissional em Edificações, o CREA-PR estava dando diversas respostas aos profissionais jurisdicionados e à sociedade. Uma delas, claramente embutida em todos os programas originados da velha luta de valorização profissional era e é o de uma maior humanização das profissões de engenharia, arquitetura, agronomia e geociências. E, por conseguinte, quando falamos em edificação, em qualquer de suas fases, não pensamos tão somente no objeto edifício como fim último, mas nas pessoas que o possuem e usam como o principal centro de nossas atenções profissionais. O ciclo tecnológico da edificação, nesta faina permanente de transformar o mundo para melhor, nos leva da concepção projetiva, pela execução prática até ao edifício construído e em uso. Nossa tarefa não para na entrega das chaves. O nosso compromisso ético com ou usuário de nossa arte vai além. Temos que cuidar para que seu estado de higidez e eficiência se mantenha ao longo da relação humana cliente-edifício. Numa visão sistêmica, o maior desafio de qualquer profissional é a luta contra a entropia. Se deixarmos de aguar a planta, ela seca e morre. Se deixarmos de abastecer o motor com adequada energia, ele para. Se abandonarmos a casa, ela se arruína. Se abandonarmos as pessoas elas se entristecem e definham. Temos insistido que um edifício não é apenas um objeto acabado, não é apenas uma mercadoria, não é apenas um volume na paisagem. É também uma utilidade e um valor econômicos, uma realização social e, mais ainda, um sonho de vida, uma relação afetiva entre o usuário e o espaço construído.

8 Gaston Bachelard nos diz que... a casa é nosso canto do mundo. Ela é, como se diz amiúde, o nosso primeiro universo. E completa mais adiante o pensador da Poética do Espaço: Antes de ser jogado no mundo... o homem é colocado no berço da casa. Le Corbusier, o grande marco da expressão do modernismo na arquitetura, trouxe o conceito de ser a casa uma máquina de morar. Um objeto de arte que deve ser eficaz, onde a função dita a forma. Tanto na figuração poético-simbólica de um, quanto na funcionalista-objetiva de outro, o objeto casa é algo construído, de extremo valor afetivo e utilitário para o ser humano. Com a devida vênia, havemos de estender o conceito de casa para os outros espaços construídos: a escola, o escritório, a fábrica, o hospital, o templo, os edifícios de trabalhar, recrear, cultuar. E todo este complexo edilício não foge da ação do tempo e do uso, não escapa à implacável lei da entropia. Manutenção, para além de um simples exercício técnico oportuno reservado a profissionais qualificados, é um ato necessário de múltiplas dimensões para com este ícone maior da cultura humana, o edifício. E isto, nossa colega Patrícia Bruder demonstrará neste trabalho inovador.

1. A IMPORTÂNCIA Programa de Excelência em Projetos CREA-PR 9 DA MANUTENÇÃO DE EDIFICAÇÕES Gastos com a manutenção: prejuízo ou investimento? Desde os primórdios, o homem edificava para ter um abrigo seguro. Com o passar do tempo o homem passou a edificar para os mais diversos usos que não fossem somente a habitação, como o comércio, a indústria e o lazer, procurando constantemente mais solidez e qualidade no espaço construído. As cidades se formaram e verticalizaram. Nos grandes centros urbanos, edifícios cada vez mais altos, com maior inovação formal e tecnológica, e cada vez menos espaço para construir, sem mais com a preocupação em conservar o existente. Não há dúvidas quanto à forte influência que o espaço construído exerce sobre a qualidade de vida da humanidade, já que a maior parte da população mundial habita em cidades, e vive essencialmente em edificações. O ambiente edificado se configura como suporte físico para a realização direta ou indireta de todas as atividades produtivas, e por isso representa um papel social fundamental. Além disto, as construções hoje têm alto valor patrimonial, em especial em nosso país. O edifício se constitui em um dos maiores patrimônios de qualquer pessoa ou empresa, em geral com elevado valor de uso e de troca, desde que mantido em boas condições. Ainda, há que se considerar também o valor afetivo da edificação. Faz parte da cultura do brasileiro a grande estima pelo ambiente construído, o edifício concebido como patrimônio a ser legado aos herdeiros, como que de duração eterna. E é justamente por estas razões que as edificações se distinguem dos demais produtos comercializados: principalmente por atender a seus usuários durante muitos anos, diretamente ligadas à qualidade de vida da sociedade, além de seu alto valor patrimonial e social. Assim sendo, é importante que a edificação apresente condições adequadas ao uso para o qual se destina, resistindo às intempéries e ao uso propriamente dito.

