TEORIA DA LITERATURA II



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VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE CENTRO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA TEORIA DA LITERATURA II Conteudista Valdemar Ferreira Valente Junior Rio de Janeiro / 2010 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO

UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO Todos os direitos reservados à Universidade Castelo Branco - UCB Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, armazenada ou transmitida de qualquer forma ou por quaisquer meios - eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização da Universidade Castelo Branco - UCB. Un3t Universidade Castelo Branco Teoria da Literatura II / Universidade Castelo Branco. Rio de Janeiro: UCB, 2010. - 36 p.: il. ISBN 978-85-7880-087-1 1. Ensino a Distância. 2. Título. CDD 371.39 Universidade Castelo Branco - UCB Avenida Santa Cruz, 1.631 Rio de Janeiro - RJ 21710-255 Tel. (21) 3216-7700 Fax (21) 2401-9696 www.castelobranco.br

Apresentação Prezado(a) Aluno(a): É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de graduação, na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, consequentemente, propiciando oportunidade para melhoria de seu desempenho profissional. Nossos funcionários e nosso corpo docente esperam retribuir a sua escolha, reafirmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma estrutura aberta e criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua. Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu conhecimento teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica. Seja bem-vindo(a)! Paulo Alcantara Gomes Reitor

Orientações para o Autoestudo O presente instrucional está dividido em quatro unidades programáticas, cada uma com objetivos definidos e conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam atingidos com êxito. Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades complementares. As Unidades 1 e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1. Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das quatro unidades. Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todo o conteúdo de todas as Unidades Programáticas. A carga horária do material instrucional para o autoestudo que você está recebendo agora, juntamente com os horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, equivale a 30 horas-aula, que você administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso. Bons Estudos!

Dicas para o Autoestudo 1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo. 2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite interrupções. 3 - Não deixe para estudar na última hora. 4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor. 5 - Não pule etapas. 6 - Faça todas as tarefas propostas. 7 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento da disciplina. 8 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a autoavaliação. 9 - Não hesite em começar de novo.

SUMÁRIO Quadro-síntese do conteúdo programático... 09 Contextualização da disciplina... 11 UNIDADE I NATUREZA DO FENÔMENO LITERÁRIO 1.1 - Texto literário e texto não literário... 13 1.2 - Características do discurso literário... 14 UNIDADE II GÊNEROS LITERÁRIOS 2.1 - O lírico e a subjetividade... 17 2.2 - O épico e a narrativa...17 2.3 - O dramático e o cênico...18 UNIDADE III A LINGUAGEM POÉTICA 3.1 - Poema x poesia... 20 3.2 - O ritmo e a rima...21 UNIDADE IV A NARRATIVA 4.1 - História e Narrativa... 25 4.2 - Conto, novela e romance...25 4.3 - Crônica e ensaio...27 Glossário... 31 Gabarito... 34 Referências bibliográficas... 35

Quadro-síntese do conteúdo programático 9 UNIDADES DO PROGRAMA OBJETIVOS I - NATUREZA DO FENÔMENO LITERÁRIO 1.1 - Texto literário e texto não literário 1.2 - Características do discurso literário II - GÊNEROS LITERÁRIOS 2.1 - O lírico e a subjetividade 2.2 - O épico e a narrativa 2.3 - O dramático e o cênico III - A LINGUAGEM POÉTICA 3.1 - Poema x poesia 3.2 - O ritmo e a rima IV - A NARRATIVA 4.1- Estrutura da narrativa 4.2- Conto, novela e romance 4.3- Crônica e ensaio A disciplina Teoria da Literatura II tem por objetivo ampliar os conhecimentos acerca do fenômeno literário que já tiveram início no módulo anterior. Desse modo, pretende dotar os estudantes do curso de Letras das condições necessárias à identificação de diferentes conceitos sobre as diversas expressões da literatura. As formas da literatura serão abordadas de modo a configurar o que seja literário e não literário. Essas expressões da literatura incidem no estudo de sua natureza levando os estudantes a reconhecerem a distinção entre seus respectivos gêneros. Esses gêneros serão tratados também do ponto de vista de sua conceituação histórica. Além disso, propõe-se esta disciplina a fazê-los identificar a linguagem poética, a partir da possibilidade de confronto entre poesia e poema. As formas narrativas serão também vistas de modo que se possa identificar seu processo de criação bem como suas estruturas. Por fim, vale ressaltar a necessidade desse material de estudo como meio de viabilizar o estudo sistemático da literatura em suas possibilidades de análise. Os aprofundamentos referentes às questões aqui presentes resultarão num avanço significativo, por parte dos estudantes, no que se refere ao estudo teórico da literatura.

Contextualização da Disciplina 11 A importância do estudo da Teoria da Literatura diz respeito à possibilidade de organizar o raciocínio de possíveis estudantes e pesquisadores sobre os estudos literários em seu aspecto sistêmico. Desse modo, nos parece de bom alvitre a inserção desse módulo de Teoria da Literatura II como material capaz de dar início a esse processo, dotando os estudantes da condição crítica necessária ao estudo da literatura. Por conta disso, fez-se necessário recorrer aos estudos de diversos teóricos e pensadores do fenômeno literário que nos ajudaram na árdua tarefa de pensar a literatura como um organismo vivo a serviço dos homens em todos os níveis. Acreditamos poder acrescentar elementos ao aprofundamento dos estudos de literatura a partir da contribuição deste trabalho.

