Todos os anti-hipertensivos reduzem a pressão. Rediscutindo o uso de betabloqueadores na hipertensão. Resumo. Introdução. Lenita Wannmacher*

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Transcrição:

Uso racional de medicamentos: temas selecionados 6 Rediscutindo o uso de betabloqueadores na hipertensão ISSN 1810-0791 Vol. 4, Nº 6 Brasília, maio de 2007 Lenita Wannmacher* Resumo No que tem sido chamado de revolução das diretrizes, novas recomendações foram emitidas com respeito à terapia de primeira linha em hipertensão arterial. Uma delas consiste na retirada de betabloqueadores adrenérgicos dessa categoria, em função de menor eficácia em desfechos cardiovasculares em comparação a outros grupos de antihipertensivos, além de maior risco de acidentes vasculares cerebrais. Na maioria dos estudos que servem de base para as recomendações se utilizou atenolol, ficando a pergunta se o malefício é efeito individual ou de classe. Aqui se revisam as evidências relativas aos efeitos dos betabloqueadores como um todo e de atenolol em particular. A menor eficácia do grupo dos betabloqueadores varia entre hipertensos de menos e mais de 55 anos de idade, em função da diferenciada patogenia da doença e da variada resposta terapêutica em diversificadas faixas etárias. Pacientes mais jovens, geralmente não contemplados pelos estudos e, por conseguinte, pelas diretrizes, podem beneficiar-se desses fármacos. A evidência sobre efeito individual ou de classe de betabloqueadores é menos consistente no tratamento da hipertensão arterial. Introdução Todos os anti-hipertensivos reduzem a pressão arterial (por definição), com conseqüente declínio do risco cardiovascular. Porém, existem diferenças entre os medicamentos, relativas a redução de doença em órgão-alvo e prevenção de eventos cardiovasculares maiores. Mesmo havendo amplo arsenal de anti-hipertensivos, hipertensão e riscos concomitantes permanecem não controlados na maioria dos pacientes 1. Os betabloqueadores adrenérgicos reduzem a pressão arterial, primordialmente por diminuição *Lenita Wannmacher é médica e professora de Farmacologia Clínica, aposentada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade de Passo Fundo, RS. Atua como consultora do Núcleo de Assistência Farmacêutica da ENSP/FIOCRUZ para a questão de seleção e uso racional de medicamentos. É membro do Comitê de Especialistas em Seleção e Uso de Medicamentos Essenciais da OMS, Genebra, para o período 2005-2009. É autora de quatro livros de Farmacologia Clínica. Página 1: Rediscutindo o uso de betabloqueadores na hipertensão

