IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO CLÍNICA NO DIAGNÓSTICO DE DOENÇA PERIODONTAL EM CÃES DA RAÇA PASTOR ALEMÃO

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Ciência Animal Brasileira v. 5, n. 1, p. 3338, jan./mar. 2004 33 IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO CLÍNICA NO DIAGNÓSTICO DE DOENÇA PERIODONTAL EM CÃES DA RAÇA PASTOR ALEMÃO CARLA AFONSO DA SILVA BITENCOURT BRAGA 1, CLEUZA MARIA DE FARIA REZENDE 2, JOSÉ EUSTÁQUIO COSTA 3, LUIZ ANTÔNIO FRANCO DA SILVA 4, LUIZ DE MACÊDO FARIAS 5 E MARIA AUXILIADORA ROQUE DE CARVALHO 5 1. Professora de Microbiologia do Centro de Ciências Agrárias e Biológicas do Campus Avançado de Jataí UFG carlaafonso@bol.com.br 2. Professora de Clínica Cirúrgica da Escola de Veterinária da UFMG. 3. Professor de Periodontia da Escola de Odontologia da UFMG. 4. Professor de Clínica Cirúrgica da Escola de Veterinária da UFG. 5. Professores de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG. RESUMO As doenças periodontais resultam de resposta inflamatória progressiva do hospedeiro ao acúmulo de placa bacteriana, incluindo os metabólitos no dente e nos tecidos gengivais. Assim, avaliouse, clinicamente, o periodonto de cães da raça Pastor Alemão, levandose em consideração presença de tártaro, sangramento à sondagem e mobilidade dentária em animais com sítios saudáveis e com doença periodontal. Para isso, utilizaramse 29 cães, da raça Pastor Alemão, com idade variando de três a seis anos. Clinicamente, 27 (93,10%) cães apresentavam vários sítios com sintomatologia clínica de doença periodontal e somente dois apresentavam sítios saudáveis. Os dentes mais acometidos foram os molares, os prémolares e os caninos, com sinais clínicos mais intensos nas superfícies dentárias e maior acúmulo de tártaro e placa bacteriana. Os resultados demonstraram a necessidade de se proceder a uma limpeza preventiva dos dentes, para proporcionar maior saúde para os cães. PALAVRASCHAVE: Periodonto, cães, dente. SUMMARY CLINICAL EVALUATION SIGNIFICANCE ON DIAGNOSTIC OF THE PERIODONTAL DISEASE IN GERMAN SHEPHERD DOGS Periodontal diseases result from progressive inflammatory response of the host to the accumulation of bacterial plaque, including the metabolite present on the tooth and gengival tissues. The scope of this study was to achieve a clinical evaluation of the periodonto of German Shepherd dogs, considering the presence of tartar, bleeding on probin and dental mobility in health sites and periodontal disease committed sites. Twentynine German Shepherd dogs from three to six years of age were used. Clinically, 27 (93.10%) dogs presented various sites showing clinical signs of periodontal disease and only two of them presented healthy sites. The molar, premolar and canine teeth were the most committed, and the clinical signs were more intense on those surfaces of greater plaque and tartar accumulation. The results point the necessity of proceeding a preventive cleaning of the teeth, leading dogs into healthier lives. KEY WORDS: periodonto, dogs, tooth. INTRODUÇÃO As doenças periodontais resultam de resposta inflamatória progressiva do hospedeiro ao acúmulo de placa bacteriana, incluindo seus metabólitos no dente e nos tecidos gengivais. Tratase de doenças que podem ser classificadas em gengivite, inflamação restrita ao tecido gengival livre

34 BRAGA, C. A. da S. et al. Importância da avaliação clínica no diagnóstico de doença periodontal... e periodontite, forma mais grave, em que ocorre perda óssea e eventualmente perda do dente (HARVEY & EMILY, 1993). Dada a grande variedade em tamanho e função dos dentes, bem como o grau de abrasão da dieta sobre o dente e de sua ação na gengiva, a doença periodontal em cães acomete, com maior freqüência, determinado grupo de animais e diferentes áreas da boca (HARVEY & EMILY, 1993). Estudos comprovam que grande parte dos cães acima de três anos de idade já apresenta sinais clínicos de doença periodontal (GORREL, 1995), e que mais de 80% dos cães acima de cinco anos possuem periodontite (SARKIALA et al., 1993). Importante destacar que se trata de doença considerada uma