UNIDADE I 13 NATUREZA DO FENÔMENO LITERÁRIO Conceituação O significado da palavra literatura não constitui um ponto de elucidação daquilo que representa o seu sentido artístico. No passado, literatura confunde-se com gramática, ou seja, com o ensino das letras e da escrita. A diferença está na origem do termo litteratura, do latim, ao lado de grammatiké, do grego. As duas concepções servem para classificar as chamadas sete artes. Para Dante Alighieri, no Paraíso, terceira parte de A divina comédia, essas duas expressões denominam a primeira das sete artes. Litteratus e grammatikós são expressões que denominam os responsáveis pelo ensino da leitura e da escrita. Na Antiguidade, a arte das letras significa, pra Platão e Aristóteles, o exercício da função pragmática de ler e escrever. Aristóteles, em sua Arte poética, evidencia a divisão dos gêneros, ainda que não se referindo ao termo literário, que não possui à época o mesmo significado de hoje. Ainda o filósofo aponta para a falta de um termo que possa abranger um significado para a arte da palavra ou arte da imitação. Já no primeiro século da Era Cristã, é Quintiliano quem se serve do termo literatura, consagrando-o como referência ao grego gramática. Quintiliano aproveita-se para estabelecer a distinção da gramática dividida em duas partes. A primeira, diz respeito à utilização correta da língua, sendo a segunda referente à explicação da poesia pelos poetas. Um litteratus não significa obrigatoriamente um artista ou escritor, porém aquele que domina os conhecimentos teóricos acerca da gramática e da poesia. É importante salientar que somente a partir do século XVIII a palavra literatura desvincula-se de sua relação com a gramática para ocupar um lugar próprio, como lhe ocorre até o tempo presente. Assim sendo, ocorre uma abertura significativa em torno do que passa a representar seu conceito. A palavra literatura passa a figurar em praticamente todas as línguas como sinônimo amplo das manifestações do literário. Sobre as possíveis definições de literatura, René Wellek e Austin Warren dizem: Se reconhecermos que a ficcionalidade, a invenção ou a imaginação são traços característicos da literatura, concebemos a literatura mais em função de Homero, Dante, Shakespeare, Balzac, Keats, do que propriamente de Cícero ou Montaigne, Bossuet ou Emerson. Concedemos que existirão casos fronteiriços, obras como a República de Platão, nas quais não se podem ignorar passagens de invenção ou de ficcionalidade, pelo menos nos grandes mitos, não obstante serem simultaneamente, e primordialmente, obras de filosofia. Esta concepção de literatura é descritiva, e não valorativa. Não se cometerá grande injustiça para com uma obra grande e exemplar pelo mero fato de a relegar para o campo da retórica, ou da filosofia, ou do panfletarismo político, porque em todos esses campos se podem pôr problemas de análise estética, de estilística e de composição, semelhantes ou idênticos aos postos em literatura, só com a diferença de que naqueles faltará a qualidade central de ficcionalidade. Esta concepção de literatura incluiria nela, assim, todas as espécies de ficção, ainda que se tratasse do pior romance, do pior poema, do pior drama. Segundo ela, a classificação como arte ou não arte deveria constituir questão distinta da valoração. Em seu conceito amplo, o fenômeno literário obedece a procedimentos que têm lugar no século XIX, sendo estes o resultado de um conjunto de produção que incorpora das formas da linguagem falada e escrita. Para tanto, alega-se em contraposição a este conceito o fato dele não distinguir a literatura de outros ramos do conhecimento como a filosofia e a ciência. O conceito mais restrito de literatura surge a partir do século XVIII com as diversas incursões da pesquisa em torno da natureza da arte. Esse conceito recupera a Antiguidade, mas só mesmo no século XVIII é estabelecido o termo estética para definir seu caráter especulativo. Entre outras possibilidades de incorporação da estética inclui-se a arte literária. Desse modo, a palavra literatura assume uma nova dimensão, ou seja, passa a representar a produção de natureza essencialmente artística. Todavia, essa definição ainda implica sérios problemas na medida em que a literatura como representação da arte necessita de um marco que a distinga daquilo que não é arte. Cabe ainda indagar sobre a distinção entre literatura, filosofia e ciência, bem como sobre aquilo que fundamenta a arte em sua essência. 1.1 - Texto literário e texto não literário O que pode ser classificado como o valor literário de uma determinada obra pode não diferir do valor atribuído às demais criações do homem. Uma obra literária, portanto, possui um valor subjetivo, inerente à sua condição dentro de um determinado tempo e espaço que pode variar. As medidas de valor atribuídas às obras literárias têm mudado com o decorrer dos anos, sendo um mérito referente a certos aspectos de

