O estudo da mediação do tempo na Comunicação 1

Documentos relacionados
A filosofia da linguagem no estudo da comunicação 1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E SOCIEDADE

Mikhail Bakhtin: contribuições para o estudo da semiótica da comunicação 1

DACEX CTCOM Disciplina: Análise do Discurso. Profa. Dr. Carolina Mandaji

Filosofia da linguagem: possibilidades dialógicas de estudo entre comunicação, sociedade e cultura 1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL Nível Mestrado e Doutorado

DACEX CTCOM Disciplina: Análise do Discurso. Profa. Dr. Carolina Mandaji

A semiótica discursiva no estudo do jornalismo e da sociedade 1

A coleção Português Linguagens e os gêneros discursivos nas propostas de produção textual

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL Nível Mestrado Disciplina eletiva

Suely Aparecida da Silva

A ESTÉTICA BAKHITINIANA E SUA POTENCIALIDADE PARA PENSAR PRÁTICAS ALFABETIZADORAS COMO ATOS RESPONSÁVEIS/RESPONSIVOS

Contribuições do pensamento de Bakhtin para a alfabetização

Prefácio A obra em contexto: tradução, história e autoria (Sheila Camargo Grillo)...19

A VISÃO DIALÓGICA DO DISCURSO

O livro na sociedade, a sociedade no livro: pensando sociologicamente a literatura

Estudo semiótico de jornais: possibilidades de diálogos na filosofia da linguagem 1

10 Seminário de Extensão ERA UMA VEZ... LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS NA EDUCAÇÃO BÁSICA

AS RELAÇÕES CONSTITUTIVAS DO SER SOCIAL

BAKHTIN, Mikhail M. Para uma filosofia do ato responsável.

Transmissão da ideologia dominante como forma de inserção na cultura científica

Anderson Cristiano da Silva a Miriam Baub Puzzo b

O DISCURSO CITADO: UM ESTUDO SOBRE A OBRA DE BAKHTIN

O desenvolvimento da imaginação por meio da leitura dos gêneros do discurso na escola

Rebak 1 : A alteridade pelo viés dialógico e a prática de escrita do aluno

A LINGUAGEM NO CENTRO DA FORMAÇÃO DO SUJEITO. Avanete Pereira Sousa 1 Darlene Silva Santos Santana 2 INTRODUÇÃO

O eu e o outro no ato de ler

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS ESTRANGEIRAS MODERNAS

Sujeito e ideologia para Pêcheux e para Bakhtin: bordando fronteiras. Mikhail Bakhtin e Michel Pêcheux: breves considerações

Infográfico como linguagem na divulgação científica estudo na perspectiva da análise dialógica do discurso (ADD) de Bakhtin

Palavras-chave: Formação continuada; Prática docente; Escola rural.

Dialogismo e interação em Bakhtin: fundamentos para a prática em sala de aula

A ALFABETIZAÇÃO DAS CRIANÇAS NUMA ESCOLA PÚBLICA E UMA PESQUISADORA

Universidade Federal Fluminense Instituto de História Profª. Renata Meirelles Disciplina: Historiografia

GRIGORIY ZIMIM Antonio Rodrigues Belon

Gêneros do discurso: contribuições do Círculo de Bakhtin. Profa. Sheila Vieira de Camargo Grillo

Instrumento. COSTA, Sérgio Roberto. Dicionário de Gêneros Textuais. Belo Horizonte: Autêntica, Mariângela Maia de Oliveira *

Conteúdo programático: 1-Discutindo conceitos de cultura e de práticas culturais. 2-Sociedade, civilização e costumes: entre a História Cultural e a S

Projeto CNPq/CAPES Processo / BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política. São Paulo: UNB, 2010.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP, São Paulo, Brasil; CNPq-PQ nº /2014-5;

2ª feira. 3ª feira. 4ª feira DISCIPLINAS 2º SEMESTRE 2014

Koch, I. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997, 124 p.

O ato como representação do professor responsável

ARON, Raymond. O Marxismo de Marx. 3. Ed. Tradução: Jorge Bastos. São Paulo: Arx, 2005.