10 Apesar da busca incessante por maior solidez e tecnologia na construção civil, sabemos que, a princípio, qualquer bem possui durabilidade limitada, e é natural que sofra depreciação ao longo do tempo. Nenhuma edificação está imune à degradação provocada pelo ambiente, pelo uso ou mesmo pelas características de seus materiais constituintes. No entanto, o passar do tempo não é determinante para o estado de conservação de um edifício, sendo possível que o processo inevitável de depreciação se torne consideravelmente mais lento, através de atividades de conservação e manutenção do ambiente construído. As atividades de manutenção devem ser consideradas como um investimento, visto que agregam valor à edificação. A norma brasileira que trata sobre manutenção de edificações, NBR 5674:1999, adverte que é econômica e ambientalmente inviável que o edifício construído seja considerado como um produto descartável que, ao atingir seus níveis mínimos de desempenho, simplesmente é substituído. A norma ainda aponta que, em estudos realizados em diversos países, para diferentes tipos de edificações, foi verificado que o custo anual com manutenção e operação do ambiente construído é de aproximadamente 1% a 2% do custo de produção do edifício. Acumulado ao longo da vida útil da edificação, tais valores chegam próximos ou até superiores ao custo total de construção. Apesar da relevância dos valores citados, é comum que a importância da manutenção seja lembrada somente nos momentos mais inoportunos. Os transtornos gerados pela condição de abandono e de falta de manutenção do edifício acontecem fora de hora, e exigem que as atividades de manutenção, tantas vezes adiadas, sejam lembradas. Como por exemplo, o elevador de um edifício de grande altura que pára de funcionar, o curto circuito que provoca um início de incêndio, o vazamento de tubulações hidráulicas, danos às instalações elétricas por descargas atmosféricas ou ainda o descolamento de revestimento da fachada. Isto sem falar das grandes catástrofes, que culminam no desabamento parcial de edificações, como queda de marquises, ou mesmo sua ruína total. Com o passar do tempo, os inconvenientes resultantes da inexistência de atividades de manutenção preventivas e periódicas se tornam mais freqüentes, e ameaçam o sentimento de segurança dos usuários e, por que não dizer, a correlação entre homem e ambiente. Apesar de tudo o que foi disposto, paradoxalmente, as atividades de manutenção ainda são vistas como um problema financeiro de baixa prioridade, enquanto deveriam ser consideradas como um investimento, retardando o envelhecimento e agregando valor ao produto imobiliário.

Programa de Excelência em Projetos CREA-PR 11 Inversão de valores no processo construtivo Diversas publicações e discussões técnicas a respeito da manutenção predial concordam com o fato de que esta ainda hoje é uma atividade negligenciada no âmbito da construção civil. É comum que o planejamento de manutenção de um edifício seja lembrado somente quando começam a surgir os problemas, tornando a medida corretiva mais difícil e custosa. Os países europeus foram os pioneiros nos estudos referentes à manutenção do ambiente construído, com registros que datam da década de 50. No Brasil se passaram quase 500 anos de construção sem que o tema da manutenção fosse discutido. Os primeiros estudos neste sentido foram realizados na década de 80 em nosso país. Desde então o tema tem sido cada vez mais difundido e estudado, principalmente em função do número elevado de edificações existentes e pela preocupação com os inúmeros edifícios com idade avançada. Ao mesmo tempo em que a construção civil tem grande participação na economia brasileira, também deixa a desejar quando o assunto é qualidade e desempenho esperado. Este quadro foi intensificado nos anos 60, com o Banco Nacional da Habitação (BNH), com a produção em massa de edificações, ocupação de mão-de-obra desqualificada, baixo custo de investimentos, etc. No que diz respeito à manutenção predial, por ser uma área de estudo relativamente nova, estamos longe de atingir o nível de qualidade da manutenção industrial. Tal diferença pode ser explicada por razões evidentes: indústria é transformação, e por isso a manutenção traz lucros imediatos, proporcionando a minimização de perdas e maior produtividade, enquanto a manutenção predial, especialmente de residências, é encarada como consumo, gasto. A norma brasileira que estabelece requisitos para a elaboração do Manual de Operação, Uso e Manutenção da Edificação, NBR 14037:1997, cita que uma das principais causas do descaso com a manutenção é a definição do edifício em si como objetivo final do processo construtivo, ou seja, quando da entrega da edificação ao proprietário. Esta inversão de valores, derivada da lógica da mercadoria, própria do sistema econômico de mercado vigente, coloca o real motivo pelo qual a edificação foi construída, que é a satisfação das necessidades dos usuários, em segundo plano. Elevar o índice de desempenho da edificação não significa, no entanto, alterações de sistemas ou reformas. É importante ressaltar que a alteração ou adequação de uso da edificação deve ser definida através de um novo projeto, que também deve ser elaborado por profissional habilitado. O conjunto

12 dos serviços de manutenção pode contribuir para a modernização do edifício e inclusive proporcionar ao empreendimento maior competitividade, através do emprego de inovações tecnológicas e funcionais, trazendo economia, segurança e atendendo aos usuários da melhor forma. Revisão conceitual da manutenção O processo de manutenção pode ser definido como um conjunto de intervenções e recursos destinados à conservação ou recuperação do edifício, seus componentes e instalações, com a finalidade de garantir ao usuário condições de segurança e conforto ambiental, de acordo com suas necessidades e desejos. Cabe salientar que tais atividades devem respeitar os parâmetros previstos no projeto do edifício, bem como considerar temas como desempenho, vida útil da edificação e sustentabilidade do empreendimento, em concordância com a administração de custos e prazos. A atividade de manutenção depende da atuação de equipes multidisciplinares de profissionais devidamente habilitados, de acordo com a atribuição técnica de cada um. Além da atribuição conferida pela habilitação do profissional, é essencial que este desempenhe sua profissão nos limites de sua capacidade pessoal de realização, como o próprio Código de Ética Profissional nos alerta. Em um conceito mais amplo, a manutenção deixa de ser vista em cada atividade prestada, mas como um conjunto de conhecimentos, que dependem de um gerenciamento com qualidade. Além de voltado à conservação do ambiente construído, o processo de manutenção das edificações também deve ser flexível, dinâmico e pro ativo, acompanhando a evolução constante das necessidades dos usuários e prevenindo futuras mudanças. Isto porque os interesses, vontades e aspirações daqueles que utilizam o espaço construído alteram-se com o passar do tempo, incorporando o desenvolvimento tecnológico e social, com a tendência de crescentes exigências de qualidade ambiental. Significa dizer que o papel da manutenção de qualidade não deve se limitar apenas a conservar as condições iniciais do edifício, mas até mesmo em obter níveis de qualidade ambiental superiores ao inicialmente projetado. Elevar o índice de desempenho da edificação não significa, no entanto, alterações de sistemas ou reformas. É importante ressaltar que a alteração ou adequação de uso da edificação deve ser definida através de um novo projeto, que também deve ser elaborado por profissional habilitado. O conjunto dos serviços de manutenção pode contribuir para a modernização do edifício e inclusive proporcionar