14 geração, ficando a cargo dos especialistas a definição de seus atributos. Diante dessa mutabilidade de valores concernentes ao julgamento das obras literárias, há como contraponto o julgamento da Teoria da Literatura que os considera dentro de um plano universal. Todavia, há que se levar em conta as mudanças que a própria teoria acaba por sofrer como resultado das sucessivas alterações que a produção literária também sofre. A Teoria da Literatura submete-se a um plano de transformações, ainda que seu ponto central, a identificação do fenômeno literário, continue a existir. Na Antiguidade, o poético e o literário constituíam duas faces de uma mesma moeda. No conceito clássico não significa ser o poético essencialmente a criação de textos versificados, contudo a possibilidade de serem criadas obras de feição apropriada ao que se constitui como modelo correto, tendo em vista também a receptividade do público. A superioridade dos conceitos clássicos predomina até o século XVIII. Devemos lembrar de obras importantes como a epopeia Os Lusíadas, de Luís de Camões, escrita no século XVI, em plena vigência do Classicismo português. Ela convoca a participação dos deuses da mitologia grega, o que significa a força ainda exercida pelo pensamento clássico na concepção de uma obra que se refere à exaltação do sentido material das conquistas marítimas exercidas pelos portugueses e sintetizadas no grande feito de Vasco da Gama em sua viagem às Índias. Com o final do século XVIII e a ascensão do Romantismo como sentimento aglutinador dos desejos da burguesia ascendente, os conceitos clássicos sofrem um grave decréscimo, sendo que o sentido daquilo que é literário passa a expressar uma outra forma de sensibilidade, desta vez voltada para a subjetividade. Acerca dessa mudança, representada pela recusa ao sentido normativo da literatura clássica, Victor Hugo, em Do grotesco ao sublime: Tradução do Prefácio de Cromwell, diz: O gosto é a razão do gênio. Eis o que estabelecerá logo uma outra crítica, uma crítica forte, franca, erudita, uma crítica do século que começa a lançar rebentos vigorosos sob os velhos ramos ressequidos da antiga escola. Esta jovem crítica, tão grave quanto a outra é frívola, tão erudita quanto a outra é ignorante, já criou órgãos que são ouvidos, e fica-se surpreendido algumas vezes ao encontrar nas folhas mais leves excelentes artigos dela emanados. É ela que, unindo-se a tudo o que há de superior e de corajoso nas letras, nos livrará de dois flagelos: o classicismo caduco, e o falso romantismo, que ousa despontar aos pés do verdadeiro. As propostas do Romantismo encerram-se em seu próprio ciclo de ideias. A partir da segunda metade do século XIX, as proposições do cientificismo, aliados aos princípios imutáveis do Positivismo como escola filosófica, determinam um termo ao Romantismo, que passa a representar um símbolo contrário à preocupação devotada pelo Realismo e mais adiante pelo Naturalismo às questões sociais com as demandas objetivas de uma sociedade onde a presença do coletivo inibe a individualidade. O romance social ganha relevo a partir do Naturalismo, sobretudo em obras como a do romancista francês Émile Zola, autor de Germinal e A besta humana. Nessas obras, bem como em tantas outras do Naturalismo, a representação ganha uma força inusitada baseada no pensamento científico, daí a ficção aproximar-se ao extremo do sentido de realidade. Desse modo, a concepção naturalista afasta-se ao mesmo tempo tanto do conceito de subjetividade do Romantismo como do rigor da Antiguidade Clássica. Com o advento das Vanguardas, há uma rejeição profunda ao Naturalismo. As Vanguardas propõem um rompimento radical com relação aos modelos tradicionais em voga, além de propugnarem um sentido inovador da literatura em constante processo de transformação. A literatura passa à condição de produção relacionada a um permanente diálogo com as demais manifestações artísticas, a exemplo da música e da pintura. O conceito de estritamente literário é submetido a uma série de processos. Daí cabe à Teoria da Literatura o estudo das obras atuais dando-lhes um enfoque condizente com esta mesma atualidade. Além disso, faz-se necessário o estudo das obras escritas no passado dentro de uma perspectiva presente. Também cabe o estudo teórico de obras passadas a partir dos métodos empregados em tempos passados. 1.2 - Características do discurso literário O discurso literário pode ser representado como um enunciado na medida em que promove a simplificação da fala como representação da voz. Daí, surgirem alguns tipos diferentes de discurso. Com isso, tem lugar o discurso narrativo, onde é representada a história, além do discurso dialogado, que resulta da fala dos personagens. No discurso literário, especificamente narrativo, destaca-se a relevância do estreitamento da relação entre o narrador e o leitor como possibilidade de construção desse mesmo discurso. A importância do narrador como figura falante serve como ponto de orientação do leitor.

Por discurso podemos classificar a maneira particularizada de que se utiliza uma determinada língua a partir de um determinado contexto. Cabe dizer que todo tipo de discurso dirige-se a uma outra pessoa, não havendo a hipótese do discurso dirigir-se ao vazio, descontextualizado ou fora de qualquer representação. A perda do sentido no discurso gera uma preocupação com o que representam as formas de narração. Assim é que a narrativa literária se constitui nas formas do discurso do narrador e do personagem. Ao ser enunciada a partir de um narrador, a narrativa especifica um tipo de discurso literário. O narrador não é somente responsável pela narração dos fatos, mas acrescenta a essa função a de especificar o que os personagens falam, sentem e pensam. Para tanto, diante dessas atribuições, é preciso que haja uma divisão entre as possibilidades de discurso narrativo. Assim é que a narrativa literária se efetiva a partir de três formas essenciais de discurso. São eles: o discurso direto, empregado como forma de representação da fala dos personagens; o discurso indireto, a partir do qual se toma conhecimento não somente da situação, mas também das ações e desfechos envolvendo os personagens, e o discurso indireto livre, que se situa no mundo interior, incluindo-se nele as falas, pensamentos, lembrança e todo tipo de situação que envolva a voz íntima dos personagens. O discurso direto é uma afirmação da fala em seu dinamismo, fazendo uso de expressões que a enriquecem, além de propor combinações que por vezes fogem ao senso comum inserindo-se de modo inusitado no âmbito do discurso literário. Nele possibilita-se a vinda das falas do passado para serem representadas no presente, a partir do que se caracteriza chamar de presente histórico. O discurso direto pode ser identificado graficamente no texto através de travessões, além de que os recursos linguísticos destacam os verbos de elocução seguidos de dois pontos. A diferença fundamental entre língua falada e língua escrita reside na questão da enunciação, sendo que a primeira situa-se no plano do cotidiano e a outra resulta de uma série de convenções que a caracterizam. Sobre o aspecto da linguagem. Machado (1994), em Literatura e redação, diz: Quando afirmamos que o discurso direto é reprodução da fala, através da diversidade dos recursos verbais espontâneos que nela ocorrem, não estamos querendo dizer que o discurso direto é um discurso empobrecido, grotesco e que é preciso vulgarizar a língua escrita para reproduzi-lo. Nada disso! A linguagem escrita é capaz de reproduzir a dicção da fala sem se vulgarizar. Por sua vez, a literatura como reprodução da linguagem acaba por dirigir-se a outros segmentos que privilegiam a forma consagrada pelos meios culturais de reconhecida erudição. A linguagem escrita apresenta-se como privilégio das camadas elevadas. A questão de algum tempo, a fala dos personagens no romance acabava sendo adaptada à forma culta. Desse modo, a linguagem era representada de um só modo, o que servia para ampliar a barreira entre os diferentes tipos de discurso. 15 Exercícios de Autoavaliação 1. O fenômeno literário, em sua concepção, remonta o passado clássico. Discorra sobre o assunto. 2. A partir do século XVIII, o conceito restrito de literatura se define. O que isso significa? 3. O que representa o discurso literário? Defina seu significado.

