O ENSINO DE LIBRAS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS NO CURSO DE LETRAS LIBRAS / LÍNGUA PORTUGUESA Huber Kline Guedes Lobato; Fernanda Grazielle Aparecida Soares de Castro; Hector Renan da Silveira Calixto; Universidade do Estado do Pará huberkline@gmail.com; Universidade Federal do Rio de Janeiro - fernandagas1@gmail.com; Universidade Federal do Rio de Janeiro - hectorscalixto@gmail.com; 1 INICIANDO O ESTUDO... A preocupação deste trabalho originou-se a partir da atuação no contexto de instituições públicas de ensino superior, que expressam experiências pedagógicas realizadas na área de Educação de Surdos e Ensino / Tradução/Interpretação da Língua Brasileira de Sinais (Libras), atuação esta que deu-se após a aprovação no Exame Nacional para Certificação de Proficiência na Tradução e Interpretação da Libras / Língua Portuguesa no ano de 2010, assim como a aprovação em Proficiência no Ensino da Libras no ano de 2013, exame este conhecido nacionalmente como PROLIBRAS 1. De acordo com Quadros (2009) o PROLIBRAS deve identificar a proficiência na Libras e o mesmo exame certificará o candidato para o exercício de duas profissões: (1) o ensino da Libras e (2) a tradução e interpretação da Libras /Língua Portuguesa. Sendo que o exame deve apresentar duas etapas, conforme apresentaremos a seguir: Assim, objetivamos com este trabalho realizar algumas reflexões sobre o exame nacional de proficiência da Libras conhecido como PROLIBRAS, a partir de uma experiência didático-pedagógica realizada em uma instituição pública de ensino superior com acadêmicos do curso de Letras Libras / Língua Portuguesa. 2 PERCURSO METODOLÓGICO 1 Exame Nacional para Certificação de Proficiência no Ensino da Língua Brasileira de Sinais e para a Certificação de Proficiência na Tradução e Interpretação da Libras / Língua Portuguesa que este ano denominou-se sexto PROLIBRAS nos termos do decreto 5.626/05 e portaria normativa - MEC nº 20/2010.
O presente trabalho tem como foco a pesquisa-ação, pois de acordo com Moreira; Caleffe (2006, p. 89) a pesquisa-ação é uma intervenção em pequena escala no mundo real e um exame muito de perto dos efeitos dessa intervenção. Foram analisadas as percepções de 06 sujeitos que participaram da atividade denominada mini- PROLIBRAS durante nossa atuação, em uma turma do curso de Letras: Libras / Língua Portuguesa de uma instituição pública de ensino superior. A atividade didática ocorreu em três momentos: Inicialmente os acadêmicos receberam uma relação de conteúdos para que pudessem estudar e revisar temas abordados nas disciplinas iniciais do curso; em seguida participaram de um pequeno simulado sob a orientação do professor regente da disciplina. No segundo momento, em data previamente estabelecida os 34 acadêmicos realizaram a atividade, que ocorreu por meio de 20 questões selecionadas do PROLIBRAS/MEC dos anos de 2006 a 2013. No último momento, correspondente ao dia seguinte, realizamos a socialização da atividade, em que os universitários foram divididos em 06 grupos, com o propósito de dialogarem sobre a referida atividade. E cada grupo elegeu um representante que argumentou os pontos e contrapontos, ocorrido no decorrer do processo denominado mini-prolibras. Os 06 participantes serão denominados de: Bianca, Celso, Telma, Fábio, Estela e Carla. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Nas falas dos acadêmicos observamos aspectos relativos às dificuldades encontradas durante a exibição dos vídeos do PROLIBRAS, dentre estas dificuldades podemos mencionar: o vício de focalizar o olhar nas mãos do interlocutor; e sinais não utilizados em nosso contexto regional. Como afirma Telma os sinais que a moça fazia no vídeo eram rápidos demais, e tinham letras que ela emendava uma na outra no momento de fazer a datilologia das palavras. Podemos perceber com este relato que as dificuldades descritas pela aluna referem-se à ação de focalizar a atenção nas mãos do sinalizador ao invés do rosto, perdendo uma série de informações linguísticas veiculadas por esse canal. Com o tempo, os aprendizes de Língua de Sinais percebem que necessitam focalizar