Programa de Excelência em Projetos CREA-PR 13 ao empreendimento maior competitividade, através do emprego de inovações tecnológicas e funcionais, trazendo economia, segurança e atendendo aos usuários da melhor forma. Finalmente, para obtermos um nível de qualidade ambiental adequado, não basta somente a excelência na gestão e realização da manutenção predial. Grande parcela das patologias dos edifícios tem origem ainda na fase de projeto, seguida por falta de qualidade na execução das obras, limitação de materiais empregados, e também por serviços de inspeção e manutenção inadequados ou até mesmo inexistentes. Isto quer dizer que as fases anteriores ao uso, de projeto e execução, são cruciais para o bom desempenho do edifício, e que a prevenção contra manifestações patológicas deve estar presente desde o início de todo o processo, e ao longo da vida útil da edificação. A necessidade de integração e comunicação de todos os agentes envolvidos no processo construtivo é evidente, bem como de controle de qualidade de cada uma das fases, já que todas elas estão ligadas à manutenção e aos possíveis problemas patológicos que poderão ocorrer na edificação. Os serviços de manutenção de edificações devem ser realizados por profissionais habilitados das áreas de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. Sustentabilidade Além dos aspectos já citados, a gestão da manutenção também deve visar à sustentabilidade do empreendimento. O conceito de sustentabilidade é sistêmico, e abrange questões relacionadas à continuidade de aspectos econômicos, sociais e ambientais da sociedade humana. A sustentabilidade aplicada à manutenção de edificações traz preocupações com a utilização racional dos recursos naturais e a minimização da geração de resíduos durante o uso do edifício, com a otimização de recursos, e também com a conscientização dos usuários quanto à importância destas ações. Dentre as etapas do processo construtivo, seguramente é na fase de uso do edifício que se apresenta o maior consumo de energia e água, entre outros desperdícios. Como a sustentabilidade também é uma área de estudo relativamente nova, a maioria dos edifícios mais antigos não possui projetos ou equipamentos que contemplem medidas de proteção ao meio ambiente. A manutenção voltada à melhoria do ambiente construído permite a implantação de sistemas voltados à gestão de resíduos, de uso da água ou de energia, através de sensibilização dos usuários, monitoramento periódico dos resultados e manutenção de sistemas e equipamentos consumidores.

14 Acessibilidade Também é importante que sejam previstas ações voltadas à acessibilidade plena da edificação, voltadas a pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, previstas no Decreto Federal n. 5296/2005. Cabe lembrar que o grupo de pessoas com mobilidade reduzida é composto por todos aqueles que não se enquadram no conceito de deficiência, mas que possuem dificuldade de movimentar-se permanente ou temporariamente, como idosos, obesos ou gestantes, ou seja, somados ao grupo de pessoas com deficiência, compõem uma grande parcela da população. Neste sentido, há muito que fazer em nossas edificações, de forma que o desenho universal seja colocado em prática. A NBR 9050:2004, norma que trata sobre a Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos, estabelece critérios e parâmetros técnicos para projeto, construção ou adaptação de edificações. Os dispositivos de acessibilidade tratados nesta normativa, como rampas de acesso, comunicação tátil e visual, entre outros, devem ser incorporados no ambiente edificado, com a orientação de profissionais habilitados.

Programa de Excelência em Projetos CREA-PR 15 2. CICLO DA QUALIDADE NO PROCESSO CONSTRUTIVO: DA INTENÇÃO DE PROJETO AO USO DO EDIFÍCIO A manutenção como parte do processo construtivo A integração entre todos os envolvidos no processo construtivo é fundamental, bem como a conexão entre todas as fases construtivas e destas com a etapa de utilização do edifício: o processo deve ser entendido como único, desde a intenção de projeto até a utilização do edifício. O processo de construção é composto pela fase de produção, constituída pelas etapas de planejamento, projeto, execução e fabricação de materiais e componentes, normalmente de curta duração, e pela fase de uso, de longa duração. Infelizmente, nossa realidade é que as etapas do processo de produção estão muito mais consolidadas em nosso país do que as etapas de uso, operação e manutenção das edificações, sendo o processo construtivo considerado finalizado quando da entrega do edifício ao proprietário. Diante disto, é necessário que tanto a fase de produção do empreendimento quanto à de uso e manutenção sejam priorizadas, já que o resultado final do produto dependerá da qualidade obtida em cada etapa, assim como a satisfação do usuário. Quando este entendimento é colocado em prática, é possível garantir a minimização de futuras atividades de manutenção e controlar a incidência de manifestações patológicas na fase de uso do edifício.