16 UNIDADE II GÊNEROS LITERÁRIOS Conceituação Os gêneros literários têm sua gênese na Antiguidade Clássica. São conhecidos os principais estudos sobre o assunto em A República, de Platão, e na Poética, de Aristóteles. Além desses, temos em Horácio e sua Arte poética uma continuação desse princípio. A Idade Média, por sua vez, não os leva em consideração, sendo que muito pouco se sabe acerca da produção de obras sobre o tema nesse período. O Renascimento serve como ponto de retorno ao estudo das teorias da Antiguidade Clássica. Assim, há uma abertura significativa com relação às regras estabelecidas quando são acrescentados aos gêneros já existentes outros gêneros. No século XVII, com o Barroco, há uma série de posturas que contrariam os postulados dos gêneros clássicos, sendo que no século XIX, com o apogeu do Romantismo e sua ação demolidora dos princípios do Classicismo, a classificação antiga é violentamente contestada. Os românticos apoiam-se apenas no talento dos escritores, uma vez que o sentido ordenado dos gêneros contraria o sentido de liberdade criativa por eles defendido. O compromisso do escritor obedece unicamente ao seu gosto pessoal e ao gosto do público de seu tempo. Destacam-se ainda as formulações teóricas de Ferdinand Brunetière, que tenta a recuperação do conceito de gênero, desgastada pela atuação dos românticos, atribuindo-lhe um sentido individual que o aproxima dos seres e dos organismos vivos com nascimento, vida, morte e transformação. Desse modo, sua proposta encerra um tipo de história natural dos gêneros, devendo-se essa posição ao cientificismo e ao evolucionismo em vigor. Em vista disso, deflagra-se uma atitude contrária em Benedetto Croce, que nega o conceito de gênero em face da defesa que faz ao individualismo na arte, onde certas categorias são excluídas. O gênero é somente um conceito externo, independente da crítica e da criação. Sobre a questão que envolve os gêneros em sua origem, Emil Staiger (1985), em Conceitos fundamentais da poética, diz: Somente a relação entre cada obra poética e a ideia do gênero é diferente da relação existente entre cada planta e a planta originária, ou entre cada animal e o tipo animal. Nenhuma planta determinada representa com pureza o tipo vegetal. A planta originária não existe na realidade, do mesmo modo que não existe uma obra puramente lírica, épica ou dramática. Esse princípio de afirmação do escritor com aquele que atende à demanda de seu tempo e à sua vontade pessoal prevalece até o Modernismo, que ratifica a atitude de rebeldia da literatura contra o ordenamento teórico dos gêneros. Por sua vez, se há essa atitude de demolição diante dos gêneros, a crítica não os exclui de seu objeto de interesse. Assim é que os gêneros literários têm constituído o assunto da crítica em sucessivos debates. No século XX, cabe ressaltar algumas posturas acerca dos gêneros como, por exemplo, o que estabelece Roman Jakobson como teoria da hierarquização da linguagem no texto poético, onde prevalece no literário a função poética, sendo a épica a função referencial, na terceira pessoa, a lírica na primeira pessoa, e a dramática ligada à primeira pessoa como função conotativa. Temos ainda no século XX o destaque para as formas naturais do poético, que são uma retomada das propostas já efetivadas no Romantismo alemão através de Goethe, sendo essas formas naturais representações dos gêneros lírico e dramático. Segundo André Jolles, essas formas são a origem daquilo que leva às formas literárias mais complexas, surgindo de formas simples ou formas fundamentais como a lenda, a saga, o mito, o caso, a adivinha etc. Vale abordar ainda alguns teóricos de relevo no século XX que abordam a questão do gênero com Emil Staiger e Northrop Frye. Este último acrescenta à divisão dos gêneros a ficção, dividindo-a em quatro modalidades, ou seja, o romanesco, o romance, a forma confessional e a sátira anatômica. Na contemporaneidade, o escritor exerce seu trabalho a partir de uma liberdade que confere à obra a possibilidade de incorporação de vários gêneros. A subordinação da obra a um determinado gênero parece de fato abolida, na medida em que o autor pode inserir em sua criação formas secundárias ao modelo existente. Os gêneros literários são assim como possibilidades que podem ultrapassar a condição e o processo original da criação literária.

2.1 - O lírico e a subjetividade O gênero lírico constitui a maneira pela qual o poeta vincula sua forma de conceber o mundo e transmiti-la ao público. A poesia lírica tem a capacidade de promover o transbordamento das emoções através de um sentido rítmico onde o verso e o canto assumem um lugar destacado. Desse modo, pode-se afirmar que a poesia corresponde aos instintos mais originais da condição humana, desde sua origem, perpassando todas as situações e estratificações da sociedade. As origens desse lirismo individual e subjetivo podem associar a poesia como uma forma rítmica ligada à música e à dança. Essa expressão inata serve para traduzir as emoções mais recônditas da arte e a sensibilidade da alma. Partindo dessa noção de individualidade associada ao canto, o gênero lírico tem seu nome ligado à lira empregada pelos gregos. Na Antiguidade, essa manifestação literária designa o gênero musical cantado com o auxílio da lira. O emprego desse termo na atualidade generaliza o sentido de lirismo como expressão de poesia que expresse emoção e subjetividade, desvinculada de qualquer sentido narrativo. Na Antiguidade, o lirismo manifesta-se na poesia de pequena extensão, acompanhada de música. Essa poesia de natureza intima é a expressão de um sentimento da alma para o qual a música contribui de modo a constituir um conjunto harmônico. O sentido da palavra poema, no século XIX, passa a ser uma denominação da expressão lírica, ainda que também possa denominar o gênero épico, além de poder detectar presença do gênero lírico no drama e na ficção. Na poesia lírica, portanto, sintetiza-se uma expressão do poema como resultado daquilo que se constitui a inspiração. Como exemplo, podemos citar o poema Tristezas da lua, de Charles Baudelaire, que diz: Divaga em meio à noite a lua preguiçosa; Como uma bela, entre coxins e devaneios, Que afaga com a mão discreta e vaporosa, Antes de adormecer, o contorno dos seios. No dorso de cetim das tenras avalanchas, Morrendo, ela se entrega a longos estertores, E os olhos vai pousando sobre as níveas manchas Que no azul desabrocham como estranhas flores. Se às vezes neste globo, ébria de ócio e prazer, Deixa ela uma furtiva lágrima escorrer, Um poeta caridoso, ao sono pouco afeito, No côncavo das mãos toma essa gota rala, De irisados reflexos como um grão de opala, E bem longe do sol a acolhe no seu peito. A expressão das paixões, das emoções e dos sentimentos amorosos perpassa a inspiração do poeta lírico. O coração é a grande fonte de inspiração do poema. A alegria, a tristeza, a morte, a melancolia, enfim, constituem a matéria desse gênero poético. O lirismo constitui um gênero profundamente emocional. Essa emoção decorre do encontro com as formas da beleza bem como pela imaginação que favorece a criação de paisagens inspiradoras. Além disso, a confidência amorosa, a revelação do amor ou a perda da felicidade, o sono e a vigília são seus temas. Essa expressão em palavras singulariza situações íntimas ou expressa de modo subjetivo o sentimento coletivo. O poeta lírico é antes de tudo alguém que tem a capacidade de colher as formas da sensibilidade filtrando-as em si para fazer delas sua própria matéria imaginativa. Desse modo, a tradução dos sentimentos comuns aos indivíduos acaba por dotá-lo da condição de cantor de um sentido coletivo, expressando uma universalidade das emoções. A poesia lírica não tem nenhum interesse nos fatos, o que a faz um produto distinto no que se refere à linguagem científica ou ao senso comum da comunicação humana. 17 2.2 - O épico e a narrativa O conceito de epopeia tem origem nas palavras gregas epos, que significa canto, narrativa, e poiesis, que significa fazer. Da Grécia também se origina sua concepção. Temos em Homero o responsável por sua criação através dos poemas Ilíada e Odisseia, que servem de referência ao desdobramento desse gênero como poesia, senão também como gênero narrativo. Por muito tempo, a epopeia se define como um gênero poético. Todavia, a liberação de um sentido restrito da relação entre verso e prosa coloca a epopeia num plano mais amplo, o que representa sua inserção no âmbito da ficção como resultado do que se pode chamar de narrativa. Desse modo, retoma-se seu sentido original, ou seja, sua condição de gênero narrativo independente da forma poética, sendo ele antes de tudo uma narrativa de cunho heroico. A epopeia, assim como a ficção, corresponde à condição de narrador inerente ao ser humano. Desde a mais remota possibilidade de fabulação de que se tem conhecimento, percebe-se haver uma estrutura narrativa, ainda que em forma poética, uma vez que a poesia está mais próxima do homem que a prosa, por representar uma melopeia que se repe-