10/06/2010. Prof. Sidney Facundes. Adriana Oliveira Betânia Sousa Cyntia de Sousa Godinho Giselda da Rocha Fagundes Mariane da Cruz da Silva

O DIÁLOGO ENTRE LITERATURA E FILOSOFIA NA FICÇÃO BRASILEIRA DO SÉCULO XX

Produção de sentidos sobre a prática teatral: perspectiva dialógica na dimensão verbo-visual 1

Signos da multiplicidade no cinema de Peter Greenaway 1. Francismar FORMENTÃO 2 Universidade Estadual do Centro-Oeste, Guarapuava, PR

Alteridade e responsividade em Bakhtin

A NATUREZA CONSTITUTIVA DO DISCURSO PEDAGÓGICO

BRAIT, Beth (org). BAKHTIN: CONCEITOS-CHAVE. São Paulo: Contexto,2005.

HISTORIOGRAFIA EM TRABALHO E EDUCAÇÃO

A JUSTIÇA RESTAURATIVA POR UM VIÉS DA PESQUISA EM LINGUAGEM: POR UMA NOVA VISÃO DE MUNDO 1

A PROPÓSITO DA ANÁLISE AUTOMÁTICA DO DISCURSO: ATUALIZAÇÃO E PERSPECTIVAS (1975)

Dialogismo e polifonia: as vozes na/da educação do campo a partir da carta da professora Maria de Vila Pavão ES

O TRABALHO COM TEXTOS NUMA TURMA DE CINCO ANOS

A EPISTEMOLOGIA HÍBRIDA NA RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA A PARTIR DOS ESTUDOS DE MIKHAIL BAKHTIN. Maria Geísa Morais Lins 1 INTRODUÇÃO

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO. PLANO DE ENSINO Ano Semestre letivo º. 1. Identificação Código

Ementa: Estudo e discussão sobre processos de ensino e aprendizagem de línguas, envolvendo diferentes teorias, métodos e abordagens.

Palavras-chave: Prática pedagógica, Processo de Montagem, Teatro na universidade.

Paradigmas filosóficos e conhecimento da educação:

Contribuições dos Estudos Bakhtinianos aos Estudos Neurolinguísticos

VOZES ALHEIAS MATERIALIZADAS EM CADERNOS ESCOLARES: COMO COMPREENDÊ-LAS?

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA PLANO DE ENSINO DA DISCIPLINA

CLASSIFICADOS DE JORNAIS: DIVERSIDADE DE VOZES E CONSTITUIÇÃO DE SUBJETIVIDADE

O gênero discursivo cartaz de protesto: dialogismo e interação social na voz das ruas

29º Seminário de Extensão Universitária da Região Sul NÚCLEO DE PRODUÇÃO E PESQUISA EM CINEMA DA UNICENTRO

Submissão de Resumos Sessões de Comunicação Coordenada. Dados Gerais da Sessão de Comunicação Coordenada

O Discurso Midiático e a Construção da Notícia: relações entre infraestrutura e superestrutura da teoria bakhtiniana

DACEX CTCOM Disciplina: Análise do Discurso. Profa. Dr. Carolina Mandaji

DO TEMA E SIGNIFICAÇÃO APLICADOS À LÍNGUA ESPACIAL: CUTUCANDO BAKHTIN. Por Anderson Simão DUARTE

BENS CULTURAIS E SIMBÓLICOS E A EDUCAÇÃO EM PIERRE BOURDIEU

Uma perspectiva bakhtiniana de dialogismo, discurso, enunciado no romance Ensaio sobre a cegueira

PROJETO DE PRÁTICA COMO COMPONENTE CURRICULAR. AS LINGUAGENS DA CIDADE: mapas espaciais e mapas sociolinguísticos

AS VOZES SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE

NOÇÕES BÁSICAS DE CONCEITOS EM BAKHTIN

DESAFIOS DOS ESTUDOS CURRICULARES CRÍTICOS:

A MEDIAÇÃO SEMIÓTICA DOS INSTRUMENTOS CULTURAIS NA APRENDIZAGEM DE CONCEITOS CIENTÍFICOS

BAKHTIN E A PÓS-MODERNIDADE: ABERTURA DAS NOÇÕES DE DIALOGISMO E POLIFONIA PARA O PENSAMENTO PÓS- MODERNO

DISCIPLINAS OPTATIVAS

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

Programa de Disciplina

EXCEDENTE DE VISÃO: UM OLHAR EXOTÓPICO ATRAVÉS DAS ARTES 1

O TRABALHO COM GÊNEROS TEXTUAIS NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

EMENTAS DAS DISCIPLINAS DO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO E DOUTORADO (Resolução nº 182/2017-CI/CCH 31/10/2017)

EMENTA Problemas de teoria e método em Sociologia da Cultura e História Social da Arte. Produção artística, cultural e intelectual.

Letras Língua Portuguesa

Livros didáticos de língua portuguesa para o ensino básico

INTRODUÇÃO LONDON, J. Ao sul da fenda. In: LONDON, J. Contos. São Paulo: Expressão Popular, (p )

Curso PROEJA FIC ENSINO FUNDAMENTAL BILÍNGUE LIBRAS/PORTUGUÊS COM PROFISSIONALIZAÇÃO EM FOTOGRAFIA DIGITAL: EDIÇÃO DE IMAGENS

Semiótica. Prof. Veríssimo Ferreira

GÊNERO CHARGE: DO PAPEL AOS BYTES

Disciplina: EPISTEMOLOGIA DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO ECONÔMICO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

ESTUDOS BAKHTINIANOS: LINGUAGENS, GÊNEROS E DISCURSOS APRESENTAÇÃO

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ CURSO DE DESIGN. Método Dialético. Profª: Kátia Paulino

V SEMINÁRIO DE PESQUISA E ESTUDOS LINGUÍSTICOS FUNCIONAMENTO DISCURSIVO SOBRE ALIENAÇÃO PARENTAL NA MÍDIA BRASILEIRA

ENUNCIAÇÃO: DIALOGIA E DIALÉTICA

Os Sociólogos Clássicos Pt.2

Transcrição:

O estudo da mediação do tempo na Comunicação 1 FORMENTÃO, Francismar UNICENTRO/PR RESUMO A comunicação é mediada pela linguagem e instaura a história, no estudo da mediação, a filosofia da linguagem apresentada por Mikhail Bakhtin contribui explicando o universo sígnico ideológico e o movimento de tempo-espaço, que articulam obrigatoriamente forma-conteúdo e processo. A linguagem materializa movimentos de relações sociais que acontecem em uma dinâmica fluída e de alteridades de sujeitos em devir histórico. PALAVRAS-CHAVE: tempo-espaço; mediação, história; comunicação; filosofia da linguagem. O entendimento da realidade material nos vários campos da comunicação implica no reconhecimento da materialidade ideológica do signo e do papel fundamental da linguagem como movimento epistemológicos de estudo da mediação do tempo na comunicação, estudo e de exposição de dados sustentada nos parâmetros da filosofia da linguagem. A equivalência entre os signos e a ideologia em Bakhtin torna todos os fenômenos ideológicos um conjunto de signos, um universo em sua dupla materialidade a física/material e a sócio/histórica. (BAKHTIN, 1995, p. 33). No signo existe uma perspectiva, um ponto de vista que o constituiu e o determina sóciohistoricamente, e é na comunicação que os signos materializam sentidos. O sujeito, no evento de ser, processo de devir existencial, se constitui como tal na cultura polifônica em tempo e espaço dinâmicos que entrelaçam passado e presente, compartilhados pelos demais sujeitos sociais. A cronotopia designa um lugar coletivo, espécie de matriz espaço-temporal de onde as várias histórias se contam ou se escrevem. Está ligado aos gêneros e a sua trajetória. [...] Bakhtin mostra que à visão do sujeito individual e privado corresponde um tempo individualizado e desdobrado em múltiplas esferas: o tempo de cada um dos sujeitos, em função de suas múltiplas vivências (AMORIM. In: BRAIT, 2006, p. 105). Espaço tempo estando relacionados com o momento histórico, contudo, são refrações do mundo real, compondo movimentos integrados que dão visibilidade às diferentes formas de narrar um mesmo acontecimento. 1 Trabalho apresentado no GT Historiografia da Mídia, componente do I Encontro Paraná/Santa Catarina de História da Mídia. 1