16 Além de o processo construtivo ser composto por diversas fases, cada uma destas é realizada por pessoas diferentes. A interdisciplinaridade permeia todo nosso sistema profissional, onde cada indivíduo realiza apenas parte da tarefa, e onde diferentes profissionais trabalham para a concretização de um bem comum, neste caso, a edificação. Assim, todos os envolvidos têm influência na qualidade final do empreendimento, e para que seja possível obtermos padrões de excelência no setor da construção civil é importante que todos estes estejam sensibilizados e comprometidos com a qualidade de seus produtos parciais, visando à qualidade final da edificação. Trata-se da responsabilidade do coletivo, da necessidade de harmonia entre as diferentes atividades prestadas. E quais são os envolvidos no processo? Desde o proprietário, que toma a decisão de construir e participa do planejamento, até o usuário, que utiliza, opera e sofre as conseqüências da má qualidade

Programa de Excelência em Projetos CREA-PR 17 do produto final. No momento do uso da edificação, esta já sofreu intervenção de inúmeros envolvidos, como o próprio agente financeiro, que fornece recursos para viabilizar o empreendimento, o proprietário, projetistas, fabricantes de materiais, laboratórios de ensaios, profissionais responsáveis pela execução do edifício, empreiteiros, entre outros. Além destes, o processo construtivo sofre a interveniência imperativa das associações normativas, que definem os requisitos mínimos para a edificação, dos órgãos fiscalizadores, da administração pública e do próprio Estado, que estabelece a legislação pertinente. Ainda, exercem influência sobre o nível de qualidade do processo construtivo as associações profissionais, universidades e institutos de pesquisa. Pelo grande número de envolvidos no processo de construção, o produto final é mais sujeito a falhas. Assim, a qualidade final do empreendimento depende da qualidade do processo, da integração entre as fases deste e da comunicação de todos os envolvidos. Por fim, após o período de produção do edifício, restam o usuário e o proprietário como principais agentes envolvidos, no uso e operação do empreendimento. Por se tratar da utilização do produto final, e da inter-relação entre homem e ambiente construído, a comunicação com o usuário no processo construtivo se torna imprescindível, pois permite a melhoria do processo como um todo e, consequentemente, a satisfação dos clientes, através da melhoria de desempenho do ambiente construído e da identificação das necessidades e níveis de satisfação dos clientes a serem atendidos. A qualidade do empreendimento depende da qualidade de todas as etapas do processo construtivo e do diálogo entre todos os envolvidos, sejam estes profissionais, proprietários ou usuários. A importância do usuário no processo construtivo O objetivo das profissões e a ação dos profissionais volta-se para o bem-estar e o desenvolvimento do homem, em seu ambiente e em suas diversas dimensões: como indivíduo, família, comunidade, sociedade, nação e humanidade; nas suas raízes históricas, nas gerações atual e futura (Código de Ética Profissional). Uma das principais razões do descaso com a manutenção de edificações é o fato de se considerar a venda e entrega de um edifício como encerramento do processo construtivo, restringindo todo o

18 processo aos profissionais envolvidos e tornando a participação do usuário quase irrelevante. Entretanto, seja o proprietário ou o usuário, é preciso lembrar que o cliente é a origem e o destino de todo o sistema. Ele é a entrada e a finalização do processo construtivo, ou seja, é quem gera a demanda pelo projeto, e é quem desfruta da utilização do ambiente construído. O cliente é a razão de ser de nossas profissões. Qualquer sistema de gestão da qualidade visa em primeira instância à satisfação do cliente e a melhoria contínua dos procedimentos e produtos. Estes dois temas fazem parte da lista dos 08 princípios da gestão da qualidade, de acordo com a série de normas ISO 9000, onde se coloca a importância de entender as necessidades atuais e também futuras dos clientes, atendendo seus requisitos e superando suas expectativas. Em suma, o termo qualidade está evidentemente associado ao desempenho satisfatório dos ambientes, e à interface entre ambiente e comportamento humano, com foco no usuário. A eficácia nos serviços prestados é um dos princípios éticos de nossa profissão, devendo o profissional assegurar ao cliente os resultados propostos e a qualidade satisfatória nos serviços e produtos. Sendo assim, a participação do cliente é importante em todas as fases do ciclo de qualidade do empreendimento, em especial nas etapas de planejamento e de uso do produto final. Na etapa inicial de todo o processo, de planejamento, deve haver um estudo das reais necessidades do cliente. Na etapa final, de uso do edifício, o usuário, de posse de instruções quanto à melhor forma de uso, operação e manutenção da edificação, pode contribuir para o diagnóstico de patologias, de forma que o processo construtivo sempre retorne à fase de planejamento. O ciclo de qualidade do processo construtivo inicia com o cliente, passa por todas as etapas, e retorna ao usuário, até o final da vida útil da edificação. Avaliação Pós-ocupação A avaliação pós-ocupação permite qualificar e quantificar a participação do usuário no ambiente construído e, posteriormente, converter tais informações em subsídios para a melhoria do espaço edificado.