de débito cardíaco. Têm sido amplamente recomendados como medicamentos de primeira linha em hipertensão arterial. Há discussão atual sobre sua permanência nesta categorização, ocasionada por análise preliminar segundo a qual, o atenolol não seria eficaz em hipertensão. Muitas vezes, tomadas de decisão por prescritores individuais e sistemas de saúde são orientadas por diretrizes ou consensos. Em primeiro lugar, tais publicações podem ser enviesadas por múltiplos fatores, dentre os quais a falta de isenção dos autores 2. Depois, contendo opiniões não controladas de especialistas, elas constituem apenas recomendação de grau D para a tomada de decisão terapêutica 3. Chama atenção o fato de que a maioria das diretrizes em hipertensão esteja privilegiando pacientes idosos e ignorando pacientes mais jovens, porém generalizando as recomendações a todos os grupos de idade. Isso é explicável por incluírem estudos com participantes prioritariamente mais velhos, nos quais se visualizam desfechos cardiovasculares e renais. No entanto, não são esses pacientes os que mais se beneficiam dos betabloqueadores. A patogenia da hipertensão difere em indivíduos mais jovens e mais velhos. Cruickshank 5 pondera que o efeito anti-hipertensivo de betabloqueador em pacientes entre 28 e 55 anos tende a ser superior ao de antagonista do cálcio, bloqueador alfa, inibidor da ECA e diurético sobre desfechos primários micro e macrovasculares em diabéticos obesos e hipertensos. O mesmo não ocorre em idosos que têm diferentes mecanismos para elevação da pressão arterial. Por outro lado, muitos estudos compararam novas alternativas anti-hipertensivas com betabloqueadores e diuréticos considerados como grupo único (tratamento tradicional). Isso pode ter influenciado prévios resultados demonstrativos de eficácia de betabloqueadores. Qualquer que seja a razão para as discrepâncias de resultados comparativos sobre benefícios de betabloqueadores na terapia anti-hipertensiva, esses merecem ser revistos à luz das evidências contemporâneas, com especial ênfase para os propalados malefícios de atenolol. Evidências sobre uso de betabloqueadores como tratamento de primeira linha em hipertensão arterial Em 2006, diretriz do órgão regulador do Reino Unido (NICE) removeu os betabloqueadores do tratamento de primeira linha de hipertensão arterial, recomendando que pacientes acima de 55 anos ou negros de qualquer idade deviam receber diuréticos tiazídicos ou antagonistas dos canais de cálcio como primeira escolha; para os com menos de 55 anos, a escolha recaiu em inibidores da ECA 6. Tal decisão prendeu-se ao fato de betabloqueadores mostrarem menor eficácia na prevenção de eventos cardiovasculares, especialmente acidentes vasculares cerebrais, além de induzirem desenvolvimento de diabetes e terem perfil metabólico menos favorável em combinação com diuréticos 4. Metanálise 7 de treze ensaios clínicos randomizados (n=105.951) que compararam betabloqueadores a outros anti-hipertensivos, placebo ou nenhum tratamento mostrou que o risco relativo de acidente vascular cerebral foi 16% mais alto com betabloqueadores do que com outros fármacos. Não houve diferença em relação a infarto do miocárdio ou mortalidade. Quando a comparação se fez com placebo ou nenhum tratamento, o risco relativo de acidente vascular encefálico reduziu-se em 19% para todos os betabloqueadores. Revisão Cochrane 8 quantificou eficácia e segurança de betabloqueadores sobre morbidade e mortalidade em adultos hipertensos, em comparação com placebo ou não-tratamento e outros anti-hipertensivos (diuréticos, antagonistas do cálcio e inibidores do sistema renina-angiotensina) usados em monoterapia ou como terapia de primeira linha. Em relação a risco de mortalidade por todas as causas, não houve diferença entre betabloqueadores, placebo, diuréticos e inibidores do sistema renina-angiotensina, mas o risco foi marginalmente maior para betabloqueadores quando comparados a antagonistas do cálcio (RR =1,07; IC95%: 1,00-1,14; I (2)=2,2%; ARI=0,5%; NND=200). O risco total de doença cardiovascular foi mais baixo com betabloqueadores comparados a Página 2: Rediscutindo o uso de betabloqueadores na hipertensão