18 te e induz ao exercício da memória. A epopeia tem, dessa maneira, profundas ligações com as narrativas populares. A partir da elaboração oral, as narrativas passam a constituir diversas unidades poéticas. A autoria dessas narrativas é considerada anônima, querendo elas parecerem ser um corpus que tem origem na criação coletiva sujeita às diferentes formas de recitação que alteram seu princípio e sua forma. Essas células narrativas incorporam figuras lendárias, aliadas à imaginação popular, que corporificam representações dos desejos coletivos. Por sua vez, a epopeia possui diferentes ciclos, de acordo com a época em que a matéria épica é desenvolvida. Da Antiguidade Clássica ao Renascimento encontram-se alguns dos melhores exemplares do gênero épico. Como exemplo de epopeia renascentista, num trecho do Canto IV de Os Lusíadas, de Luís de Camões, o episódio do Velho do Restelo diz: Ó glória de mandar, ó vã cobiça Desta vaidade, a quem chamamos Fama! Ó fraudulento gosto que se atiça Cãa aura popular, que honra se chama! Que castigo tamanho e que justiça Fazes no peito vão que muito te ama! Que mortes, que perigos, que tormentas, Que crueldades neles exprimentas? Dura inquietação da alma e da vida, Fonte de desemparos e adultérios, Sagaz consumidora conhecida De fazendas, de reinos e de impérios! Chamam-te ilustre, chamam-te subida, Sendo dina de infames vitupérios; Chamam-te Fama e Glória soberana, Nomes com que se o povo néscio engana. A que novos desastres determinas De levar estes Reinos e esta gente? Que perigos, que mortes lhe destinas, Debaixo dalgum nome preminente? Que promessas de reinos e de minas De ouro, que lhe farás tão facilmente? Que fama lhe prometerás? Que histórias? Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?... 2.3 - O dramático e o cênico Ó Maldito o primeiro que, no mundo, Nas ondas vela pôs em seco lenho! Dino de eterna pena do Profundo, Se é justa a justa lei que sigo e tenho! Nunca juízo algum, alto e profundo, Nem cítara sonora ou vivo engenho, Te dê por isso fama nem memória, Mas contigo se acabe o nome e a glória! Trouxe o filho de Jápeto do Céu O fogo que ajudou ao peito humano, Fogo que o mundo em armas acendeu, Em mortes, em desonras (grande engano!). Quando milhor nos fora, Prometeu, E quando pera o mundo menos dano, Que a tua estátua ilustre não tivera Fogos de altos desejos que a movera! Não cometera o moço miserando O carro alto do pai, nem o ar vazio O grande arquitector co filho dando, Um, nome ao mar, e outro, fama ao rio. Nenhum cometimento alto e nefando Por fogo, ferro, água, calma e frio, Deixa intentado a humana geração. Misera sorte! Estranha condição! As principais epopeias conhecidas do público são as seguintes: Ramaiana e Maabarata, na Índia, Ilíada e Odisséia, de Homero, na Grécia, e Eneida, de Vergílio, em Roma, na Antiguidade Clássica. Canção de Rolando, dos francos, A canção dos nibelungos, dos germanos, Edas, dos escandinavos, Cantar do meu Cid, dos espanhóis e Beowulf, dos anglo-saxões, na Idade Média, estas de natureza anônima. Os Lusíadas, de Luís de Camões, em Portugal, Jerusalém libertada, de Tasso, e Orlando furioso, de Ariosto, na Itália, e Paraíso perdido, de Milton, na Inglaterra, no Renascimento. Na literatura moderna, a epopeia não se situa devidamente, na medida em que, em sua grande maioria é a representação de um período marcado por feitos heroicos, o que corresponde ao período que vai da Antiguidade Clássica ao Renascimento. Assim é que as manifestações épicas posteriores ao barroco estão condenadas ao malogro, não obtendo a mesma repercussão. O gênero dramático baseia-se na representação como forma de aproximação entre o artista e o seu público. A interpretação no gênero dramático significa uma forma de imitação da realidade. O drama lança mão dos artifícios da representação ao invés de valer-se da narrativa ou dos procedimentos subjetivos da lírica. Seu procedimento se efetiva de modo indireto, buscando no diálogo entre os personagens a forma ideal de estabelecimento de uma relação com o público ou com o leitor. A origem da palavra drama vem do grego drão, que significa o fazer como uma representação de ação. No entanto há que se destacar no gênero dramático o fato de que ele não só abrange o drama. Desse modo, apela-se na atualidade para o emprego da palavra peça para caracterizar as obras dramáticas.