Programa de Excelência em Projetos CREA-PR 19 Técnicas de avaliação pós-ocupação (APO) têm sido utilizadas com o intuito de promover a comunicação no processo construtivo, através da análise do ambiente no decorrer do uso, sob a ótica dos próprios avaliadores, projetistas, clientes e, fundamentalmente, os usuários. Através dos métodos e técnicas da APO, são realizadas recomendações que visam realimentar as etapas anteriores do processo construtivo, consistindo em um instrumento de controle da qualidade, com a análise de fatores socioeconômicos, de infra-estrutura e superestrutura urbanas dos sistemas construtivos, conforto ambiental, conservação de energia, fatores estéticos, funcionais e comportamentais. Igualmente, outro instrumento utilizado para melhorar a comunicação do processo tem sido o Manual de Operação, Uso e Manutenção da edificação, que pode ser considerado como uma interface eficiente entre as fases de produção e uso do espaço edificado. O Manual do Usuário: conexão entre produção e uso da edificação Se qualquer produto que adquirimos no mercado deve possuir manual de utilização, quanto mais a moradia, de alto valor patrimonial e afetivo, que será utilizada por muitos anos, inclusive oferecendo riscos aos usuários caso não sejam realizadas atividades de conservação e manutenção. A fim de contribuir para o aumento da qualidade final do empreendimento e diminuir custos no decorrer do uso do edifício, é necessário que o usuário seja instruído quanto ao correto uso, operação e manutenção preventiva de seu imóvel e componentes constituintes. Este é um dos requisitos de um sistema de gestão de qualidade: a comunicação com o cliente a respeito das características do produto que são essenciais para seu uso seguro e adequado. O Manual de Operação, Uso e Manutenção da edificação, previsto na norma NBR 14037:1997, se configura como este elemento de integração imprescindível entre as fases de produção e utilização do edifício, agindo a favor da empresa e do usuário, e na prevenção de problemas de pós-ocupação. O Manual, que deve ser elaborado pelo profissional que responde pela execução da obra, deve ser disponibilizado ao cliente quando da entrega da obra finalizada. Em suma, este tem como finalidade informar aos usuários as características técnicas da edificação construída, bem como descrever procedimentos recomendáveis para o melhor aproveitamento do espaço edificado, com orientações quanto à realização das atividades necessárias de manutenção, prevenindo a ocorrência de falhas e acidentes resultantes do uso inadequado, e também conferindo maior durabilidade ao edifício.

20 A norma NBR 14037:1997 estabelece o conteúdo mínimo a ser incluído no Manual de Operação, Uso e Manutenção das Edificações. Primeiramente, este deve conter a descrição da edificação como construída (projeto as built), contendo o conjunto completo de projetos e memoriais descritivos. Para que seja possível a realização de atividades de manutenção ao longo do uso do edifício, é imprescindível que os projetos sejam documentos fiéis em relação ao produto final. No entanto, estes geralmente não representam totalmente o objeto construído, dificultando a manutenção e futuras intervenções na edificação. Portanto, o projeto como construído é resultante de uma sistematização de procedimentos durante a fase de execução da obra, para identificação de todas as alterações realizadas com relação ao projeto executivo, a fim de representar a atual situação do edifício, com registros referentes à estrutura, instalações elétricas, hidráulicas, entre outros. O Manual do usuário também deve compreender informações sobre os procedimentos a serem realizados antes que a edificação seja colocada em uso, bem como quais são os procedimentos recomendáveis para a operação e uso do ambiente construído, com descrição dos riscos inerentes ao edifício e respectivos procedimentos de segurança preventivos. Além de informar os registros da edificação como construída e procedimentos preventivos, o Manual também deve trazer instruções para situações de emergência, como incêndios e vazamentos de gás ou falhas de instalações e equipamentos, como elevadores, instalações de ar condicionado, instalações hidráulicas, sanitárias ou elétricas, entre outros. Ainda, este conjunto de documentos entregue ao cliente deve estabelecer roteiros de inspeções na edificação, com observância de questões relativas à segurança e salubridade dos usuários, bem como apresentar orientações para a correta conservação e recuperação do edifício, inclusive com a elaboração de um programa de manutenção. Por se tratar de documento inteiramente voltado aos usuários do edifício, é necessário que o Manual seja escrito em linguagem adequada a seus leitores, e apresentado de forma didática, com farto uso de ilustrações e exemplos, a fim de possibilitar o fácil entendimento. Cabe ressaltar que este material deve advertir os usuários quanto à necessidade de suas devidas revisões, principalmente quando da realização de alterações no edifício em relação ao originalmente construído. Igualmente, deve-se advertir quanto às responsabilidades e garantias existentes sobre a edificação, com a indicação de todos os responsáveis por projetos, execuções, instalações e fornecimento de componentes e equipamentos, bem como quanto à responsabilidade do proprietário pela concretização de todas as recomendações explícitas no manual.

Programa de Excelência em Projetos CREA-PR 21 Por fim, o conjunto de informações constantes no Manual de Operação, Uso e Manutenção da edificação favorece a minimização de custos ao longo do uso do edifício, a conservação do desempenho ambiental, o aumento da vida útil da edificação, ao mesmo tempo em que confere aos usuários melhor qualidade de vida no ambiente edificado e, sem dúvidas, maior confiança na empresa ou profissionais responsáveis pela execução da edificação. A entrega do Manual de utilização do edifício ao proprietário/usuário confere maior credibilidade ao trabalho dos profissionais envolvidos na produção da edificação, contribuindo para a valorização da profissão como um todo.

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Programa de Excelência em Projetos CREA-PR 23 3. O SISTEMA DE MANUTENÇÃO Sob a ótica da NBR 15575:2008: desempenho do ambiente construído A Norma de Desempenho para Edificações Habitacionais de até Cinco Pavimentos NBR 15575:2008 vem preencher a lacuna até então existente sobre a definição de níveis mínimos aceitáveis e desejáveis para a edificação. Até o momento os critérios de desempenho eram subjetivos, e não eficientes para possibilitar a análise da qualidade ambiental. Apesar de ser voltada para edificações habitacionais de até cinco pavimentos, com foco em edifícios de interesse social, a norma traz requisitos válidos para edifícios de qualquer altura, salvo alguns itens específicos, aplicados conforme o n de pavimentos. Desta forma, tais parâmetros mínimos podem ser considerados para todas as construções de edifícios residenciais novos. Porém, em quais fases do processo construtivo a norma deve ser aplicada? Entende-se que os requisitos mínimos devem ser considerados tanto na etapa de produção do edifício quanto no decorrer do uso e manutenção do espaço construído. Quanto à fase de planejamento e projeto da edificação, o projetista deve levar em conta todos os conceitos de desempenho, inclusive informando ao proprietário a previsão de Vida Útil do Projeto (VUP). Quanto aos fabricantes de materiais, são diversas as recomendações de durabilidade, resistência e desempenho esperados de cada um dos materiais especificados em projeto. Igualmente, o responsável técnico pela execução da obra também deve estar comprometido com o bom desempenho da edificação, a fim de concretizar o que foi idealizado e detalhado em projeto. Por último, e não menos importante, o usuário também é influenciado por esta normalização, já que este deve utilizar e conservar o ambiente construído da maneira correta, de posse do Manual de Operação, Uso e Manutenção e com a orientação de um profissional habilitado.