O conceito/categoria de cronotopia, relacionado ao movimento dialético de espaço-tempo, tanto no objeto estético, quanto no artístico-literário, trata da fusão dos indícios espaciais e temporais num todo compreensivo e concreto (...). Os índices do tempo transparecem no espaço, e o espaço reveste-se de sentido e é medido com o tempo. Esse cruzamento de séries e fusão de sinais caracterizam o cronotopo artístico. (BAKHTIN, 1998, p. 211). cronotopo A categoria, ou o movimento de tempo-espaço denominada por Bakhtin como [...] é um termo adaptado da teoria da relatividade de Einstein para designar a relação de interdependência existente entre as categorias de tempo e espaço no romance. O tempo, ao se inscrever no espaço, torna-se não somente uma outra dimensão deste (o espaço), como também resgata o modo de ver o mundo de uma época e um autor. O cronotopo possibilita a leitura de tempo no próprio discurso. No romance, o cronotopo é centro organizador dos principais acontecimentos temáticos e o princípio determinante do gênero. (MACHADO, 1995, p. 309-310). Essa relação tempo-espaço acontece em todas as relações dialógicas, ou seja, nas relações entre discursos constituídos nas alteridades dos sujeitos. O tempo dimensiona e organiza o discurso, é determinante do espaço, ambos interagem e revelam a natureza do discurso social ou artístico. O acontecimento está formado no preenchimento do espaço como um todo em formação, e simultaneamente, com a aptidão para ver o tempo, para ler o tempo no espaço e não apenas como parte imutável de algo estabelecido, mas como parte fundamental nesta relação. A aptidão para ler, em tudo tanto na natureza quanto nos costumes e até nas suas idéias (nos seus conceitos abstratos) -, os indícios da marcha do tempo. (BAKHTIN, 1997, p. 243). O movimento temporal aparece no ambiente, e principalmente na natureza, como nas estações do ano, nos indícios do clima, do sol e das estrelas. Tudo isso está relacionado com os momentos que lhe correspondem na vida do homem (com seus costumes, sua atividade, seu trabalho) e que constituem o tempo cíclico. (BAKHTIN, 1997, p. 243). No campo do conhecimento surgem questionamentos sobre a relação existente entre a comunicação e a sociedade que a institui como campo existência social, pois, além de ser fundamental no processo de comunicação, é também um elemento importante do movimento histórico. Os estudos históricos encontram-se de certa forma eivados pelo presentismo reivindicado por Benedetto Croce (MASIP, 2001, p. 310), que 2