A síntese da representação dramática consiste na colocação de certo número de atores num palco ou arena para que eles representem diante de um público. Além de decorarem as falas de seus respectivos personagens, cabe aos atores representarem a estes incorporando suas características. Do contrário a representação não é mais que uma leitura. O ato de representar subentende uma lógica que faz com que os atores fiquem ligados uns aos outros e à ação. Chama-se de ação dramática ao conjunto de elementos como enredo, trama e entrecho, que constitui cada um dos atos cênicos. Eles são responsáveis de caracterizar os diversos conflitos entre os personagens, o que gera uma unidade capaz de levar a um termo o desfecho da peça. A ação dramática pode ser verossímil, fazendo com que a platéia a compreenda. Os atores desempenham seus papéis, podendo ainda haver a interseção da música, do canto etc. No período neoclássico, o teatro tem por obrigação o cumprimento de regras inerentes à chamada lei das unidades, que compreende tempo, lugar e ação. Com o advento do Romantismo, estas exigências foram desprezadas. Outro exemplo claro de regra teatral diz respeito à divisão da peça em atos e cenas, que constituem uma divisão dos entrechos. No entanto, há uma variação que diz respeito à evolução do drama em cinco atos, na Antiguidade Clássica, para a peça em quantidades diferentes de atos. O gênero dramático pode ser dividido em tragédia e comédia, havendo ainda uma série de variações que se efetivam com o tempo como o drama, a farsa, o melodrama, o auto, além de manifestações de natureza cênicomusical como a ópera, a revista e o vaudeville. A tragédia e a comédia variam de acordo com o espírito de cada uma delas, mesmo que possa haver uma mistura entre as duas. A tragédia implica a luta individual pela superação de um dilema, um conflito interior, uma sentença do tempo, diante da qual o homem se vê obrigado a lutar. Sua origem remonta a Grécia antiga onde há uma transformação do ditirambo nas festas dionisíacas. A fase ática da tragédia tem nos dramaturgos Ésquilo, Sófocles e Eurípides seus nomes mais expressivos. Após seu período de fixação entre os romanos, a tragédia ressurge no final do Renascimento, sobretudo a partir do gênio inovador de William Shakespeare. Como exemplo de tragédia do período elisabetano, um trecho de Hamlet, Príncipe da Dinamarca, de William Shakespeare, diz: Laertes Está aqui, Hamlet. Hamlet, estás morto. Não existe medicina no mundo capaz de curar-te; não tens nem meia hora de vida. O traiçoeiro instrumento está em tua mão, sem botão e envenenado. A infame intriga virou-se contra mim. Olha-me aqui, caído, para nunca mais levantar-me. Tua mãe foi envenenada... Não posso mais... O rei, é o rei o culpado. Hamlet A ponta! Envenenada também!... Então, veneno, completa teu trabalho. (Fere o Rei.) Todos Traição! Traição! Rei Oh! Defendei-me, meus amigos! Estou somente ferido. Hamlet Olha aqui, incestuoso, assassino! Dinamarquês do inferno! Bebe esta poção! Tua união está aqui? Acompanha minha mãe. (Morre o Rei.) Laertes Ele recebeu o que merecia. Foi o veneno preparado por ele mesmo! Perdoemo-nos mutuamente, nobre Hamlet! Que nem minha morte, nem a de meu pai caiam sobre ti! Nem tampouco a tua sobre mim! (Morre.) Hamlet Que o céu te absolva dela! Vou atrás de ti. Estou morto, Horácio. Adeus, rainha desgraçada! Vós que estais pálidos e trêmulos diante deste infortúnio, que sois personagens mudos ou simples espectadores desta cena, se eu tivesse tempo (mas a morte, esbirro feroz, é inflexível em suas decisões), oh! poderia dizer-vos... Mas que importa? Horácio, estou morto, tu estás vivo. Explica minha conduta e justifica-me perante os olhos daqueles que duvidarem. Horácio Não acrediteis que o faça. Sou mais um romano antigo do que um dinamarquês. Ainda sobrou um pouco de líquido na taça. Hamlet Se és homem, dá-me a taça! Solta-a! Pelo céu, eu a conseguirei! Ó bom Horácio, que nome desonrado ficará depois de mim, se tudo permanecer assim desconhecido? Se alguma vez me conservaste em teu coração, afasta-te algum tempo da felicidade e reserva, sofrendo, o teu sopro de vida neste mundo de dor para contar minha história. (Marcha distante. Descargas.) Que barulho guerreiro é esse? Osric O jovem Fortimbrás chega vitorioso da Polônia e vem saudar com esta salva marcial os embaixadores da Inglaterra. Hamlet Ó Horácio, estou morrendo! O poderoso veneno está subjugando completamente meu espírito. Não posso viver o bastante para escutar as novas da Inglaterra, mas profetizo a eleição de Fortimbrás; tem a favor dele meu voto moribundo. Diz-lhe isso, bem como todos os incidentes, grandes e pequenos que me impeliram... O resto é silêncio. (Morre.) Além de Shakespeare, na Inglaterra, a tragédia notabilizase durante o século XVII na França com as obras de Corneille e Racine. Bem depois, no século XIX, aparece o drama romântico, que desestrutura a ideia de tempo e espaço. No que se refere à comédia, também de origem grega, o riso é o seu principal elemento. A sátira às situações individuais ou sociais também é o tema da comédia, enfocando os desvios de conduta, os vícios etc. Na Grécia antiga, Aristófanes e Menandro pontificam como grandes nomes. Em Roma, Plauto é o maior de todos. A partir do século XVII, encontramos Shakespeare na Inglaterra e Molière na França como mestres do gênero, além do fato de que surgem vários outros nomes na França, na Inglaterra, na Espanha e na Itália. 19 Exercícios de Autoavaliação 1. Qual a origem dos gêneros literários? Explique. 2. O gênero lírico aborda a subjetividade das formas literárias. O que isso representa? 3. O gênero dramático consiste no ato de representar. Desenvolva a questão.