24 Primeiramente, a Norma de Desempenho define recomendações mínimas gerais referentes às necessidades e exigências dos usuários da edificação, estabelecendo níveis mínimos aceitáveis e desejáveis para cada um dos seguintes quesitos: Segurança: estrutural, contra o fogo, no uso e na operação; Habitabilidade: estanqueidade, conforto térmico, conforto acústico, conforto lumínico, saúde, higiene, e qualidade do ar, funcionalidade e acessibilidade, conforto tátil e antropodinâmico; Sustentabilidade: durabilidade, manutenibilidade e impacto ambiental. Em seguida, são estabelecidos requisitos mínimos para os sistemas do empreendimento: Sistemas estruturais; Sistemas de piso internos; Sistemas de vedações; Sistemas de coberturas; Sistemas Hidrossanitários. Consideradas tais recomendações, é possível prever na fase de projeto a segurança no uso e na operação das instalações, bem como a durabilidade e manutenibilidade da edificação. Da mesma forma, o construtor ou incorporador do empreendimento também deve informar ao proprietário o prazo de garantia da edificação, no caso do aparecimento de patologias durante uso. A Norma de Desempenho vem a contribuir para com as atividades de manutenção e conservação realizadas durante o uso do edifício, com o papel de balizar o desempenho mínimo ambiental durante a vida útil da edificação. Embora tais recomendações sejam aplicadas somente às edificações construídas após a norma entrar em vigor, há a oportunidade de praticar a manutenção de melhoria em edificações produzidas antes deste período, garantindo que estas também ofereçam níveis mínimos ambientais a seus usuários, superando as condições do projeto inicial. O Sistema de Manutenção É certo afirmar que algumas atividades de manutenção seriam evitadas caso todos os envolvidos no processo construtivo estivessem comprometidos com a qualidade do produto final. Isto porque grande parte das patologias nas edificações é resultante de erros concebidos ainda na fase de projeto

Programa de Excelência em Projetos CREA-PR 25 ou execução do edifício, causados por imperícia técnica ou mesmo pela comunicação insuficiente entre profissionais e usuários da edificação. De qualquer forma, nenhuma edificação é livre do desgaste natural dos materiais empregados na obra. Algumas atividades de manutenção são inevitáveis, devem ser orientadas na entrega da edificação e acompanhadas ao longo do uso desta. Geralmente as atividades de manutenção são realizadas porque algum equipamento ou sistema da edificação já apresentou problemas, ou seja, quando quebra, conserta. No entanto, a falta de manutenção preventiva ou mesmo o mau uso do imóvel pode acarretar diversos problemas patológicos na edificação. A NBR 5674:1999 nos alerta da necessidade do planejamento dos serviços de manutenção, para que sejam empregadas estratégias adequadas, com o controle de custos e melhoria da satisfação dos usuários quanto às condições ambientais do edifício. O sistema de manutenção deve ser voltado ao gerenciamento dos serviços, e deve contemplar três ações importantes: preventiva, corretiva e de melhoria. Com a perspectiva de busca pelo bom desempenho da edificação e a comunicação entre todos os envolvidos nas atividades de manutenção, o sistema deve compreender manutenções rotineiras e planejadas e deve buscar minimizar serviços não planejados ou emergenciais, previstos através de um cronograma de realização dos trabalhos, bem como por previsão dos custos para implantação do programa. A responsabilidade pela gestão da manutenção é do proprietário ou gerente do estabelecimento, ou do síndico do condomínio. Contudo, a própria norma NBR 5674:1999 sugere que o sistema de manutenção do edifício seja confiado a pessoas qualificadas, ou seja, uma empresa ou profissional legalmente habilitado. Isto porque a gestão do sistema de manutenção requer tempo, conhecimento técnico e multidisciplinar e capacidade de gerenciamento de todas as ações, geralmente prestadas por empresas e profissionais de áreas distintas. A gestão do sistema de manutenção compreende as seguintes atividades, dentre outras citadas na norma: Providenciar e manter atualizados os registros e documentos da edificação; Realizar ou supervisionar a execução de inspeções periódicas; Realizar previsões de custos; Definir planos de manutenção;