estabelece para o estudo da história a concepção de um passado inacabado em permanente reconstrução. Sobre as idéias de Croce, Adam Schaff esclarece que: É esta visão radicalmente subjetivista da história que o presentismo subentende. Porque se tudo o que existe é um produto do espírito, os fatos históricos são-no igualmente. Não há passado objetivamente dado, há apenas fatos criados pelo espírito num presente extremamente variável. Toda história deve pois ser atual, visto que é o produto de um espírito cuja atividade se situa sempre no presente, e que cria a sua imagem histórica (fora da qual não existe história) sob a influência de interesses e de motivos atuais. (SCHAFF, 1986, p. 111). Adam Schaff afirma que o conhecimento é um processo infinito de verdades parciais que a humanidade estabelece nas diversas fases de seu desenvolvimento histórico. (SCHAFF, 1986, p. 97). A construção contínua do passado sempre se dá em um tempo presente para os historiadores e para os pesquisadores das diversas áreas do conhecimento: o sujeito que pesquisa os fatos ocorridos no passado e que estão todos submetidos a condicionantes históricas, está condicionado também, assim como ao conhecimento que a gerou. Tratase do que Schaff preferiu chamar de condicionamento social do conhecimento histórico. Assim, [...] evidencia-se como imprópria qualquer coincidência entre memória e História. A memória, como construção social, é formação de imagem necessária para os processos de constituição e reforço da identidade individual, coletiva e nacional. Não se confunde com a História, que é forma intelectual de conhecimento, operação cognitiva. A memória, ao invés, é operação ideológica, processo psíquico-social de representação de si próprio, que reorganiza simbolicamente o universo das pessoas, das coisas, imagens e relações, pelas legitimações que produz. A memória fornece quadros de orientação, de assimilação do novo, códigos para classificação e para intercâmbio social. Nessa perspectiva, o estudo da memória ganharia muito se fosse conduzido no domínio das representações sociais. [...] A História não deve ser o duplo científico da memória; o historiador não pode abandonar sua função crítica; a memória precisa ser tratada como objeto da História. (MENESES, p. 11, 1999). Essas relações e movimentos assumem sua materialidade no signo ideológico, num processo de relação social, que é marcado por um horizonte social de uma época e de um grupo social definido. O signo é determinado pelas formas da interação social, e tem seu conteúdo também determinado por este meio. (BAKHTIN, 1995, p. 44-45). 3

Nesse processo, a alteridade, o outro é de fundamental importância. A alteridade implica em interação entre o eu e o outro, em que ambos se incluem mutuamente, numa relação recíproca, se definindo na tríade eu-para-mim, outro-para-mim e eu-para-o outro, numa ação concreta. Essa ação se materializa no ato, no discurso, e requer uma compreensão responsiva e responsável de ordem ética e cognitiva (conhecimento), dos sujeitos em interação. Jacques Revel (2009) cita o historiador britânico Quentin Skinner 2 que critica o olhar internalista de textos históricos, como se eles estivessem situados fora do tempo. Alem disso, Revel também discute a crítica à ilusão de coerência e de continuidade que produzem as obras (...) (e de que a história da arte, a história da literatura ou a da filosofia frequentemente oferecem exemplo). (REVEL, 2009, p. 134). Pensando em comunicação como a mediação da linguagem no tempo, é importante destacar que estudos que fragmentam e conduzem sob a lógica desta coerência e desta continuidade também implicam no risco de situarem-se fora do tempo (história da imprensa, história da mídia, história da comunicação também oferecem de forma recorrente exemplos desta fragmentação), assim, destacar novamente o pensamento de se pensar conteúdo e forma da comunicação, em suas mais diversas perspectivas implica sempre em pensar no movimento de tempo e espaço. Segundo Revel, Skinner julga necessário [...] recolocar os enunciados em um contexto: não o contexto geralmente definido demais que constituiria o quadro fundamental para qualquer tentativa de compreensão, que determinaria, portanto, o que é dito, pensado, escrito e recebido no seio de uma dada sociedade, mas uma série de contextos que deve permitir especificar não somente os usos que são feitos das palavras e conceitos, mas também as intenções que foram as dos autores em situações histórias particulares e que é importante reconstituir. (...) Skinner propõe, portanto, é levar em conta a dimensão performativa de um enunciado, dos efeitos que ele pretende produzir dentro de um dado sistema de comunicação; é ao mesmo tempo, a reivindicação de uma abordagem propriamente histórica deste enunciado. Daí esta formulação lapidar, que foi vigorosamente discutida: Simplesmente não existem questões eternas em filosofia: há apenas respostas individuais a questões individuais, como tantas respostas diferentes quanto haja questões, e tantas questões diferentes quanta haja interrogadores. (REVEL, 2009, p. 134). Nas relações sociais existe uma dinâmica fluída, dialógica que conduzem à 2 Skinner, Q. Meaning and understading in the magic. Londres: Penguin Books, 1971. 4

