A EXPERIÊNCIA DA TUTORIA NO ENSINO NA SAÚDE

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Transcrição:

A EXPERIÊNCIA DA TUTORIA NO ENSINO NA SAÚDE Ramona Fernanda Ceriotti Toassi Professora Adjunta do Departamento de Odontologia Preventiva e Social, Faculdade de Odontologia. Coordenadora substituta do Programa de Pós-graduação em Ensino na Saúde, Faculdade de Medicina. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutora em Educação. Coordenadora do Núcleo de Avaliação da Unidade (NAU) da Faculdade de Odontologia. Contato: ramona.fernanda@ufrgs.br Alzira Maria Baptista Lewgoy Professora Adjunta do Departamento de Serviço Social, Curso de Serviço Social, e do Programa de Pós-graduação, Mestrado em Política Social e Serviço Social, Instituto de Psicologia. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Formação e exercício profissional em Serviço Social- GEFSS. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Contato: alzira.lewgoy@ufrgs.br Luiz Fernando Calage Alvarenga Professor Adjunto do curso de Fisioterapia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Tutor e professor da Residência Integrada Multiprofissional do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Contato: luiz.alvarenga@ufrgs.br Área de interesse: Ensino e Pesquisa em Saúde Introdução O ensino por tutoria constitui-se uma ferramenta educativa que busca facilitar e qualificar efetivamente a aprendizagem dos estudantes durante seu percurso formativo. A tutoria requer que o professor assuma uma postura não paternalista e que pense a educação como um espaço para o desenvolvimento do estudante como um sujeito autônomo. Cabe ao professor tutor instigar o estudante a atingir o melhor de si mesmo e o desejo por aprender (GARCÍA; RIVERA, 2015). Além de ensinar técnicas e possibilitar o desenvolvimento de habilidades para a atuação profissional, o tutor apoia o estudante na busca e construção de conhecimentos, avalia, aconselha e oferece suporte para o processo de aprendizagem (BOTTI; REGO, 2008). As experiências de ensino tutorial, no Brasil, têm se evidenciado em cursos de graduação em diferentes contextos (CHAVES et al., 2014; BARBOSA; REZENDE, 2006). No estado do Rio Grande do Sul, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), desde 2012, oferece uma atividade de ensino considerada inovadora por integrar professores e estudantes de diferentes cursos de graduação - Práticas Integradas em Saúde I (PIS I) - que tem como pressuposto o ensino por tutoria (TOASSI; LEWGOY, 2016). A atividade é oferecida como uma disciplina eletiva/optativa (4 vagas por curso) e está compartilhada com 14 diferentes cursos de graduação em saúde (Odontologia, Medicina, Psicologia, Fisioterapia, Nutrição, Biomedicina, Serviço Social, Educação Física, Fonoaudiologia, Farmácia, Saúde Coletiva, Ciências Biológicas, Medicina Veterinária e Enfermagem) incluindo, também, o curso de graduação em Políticas Públicas. A proposta é de uma vivência multiprofissional em cenários de práticas da Atenção Primária à Saúde/Unidades de Saúde da Família do Distrito Docente Assistencial Glória-Cruzeiro-Cristal