predominantemente o rosto, com o refinamento da visão, e só desviar o foco visual para as mãos em algumas ocasiões, no caso de sinais soletrados com uso da datilologia 2. Neste sentido citamos Leite; McCleary (2009, p. 249): Parte significativa da dificuldade na aprendizagem de Línguas de Sinais por ouvintes está relacionada à diferença entre línguas como o Português, que se apoiam fortemente na audição, e línguas como a Libras, que se apoiam estritamente na visão. Por exemplo, as Línguas de Sinais parecem exigir um refinamento da visão que os ouvintes precisam desenvolver. Portanto, ressaltamos que as dificuldades abordadas atinam-se a uma habilidade refinamento da visão que necessita de muito exercício e treinamento prático para que seja conquistada. Porém há o relato de que tinham letras que ela emendava uma na outra no momento de fazer a datilologia. Isso, de fato, acontece quando realizamos a datilologia das palavras, mas é algo que torna-se habitual quando passamos a executar frequentemente os sinais soletrados como modo de conquistar maior habilidade das mãos no momento de usar a datilologia 3. Outro ponto que destacaremos refere-se ao uso de sinais diferentes de nosso contexto regional, conforme mencionado por Fábio: eu percebi alguns sinais que os surdos aqui do Pará não usam, acredito que eles só sejam usados lá para o Sul do país. E Carla diz: a questão é que o PROLIBRAS é elaborado de acordo com os sinais do Rio ou Santa Catarina, e são sinais diferentes dos nossos. De acordo com Lima (2009, p. 19): Outra questão pertinente que envolve a variação na Libras diz respeito à insatisfação de surdos paraenses com a prova do Programa Pró- Libras [sic], por não serem consideradas as variações regionais da língua, nas avaliações editadas em DVD, aplicadas aos candidatos surdos e ouvintes do Pará, cuja consequência é a reprovação de muitos deles neste Exame. Os surdos do Pará reivindicam que a variação dialetal da região deva ser levada em conta na elaboração do exame e não somente um tipo dialetal, eleito 2 De acordo com Quadros; Karnopp (2004) os sinais soletrados são palavras representadas por meio da datilologia, ou seja, nomes de pessoas ou lugares expressos com o alfabeto manual, ex: C-A-N-C-U-N. 3 Conforme Leite; McCleary (2008) há duas impressões sobre a Libras que ilustram essa questão, ainda carente de investigação: 1) que a letra I é normalmente produzida na sinalização fluente com o dedão ao lado da mão, ao invés de segurando os dedos indicador, médio e anelar, tal como somos ensinados; 2) que muitas vezes o agrupamento de letras (ex: o sufixo ção ), apresentam uma condensação fonética na Libras que simplifica a sua produção quando a comparamos à soletração das letras ç, a, o individualmente.
como padrão, no caso em questão o(s) da(s) região(ões) sul e/ou sudeste do Brasil. Diante disso pontuamos que o PROLIBRAS é um exame realizado por instituições educacionais do Sul do Brasil e que realmente muitos sinais utilizados são específicos de comunidades surdas das cidades sulistas caracterizando-se como uma prática de caráter unívoco que não atende outros contextos. O ideal seria que cada estado realizasse seu próprio exame de proficiência, porém surge-nos a seguinte questão: será que tais exames teriam a mesma qualidade e a mesma organização? Eis um questionamento que necessita ser problematizado com mais seriedade para que posteriormente se efetivem ações que contemplem as mais diversas realidades, tornando-se de fato um mecanismo de inclusão social. Os acadêmicos ao relatarem sobre a atividade didática desenvolvida apresentaram outros elementos em suas falas, dando ênfase aos aspectos que consideram facilitadores no exame PROLIBRAS. Entres estes aspectos podemos citar: o uso de elementos linguístico da Libras como: os parâmetros da Libras, a datilologia ou soletração manual e os classificadores 4. Observemos a fala do aluno Celso que diz eu percebi que o surdo no vídeo faz os sinais de maneira mais calma, diferente da mulher. Ele usa muita expressão facial e classificadores, isso facilita a compreensão; até a datilologia dele é bem mais compreensível. Percebemos neste relato que o sujeito faz referência aos parâmetros fonológicos da Libras, em que enfoca a importância de conhecermos estes parâmetros para que possa-se compreender de maneira significativa o processo de comunicação em Língua de Sinais. Segundo Quadros; Karnopp a Libras é constituída por propriedades de configuração de mão, movimentos, locações, orientação de mão e dos aspectos nãomanuais dessa língua (2004, p. 50). De acordo com Estela as questões sobre os parâmetros da Libras eu entendia perfeitamente e Bianca foi pela expressão facial e pelos classificadores que eu consegui entender algumas questões, porque os sinais eram realizados de modo tranquilo. 4 Para Felipe (2007) os classificadores são configurações de mãos que, relacionadas à coisa, pessoa, animal e veículo, funcionam como marcadores de concordância.