das mais comuns da cavidade oral desses animais (HARVEY & EMILY, 1993). Por apresentarem uma superfície dura, não descamativa, os dentes favorecem a colonização de bactérias aeróbias e anaeróbias, referenciadas como microbiota indígena, e em seus nichos ecológicos usuais, quando em equilíbrio, a microbiota indígena é benéfica, funcionando como barreira natural contra organismos patógenos (ENGELKIRK et al., 1992). No entanto, o acúmulo de placa bacteriana, com seus metabólitos sobre as superfícies duras dos dentes, pode desencadear respostas inflamatórias graves, resultando em doença periodontal (EISNER, 1989a). Assim, neste estudo, avaliouse, clinicamente, o periodonto de cães da raça Pastor Alemão, levandose em consideração presença de tártaro, sangramento à sondagem e mobilidade dentária. recebiam qualquer medicamento seriam submetidos ao exame clínico oral. A avaliação clínica do periodonto foi realizada por especialista, após administração de cloridrato de xilazina, 2 na dose de 1mg/kg de peso vivo, por via intramuscular. Os cães foram posicionados em decúbito lateral esquerdo, e a boca mantida aberta, com auxílio de abreboca de madeira. No exame clínico periodontal foram avaliadas as superfícies vestibular e lingual dos dentes da maxila e mandíbula direita (Figura 1), medindose a profundidade do sulco gengival e verificandose o nível de inserção clínica, o grau de sangramento à sondagem (discreta, moderada, intensa), a retração gengival, a mobilidade dentária e a presença de placa bacteriana, de cálculo e de desgaste dentário. As superfícies mesial e distal dos dentes também foram avaliadas, com exceção dos dentes incisivos (I) e das superfícies distal do quarto prémolar superior ( P 4 ), mesial do primeiro molar superior ( ), distal do primeiro molar inferior ( ) e mesial do segundo molar inferior (M 2 ). MATERIAIS E MÉTODOS Utilizaramse 29 cães da raça Pastor Alemão 13 machos e 16 fêmeas, com peso médio de 29,1 kg, provenientes do canil da Polícia Militar de Belo Horizonte, Minas Gerais, mantidos em canis individuais. A idade dos cães variou de três a seis anos, sendo quatorze deles com três, oito com quatro, seis com cinco e somente um com seis anos. Os animais recebiam água ad libitum e ração comercial 1 extrudada com carne moída bovina, uma vez ao dia. Estabeleceuse como critério que apenas os cães que não apresentavam doenças sistêmicas e os que não FIGURA 1. Sondagem do sulco gengival da superfície vestibular do dente canino da maxila direita. A avaliação da profundidade do sulco gengival e do grau de sangramento à sondagem foi realizada com o auxílio de sonda periodontal milimetrada 3 (Figura 2). E a presença de retração gengival foi feita pela inspeção direta e a mobilidade dentária pela pressão exercida com o cabo da sonda periodontal milimetrada sobre o dente no momento da sondagem do periodonto.

Ciência Animal Brasileira v. 5, n. 1, p. 3338, jan./mar. 2004 35 FIGURA 2. Sonda periodontal milimetrada tipo OMS. Os resultados obtidos foram avaliados por meio de análise estatística descritiva, segundo GO MES (1987). RESULTADOS E DISCUSSÃO A sedação superficial utilizada no presente trabalho impossibilitou o procedimento do exame clínico em toda a arcada dentária, intuito inicial do estudo, pela dificuldade de manuseio dos cães, apesar de serem treinados. Por esse motivo, o exame clínico foi realizado somente na maxila e na mandíbula direita. Vale ressaltar que o exame clínico completo da cavidade oral, em animais indóceis ou bravos, geralmente só é possível com o uso de anestesia geral. Segundo KLEINT (2000), um complexo exame oral inclui exame visual, periodontal e radiografia intraoral, e são necessários para se determinar os graus da doença periodontal e dos fatores predisponentes que contribuíram para o seu aparecimento. Neste estudo, somente o exame radiográfico deixou de ser realizado apesar de fundamental para a avaliação do periodonto como um todo, por causa, principalmente, da impossibilidade da utilização da anestesia geral. No entanto, clinicamente, não foram observados sinais indicativos de periodontite. Ao exame clínico periodontal