20 UNIDADE III A LINGUAGEM POÉTICA Conceituação A poesia representa a capacidade de restituir à linguagem sua condição mais original. Desse modo, a linguagem passa a constituir uma condição natural, espécie de necessidade intrínseca da palavra relacionada à convivência do homem com a natureza das coisas que o cercam. Pode-se acrescentar a isso a concepção estética que separa a arte da materialidade sem contornos e sem acabamento. A poesia, portanto, busca seu sentido de material irrefutável com vistas ao preenchimento de um imaginário que se serve da linguagem. Goethe vai dizer que a poesia deve ser rítmica e melódica. Já Mallarmé a vê como uma suprema força de beleza. Para Carlyle é um pensamento musical. Dante a define como retórica posta em música. Allan Poe pensa ser a poesia a criação rítmica da beleza. Wordsworth a considera emoção recolhida tranquilamente. Diante de tantas afirmações, pode-se dizer que a poesia representa um tipo de linguagem indefinível, em prosa ou verso, onde se encontra um núcleo essencial inexprimível que expressa sua existência. A poesia, em sua acepção clássica, origina-se do grego poiesis, que significa fazer algo, estando implícito um conceito de ação, criação. Nesse seu sentido mais amplo há uma discrepância entre artistas e críticos. Isso se deve ao fato de que esse conceito de poesia visa somente o estabelecimento de sua diferença com relação à prosa, que não mais atende a seu processo de evolução. No entanto, a poesia ainda segue representando um tipo de fazer, uma forma de criação. Sobre o assunto, Mikel Dufrenne, em O poético, diz: [...] O mármore, que é apenas rocha, torna-se pedra no templo; a cor, dantes qualidade secundária, torna-se qualidade primária na pintura, pois deixa de qualificar um objeto para qualificar a si própria; o ruído torna-se som na música, inclusive na música concreta. A poesia faz o mesmo com relação à linguagem, com maior razão porque a linguagem se presta a isto e talvez mesmo a solicite; a poesia deve reanimá-la mais do que convertê-la, reativar seu poder expressivo, ela ordena-lhe apenas para obedecer-lhe. Produz com o necessário a necessidade, isto é, considera e trata linguagem como natureza. A poesia também define uma forma de saber pautada no imaginário. Isto porque a palavra poética se distancia da razão e aproxima-se da magia. Sua força significante apenas obedece a uma consciência livre de amarras que não tem por fim um sentido esvaziado como significado, mas eleva a palavra a uma condição plena, espécie de material pautado numa sucessão de imagens, o que vem a ser sua função e representa seu sentido. A estética clássica distingue a poesia a por seu sentido de texto caracterizado pelo teor retórico referente à versificação, incluindo-se nela o estilo e a escolha das palavras. Todavia, a escola romântica modifica esse conceito substituindo-o pela representação das imagens, símbolos e ritmos como medidas. Essa concepção aproxima cada vez mais a poesia da prosa literária, buscando abolir de modo gradual a obrigatoriedade da métrica e a dependência exagerada da estrofação. O verso livre se impõe adequando-se a um conceito de poesia moderna. 3.1 - Poema x poesia O conceito de poema está ligado à forma pela qual se realiza o verso. Cada verso representa uma linha do poema. Assim é que o poema se caracteriza por ser uma peça rítmica e cadenciada, podendo ainda ser dotado de métrica e rima. A métrica num poema refere-se a cada uma das sílabas poéticas ou pausas sonoras. Os versos podem ser simétricos, polimétricos ou livres, possuem um tipo de métrica apresentada a partir do que se chama escandimento. A cadência diz respeito a um movimento regular que caracteriza o ritmo imposto ao poema. Esse movimento é representado pelo retorno das sílabas tônicas seguidas de pausa. A pausa, por sua vez, recebe a denominação de cesura. Assim é que cada pausa do verso obedece a uma marcação chamada de segmento do verso. A rima, sobretudo a partir de um processo de afirmação da poesia moderna, deixou de ter papel preponderante na concepção do poema, sendo descartada sua obrigatoriedade. Esta se constitui na combinação de sonoridades no meio ou no final de cada verso. Como exemplo, em Nossa marcha, Vladimir Maiakóvski diz: Troa na praça o tumulto! Altivos píncaros testas! Águas de um novo dilúvio lavando os confins da terra. Touro mouro dos meus dias. Lenta carreta dos anos. Deus? Adeus. Uma corrida. Coração? Tambor rufando.