Assim, podemos pontuar que os acadêmicos conseguiram ter um entendimento mais eficaz da Libras nos vídeos, devido ao fato de já terem realizado estudos em que buscaram apreender progressivamente sobre o uso dos parâmetros que constituem esta língua, assim como, o uso datilológico de sinais variados e o uso de classificadores empregados na Libras. Pensamos que por meio de estudos linguísticos sobre a Libras é que os acadêmicos poderão ter uma compreensão bem mais clara destes estudos, para que possam avançar em vários aspectos de sua proficiência ao longo dos anos (pronúncia, vocabulário, fluência, etc) e com isso poderão ter um domínio bem maior dos aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos, semânticos e pragmáticos da Língua de Sinais 5. 4 PARA NÃO FINALIZAR... Neste estudo analisamos as percepções de 06 acadêmicos que participaram da atividade didática mini-prolibras e com base na fala destes sujeitos foi possível detectar duas dimensões: elementos complicadores e elementos facilitadores a partir da prova objetiva do PROLIBRAS. No que diz respeito às dificuldades, os acadêmicos apontam o vício de focalizar a visão para as mãos do interlocutor; e o desconhecimento de sinais utilizados em outros contextos regionais. E em relação aos aspectos facilitadores os acadêmicos percebem o uso de elementos linguístico da Libras: os cinco parâmetros que constituem a LIBRAS; e o uso da datilologia de sinais variados e classificadores da LIBRAS. Uma das grandes vantagens do PROLIBRAS é que desde 2006 o exame vem sendo coordenado por instituições que são referências na área da educação de surdos em nosso país: UFSC e INES; com isso há preocupação do exame ser organizado por banca examinadora de amplo conhecimento da Libras, constituída por docentes surdos, linguistas e tradutores / intérpretes de Libras de instituições de educação superior. Uma desvantagem é que o exame será aplicado até 2015 (possivelmente até 2016) e doravante substituído por cursos de graduação em Letras / Libras, porém 5 Para um melhor entendimento sobre estes aspectos ver Quadros; Karnopp, 2004.
pensamos que, mesmo que seu término aconteça, o ideal é que os acadêmicos egressos destas graduações realizem um exame de proficiência semelhante ao PROLIBRAS, o que garantirá melhor aprofundamento de estudos e maior fluência em Libras por parte destes acadêmicos nos cursos em questão. Acreditamos que o exame PROLIBRAS é algo bastante positivo em nosso contexto socioeducacional e que as críticas existentes relacionadas a não aprovação de surdos - e até mesmo de ouvintes não devem ser relacionadas exclusivamente a uma questão de variação linguística ou a qualidade das imagens dos vídeos no momento do exame, como muitas vezes pondera-se diante dos resultados, principalmente aqui em nosso estado, mas precisam estar voltadas a algo bem mais problemático e complexo: o ensino de Libras e o processo de inclusão escolar de surdos no Pará, que precisa urgentemente ser repensado e reorganizado de forma plena em nosso sistema educacional. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei 10.436 de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais Libras. BRASIL. Ministério da Educação. Portaria Normativa MEC 20/2010. Dispõe sobre o PROLIBRAS. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a lei 10.436, de 24 de abril de 2002. FELIPE, Tanya. Libras em Contexto: Curso Básico - Livro do Estudante. 8ª. ed. Rio de Janeiro: Editora Wallprint Gráfica e Editora, 2007. INES; UFSC. Sexto PROLIBRAS Certificação de proficiência na LIBRAS. 2012. Disponível em <http:// www.prolibras.ufsc.br>. Acesso em: 09 de novembro de 2013. LEITE, Tarcísio de Arantes; MCCLEARY, Leland. Estudo em diário: fatores complicadores e facilitadores no processo de aprendizagem da Língua de Sinais Brasileira por um adulto ouvinte. In: QUADROS, Ronice Müller de; STUMPF, Marianne Rossi (org). Estudos Surdos IV Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2009. LIMA, Katia do Socorro Carvalho. Educação de Surdos no contexto amazônico: um estudo da variação linguística na Libras. Dissertação de Mestrado da UEPA, Belém, 2009. MOREIRA, Herivelto; CALEFFE, Luiz Gonzaga. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
QUADROS, Ronice Müller de; et al. Exame PROLIBRAS. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2009. QUADROS; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.