placebo (RR=0,88; IC95%: 0,79-0,97; I(2)=21,4%; ARR=0,7%; NNT=140), primariamente como reflexo de significativa redução em acidente vascular cerebral (RR=0,80; IC95%= 0,66-0,96; I(2)=0%; ARR=0,5%; NNT=200). O risco de doença isquêmica coronariana não diferiu significativamente entre betabloqueadores e placebo. O efeito de betabloqueadores sobre acidentes vasculares cerebrais foi significativamente pior do que o de antagonistas do cálcio e inibidores do sistema renina-angiotensina, mas não diferiu do de diuréticos. Adicionalmente, pacientes em uso de betabloqueadores suspenderam mais o tratamento comparativamente aos que recebiam diuréticos e inibidores do sistema renina-angiotensina. Na maioria dos estudos, o agente usado foi atenolol (em 75% dos participantes). Os autores opinaram que betabloqueadores não deveriam ser usados como anti-hipertensivos de primeira linha, baseando-se em efeito relativamente fraco em prevenir acidente vascular encefálico e na ausência de efeito em doença coronariana quando comparado a placebo e não-tratamento. Metanálise 9 de 21 estudos avaliou a eficácia de betabloqueadores em 145.811 indivíduos com mais e menos de 60 anos. Em comparação a placebo, betabloqueadores reduziram desfechos cardiovasculares em pacientes mais jovens, mas não nos mais velhos. Em relação a outros anti-hipertensivos, betabloqueadores demonstraram similar eficácia em pacientes mais jovens, mas não nos mais idosos. Houve excesso de risco para acidentes vasculares cerebrais (RR= 1,18; IC95%: 1,07-1,30). Em ensaio clínico randomizado10, realizado em hipertensos obesos submetidos a três diferentes combinações de anti-hipertensivos, a associação de metoprolol/hidroclorotiazida atenuou os efeitos antiobesidade de sibutramina em comparação a felodipino/ramipril e verapamil/ trandolapril. Revisão sistemática Cochrane 11 de 29 estudos (com aproximadamente 2.500 participantes) avaliou o uso de betabloqueadores em gestantes com hipertensão de leve a moderada. Em comparação a placebo, betabloqueadores diminuíram o risco de hipertensão grave e a necessidade de anti-hipertensivos adicionais e associaram-se a pequeno peso dos recémnascidos para sua idade gestacional. Evidências sobre a desvantagem de atenolol: efeito de classe? Atenolol é um dos betabloqueadores mais usados em hipertensão arterial, o que se deve a seletividade beta-1 cardíaca, maior conveniência de esquema de administração e menor penetração em sistema nervoso central. Entretanto, existe questionamento atual sobre sua segurança como fármaco de primeira linha em tratamento de hipertensão arterial. Diferenças individuais de anti-hipertensivos e de seus benefícios além da redução da pressão arterial são controversos. O debate freqüentemente provém de resultados de estudos patrocinados pelos fabricantes. Também não se definiu se o efeito deletério em acidentes vasculares cerebrais se concentra em atenolol ou é efeito de classe. Em revisão sistemática 12 de quatro (atenolol comparado a placebo e nenhum tratamento) e cinco estudos (atenolol versus outros anti-hipertensivos), não houve diferença de desfechos (mortalidade de todas as causas, mortalidade cardiovascular e infarto do miocárdio) entre atenolol e placebo, porém o risco de acidente vascular cerebral foi menor com atenolol; em comparação a outros anti-hipertensivos, não houve maiores diferenças em relação a queda de pressão arterial, mas maior mortalidade cardiovascular foi observada com atenolol. Acidentes vasculares cerebrais foram mais freqüentes no grupo de atenolol. Outra revisão 13 de cinco ensaios clínicos - que compararam betabloqueadores com ou sem diuréticos com placebo ou nenhum tratamento em hipertensos sem recente morbidade cardiovascular - evidenciou significativa redução de risco em eventos cardiovasculares combinados (19%; P<0,001), morte cardiovascular (15%; P = 0,037), acidente vascular cerebral (32%; P<0,001) e doença coronariana (10%; P=0,146) em pacientes em uso de atenolol ou outros betabloqueadores. Logo, betabloqueadores reduziram risco cardiovascular em hipertensão, sem influenciar mortalidade cardiovascular e doença coronariana. Nos estudos LIFE 14 e ASCOT 15, atenolol foi usado como elemento de comparação para outros anti-hipertensivos na terapia de primeira linha, mostrando Página 3: Rediscutindo o uso de betabloqueadores na hipertensão

queda equivalente da pressão arterial, mas não diminuição de eventos cardiovasculares. Logo, há um paradoxo: atenolol reduz a pressão arterial, mas não os eventos cardiovasculares. Isso poderia ser explicado por diferentes efeitos de atenolol sobre pressão arterial braquial e pressão aórtica, o que não acontece com diuréticos e outros vasodilatadores. A pressão aórtica correlaciona-se melhor com risco cardiovascular do que a pressão braquial. Atenolol parece ser menos eficaz do que outros anti-hipertensivos na redução de pressão aórtica 16. Essa hipótese foi testada no estudo CAFE 17, mostrando pressão sistólica aórtica 4,3 mmhg menor e pressão de pulso 3,0 mmhg menor em pacientes randomizados para anlodipino/ perindopril versus atenolol/bendroflumetiazida, a despeito de redução de pressão braquial virtualmente idêntica. Por se tratar de combinações de anti-hipertensivos, tornase difícil atribuir os resultados diretamente ao uso de atenolol. Em revisão do Clinical Evidence 18 sobre hipertensão em diabéticos, não se evidenciou diferenças significativas em eventos cardiovasculares, microvasculares ou morte relacionada a diabetes em pacientes que receberam atenolol ou captopril, embora o primeiro tenha induzido maior ganho de peso e maior necessidade de terapia antidiabética. Comparações entre losartano e atenolol e anlodipino e atenolol, mostrou que este foi menos eficaz na redução de eventos cardiovasculares. Em hipertensão, o efeito individual não foi cabalmente confirmado por ausência de estudos que permitissem a diferenciação. Em prevenção secundária de infarto do miocárdio, o efeito de classe foi pesquisado em estudo de base populacional, mostrando haver diferenças entre representantes betabloqueadores, após controlar para múltiplas covariáveis: mais alta mortalidade foi observada em pacientes que receberam metoprolol comparativamente aos que receberam atenolol e acebutolol 19. Conclusões Comparações com placebo ou nenhum tratamento O risco total de doença cardiovascular é mais baixo com betabloqueadores. O risco relativo de acidente vascular encefálico reduz-se com todos os betabloqueadores. O risco de eventos cardiovasculares combinados se reduz com betabloqueadores. O risco de doença isquêmica coronariana não difere entre betabloqueadores e placebo. O risco de mortalidade de todas as causas e mortalidade cardiovascular não difere entre atenolol e placebo. Betabloqueadores reduzem desfechos cardiovasculares em pacientes mais jovens, mas não nos mais velhos. Comparações com outros anti-hipertensivos O risco relativo de acidente vascular encefálico é mais alto com betabloqueadores. Acidentes vasculares cerebrais foram mais freqüentes no grupo de atenolol. O efeito de betabloqueadores sobre acidentes vasculares cerebrais foi significativamente pior do que com antagonistas do cálcio e inibidores do sistema renina-angiotensina, mas não diferiu do de diuréticos. Página 4: Rediscutindo o uso de betabloqueadores na hipertensão