de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, buscando o aprendizado interprofissional colaborativo (REEVES et al., 2013). Organiza-se em momentos de concentração com todo o grupo de estudantes e professores e de tutoria dois professores e oito estudantes de diferentes cursos no cenário de prática. Cada curso que integra a proposta tem a representação de um professor que participa da disciplina. A temática de estudo da disciplina é o território (social, político, econômico, cultural, ambiental) e o processo de territorialização na área adscrita de uma Unidade de Saúde da Família. O processo de avaliação da aprendizagem contempla a construção de um portfólio individual (BELCHER et al., 2014). Destaca-se que a tutoria referida na análise da atividade de ensino PIS I é interprofissional, presencial, exercida em campo, tendo a responsabilidade de acompanhar sistematicamente os estudantes no reconhecimento do território e na compreensão do trabalho da equipe de Saúde da Família, fazendo a mediação das experiências vivenciadas pelos grupos e também aprendendo com esse grupo. A busca pela educação interprofissional, nesse contexto, tem um cenário favorável, já que estudantes e professores de duas ou mais profissões buscam aprender sobre os outros, com os outros e entre si para possibilitar a colaboração eficaz e melhorar os resultados nas ações de saúde (WHO, 2010). Objetivo Apresentar o papel do tutor na atividade de ensino Práticas Integradas em Saúde I (PIS I) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em um dos grupos de tutoria, tendo em vista a busca pela integralidade em saúde e a educação interprofissional. Metodologia O papel do tutor na PIS I foi analisado por meio dos registros dos estudantes de Enfermagem, Serviço Social, Saúde Coletiva, Odontologia, Políticas Públicas, Medicina, Biomedicina, Psicologia, Nutrição, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Medicina Veterinária, Educação Física, Ciências Biológicas e Farmácia, no período de 2012 a 2016, em um dos grupos de tutoria da disciplina de uma mesma Unidade de Saúde. Esses registros incluíram os diários de campo e portfólios reflexivos dos estudantes e os portfólios dos professores tutores, os quais foram interpretados por meio da análise temática de conteúdo (BARDIN, 2011). O processo de aprendizagem por tutoria que pretenda o fortalecimento do processo de cuidado em saúde junto a uma comunidade, ancorado na integração ensino-serviçocomunidade, pressupõe uma metodologia de trabalho integrado, coletivo e sistemático entre professores, estudantes, agentes comunitários de saúde (ACS) e, em algumas situações pontuais, junto aos usuários do serviço. Para tanto, o processo ocorreu da seguinte maneira: a) Planejamento através de tutorias entre os professores, estudantes e ACS, que ocorre semanalmente na reflexão e superação dos impasses próprios do trabalho multiprofissional. O planejamento das atividades, apesar de ser feito pelos professores da disciplina e materializado num programa de ensino, não se esgota em si mesmo, pois a execução das atividades constitui-se um momento da tutoria cujo trabalho será administrar, junto aos estudantes e profissionais da Unidade de Saúde, o processo de esclarecimento e de reflexão sobre as atividades conjuntas. Nesse momento são explicitados os objetivos, a consulta aos ACS sobre as microáreas do território a serem conhecidas no processo de territorialização e a possibilidade do reconhecimento das mesmas, bem como a organização do processo e do produto final da disciplina. Contudo, planejar coletivamente não é garantia de que o momento da execução se dará sem contratempos. Entre o momento de planejar e a realização das

atividades em si, inúmeras são as probabilidades de ocorrer algo fora do anunciado (LEWGOY et al., 2016). O planejamento não pode ser uma agenda fechada que engesse o trabalho, mas sim um plano flexível que permita o imprevisto e dialogue com o inesperado, sem que isso leve os profissionais a abrirem mão dos objetivos pretendidos (MOREIRA, 2014). Assim, em algumas situações, esse momento apresenta-se como um espaço tensionado por disputa de interesses, seja pelos estudantes por não terem em seus cursos experiências interprofissionais de estudo ampliado do território vinculado a uma Unidade de Saúde da Família e desejarem a realização de atividades assistências relacionadas ao seu núcleo profissional, exijam do tutor a escuta e a devolução sobre o trabalho na perspectiva multiprofissional seja pelo contexto político, econômico, social dos cenários de práticas em que a disciplina se vincula; b) Visita ao território em conjunto (dois professores, oito estudantes e um ou dois ACS), momento no qual se oportuniza a observação direta e as conversas entre o grupo de professores e estudantes e ACS e destes com a comunidade; c) Síntese integrada das percepções realizadas no retorno da visita em uma das sala da Unidade de Saúde, com o grupo que esteve junto no processo de territorialização, utilizando como dinâmica a roda de conversa que sistematicamente vem sendo alimentada pelos temas abordados, pelas dinâmicas e atividades desenvolvidas, pelo referencial teórico sugerido para leitura, sendo acompanhado pelo café da tarde; d) Avaliação da atividade, realizada semanalmente pelo depoimento verbal dos estudantes, direcionando os tutores aos encaminhamentos para a próxima semana, bem como para a re(avaliação) permanente do processo de tutoria. Resultados A presença dos tutores em campo, participando e acompanhando o grupo de estudantes de diferentes cursos de graduação no desenvolvimento da atividade de ensino trouxe a possibilidade de mediação das diferentes percepções em relação às experiências vivenciadas. A roda de conversa que encerrava o dia de tutoria foi um dispositivo de ensino que permitiu discussões colaborativas sobre território e seus equipamentos sociais; conceito ampliado de saúde; papel do agente comunitário de saúde na equipe multiprofissional da Saúde da Família; organização do processo de trabalho da equipe de saúde; importância do trabalho em equipe para o cuidado em saúde; atuação de cada um dos núcleos de conhecimento dos diferentes cursos e estímulo ao trabalho flexível entre as profissões; entendimento do Sistema Único de Saúde (SUS) enquanto rede de cuidado; violência no território. Acrescenta-se, ainda, como fator facilitador do aprendizado as leituras sequenciais dos tutores aos portfólios dos estudantes, promovendo devolutivas individuais (por escrito) e em grupo (no momento inicial da tutoria). Houve o relato de empoderamento pessoal por parte dos estudantes. Os estudantes destacaram características dos tutores que potencializaram a experiência, como acolhimento aos estudantes e equipe de saúde, didática e organização das atividades de tutoria (identificação dos objetivos esperados em cada atividade), paciência, possibilidade do conhecimento compartilhado, atenção e dedicação. Desafios que marcam o ensino por tutoria estão interligados ao preparo desses tutores para dar conta da complexidade que envolve uma experiência multiprofissional em cenários de prática do SUS. Para ser um facilitador da aprendizagem, o tutor deve conseguir mobilizar conhecimentos, habilidades e atitudes que vão além de seu campo de atuação de núcleo profissional.