foi observado que 27 (93,10%) cães apresentavam vários sítios com sintomatologia clínica de gengivite, e somente dois (6,90 %), dentre 14 cães com três anos de idade, apresentavam todos os sítios avaliados saudáveis. Os outros animais situavamse na faixa etária de quatro a seis anos e, com exceção dos dois saudáveis, os demais apresentavam sinais clínicos de gengivite. Este resultado é semelhante ao descrito por GORREL (1995), ao descrever que os sinais clínicos de gengivite começam a surgir em animais acima de três anos de idade, e por SARKIALA et al. (1993), que com estudos mostrou que 80% dos cães acima de cinco anos já possuem periodontite. Isso sugere que a idade é um dado importante e deve ser considerada na avaliação da cavidade oral, bem como a individualidade, visto que, no presente estudo, nem todos nesta faixa etária apresentaram sinais de doença. A sonda milimetrada utilizada para a realização do exame clínico periodontal permitiu avaliar, satisfatoriamente, a profundidade do sulco gengival, a presença de sangramento à sondagem e a mobilidade dentária. Nos sítios periodontais lesados de 27 cães com idade entre três e seis anos de idade, a gengiva apresentavase com edema, hiperemia e coloração vermelha, com variação da intensidade dessas características de acordo com a cronicidade do processo inflamatório instalado. Vale dizer que esses sinais clínicos foram descritos por HENNET & HARVEY (1992), HARVEY & EMILY (1993) e POPE (1996), em cães com gengivite, doença que pode evoluir, segundo os autores, para a periodontite, se não for tratada. Sangramento à sondagem foi observado em 93,10% (27) dos cães, em pelo menos um dos dentes examinados, com maior incidência na superfície vestibular (Tabela 1). Verificouse maior freqüência de sangramento nos dentes P 4 e, seguidos pelos caninos (C) superior e inferior. Nove cães apresentaram sangramento gengival mais intenso nos P 1,2,3,4, P 1,2,3,4,,2,,2, C 1 e C 1, e dentre esses animais, quatro tinham três anos, dois, quatro anos, outros dois, cinco anos e um, seis anos. Assinalese que, quanto à intensidade desse sangramento nos dentes dos outros dezoito cães, esta variou de discreta a moderada. Segundo POPE (1996), a placa bacteriana e o cálculo induzem uma resposta inflamatória na gengiva livre, tornandose edemaciada, com alteração da coloração de rosa para o vermelho ou roxo, sangrando facilmente à manipulação, o que foi observado nos animais examinados. A profundidade de sondagem do sulco gengival nas superfícies mesial, distal, vestibular e lingual dos dentes variou entre um e três milímetros, com exce

36 BRAGA, C. A. da S. et al. Importância da avaliação clínica no diagnóstico de doença periodontal... ção de um animal (de número 15), que apresentou uma profundidade de quatro milímetros na superfície vestibular do P 4 direito, caracterizando a presença de bolsa periodontal. Segundo COLMERY (1981), a profundidade normal do sulco gengival encontrase entre um e três milímetros, e, para EISNE (1989b), em cães de raça de grande porte, essa medida pode atingir quatro milímetros em sítios saudáveis. Assinalese que a profundidade verificada no sítio descrito (do animal de número 15), no entanto, estava associada a sinais clínicos de gengivite, com edema, mucosa gengival vermelha e sangramento a sondagem. Por esse motivo, considerouse essa profundidade não normal, visto que foi o único sítio periodontal com esta medida associada a sinais clínicos de gengivite. As medidas dos outros sítios com sinais clínicos de gengivite foram consideradas normais, pois foram similares às obtidas nos sítios saudáveis. A presença de placa bacteriana na superfície dentária dos prémolares, molares e caninos foi verificada pela presença de material na sonda, no momento da sondagem do sulco gengival. Apesar de não observada em alguns dentes, como nos incisivos, segundo COLMERY (1981), o biofilme está sempre presente na superfície do dente, sendo formado horas após sua remoção. Para HENNET (1999), muitos índices utilizados para mensurar o acúmulo de placa e de gengivite em cães são os mesmos utilizados para humanos, e os sistemas