26 Realizar ou assessorar a contratação dos serviços de manutenção; Realizar ou supervisionar a execução dos serviços de manutenção; Orçar os serviços de manutenção; Definir e implementar um sistema de gestão da qualidade dos serviços de manutenção; Orientar os usuários quanto à correta utilização do imóvel, de acordo com o Manual de Operação, Uso e Manutenção da edificação; Assessorar o proprietário em situações emergenciais. Quanto aos registros e documentos da edificação, o sistema de manutenção deve possuir uma estrutura de informações sobre o edifício, como o Manual de Operação, Uso e Manutenção, incluindo projetos originais, memoriais descritivos, projetos do edifício como construído (as-built) e atualizações. Do mesmo modo, devem ser providenciados registros e documentos dos serviços de manutenção realizados ao longo do tempo, registros de solicitações e reclamações dos usuários, bem como relatórios e laudos de inspeção predial. Conforme a norma, a manutenção deve garantir no mínimo a conservação das condições iniciais do edifício, considerando algumas características técnicas e funcionais da edificação e de seus componentes. Primeiramente, as características funcionais dizem respeito ao bom funcionamento das instalações e equipamentos. Em seguida, o quesito segurança também deve ser considerado, com a manutenção da segurança e estabilidade da estrutura, e proteção contra intempéries que possam causar riscos à integridade física dos usuários. Além destes, a higiene da edificação deve ser monitorada, em especial quanto à manutenção de pisos, paredes, esquadrias, mobiliários, instalações e equipamentos de saneamento, com foco na saúde dos usuários. Por fim, a conservação do conforto ambiental é imprescindível para proporcionar bem estar aos usuários, sendo verificadas questões como isolamento térmico, acústico ou de ventilação. Os requisitos mínimos para cada uma destas características são descritos na norma NBR 15575:2008, que trata do desempenho aceitável e desejável das edificações. A norma NBR 5674:1999 ainda traz orientações para gestão da qualidade do sistema de manutenção, como a elaboração de procedimentos padrão, incluindo documentos mínimos a serem apresentados para cada serviço de manutenção realizado e a supervisão da qualidade das atividades desenvolvidas por terceiros, incluindo prazos, orçamentos, projetos, entre outros. A gestão da quali-

Programa de Excelência em Projetos CREA-PR 27 dade exige que o sistema de manutenção seja frequentemente avaliado, inclusive com pesquisas de satisfação dos usuários da edificação e apresentação dos resultados periodicamente, seja através de reuniões com os responsáveis pelo empreendimento ou através de quadros de gestão a vista. Estratégias de manutenção São inúmeros os estudos que sugerem formas diferentes para classificação e definição das estratégias de manutenção. Em linhas gerais, estas podem ser preventivas ou corretivas, ou seja, os serviços podem ser realizados antes ou depois da ocorrência da falha, respectivamente. A busca pela excelência propõe que as estratégias de manutenção sejam cada vez mais pró-ativas e menos emergenciais, tratadas de forma estratégica, de modo a evitar que a falha aconteça no período em que o sistema foi planejado para funcionar. Em primeiro lugar, no dia a dia devem ser tomadas ações de conservação do edifício que estão sob a administração dos proprietários ou síndicos. Estas se configuram como atividades simples, de operação diária, como limpeza e remoção de resíduos, e nem sempre são consideradas como atividades de manutenção. No entanto, tais atividades são importantes quando integradas aos demais tipos de manutenção, e contribuem para a obtenção de bons resultados na conservação do ambiente construído. Infelizmente, é comum que os proprietários e síndicos não sejam devidamente orientados quanto aos procedimentos mais eficientes e recomendáveis. O presente material não tem a pretensão de definir novas classificações ou de criar novos conceitos referentes à manutenção, senão de reunir algumas das estratégias elencadas por estudiosos do tema, e seus respectivos entendimentos. Manutenção preventiva: Como o próprio nome já diz, esta estratégia previne a ocorrência da falha, agindo antes que o edifício e seus componentes atinjam níveis de qualidade insuficientes. A manutenção preventiva deve ser planejada e periódica, por estar inserida em um programa pré-estabelecido de atividades ao longo da vida útil do edifício, sem haver a necessidade de ser resposta a patologias já identificadas ao longo do uso da edificação. Esta estratégia, que também depende das informações provindas dos profissionais responsáveis pela produção do edifício, é vantajosa por reduzir a incidência de manutenções corretivas futuras. Manutenção corretiva: Trata-se da atividade de manutenção realizada após a ocorrência da falha. As atividades corretivas podem estar inseridas no planejamento e controle de manutenção do edifício, e neste caso são realizadas antes que o edifício atinja níveis de qualidade mínimos aceitáveis. No entanto, a estratégia ainda mais utilizada é a emergencial, em que

28 são realizadas manutenções corretivas após o edifício ou componentes deste alcançarem níveis de qualidade abaixo do esperado. Esta última é a estratégia menos recomendada, uma vez que, além dos custos inviáveis da correção imprevista, também é possível que hajam patologias não identificadas, ou não apontadas, pelos usuários, que se vão se agravando com o tempo e acabam por definir a degradação e envelhecimento precoce do edifício, bem como a redução da vida útil de equipamentos, máquinas e instalações. Manutenção preditiva: Esta estratégia consiste em executar as atividades de manutenção preventivas, de acordo com a análise dos diversos elementos do edifício, com base em um planejamento de inspeções. O ideal é que a programação de inspeções seja prevista ainda na fase de projeto, onde deverão ser identificados os elementos a inspecionar e a periodicidade recomendada, em função da durabilidade média dos materiais e equipamentos especificados. As inspeções periódicas permitem a obtenção de um histórico da edificação, o que contribui para um eficiente diagnóstico do estado atual do ambiente construído, e conseqüentemente para uma adequada forma de atuação. Manutenção de melhoria: Esta estratégia faz parte da busca pela excelência nos trabalhos de manutenção, uma vez que consiste em ações preventivas e corretivas que visam à melhoria do desempenho da edificação, para que o nível ambiental seja superior ao originalmente projetado. A manutenção de melhoria deve ser precedida da pesquisa e acompanhamento das necessidades dos usuários, em consonância com os avanços tecnológicos. É importante ressaltar que não se trata de reformas ou alterações significativas do espaço construído. Neste caso, a necessidade de novos projetos deve ser orientada por profissional devidamente habilitado. Engenharia de Manutenção ou Manutenção Produtiva Total: Este tipo de estratégia foi originado no Japão, inicialmente voltado à manutenção industrial, mas já tem sido considerado em bibliografias voltadas à manutenção predial. A Engenharia de Manutenção não se restringe em corrigir a falha, mas também em procurar as causas, buscando eliminar situações permanentes de mau desempenho, interferindo na aquisição de materiais e equipamentos, proporcionando feedback aos projetos originais, aprimorando procedimentos e visualizando a manutenibilidade da edificação, com a busca constante por padrões excelentes, a fim de alcançar a confiança do cliente.