A tutoria apresentada nesta experiência educativa na graduação em saúde consiste numa estratégia de ensino que estimula a autonomia dos estudantes, especialmente na elaboração do produto final integrado da PIS I, que consiste numa intervenção coletiva e de campo junto à Unidade de Saúde, sua equipe e usuários do território. Ao promover a autonomia dos estudantes na construção desse produto, os tutores estimulam o desenvolvimento de competências gerais previstas nas Diretrizes Curriculares Nacionais ligadas à tomada de decisão, atenção à saúde, liderança, comunicação e trabalho em equipe. Considerações finais O ensino por tutoria presencial e participativa, no cenário de prática, mostrou-se uma estratégia que promove inovações no ensino na saúde e que exige competências diferenciadas do campo específico de formação para os professores tutores. Essa estratégia de ensino tem potencial para qualificar a formação do futuro profissional da saúde, buscando um perfil de egresso com postura crítica e reflexiva. A Universidade deve investir na educação permanente do corpo docente para atuar na estratégia educativa do ensino por tutoria. Palavras-chave: Currículo; Educação Superior; Serviços de Integração Docente-Assistencial; Estratégia Saúde da Família. Referências BARBOSA, M. F. S. O.; REZENDE, F. A prática dos tutores em um programa de formação pedagógica a distância: avanços e desafios. Interface comunic., saúde, educ., Botucatu, v. 10, n. 20, p. 473-86, jul./dez. 2006. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: 70. ed. São Paulo: Almedina, 2011. BELCHER, R. et al. Qualitative study of the impact of an authentic electronic portfolio in undergraduate medical education. BMC medical education, Londres, v. 14, p. 265-270, 2014. BOTTI, S. H. O.; REGO, S. Preceptor, supervisor, tutor e mentor: quais são seus papéis? Rev. bras. educ. méd., Rio de Janeiro, v. 32, n. 3, p. 363-373, 2008. CHAVES, L. J. et al. A tutoria como estratégia educacional no ensino médico. Rev. bras. educ. méd., Rio de Janeiro, v. 38, n. 4, p. 532-541, 2014. GARCÍA, M. A. P.; RIVERA, C. F. Tutoría como herramienta académica del desarrollo de competencias transversales. Revista ibero-americana de educação, Madrid, v. 68, no. 1, p. 165-178, 2015. LEWGOY, A. M. B. et al. A tutoria na residência integrada multiprofissional em saúde: uma experiência junto ao grupo interprofissional de prevenção e orientação em controle de infecção. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS, 15., 2016, Olinda. Anais... Olinda: Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Serviço Social, set. 2016.

MOREIRA, C. F. N. O trabalho com grupos em Serviço Social: a dinâmica de grupo como estratégia para reflexão crítica. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2014. REEVES, S. et al. Interprofessional education: effects on professional practice and healthcare outcomes (update). Cochrane Database of Systematic Reviews. Issue 3, 2013. Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/14651858.cd002213.pub3/pdf>. Acesso em: 26 out. 2016. TOASSI, R. F. C.; LEWGOY, A. M. B. Práticas Integradas em Saúde I: uma experiência inovadora de integração intercurricular e interdisciplinar. Interface comunic., saúde, educ., Botucatu, v. 20, n. 57, p. 449-461, 2016. WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Learning together for action on interprofessional education & collaborative practice. Geneva: WHO, 2010.