Não há diferença quanto a risco de infarto do miocárdio e mortalidade. O risco de mortalidade por todas as causas não difere entre betabloqueadores, diuréticos e inibidores do sistema renina-angiotensina, mas é marginalmente maior para betabloqueadores versus antagonistas do cálcio. Betabloqueadores demonstram similar eficácia em pacientes mais jovens, mas não nos mais idosos. Em hipertensão e diabetes, atenolol e captopril não diferiram em eventos cardiovasculares, microvasculares ou morte relacionada a diabetes. Em hipertensão, atenolol foi menos eficaz que losartano e anlodipino na redução de eventos cardiovasculares. Comparações entre diferentes betabloqueadores Em hipertensão arterial, há ausência de estudos comparativos que permitam definir se há efeito de classe ou individual. Em prevenção secundária de infarto do miocárdio, mais alta mortalidade foi observada em pacientes que receberam metoprolol comparativamente aos que receberam atenolol e acebutolol. Em resumo, os efeitos de betabloqueadores não são muito diferentes dos de outros anti-hipertensivos no tratamento de hipertensão em indivíduos com menos de 55 anos. Mas seu efeito é pior em relação a acidentes vasculares encefálicos, especialmente em pacientes que receberam atenolol. No entanto, não há evidência suficiente que permita dizer se é efeito de classe ou deste representante. Referências Bibliográficas 1. Messerli FH, Williams B, Ritz E. Essential hypertension. Lancet 2007; 370(9587): 591-603. 2. Taylor R, Giles J. Cash interests taint drug advice. Nature 2005; 437: 1070-1071. 3. Sackett DL, Cook RJ. Understanding clinical trials: what measures of efficacy should journal articles provide busy clinicians? Br Med J 1994; 309:755-756. 4. Williams B. Evolution of hypertensive disease: a revolution in guidelines. Lancet 2006; 368 (9529): 6-8. 5. Cruickshank JM. New guidelines on hypertension. Lancet 2006; 368 (9536): 641. [Letter] 6. Mayor S. NICE removes β blockers as first line treatment for hypertension. BMJ 2006; 333: 8. 7. Lindholm LH, Carlberg B, Samuelsson O. Should beta blockers remain first choice in the treatment of primary hypertension? A meta-analysis. Lancet 2005; 366 (9496): 1545-1553. 8. Wiysonge CS, Bradley H, Mayosi BM, Maroney R, Mbewu A, Opie LH, Volmink J. Beta-blockers for hypertension (Cochrane Review). In: The Cochrane Library, Issue 2, 2007. Oxford: Update Software. 9. Khan N, McAlister FA. Re-examining the efficacy of beta-blockers for the treatment of hypertension: a meta-analysis. CMAJ 2006; 174 (12): 1737-1742. 10. Scholze J, Grimm E, Herrmann D, Unger T, Kintscher U. Optimal treatment of obesity-related hypertension: the Hypertension-Obesity-Sibutramine (HOS) study. Circulation 2007; 115 (15): 1991-1998. Página 5: Rediscutindo o uso de betabloqueadores na hipertensão

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