de avaliação propostos por SILNESS & LOE e TURESKY, modificados por QUIGLEY & HEIN, os mais bem aceitos atualmente. De acordo, ainda com HENNET (1999), é necessário fazer ou modificar o sistema de mensuramento de placa para cães, o que daria o suporte devido aos veterinários que atuam nessa área. A presença de cálcul também foi observada, em 27 (93,10 %) cães, e em dois dos animais (de número 21 e 26), havia grande quantidade de depósito calcificado. Os dentes mais acometidos foram, respectivamente, os prémolares, os molares e os caninos, e não foi observada sua presença nos incisivos (Tabela 2). Este acúmulo de cálculo pode estar relacionado, segundo EISNER (1989 a), SMITH (1995) e POPE (1996), principalmente, à proximidade dos prémolares e molares aos ductos salivares. Para os autores citados, os minerais encontrados na saliva depositamse sobre a placa bacteriana, mineralizandoa, de modo que a superfície da placa tornase áspera, facilitando, então, maior acúmulo de bactérias. Na superfície vestibular dos dentes havia maior acúmulo de placa bacteriana, maior cálculo e grau de inflamação em comparação com a superfície lingual ou palatina. O fato de a superfície lingual ou palatina dos dentes apresentarse com menor acúmulo de placa devese, possivelmente, segundo BOYCE & LOGAN (1994), à limpeza mecânica da língua nessa superfície dentária, ocorrida naturalmente, cuja ação é diminuída na superfície vestibular. Os sinais clínicos encontrados nos sítios periodontais dos cães deste estudo estavam relacionados com um quadro de inflamação aguda ou crônica da margem gengival livre, com presença de edema, hiperemia e sangramento à sondagem, com variação da medida do sulco gengival entre dois e três milímetros e um sítio com quatro milímetros. Não se verificaram retração gengival, perda de inserção, mobilidade dentária, exposição de raiz e envolvimento de furca. Os sinais clínicos descritos enquadramse no grau II da classificação, de condição oral canina, feita por EISNER (1989a), os quais, segundo o autor, são facilmente reversíveis com raspagem e profilaxia adequadas. Os sinais clínicos de gengivite dos cães deste estudo foram observados nos caninos, prémolares e molares. Como são dentes de raízes profundas, segundo HARVEY & EMILY (1993), a mobilidade e perda desses dentes só ocorre quando há destruição maciça do tecido periodontal. Além disso, temse na raça e no porte dos animais utilizados neste trabalho parâmetros importantes a serem considerados, quando se trata de condição clínica oral. No momento da avaliação clínica dental, verificouse a presença de desgaste da coroa dentária em 74,10% (20) dos animais, acometendo, principalmente, os incisivos e os caninos, desgaste esse que pode ser explicado, principalmente, pelo tipo de treinamento feito com os cães, empregando pedaços de madeira e ossos. Segundo GIOSO (1994), tratase de desgaste que é freqüente em animais que mastigam objetos ou alimentos duros. O desgaste observado, no entanto, não atingia a polpa, de forma que a coloração dos dentes era normal e os animais, aparentemente, não sentiam dor.

Ciência Animal Brasileira v. 5, n. 1, p. 3338, jan./mar. 2004 37 Os resultados apresentados demonstram a necessidade de se proceder à higienização bucal preventiva dos cães de companhia, pois somente programas preventivos eficientes e seguros poderão garantir, além do bemestar dos animais, uma convivência saudável com o ser humano. Ressaltase ainda que a microbiota indígena, quando em equilíbrio, é benéfica e funciona como barreira natural contra organismos patógenos (ENGELKIRK et al., 1992). Acrescentase que, no que diz respeito à saúde dos animais, as doenças bucais afetam a sua qualidade de vida, merecendo ser mais adequadamente consideradas, com o devido suporte científico. TABELA 1. Ocorrência de sangramento à sondagem nos diferentes dentes examinados da maxila e mandíbula direita de cães da raça Pastor Alemão. TABELA 2. Ocorrência de cálculo nos diferentes dentes examinados da maxila e madíbula direita de cães da raça Pastor Alemão. Cão Dentes com sangramento à sondagem I C P M 1 2 P 1,2,4 3 C 1* P 1,2,3,4 4 C 