Programa de Excelência em Projetos CREA-PR 29 Através da ótica da Engenharia de Manutenção, a manutenção deixa de ser um conjunto de técnicas corretivas e passa a ter aspectos gerenciais, focados na produtividade, com a otimização de recursos, e no bem estar dos usuários, ou seja, com a satisfação destes para com a vivência no ambiente construído. A implantação de programas de planejamento da manutenção exige a elaboração de cronogramas e planejamento de recursos, realizando manutenções obrigatoriamente preventivas, poupando o usuário de surpresas desagradáveis.

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Programa de Excelência em Projetos CREA-PR 31 4. INSPEÇÃO E MANUTENÇÃO DE EDIFICAÇÕES A Inspeção Predial Em estudos realizados pelo IBAPE-SP (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo), foi verificado que mais de 60% dos acidentes ocorridos em edifícios com mais de 10 anos estão relacionados à deficiência ou inexistência de manutenção, perda precoce de desempenho e degradação acentuada. O estudo ainda concluiu que em mais da metade dos acidentes avaliados houve o colapso parcial ou total do sistema estrutural, ora por falta de manutenção, ora por erros de projeto ou de execução. A ocorrência de acidentes, por vezes com muitas vítimas, tem despertado na sociedade, em especial na atividade privada, o reconhecimento da importância da inspeção predial. Enquanto em países de primeiro mundo esta já faz parte da rotina, em nosso país ainda se encontra disseminada somente no meio técnico. O descaso com a manutenção predial pode ocasionar danos pessoais e materiais irreparáveis, tanto aos usuários e proprietários de edificações quanto à sociedade em geral. Medidas simples, de longo prazo, podem evitar acidentes prediais sérios, como desabamentos, incêndios, queda de marquises e de revestimento de fachadas, vazamentos, infiltrações, entre outros inúmeros problemas resultantes dos descuidos com a edificação. Se não a perda de vidas humanas, os acidentes prediais trazem no mínimo custos de grande importância e a desvalorização das edificações. Através do planejamento e implantação de um sistema de manutenção predial com inspeções periódicas, é possível minimizar a degradação precoce dos sistemas construtivos e, consequentemente, evitar a ocorrência de acidentes em edificações. A NBR 5674:1999 instrui a realização de inspeções periódicas, que devem trazer como resultado a orientação e adequação do plano de manutenção, além de servir como instrumento de gestão para a boa conservação do edifício. A Norma de Inspeção Predial do IBAPE aponta que uma inspeção predial deve visar à análise

32 de condições técnicas, funcionais e de manutenção do edifício, com o intuito de direcionar medidas preventivas do plano de manutenção e orientar as equipes de execução para proceder aos reparos. Tais medidas devem garantir condições mínimas de segurança e conforto aos usuários, além da conservação do valor do patrimônio, através da avaliação do estado de conformidades do edifício, fundamentado em quesitos como segurança, desempenho, estado de conservação, vida útil, manutenção, utilização e operação. Novos conceitos da inspeção predial ainda consideram aspectos de sustentabilidade e acessibilidade. Passos para a saúde predial Assim como o ser humano necessita avaliar seu estado geral de bem estar físico e psicológico, as edificações necessitam de uma Inspeção Predial periódica, a fim de garantir o up to date de suas condições e características físicas, funcionais, operacionais e de utilização (IBAPE-SP) Assim como observado em publicações do IBAPE-SP, é possível compararmos a saúde predial com a saúde humana, visto que os passos para o tratamento de falhas e anomalias de uma edificação são semelhantes ao tratamento de uma pessoa doente, porém com nomenclaturas diferentes. O primeiro passo é o diagnóstico da doença, realizado através de exames minuciosos. Em seguida, a definição do prognóstico, ou seja, o juízo médico das possibilidades terapêuticas. Por fim, a definição da terapia mais adequada para se obter a cura. No caso da inspeção predial, primeiramente são diagnosticadas as anomalias e falhas construtivas através de um check-up da edificação, ou seja, uma vistoria detalhada dos sistemas e/ou elementos do edifício. É importante salientar que o planejamento da vistoria deve ter início com uma entrevista com o responsável da edificação, seja o proprietário, gerente ou síndico, bem como com a análise de todos os documentos disponíveis e existentes referentes ao edifício, tanto administrativos quanto técnicos. Em seguida, por meio do Laudo de Inspeção Predial, é emitido juízo das condições técnicas, funcionais e de manutenção da edificação, classificando os problemas constatados pelo grau de risco oferecido aos usuários, ao meio ambiente e ao patrimônio, dispostos em ordem de prioridades. Por fim, com base no prognóstico realizado, são elaborados os planos de reparos e de manutenção predial, ou seja, o apontamento de orientações técnicas voltadas à recuperação do imóvel. Sendo assim, o sucesso de um Plano de Manutenção depende em primeiro lugar de corretos diagnósticos dos problemas identificados no ambiente construído.