produção do sentido. Em Bakhtin, essa produção do sentido não é absolutizada e nem relativizada axiológicamente, e sim, estabelecida como um processo aberto do vir-a-ser humano. Acontecimento que carrega a alteridade do homem como fator fundamental de um processo que, pela linguagem, dá ao signo sentido e existência ideológica. O homem num entendimento que não se deixa levar por um reducionismo economicista é um ser social imerso nesta dinâmica, pois Para entrar na história é pouco nascer fisicamente: assim nasce o animal, mas ele não entra na história. É necessário algo como um segundo nascimento, um nascimento social. O homem não nasce como um organismo biológico abstrato, mas como fazendeiro ou camponês, burguês ou proletário: isto é o principal. [...] Só essa localização social e histórica do homem o torna real e lhe determina o conteúdo da criação da vida e da cultura (BAKHTIN, 2004, p. 11). A comunicação situa-se como um espaço de produção de discursos que se instaura no dialogismo, que é o princípio constitutivo da linguagem e a condição do sentido do discurso (BARROS. In: FARACO et alii, 2001, p. 33). Como gênero, assume esferas e campos de circulação e significação que recriam em signos uma materialidade específica da realidade, uma mediação da mediação. A comunicação é uma mediação da linguagem no tempo e no espaço, uma substancia da história e a constituição da sociedade em seu devir, assim a história deve ser observada fora do seu contexto unificado, fragmentado, e sim em um [...] contexto que se poderia chamar de folheado visto que é feito de uma série de contextos diferentes e diferentemente organizados, o que é uma maneira de lembrar que os autores sociais do passado viviam, como é nosso caso, simultaneamente em vários mundos de significações e de ações. (REVEL, 2009, p. 136). Pensar história em comunicação é um exercício obrigatório de consideração de contextos diversos, folheados, em quês sujeitos se organizam nas mais diversas esferas de criatividade ideológicas e mediam pela linguagem comunicações, constituindo em seu devir histórico, movimentos de tempo x espaço, em que o estudo da mediação do tempo também tem como caráter obrigatório observar estes processos como movimentos de conteúdo e formas condicionados por estes autores sociais que vivem simultaneamente em vários mundos de produção de sentido e com horizontes axiológicos diversos em consonância de tempos. REFERÊNCIAS 5

AMORIM, Marília. Cronotopo e exotopia. In: BRAIT, Beth (Org.) Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006 BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: contexto de François Rebelais. São Paulo: Hucitec. 1987. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BAKHTIN, Mikhail. Discurso na vida e discurso na arte: sobre a poética sociológica. In: Freudism a marxist critique. Tradução de FARACO, C. e TEZZA, C. (UFPR) para fins didáticos. New York: Academic Press, 1976. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1995. BAKHTIN, Mikhail. O freudismo: um esboço crítico. São Paulo: Perspectiva, 2004. BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981. BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: Editora UNESP, 1998. BARROS, Diana Luz Pessoa de. Contribuições de Bakhtin às teorias do texto e do discurso. In: FARACO, Carlos Alberto et alii. Diálogos com Bakhtin. Curitiba: Editora da UFPR, 2001. BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988. MACHADO, Irene A. O romance e a voz - a prosaica dialógica de Mikhail Bakhtin. Rio de Janeiro, São Paulo: Imago - FAPESP, 1995. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2004. MARX, Karl. 1818-1883. Mercadoria e dinheiro. In: O capital: crítica da economia política: livro primeiro o processo de produção do capital. São Paulo: Editora Bertrand Brasil, 1987. MASIP, Vicente. História da filosofia ocidental. São Paulo: EPU, 2001. MENESES. U. T. B. A crise da memória, história e documento: reflexões para um tempo de transformações. Arquivos, patrimônio e memória: trajetórias e perspectivas. organizadora Zélia Lopes da Silva. São Paulo: Editora UNESP: FAPESP, 1999. MIOTELLO, Valdemir. Ideologia. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. REVEL, Jacques. Proposições. Rio de Janeiro, EdUERJ, 2009. SCHAFF, Adam. História e verdade. Tradução de Maria Paula Duarte. São Paulo: Martins Fontes, 1986. SOBRAL, Adail. Filosofias (e filosofia em Bakhtin). In: BRAIT, Beth (Org.) Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. 6