1** P 4, P 2 5 C 1, C 1 6 C 1 P 4, P 3 7 C 1 P 4, P 2,3,4 8 C 1, C 1 P 1,2 9 C 1, C 1 P 1,2, P 2 10 C 1, C 1 P 3,4 11 C 1, C 1 P 4 12 C 1, C 1 P 1 13 C 1, C 1 P 1,3,4, P 1,2,3,4 14 C 1, C 1 P 1 15 C 1, C 1 16 C 1, C 1 P 2,3,4 17 18 19 C 1, C 1 20 21 C 1, C 1 22 C 1, C 1 23 C 1, C 1 24 C 1, C 1 25 C 1, C 1 26 C 1, C 1 27 C 1 28 C 1, C 1 29 C 1, C 1 P 1,2,3,4,2 I = incisivo C = canino P = prémolar M = molar ausência de sangramento * = número sobrescrito referese à maxila ** = número subscrito referese à mandíbula Cão Dentes com cálculo I C P M 1 2 P 1,2,4 3 C 1* P 1,2,3,4, M 2 4 C 1** P 4, P 2 5 6 C 1 P 4, P 3 7 C 1 P 4, P 2,3,4 8 C 1, C 1 P 1,2 9 C 1, C 1 P 1,2, P 2 10 C 1, C 1 P 3,4 11 C 1, C 1 P 4 12 C 1, C 1 P 1 13 C 1, C 1 P 1,3,4, P 1,2,3,4 14 C 1, C 1 P 1 15 C 1, C 1 16 C 1, C 1 P 2,3,4 17 C 1, C 1 18 C 1, C 1 19 C 1, C 1 20 21 C 1, C 1 22 C 1, C 1 23 C 1, C 1 24 C 1, C 1 25 C 1, C 1 26 C 1, C 1 27 C 1 28 C 1, C 1 29 C 1, C 1 P 1,2,3,4,2 I = incisivo C = canino P = prémolar M = molar ausência de cálculo * = número sobrescrito referese à maxila ** = número subscrito referese à mandíbula

38 BRAGA, C. A. da S. et al. Importância da avaliação clínica no diagnóstico de doença periodontal... CONCLUSÕES Animais com três anos de idade já apresentam sinais clínicos de doença periodontal. Nesse sentido, a avaliação clínica do periodonto de cães é de fundamental importância para a determinação do grau de doença periodontal, quando presente. Os sinais clínicos de gengivite, como edema, sangramento à sondagem, hiperemia e coloração vermelha da gengiva, estiveram presentes com maior intensidade nas superfícies dentárias de maior acúmulo de placa e tártaro, demonstrando a necessidade de se proceder a uma limpeza preventiva dos dentes. AGRADECIMENTOS Ao Setor do Canil da Polícia Militar de Belo Horizonte, na pessoa do médico veterinário Dr. Harvey Moreno Moreira, pela concessão dos animais utilizados neste estudo. NOTAS 1. Champ Original e Pedigree Champ 2. Rompum 2% Bayer S. A. São Paulo, SP. 3. Sonda milimetrada tipo OMS. REFERÊNCIAS BOYCE, E. N.; LOGAN, E. I. Oral health assessment in dogs: study design and results. Journal Veterinary Dentistry, v. 11, n. 2, p. 6470, 1994. COLMERY, B. H. Dentistry. In: BOJRAB, M. J. Pathophysiology in small animal surgery. Philadelphia: Lea & Febiger, 1981. p. 78 83. EISNER, E. R. Periodontal disease in pet: the pathogenesis of a preventable problem. Veterinary Medicine, v. 84, n. 1, p. 97104, 1989a. EISNER, E. R. Conducting a methodical dental prophylaxis. Veterinary Medicine, v. 84, n. 11, p. 10561066, 1989b. ENGELKIRK, P.G.; DUBENENGELKIRK, J.; DOWELL, V.R. Principles and practices of clinical anaerobic bacteriology. Belmont: Star, 1992. GIOSO, M. A. Odontologia veterinária. 3 ed. São Paulo: Gráfica da FMVZUSP, 1994. GOMES, F.P. Estatística experimental. 12. ed. Piracicaba: Nobel S. A., 1987. GORREL, E. M. C. Prevention and treatment of periodontal disease in small animals. Veterinary Annual, p. 195202, 1995. HARVEY, C. E.; EMILY, P. P. Small animal dentistry. USA: Mosby, 1993. HENNET, P.R.; HARVEY, C.E. Natural development of periodontal disease in the dog: a review of clinical, anatomical and histological features. Journal Veterinaru Dentistry, v.9, n.3, p. 1319, 1992. HENNET, P. Review of studies assessing plaque accumulation and gengival inflammation in dogs. Journal Veterinary Dentistry, v. 16, n. 1, p. 23 29, 1999. KLEINT, T. Predisposing factors and gross examination findings in periodontal disease. Clinical Techinical Small Animal Practice, v. 15, n. 4, p. 189196, 2000. POPE, E. R. Moléstia periodontal e endodôntica. In: BOJRAB, M.J. Mecanismos da moléstia na cirurgia dos pequenos animais. 2 ed. São Paulo: Manole, 1996. p. 220224. SARKIALA, E.; ASIKAINEN, S.; WOLF, J.; KANERVO, A.; HAPPONEN, I.; JOUSIMIES SOMER, H. Clinical, radiological and bacteriological findings in canine periodontitis. Journal of Small Animal Practice, v. 34, p. 265270, 1993. SMITH, M. M. The clinical significance of root morphology in periodontal disease in dog. Compendium Continuing Education Practicing Veterinarian, v. 17, n. 5, p. 625635, 1995.