Que metal será mais santo? Balas-vespas nos atingem? Nosso arsenal é o canto. Metal? São timbres que tinem. Desdobra o lençol dos dias cama verde, campo escampo. Arco-íris arcoirisa o corcel veloz do tempo. O céu tem tédio de estrelas! Sem ele, tecemos hinos. Ursa-Maior, anda, ordena para nós um céu de vivos. Bebe e celebra! Desata Nas velas a primavera! Coração bate combate! O peito bronze de guerra. Com poesia define-se o clima de subjetividade e beleza que se instaura na criação de um sentido próprio de realidade. O clima emotivo vai marcar ainda a realização do texto poético. Esse clima emotivo, contudo, não é uma obrigação, podendo existir ou não tanto na poesia quanto na prosa. A poesia liga-se diretamente ao mundo das imagens através de uma linguagem figurada que explora comparações e metáforas. Os sonetos de Shakespeare ou as odes de Keats são sobrecarregados de imagens. Por outro lado, deve-se destacar aquilo que se chama de dicção poética, que teve seu apogeu no século XVIII, sendo ultimamente utilizado de modo obrigatório. Há que se destacar que, no transcurso do século XX, poetas como T. S. Eliot e W. H. Auden recorrem a um discurso poético extremamente coloquial. Como exemplo, em Elogio da distância, Paul Celan diz: Na fome dos teus olhos vivem os fios dos pescadores do lago da loucura. Na fonte dos teus olhos o mar cumpre a sua promessa. Aqui, coração que andou entre os homens, arranco do corpo as vestes e o brilho de uma jura: Mais negro no negro, estou mais nu. Só quando sou falso sou fiel. Só tu quando sou eu. Na fonte dos teus olhos ando à deriva sonhando o rapto. Um fio apanhou um fio: separando-nos enlaçados. Na fonte dos teus olhos um enforcado estrangula o baraço. Como poesia, portanto, subentende-se a capacidade de abstração que foge ao controle da construção material do poema no espaço delimitado pela forma escrita. A poesia representa muito mais que seu significado pleno, entrando no campo da magia verbal para ser liberada de sua relação com a sintaxe, por exemplo. Na poesia, o desdobramento das imagens remete a uma relação com o leitor havendo um entrechoque inusitado de estruturas que se relativizam em sua significação e fogem à possibilidade do entendimento lógico. Portanto, subentende-se na poesia um processo de deslocamento do sentido lógico das palavras em direção a um campo de força que faz com que as palavras retornem a seu estado de natureza. 21 3.2 - O ritmo e a rima O ritmo decorre da sucessão de segmentos que se encadeiam na linguagem de modo a sugerir uma melodia. As palavras em si não constituem elementos capazes de configurar aspectos rítmicos. Por sua vez, os efeitos decorrentes da escolha delas no texto poético criam as condições de configuração desse fenômeno. Cada uma das pausas melódicas dentro de um poema não representa a intercessão do discurso, sendo ele uma linha contínua que vai do início ao fim do poema. Nele as unidades melódicas são variantes, mas não isoladas. Uma apresentação do poema em forma recitativa deve prezar pela união lógica e emotiva, ressaltando o sentido melódico do poema. Como se sabe, o ritmo melódico se constitui de segmentos melódicos. Uma elevação artificial da voz e uma pausa. Daí a variação do ritmo obedecer a dois fatores que são: a extensão dos segmentos melódicos e a duração da pausa no intervalo entre um segmento e outro. Pode-se, desse modo, estabelecer uma comparação entre duas formas de poemas. No primeiro exemplo, encontramos segmentos de apenas uma ou duas sílabas, sendo que no segundo há um número bem maior, de cerca de dez segmentos melódicos. Em Cocheiro bêbado, Arthur Rimbaud diz:

22 Álacre Vai: Nacre Rei. Acre Lei. Fiacre Cai! Dama: Tombo. Lombo Dói. Clama: Ai! Em Elegia: indo para o leito, John Donne diz: Vem, Dama, vem que eu desafio a paz; Até que eu lute, em luta o corpo jaz. Como o inimigo diante do inimigo, Canso-me de esperar se nunca brigo. Solta este cinto sideral que vela, Céu cintilante, uma ária ainda mais bela. Desata esse corpete constelado, Feito para deter o olhar ousado. Entrega-te ao torpor que se derrama De ti a mim, dizendo: hora da cama. Tira o espartilho, quero descoberto O que ele guarda, quieto, tão de perto. O corpo que de tuas saias sai É um campo em flor quando a sombra se esvai. Arranca essa grinalda armada e deixa Que cresça o diadema da madeixa. Tira os sapatos e entra sem receio Nesse templo de amor que é nosso leito. Os anjos mostram-se num branco véu Aos homens. Tu, meu anjo, és como o céu De Maomé. E se no branco têm contigo Semelhanças os espíritos, distingo: O que meu anjo branco põe não é O cabelo, mas sim a carne em pé. Deixa que a minha mão errante adentre Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre. Minha América! Minha terra à vista, Reino de paz, se um homem só a conquista, Minha mina preciosa, meu império, Feliz de quem penetre o teu mistério! Liberto-me ficando teu escravo; Onde cai minha mão, meu selo gravo. Nudez total! Todo o prazer provém De um corpo (como a alma sem corpo) sem Vestes. As joias que a mulher ostenta São como as bolas de ouro de Atalanta: O olho do tolo que uma gema inflama Ilude-se com ela e perde a dama. Como encadernação vistosa, feita Para iletrados, a mulher se enfeita; Mas ela é um livro místico e somente A alguns (a que tal graça se consente) É dado lê-la. Eu sou um que sabe; Como se diante da parteira, abre- Te: atira, sim, o linho branco fora, Nem penitência nem decência agora. Para ensinar-te eu me desnudo antes: A coberta de um homem te é bastante. O ritmo pode ainda abranger uma série de fenômenos que oscilam, tendo em vista cada uma das línguas bem como as diferentes métricas. É ele, também, uma espécie de pulsação, exercendo uma duração que pode ser medida em sua proporcionalidade. A frequência com que se opera a divisão do ritmo tem em conta as diversas métricas divididas em unidades, segmentos e células, que se combinam segundo a repetição e a modulação, podendo se completar numa unidade de sentido. Ainda sobre o ritmo, I. A. Richards, em Princípios da crítica literária, diz: O ritmo é uma tessitura de expectações, satisfações, desapontamentos e surpresas que a sequência de sílabas ocasiona. E o som das palavras somente atinge seu pleno poder através do ritmo. Evidentemente não pode haver surpresa nem desapontamento sem expectação; e talvez a maioria dos ritmos seja feita tanto de desapontamentos, adiamentos, surpresas e traições, quanto de simples e francas satisfações. E prossegue: Podemos agora passar àquela forma mais complexa e especializada da sequência rítmica temporal, conhecida como metro. Este é o meio pelo qual as palavras podem se influenciar na maior medida possível. Na leitura métrica a estreiteza e a limitação de expectativa por inconsciente que seja na maioria dos casos é grandemente aumentada, alcançando, em alguns casos, uma precisão quase exata, se a rima é também usada. Por sua vez a rima representa uma identidade de sons que se constitui num fenômeno universal. Tendo se originado no latim da igreja, ela depois se estende ao francês e aos demais idiomas. Na Antiguidade, o encontro sonoro tem função meramente decorativa, eufônico e harmônico quando não expressivo e imitativo. Quanto à natureza, as rimas podem ser toantes e soantes, como nos dois poemas abaixo. No poema Ao sono, de William Wordsworth, temos exemplos de rimas toantes, ou seja, quando a sonoridade recai sobre as vogais: Rebanho de ovelhas que lentamente passa Uma de cada vez, o som da chuva e o farfalhar Das folhas ao vento, abelhas, cascatas e o mar,